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sábado, 29 de junho de 2019

COISAS DO BRASIL

Por mais desgastante que seja ler (e escrever) sobre o circo mambembe envolvendo as supostas conversas entre Moro e os procuradores da Lava-Jato, as artimanhas de Zanin para colocar Lula em liberdade, as rusgas entre o Planalto e o Judiciário e outros temas que dariam um tratado sobre absurdismo, é impossível fugir a essa dura realidade. As coisas são como são, e não como gostaríamos que fossem.

Notícia sobre o que não presta é o que não falta nesta banânia, mas vez por outra surge um ponto fora da curva. Exemplo disso é a decisão do corregedor nacional do MPF, Orlando Rochadel, de arquivar o processo administrativo disciplinar aberto contra Deltan Dallagnol com base nas supostas “conversas tóxicas” entre o coordenador da Lava-Jato no Paraná e o então juiz federal Sérgio Moro.

Ao decidir pelo arquivamento, Rochadel afirmou não ser possível confirmar a autenticidade dos diálogos divulgados pelo Intercept e que não há indicativos de infração funcional. Segundo os procuradores investigados, as supostas mensagens foram obtidas de forma ilícita, com violação ao sigilo das comunicações, e os diálogos, possivelmente adulterados. "Ainda que as mensagens em tela fossem verdadeiras e houvessem sido captadas de forma lícita, não se verificaria nenhum ilícito funcional", complementou o corregedor.

Falando em coisa que não presta, o sucessor do canhestro Ricardo Vélez no ministério da Educação, Abraham Weintraub, referindo-se ao episódio envolvendo o sargento da Aeronáutica preso na Espanha com 39 kg de cocaína, postou no Twitter a seguinte pérola: “No passado o avião presidencial já transportou drogas em maior quantidade. Alguém sabe o peso do Lula ou da Dilma?”.

Um comentário espirituoso, sem dúvida, mas que não pegou bem devido ao cargo do aspirante a humorista. Aliás, Gleisi Hoffmann afirmou que vai processá-lo por comparar Lula e Dilma a droga: “O senhor fala dos outros aquilo que o senhor é: uma droga para a educação brasileira. Então, pode esperar que nós vamos processá-lo. Pelo que você falou de Lula e de Dilma, responderá em processo. Encaminharemos denúncia ao Ministério Público e ao Conselho de Ética da Presidência da República”, disse a presidente nacional do PT. É curioso o gosto dos petistas por questões judiciais, desde que não sejam eles os acusados, naturalmente. Enfim, segue o baile.

Na última terça-feira, depois que a 2ª Turma do STF decidiu não decidir e negar o pedido de liminar que visava soltar o petralha e mantê-lo em liberdade até que o mérito da ação que questiona a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro no caso do tríplex seja apreciado. Assim, o paciente terá de ser paciente e aguardar em sua cela VIP a conclusão do julgamento. Em tese, isso nos dá um mês de descanso, embora os recessos judiciários do ano passado nos assombrem como os Fantasmas dos Natais Passados assombraram Ebenezer Scrooge em Um Conto de Natal, de Charles Dickens.

Para quem não se lembra, há um ano o desembargador-plantonista do TRF-4, atendendo a um pedido dos deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, determinou a imediata soltura de Lula, dando início a uma verdadeira guerra de liminares. Em dezembro foi a vez do ministro Marco Aurélio Mello causar frisson com a estapafúrdia liminar publicada minutos depois do almoço de confraternização de final de ano do Supremo, e que só não resultou na libertação de Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos pelas instâncias superiores porque foi prontamente cassada por Dias Toffoli, responsável pelo plantão da Corte durante o recesso.

Conforme eu mencionei no post anterior, existe o risco de a defesa de Lula repetir a dose agora em julho. Se assim for, caberá novamente a Toffoli botar água no chopp da petralhada, sob pena de cutucar a opinião pública com o pé e passar o resto da vida fugindo das mordidas. Oxalá a patuleia e os defensores incondicionais da autodeclarada alma viva mais honesta do Brasil se conscientizem de que insistir no erro é burrice, porque de sobressaltos, más notícias, crises e assemelhados, nós estamos todos “por aqui” (registre-se que o articulista indica a altura da fronte).

