Mostrando postagens com marcador Garotinho. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Garotinho. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

SOBRE GAROTINHO, MALUF, IMUNIDADE PARLAMENTAR E FORO PRIVILEGIADO



Anthony Garotinho foi libertado da cadeia na noite da última quinta-feira, graças ao bom coração do ministro Gilmar Mendes (mais detalhes nas minhas postagens do dia 21 e 22). O ex-governador estava preso havia um mês, acusado de crimes eleitorais, de liderar uma organização criminosa que extorquia empresários e de receber dinheiro sujo da JBS.

Na semana passada, o ministro Fachin mandou prender o ex-prefeito de São Paulo e eterno deputado federal Paulo Maluf, condenado pelo STF a 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado. A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, negou pedido para suspender a execução da condenação, e Maluf se entregou à PF, na última quinta-feira, e foi transferido para o Distrito Federal na sexta, onde deverá cumprir a pena no presídio da Papuda.

O fato de ter 86 anos de idade já favoreceu Maluf em outras acusações, que foram atingidas pela prescrição (extinção do prazo legal para eventual punição) ― já que os prazos são reduzidos pela metade quando o réu tem mais de 70 anos ―, mas não assegura ao turco lalau o direito à prisão domiciliar, já que a Lei de Execução Penal prevê que os condenados com mais de 70 anos poderão ficar em suas casas apenas se estiverem sob regime aberto. No entanto, há tribunais que autorizam sentenciados com saúde precária a cumprir a pena em casa, como aconteceu com o médico Roger Abdelmassih, 74, condenado a 181 anos de prisão pela prática de 48 estupros contra 37 mulheres, que foi mandado para casa, em setembro passado, pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Quanto ao foro privilegiado ― assunto que eu já abordei em diversas oportunidades ―, volto a lembrar que, no Brasil, essa prerrogativa se transformou em passaporte para a impunidade, já que dá aos políticos que cometem crimes o direito de ser julgados por seus pares ou por instâncias superiores da Justiça, onde a tramitação dos processos leva uma eternidade.

Como salienta o jornalista J.R. Guzzo, qualquer pesquisa do Ibope ou do Instituto Santa Izildinha de Opinião Pública vai dar que 100% são contra, podendo, com a margem de erro, chegar a 102%. Mas será que há mesmo neste país tanta gente contra a impunidade? A resposta é: não, não há. Ao contrário, há uma quantidade surpreendente de cidadãos que são a favor ― e é justamente por isso que o foro privilegiado e as imunidades continuam a existir.

É verdade que há alguns ruídos sobre o assunto no STF, com educadas sugestões de se “restringir” um tanto esses privilégios ― na tentativa de que pelo menos algum crime de peixe graúdo, um só que seja, possa enfim acabar punido. Digamos: se o senador matou a mãe a machadadas e não conseguiu provar que ela estava infernizando o exercício do seu cargo, talvez possa ter problemas com a justiça. Não seria, nesse caso, julgado “por seus pares”, e sim numa vara da justiça criminal. Mas nem isso está indo adiante. O julgamento começou, parou, recomeçou, parou de novo, e não tem data para recomeçar.

Os 513 deputados federais e 81 senadores ficam com a imagem de ser os únicos que tiram vantagem dessa excrescência, mas na verdade esses 549 beneficiários são uma gota d’água no total de brasileiros protegidos pelo amplo leque de impunidades em vigor para quem é “autoridade”. Por conta disso, os contribuintes pagam os salários, benefícios e futuras aposentadorias de nada menos que 55.000 indivíduos que têm o direito de não responder à justiça pelo que fazem, de uma batida de carro ao estupro qualificado ― não da mesma forma que respondem os demais 200 milhões de habitantes deste país.

Desfrutam dos privilégios, numa conta geral, todos os juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores ― incluindo-se aí os “tribunais de contas”. Só de juiz, neste bolo, são mais de 17.000. Somam-se a eles os procuradores, subprocuradores, promotores e tudo mais que faz parte da armada de ministérios públicos que há por aí. São um monte, acrescidos de “núcleos” ― para o Trabalho, o Meio Ambiente, a Cidadania, a Mulher, o Índio, o Gênero e por aí vai, até onde alcança a capacidade do serviço público em multiplicar a própria espécie. Entram também os 27 governadores de Estado, os prefeitos e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Têm foro especial, ainda, todos os ministros de Estado, e aí a proteção vale realmente para qualquer um ― por exemplo, para certa ministra que se acha escrava por ganhar só 33.000 reais por mês. Soma-se mais umas turminhas de burocratas aqui e ali, e pronto ― eis aí os tais 55.000.

Em que país sério deste mundo existe algo parecido? Por que o resto da humanidade estaria errada e brasileiros, certos? (Juízes e procuradores, aliás, ficam horrorizados com o foro privilegiado e as imunidades dos políticos, mas acham a coisa mais normal do mundo que o mesmo privilégio seja aplicado a eles próprios).

É claro que toda essa multidão, suas famílias, amigos e amigos dos amigos são furiosamente a favor da manutenção das “imunidades”. Não abrem mão nesta vida, de jeito nenhum, de três coisas: os salários acima do teto legal, os “benefícios” que obrigam o cidadão brasileiro a lhes pagar, fora isso, a comida, a casa, o carro e sabe Deus o que mais, e o “foro especial”. Utilizam, em seu favor, um argumento antigo e que hoje se tornou apenas velho ― o de que os privilégios legais servem para defender a sociedade inteira, e não apenas os seus beneficiários diretos. Os políticos, por exemplo: não poderiam exercer com liberdade os mandatos para os quais foram eleitos se estivessem sujeitos o tempo todo a processos judiciais que certamente seriam abertos contra eles por seus adversários. Os magistrados e procuradores, da mesma maneira, não poderiam julgar ou denunciar os inimigos da sociedade de forma imparcial e independente, se vivessem sob o risco de ficar atolados em processos judiciais movidos por governos, réus influentes e outras forças poderosas. Seria, em suma, a defesa da democracia, das liberdades e das instituições. Mas não é nada disso.

Nenhum político ou magistrado precisa de imunidades para exercer com liberdade, consciência e autonomia os seus mandatos e funções. Basta que sejam honestos; basta que não pratiquem crimes previstos no Código Penal Brasileiro. As prerrogativas legais que protegem hoje o seu trabalho continuariam a existir, perfeitamente, se fosse suprimido o foro especial como ele funciona; ninguém sugeriu, nem de longe, que tais garantias fossem diminuídas. Se um cidadão honesto não precisa de nenhuma “imunidade” para viver e trabalhar em paz, por que raios um deputado, juiz ou promotor público haveria de precisar? Isso aqui, afinal, não é nenhuma ditadura onde os donos do governo podem cassar deputados ou demitir juízes de direito que os desagradam. O foro especial, na verdade, é inútil para proteger os honestos; serve unicamente para salvar o couro de quem quer roubar, vender sentenças e praticar outros crimes.

Naturalmente, juntam-se aos interessados diretos na defesa das imunidades todos os partidos, lideranças e militantes partidários do Brasil. Estão nessa turma, é claro, todos os escroques das nossas gangues políticas. Mas o escândalo real, neste assunto, é o apoio que a impunidade recebe do PSDB e do PT e seus satélites ― os “partidos éticos”, vejam só, que se dizem diferentes do lixo geral e se apresentam ao público, num caso e no outro, como modelos de integridade ou campeões das causas populares. Alguma vez as imunidades prejudicaram um rico? Alguma vez beneficiaram um pobre? Mas aí é que está. O senador Aécio Neves, vice-rei do PSDB, foi flagrado numa tentativa de extorsão e hoje vive sob a proteção do foro privilegiado; no dia da votação sobre o seu destino, a presidente do PT, em vez de comparecer ao Senado, conseguiu estar na Rússia. Pior: do maior líder popular que este país já teve não se ouviu até agora um pio contra essa safadeza disfarçada de “garantia constitucional”.

O problema é que quando há uma injustiça deste tamanho na frente de todo o mundo, dessas que clamam aos céus, e você fica em silêncio, não tem saída: você é cúmplice. Lula e o PT, tanto quanto seus grandes adversários, estão a favor do foro privilegiado na vida real. Sem o seu apoio, jamais se mudará coisa alguma. Mas porque iriam combater o que mais lhes ajuda?

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

sábado, 23 de dezembro de 2017

GILMAR, AH, GILMAR...


Quando o Judiciário voltar do recesso, em fevereiro, o ministro Gilmar Mendes será substituído na presidência do TSE pelo colega Luís Roberto Barroso. Até lá, como plantonista da Corte, ele pode decidir monocraticamente sobre assuntos urgentes, mesmo fora de sua relatoria. E assim o fez dias atrás, ao conceder habeas corpus a Anthony Garotinho, cujo pedido estava sob a responsabilidade do ministro Jorge Mussi. Em seu despacho, o ministro-deus alegou que, solto, o ex-governador do Rio ― que já havia sido preso, solto, depois preso novamente, no mês passado, e fazia greve de fome contra a perseguição de que afirma ser alvo ― não ameaça a ordem pública, e que não há fato algum que comprove a possibilidade de ele atrapalhar a tramitação da ação penal.

A decisão da encarnação tupiniquim de Themis (*) não chega a surpreender. No início deste mês, Mendes mandou soltar novamente Jacob Barata Filho ― a quem já havia concedido habeas corpus por duas vezes, derrubando decisões do juiz Marcelo Bretas (mais detalhes neste vídeo). Tanto nesse caso quanto no de Eike Batista ― solto em abril ―, o divino foi duramente criticado por não se dar por impedido. Por que deveria? Porque, foi padrinho de casamento da filha de Barata com um sobrinho de sua mulher ― dona Guiomar Mendes, que trabalha no escritório de advocacia que defende o empresário, que é sócio de um cunhado [de Mendes] numa empresa de ônibus.

Para qualquer pessoa minimamente esclarecida, isso seria motivo mais que suficiente para o magistrado se dar por impedido de atuar no caso. Mas Mendes entendeu que o juiz deve se afastar quando é “amigo íntimo” das partes, e essa qualificação não contempla padrinhos de casamento.