Mudando de um ponto a outro, é curioso que se continue dando crédito ao material obtido criminosamente (hackeamento digital) e vazado seletivamente pelo Intercept, a despeito do viés nitidamente esquerdista do advogado e jornalista norte-americano Glenn Greenwald. que desde a criação da versão tupiniquim do site, em 2016, vem adotando uma linha editorial divorciada da isenção que se espera de um veículo de imprensa internacional, com publicações que servem apenas aos interesses dos partidos de esquerda.

David Miranda, cuja carreira política começou justamente quando o site em questão inaugurou sua versão brasileira e cujo patrimônio cresceu quase 400% desde então — é marido e braço-direito de Greenwald. Em 2013, ele ficou detido por nove horas no aeroporto de Heathrow, em Londres, sob a legislação antiterrorista, além de ter documentos ligados aos vazamentos de Snowden confiscados. Em 2016, elegeu-se vereador pelo PSOL, e em 2018 garantiu uma vaga de suplente de deputado federal, passando a titular quando Jean Wyllys abriu mão de seu terceiro mandato e se autoexilou na Espanha — supostamente devido a notícias do envolvimento de milicianos na morte da vereadora Marielle Franco, cuja demora na conclusão do inquérito vem dando margem às mais diversas teorias conspiratórias).

Abastecido por jornalistas freelancers, o Intercept engaveta reportagens que não estão de acordo com o alinhamento político de Greenwald, além de atacar grandes veículos de mídia brasileiros. Em 2016, o site deixou de publicar um artigo sobre a ocupação das escolas no Paraná porque o repórter havia conversado com jornalistas de uma emissora de TV — com a qual, no passado, Greenwald teve estreita relação — e incluíra no texto o ponto de vista deles. Dos 27 matérias publicadas entre os dias 1º e 13 de outubro de 2018 pelo Intercept, não houve uma linha que desabonasse o PT e o fantoche do ex-presidente presidiário, embora 5 artigos e 10 reportagens tenham feito a caveira do então candidato Jair Bolsonaro.

Fiel a seu objetivo maior, Greenwald segue divulgando seletivamente vazamentos sensacionalistas de trechos de um material obtido criminosamente e cuja autenticidade não foi comprovada pelas autoridades brasileiras. A despeito de conspurcar a imagem da imprensa isenta e prestar um desserviço ao tentar desacreditar a Lava-Jato e o combate à corrupção institucionalizada, o jornalista americano é endeusado pelos esquerdistas em geral e petistas em particular, bem como por políticos e corruptos de toda espécie. Até na mais alta cúpula do Judiciário, que há muito foi dividida em garantistas e punitivistas, o material espúrio tem produzido efeitos deletérios, haja vista a maneira como o togado supremo Gilmar Mendes se referiu, na última terça-feira, às denúncias feitas pelo Intercept.

Tirar da cartola soluções heterodoxas seria desnecessário se os nobres magistrados simplesmente cumprissem adequadamente suas funções. Lula continua preso, mas por muito pouco não conseguiu deixou o xilindró graças a mais essa manobra de Gilmar — que contou com a prestimosa colaboração de Ricardo Lewandowski, que seguiu prontamente o voto do colega. Gilmar deu a impressão de que trabalhava mais como advogado de defesa de Lula do que como julgador. Seus pares na 2ª Turma, que esperavam votar o habeas corpus e acabaram tendo de julgar uma liminar proposta no calor do momento. Demais disso, logo no início da sessão, foi também do ministro-deus a iniciativa de sugerir a libertação de Lula caso não fosse possível concluir os julgamentos do dia — estratégia logo assumida pela defesa do ex-presidente.

A sugestão de Gilmar, que é crítico ferrenho de Moro e da Operação Lava-Jato, além de encabeçar a lista dos ministros do STF com mais pedidos de impeachment, era conveniente para a defesa. Afinal, na melhor das hipóteses a liminar seria deferida e Lula estaria pronto para sair da cadeia; se a chicana não prosperasse — como de fato não prosperou — o HC continuaria vivo para ser julgado mais adiante, talvez sob o impacto de novas supostas conversas atribuídas a Sergio Moro e divulgadas pelo Intercept. Que algo assim fosse sugerido pela defesa seria de se esperar, mas não da parte de um dos julgadores. Chega a ser incompreensível; não há garantismo penal nem base regimental que expliquem essa postura.

Vale lembrar que não se trata de um fato inédito: em meados de 2018, uma chicana semelhante, prontamente acolhida por Dias Toffoli, resultou na soltura de José Dirceu (vencidos os votos de Edson Fachin e Celso de Mello). O ex-ministro de Lula e mentor intelectual do Mensalão, que foi condenado a mais de 30 anos de prisão, só voltou para o xadrez há pouco mais de um mês — antes desse episódio lamentável, ele havia ficado preso de agosto de 2015 a maio de 2017 e entre maio e junho de 2018.

À luz desses fatos, não fosse trágico, seria cômico o questionamento da lisura do ex-juiz Sérgio Moro. Mas esse é o retrato pronto e acabado do país em que vivemos. E cosi la nave va.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

LULA, O RECESSO DO JUDICIÁRIO E OUTRAS CONSIDERAÇÕES


O fato de Sérgio Moro ter aceitado ser ministro de Estado não significa que tenha condenado Lula com o propósito de abandonar 22 anos de magistratura para ocupar uma pasta na Esplanada dos Ministérios sob o comando de Bolsonaro — que em 2017, quando o ex-juiz da Lava-Jato proferiu a sentença nos autos da ação sobre o triplex no Guarujá, era apenas candidato a candidato e tinha tantas chances de vencer o pleito presidencial quando um camelo de passar pelo buraco de uma agulha. Mas o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos.

Cristiano Zanin e companhia jamais tiveram argumentos sólidos para defender o indefensável, tanto é que todas as estratégias de que se valeram para absolver Lula e, mais adiante, libertá-lo da prisão fizeram água. Foram mais de 100 recursos e chicanas de todos os tipos, e mesmo assim a culpabilidade chapada do petralha foi atestada por 21 juízes. O autodeclarado preso político (que na verdade não passa de um político preso) está no xadrez há quase 450 dias, e a despeito do que afirma a constelação de criminalistas a seu serviço, jamais se viu na história do direito penal brasileiro outro caso em que o direito de defesa foi tão explorado por um réu quanto no processo sobre o  tríplex no Guarujá.  

“Quis o destino” que a narrativa asinina de perseguição política fosse inflada pela divulgação tendenciosa de supostas conversas comprometedoras mantidas entre Moro, Dallagnol e outros integrantes da Lava-Jato. Esse material vem sendo divulgado a conta-gotas pelo The Intercept Brasil e reverberado ad nauseam por boa parte da mídia, o que é música para os ouvidos da banda podre do Congresso, de membros “garantistas” da alta cúpula do Judiciário e para a defesa do petralha. No fim das contas, o que se tem é uma articulação espúria cujo propósito é inocentar o criminoso, desmoralizar a maior operação anticorrupção da história deste país e criminalizar o juiz e os procuradores federais que colocaram Lula na cadeia.      

O supremo togado Gilmar Mendes, que pediu vista do habeas corpus de Lula em dezembro, quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam se posicionado contra o pedido da defesa, devolveu os autos tão logo os primeiros “diálogos tóxicos” foram vazados pelo Intercept. Na última terça-feira, depois de alegar que não haveria tempo para concluir o julgamento, ele abraçou alegremente a proposta de Zanin e votou pela concessão de uma liminar para soltar Lula e mantê-lo em liberdade até o que o mérito do recurso seja julgado.

Em seu voto, em vez de cingir-se ao motivo formal do habeas corpus — que é o fato de Moro ter aceitado ser ministro de BolsonaroMendes enfatizou a troca de mensagens, afirmando não haver como negar que as matérias “possuem relação com fatos públicos e notórios cujos desdobramentos ainda estão sendo analisados", e que tais revelações "podem influenciar o deslinde das circunstâncias". Disse ainda que a própria PGR estaria em dúvida sobre os diálogos, quando o que Raquel Dodge afirmou em seu parecer foi que o material não teve sua veracidade reconhecida, além de ter sido conseguido de forma ilegal.

O estratagema não funcionou: Edson Fachin, Cármen Lúcia e Celso de Mello votaram contra o pedido de liberdade provisória. O decano argumentou que o juiz pode usar seu "poder geral de cautela toda vez que se cuidar de algo favorável ao acusado", mas que, no caso de Lula, há "três títulos condenatórios emanados contra o paciente”, referindo-se às condenações em primeira, segunda e terceira instâncias do Judiciário tupiniquim. Mesmo sendo partidário do início do cumprimento da pena após confirmação da sentença condenatória por um juízo colegiado, Mello salientou que, no caso sub judice, já se cumpriu o requisito que deve ser definido mais adiante pelo plenário da Corte — da prisão após condenação em terceira instância, baseado na proposta de Dias Toffoli, que possivelmente prevalecerá, pois é pouco provável que o Supremo retroceda ao entendimento de que a prisão deve se dar somente após o trânsito em julgado da condenação (que no Brasil, como se sabe, é no dia de São Nunca). 

Enfim, Mendes e Lewandowski compraram a tese de suspeição de Moro, influenciados claramente pelos diálogos vazados de maneira espúria, conquanto afirmem ter votado apenas com base nos autos, mas foram vencidos e a decisão final, jogada para as calendas de agosto.

Observação: Vale relembrar que a prisão após a condenação em primeira instância era regra no Brasil até 1973, quando a Lei Fleury  criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo  passou a garantir a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em 2009, durante o julgamento do Mensalão, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, porém, a Corte voltou a entender que a execução provisória da pena após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, até porque a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena (para mais detalhes, clique aqui).

Ao ESTADÃO, Mendes disse: “Acho que se estimulou muito esse jogo de espertezas institucionais, nessa busca de atalhos em nome supostamente de um combate à criminalidade, da correção de rumos. A própria ideia de força-tarefa já é uma ideia distorcida — por que não operar com as próprias pessoas que lá estão? Acho que vamos ter uma grande evolução e um grande aprendizado a partir desses episódios. Todos nós vamos ficar mais preparados e a própria legislação que virá em decorrência desses fatos todos será muito mais realista e talvez mais precisa, evitando essa discricionalidade abusiva (…). Temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba, com vários desses modelos. Até hoje temos muitas discussões em torno dos acordos e tal, direito das pessoas de eventualmente se defenderem, tudo isso agora precisará ser devidamente disciplinado e regulado.”

De acordo com José Nêumanne, o cinismo de Gilmar Mendes (em seu Blog, o sempre inspirado jornalista paraibano grafa Gilmal Mendes) chegou aos píncaros, na sessão de terça-feira, quando ele fez menção a um possível desvio ético de Sérgio Moro com base nas revelações do mais novo arauto das teses de defesa do petralha. Ao forçar a chicana proposta Zanin, apelando para a idade avançada e os mais de 400 dias na cela VIP em Curitiba, o ex-advogado geral da União de FHC permitiu ao decano, que também defende o fim da prisão em segunda instância, encontrar um meio de não se responsabilizar pela possível convulsão social que possivelmente resultaria da libertação do corrupto mais notório deste país.

São atitudes assim que engrossam a já caudalosa enxurrada de razões pelas quais o Judiciário deixou de merecer o respeito e a confiança da sociedade brasileira. E como se o que foi dito até aqui não bastasse, o Supremo comprovou mais uma vez sua mediocridade ao decidir nada decidir, ou melhor, ao decidir pela metade: a 2ª Turma manteve Lula preso, mas abriu uma janela de oportunidade para que se venha a soltá-lo após o recesso. 

Com a lorota de que o paciente teria julgamento justo e, para tanto, deveria esperar o veredito solto, Gilmar, o inigualável, tronou-se mero auxiliar da defesa, e agora trabalha com a possibilidade de o decano — que repeliu a liminar e manteve Lula preso —, ao deixar claro que não estava antecipando seu voto quanto ao mérito, antecipou que pode votar diferente no julgamento final, o que configuraria suspeição se fossem seguidos à risca o estatuto do STF, a Lei Orgânica da Magistratura a própria Constituição.

Durante os quase 15 meses em que é hóspede da Superintendência da PF em Curitiba, Lula recorreu um sem-número de vezes contra a sentença que o tornou um presidiário. Com o Judiciário aberto, relembra Josias de Souza, o petista perdeu em julgamentos coletivos — ora por unanimidade, ora por maioria de votos. Se recorrer nas férias, a decisão colegiada será substituída pela de um plantonista, e Dias Toffoli não é um plantonista qualquer: antes de vestir toga, ele foi assessor da liderança do PT na Câmara, advogado eleitoral de Lula, auxiliar jurídico de José Dirceu na Casa Civil e advogado-geral da União no governo do agora presidiário petista (clique aqui e aqui para mais detalhes). 

A despeito desse histórico, Toffoli não hesitou há um ano em liderar, na 2ª Turma, a votação que abriu a cela de um José Dirceu já condenado em segunda instância a mais de 30 anos de cadeia. Melhor seria que os advogados de Lula não recorressem nas férias. Se recorrerem, Toffoli talvez devesse indeferir rapidamente o pedido. Deferindo, seria aconselhável que trocasse o terno por uma armadura. Se dissesse que concedeu uma liminar a Lula guiando-se apenas por sua consciência de juiz, cutucaria a opinião pública com o pé e passaria o resto da vida fugindo das mordidas. Coisa que o bom senso recomenda evitar.

terça-feira, 25 de junho de 2019

GREENWALD E A CONSPIRAÇÃO ANTIRREPUBLICANA



NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ SABE, MAS SIM O QUE VOCÊ PODE PROVAR.

O julgamento do pedido de habeas corpus de Lula no processo do tríplex  aquele em que o petista já foi condenado em três instâncias deve ser concluído somente no segundo semestre. Devido ao recesso de meio de ano, as sessões ficarão suspensas até agosto, e por ser o HC do petralha o último item da pauta desta terça-feira, e só o voto do ministro Gilmar Mendes ter nada menos que 40 páginas, a avaliação é de que não haveria tempo de encerrar o julgamento nesta sessão, que é última antes do recesso.

A defesa do molusco pede tratamento diferenciado a seu cliente, alegando que ele é idoso e está preso há mais de 400 dias. Em nota, Cármen Lúcia esbanjou mineirice ao salientar que “todo processo com paciente preso tem prioridade legal e regimental, especialmente quando já iniciado o julgamento, como nos casos de vista, independente da ordem divulgada.” Portanto, façam suas apostas e confiram no final da tarde "o que deu no poste".

Como bem lembrou Josias de Souza em sua coluna, esse julgamento foi interrompido em dezembro por um pedido de vistas de Gilmar Mendes, depois que os ministros Fachin e Cármen Lúcia votaram contra o pedido da defesa. Gilmar e Lewandowski certamente votariam a favor, restando ao ministro Celso de Melo proferir o voto de desempate. Gilmar não pretendia devolver a encrenca à pauta antes do segundo semestre. Adiantou o relógio depois que vieram à luz as primeiras mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil, que a defesa do petralha rapidamente empurrou para dentro dos autos. Inicialmente, os advogados do molusco alegava que a migração de Moro da 13ª Vara Federal de Curitiba para a Esplanada confirmara o viés político das decisões do ex-juiz; agora sustentam que as mensagens arrancadas do aplicativo confirmam a alegada falta de isenção do ex-magistrado.

Observação: Na semana passada, numa de suas participações no Jornal da Gazeta, José Nêumanne comentou que em entrevista a Mônica Bergamo, da Folha, e Florestan Fernandes, do El Pais, no dia 26 de abril, Lula garantiu que iria “desmascarar o Moro e o Dallagnol.” Omitiu na entrevista como o faria, mas foi nitidamente um spoiler no mínimo suspeito — a exemplo do pedido de vistas de Gilmar, após os votos de Fachin e Carmen Lúcia, e a liberação dos autos logo depois que as denúncias vazadas pelo The Intercept ganharam as manchetes dos jornais. Tire o leitor suas próprias conclusões.

Antes de decidir se Moro foi ou não parcial e se Lula é ou não um injustiçado, as togas supremas terão de informar se as mensagens podem ou não ser admitidas como prova. Para Mendes, a origem ilícita de uma prova não impede que seja usada em benefício de condenado sem culpa. O diabo é que as mensagens podem ter sido adulteradas. Quer dizer: o STF agora precisa decidir duas questões preliminares antes de entrar no mérito da causa: 1) Prova obtida de forma criminosa vale?; 2) Se valer, o lote de mensagens pode ser tomado como autêntico sem uma perícia capaz de afastar a alegada hipótese de adulteração?

Para complicar, os textos chegam às manchetes em ritmo de conta-gotas. Julgar num ambiente assim seria algo tão seguro quanto sapatear em areia movediça. Melhor adiar do que cometer o crime da precipitação. O Supremo nunca teve pressa para julgar réus da Lava-Jato que desfrutam do privilégio do foro especial. Condenou um mísero e escasso denunciado. Não seria razoável que resolvesse apressar o passo justamente na apreciação de um habeas corpus que pode resultar na absolvição duvidosa de Lula — um corrupto condenado em primeira, segunda e terceira instâncias, cuja prisão foi avalizada pela maioria do plenário do próprio STF. Dizia Rui Barbosa que "justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta", mas nada seria mais apropriado no momento do que adiar o julgamento do pedido de suspeição formulado pela defesa de Lula contra Moro.

Não fossem Lula, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol os envolvidos, o “material bombástico” que vem sendo divulgado em doses homeopáticas pelo site esquerdista The Intercept Brasil produziria as mesma consequência de um peido num vendaval. Ocorre que parte da mídia, dos analistas políticos e de juristas das horas vagas se alinhou à imprensa “cumpanhêra” e comprou alegremente a narrativa construída com indiscutível parcialidade pelo americano Glenn Greenwald — que acontece de ser marido do deputado David Miranda, do PSOL-RJ — e seus asseclas. O propósito salta aos olhos: demonstrar que as supostas mensagens trocadas entre o ex-juiz da Lava-Jato e o coordenador da força-tarefa em Curitiba comprovariam de maneira cabal o grande conluio contra o sumo pontífice da seita do inferno, exterminador do plural, parteiro do Brasil Maravilha e deus pai da Petelândia.

Tudo que foi ventilado pelo Intercept até o momento não passa de um amontoado de coisa alguma, uma coletânea de diálogos curtos e fora do contexto onde foram pinçados. Isso para não mencionar que "material bombástico" foi obtido de forma ilícita (hackeamento digital), e que, no mundo dos ilícitos, criar diálogos para corroborar narrativas não é nada incomum.

Greenwald diz que há muito mais a ser revelado — mais do mesmo que foi mostrado até aqui, provavelmente, retocado com as cores vibrantes de uma reinterpretação ideológica por “repórteres” incapazes de disfarçar suas militâncias, e que, ávidos por revelar uma “grande conspiração conservadora”, ignoram tudo que deveriam ter aprendido na faculdade sobre a razoabilidade das fontes e a neutralidade jornalística. Demais disso, conversas entre promotores, procuradores e juízes são comuns — talvez não devessem ser, mas isso não é outra história. E, de novo: não fossem os envolvidos quem são, esse assunto não mereceria mais que uma nota de rodapé.

As mensagens vazadas não são denúncias. São pedaços de supostas realidades coladas com fita crepe a um aglomerado de narrativas partidárias. O Intercept não pode apontar ou imputar crimes sem ter deles provas reais, e ainda que as tivesse, a obtenção por meio ilícito desqualificaria seu uso nos tribunais. O próprio Greenwald procurou a Rede Globo para divulgar o material de forma conjunta, mas, à ausência da credibilidade das fontes e da legalidade do conteúdo, a Venus Platinada bateu-lhe a porta nas fuças. Reinaldo Azevedo, dono de uma empáfia à toda prova, travestiu-se de paladino da Justiça e acabou pagando mico: a "informação bombástica" que ele divulgou no último dia 20 — de que a Lava-Jato, seguindo orientação de Sergio Moro, teria afastado a procuradora Laura Tessler de audiências — era fake news e foi prontamente desmentida pela força-tarefa.

Os procuradores, através de nota, afirmam que "além de desrespeitosa, mentirosa e sem contexto, a publicação de Reinaldo em seu blog não realizou a devida apuração que, por meio de simples consulta aos autos públicos acima mencionados, evitaria divulgar movimento fantasioso de troca de procuradores para ofender o trabalho e os integrantes da força-tarefa". Ainda segundo a nota, Laura participou de audiência em 13 de março de 2017, sobre o ex-ministro Antônio Palocci, e em todas as subsequentes do caso, realizadas nos dias 14, 15, 21 e 22 de março. A nota diz também que a publicação do Intercept Brasil é tendenciosa e que "tentou criar artificialmente uma realidade inexistente para dar suporte a teses que favoreçam condenados por corrupção e lavagem de dinheiro na Lava-Jato".

Sobre Reinaldo Azevedo, a força-tarefa afirma que "a suposta versão, que não resiste a uma mínima análise crítica diante dos fatos públicos, indica que a fábrica de narrativas político-partidárias baseadas em supostos diálogos sem autenticidade e integridade comprovadas somente leva à perda de credibilidade de quem delas se utiliza sem a devida apuração", que a notícia é "rasa, equivocada e sem checagem dos fatos", e que a atuação de Laura sempre foi "firme, técnica e dedicada" e contribuiu decisivamente para a condenações importantes. Para finalizar, a nota afirma que "não houve qualquer alteração na sistemática de acompanhamento de ações penais por parte de membros da força-tarefa; os procuradores responsáveis pelo desenvolvimento de cada caso acompanharam as principais audiências até o interrogatório, não se cogitando em nenhum momento de substituição de membros, até porque todos vêm desenvolvendo seus trabalhos com profissionalismo, competência e seriedade".

Notícia bombástica mesmo foi o furo jornalístico publicado por Lauro Jardim, em maio de 2017, que trouxe a lume conversas nada republicanas mantidas nos porões do Jaburu, na calada da noite, pelo então presidente Temer e o moedor de carne bilionário Joesley Batista, cuja pronta repercussão levou ao esvaziamento do Congresso e sitiou no Palácio do Planalto o presidente da República. Enfim, uma galinha até consegue voar, mas jamais será um condor-dos-andes.

quarta-feira, 15 de maio de 2019

“GARANTISTAS” E A BANDA PODRE DO STF


No final da tarde de ontem, a 6ª Turma do TRF-2 concedeu uma liminar (decisão provisória) para que Michel Miguel Elias Temer Lulia e seu operador financeiro, coronel João Batista Lima Filho, fossem soltos. Ainda não me debrucei sobre os detalhes e não posso dizer que foi (ou que não foi) mais um desserviço prestado pela banda podre do nosso Judiciário. Saliento apenas que na decisão ficou estabelecido que os réus não podem mudar de endereço, ter contato com outras pessoas físicas ou jurídicas investigadas ou deixar o país. Temer foi proibido, ainda, de exercer cargos políticos ou de direção partidária. Para quem chegou de Marte recentemente, relembro que o vampiro emedebista e o coronel laranja-lima já haviam sido presos em março e soltos dias depois, graças a uma decisão monocrática de um magistrado que ficou afastado do cargo durante sete anos devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha (em 2004). Dito isso, passemos à postagem do dia.

Você sabe o que é um “garantista”? É muito provável que já tenha ouvido falar, pois a Justiça, as leis e o Código Penal passaram a ser conversa de botequim no Brasil desde que a Lava-Jato começou a incomodar a sério um tipo de gente que jamais tinha sido incomodado na vida. Cinco minutos depois de ficar claro que o camburão da polícia podia, sim senhor, levar para o xadrez empreiteiros de obras públicas, gigantes da alta ou baixa política e milionários viciados em construir fortunas com o uso do Tesouro Nacional, já estava formada uma esquadra completa de cidadãos subitamente preocupados com a aplicação da lei nos seus detalhes mais extremos — ou melhor, a aplicação daquelas partes da lei que tratam dos direitos dos acusados da prática de crimes. É essa turma, justamente, que passou a se apresentar como “garantista”. Sua missão, segundo dizem, é trabalhar para que seja garantido o direito de defesa dos réus até os últimos milímetros. Seu princípio essencial é o seguinte: todo réu é inocente enquanto negar que é culpado.

Essa paixão pela soberania da lei, que chegou ao seu esplendor máximo com os processos e as condenações do ex-presidente Lula, provavelmente nunca teria aparecido se o direito de defesa a ser garantido fosse o dos residentes no presídio de Pedrinhas, ou em outros resorts do nosso sistema penitenciário. Esses aí podem ir, como sempre foram, para o diabo que os carregue. Mas a criminalidade no Brasil subiu dramaticamente de classe social quando a Justiça Federal, a partir da 13ª Vara Criminal do Paraná, resolveu que corrupto também estava sujeito às punições do Código Penal. O código dizia que corrupção era crime, claro, mas só dizia — o importante, mesmo, era o que não estava dito. Você sabe muito bem o que não estava dito: que corrupção é crime privativo da classe “A” para cima, e, como gente que vive nessas alturas nunca pode ir para a cadeia, ficavam liberadas na vida real as mil e uma modalidades de roubar o Erário que a imaginação criadora dos nossos magnatas vem desenvolvendo desde que Tomé de Souza entrou em seu gabinete de trabalho, em 1549.

Outra classe, outra lei. Descobriu-se, desde que o Japonês da Federal apareceu para levar o primeiro ladrão top de linha da Petrobras, que no Brasil o direito de defesa deveria estar acima de qualquer outra consideração. Quem defende um corrupto, na visão do “garantismo”, deve ter mais direitos do que quem o acusa. Não se trata, é óbvio, de ficar dizendo que a acusação é obrigada a provar que o réu cometeu o crime. Ou que todo mundo é inocente “até prova em contrário”. Ou que ninguém é culpado