Quanto a Eike Batista, o empresário bilionário tão admirado por Lula e Dilma, o ministro não se deu por impedido porque não viu nada de mais no fato de o escritório de advocacia Sergio Bermudes, onde trabalha sua mulher, ter como cliente... Eike Batista

Dois meses atrás, a “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”, revogou liminarmente a transferência de Sérgio Cabral para um presídio de segurança máxima. solicitada pelo MPF depois que o ex-governador fez comentários sobre a atividade empresarial da família do juiz Bretas. Nesta semana, ele abriu as celas de Adriana Anselmo e de Marco Antonio de Luca (respectivamente mulher e provedor de propinas de Sérgio Cabral), suspendeu um inquérito por suspeita de corrupção que corria no STJ contra Beto Richa e mandou para o arquivo denúncias criminais contra o senador Benedito de Lira e os deputados Arthur Lira, Eduardo da Fonte e José Guimarães. Paralelamente, em duas ações por descumprimento de preceito fundamental (ajuizadas pelo PT e pela OAB), o divino suspendeu liminarmente o uso da condução coercitiva para levar investigados a interrogatório.

Observação: As decisões que beneficiaram Adriana e Richa foram monocráticas; as demais foram tomadas por uma magra maioria de dois votos (de Mendes e Toffoli) a um (de Fachin), já que Lewandowski e o decano Celso de Mello não apareceram para votar ― quiçá por terem ficado retidos em algum Shopping de Brasília ou Miami; afinal, o Natal está aí! De duas uma: ou o MP e as instâncias inferiores do Judiciário fazem um péssimo trabalho, ou a 2ª Turma do STF, autoconvertida numa espécie de Lapônia, resolveu provar aos encrencados da República que Papai Noel existe.

A prisão preventiva é um instrumento processual previsto Código de Processo Penal, e pode ser usada (por autoridade policial, pelo Ministério Público ou por um juiz) antes da condenação do réu em ação penal ou criminal, mas desde que atenda alguns pressupostos legais ― (1) garantir a ordem pública e econômica; (2) garantir a conveniência da instrução penal; (3) assegurar a aplicação da lei penal ―, para que não configure cumprimento antecipado de uma pena à qual o réu nem sequer foi condenado.

Tecnicamente, a concessão habeas corpus a Garotinho foi respaldada na letra fria da lei, mas nem por isso deixou de ser um tapa na cara de cariocas, fluminenses e brasileiros em geral, pois dá aos cidadãos de bem, que não aguentam mais tanta corrupção, a sensação de que a impunidade ainda campeia solta, malgrado os esforços da Lava-Jato, da PF, do MPF e de parte do Judiciário. Mas não pretendo discutir esse mérito ― não neste momento ― nem questionar a postura garantista do ministro Gilmar ou sua cruzada contra o Estado punitivista. A ideia é expor os fatos para que o leitor observe cuidadosamente quem foi alvo da “bondade” de Mendes e de seus acólitos no STF ― leia-se Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e, eventualmente, Marco Aurélio Mello (que compartilha o sobrenome com o primeiro presidente impichado da nova república, que é seu primo e foi quem o conduziu a nossa mais alta Corte).

Coincidência ou não, as recentes decisões de Gilmar Mendes― chamado pela IstoÉ de “o unânime”, por conta de sua atuação desagradar tanto a esquerda como a direita ― foram proferidas dias depois de a revista Veja publicar quase dez páginas sobre seu envolvimento com Joesley Batista. Através de imagens de câmeras de segurança, a reportagem mostra um encontro de Mendes e Joesley no Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual o ministro é sócio (com o filho Francisco Schertel Mendes), e cuja principal fonte de renda é o patrocínio (média de R$ 20 milhões por ano; entre 2008 e 2016, segundo registros oficiais, o ministro recebeu R$ 7,5 milhões a título de distribuição de lucros).

Em agosto passado, depois que Mendes soltou 9 presos da Lava-Jato em uma única semana, Veja publicou uma matéria de capa com a chamada “O juiz que discorda do Brasil”, e definiu o superministro como o “principal obstáculo do Judiciário na luta que o país vem travando contra a corrupção. Não sem motivo, como se vê. Tanto é que um dos abaixo-assinados que circula na Web propondo o impeachment de Mendes já conta com mais de 1,5 milhão de assinaturas.

A julgar pelo perfil do ministro, que mostra inigualável isenção no julgamento de todas as causas que chegam até ele, não causaria estranheza se seu impeachment caísse no seu colo e ele se decidisse a julgá-lo. Afinal, o que é que tem? Qual o problema?

Clique no vídeo abaixo para assistir ao mais recente bate-boca entre os ministros Mendes e Barroso:


 Bom Natal e até a próxima.

(*) Thémis (Θέμις), na mitologia grega, era a deusa-guardiã dos juramentos e dos homens da lei, embora esse papel coubesse também a Dice (Δίκη), que, na mitologia romana, correspondia a Iustitia, que personificava a Justiça.

Visite minhas comunidades na Rede .Link: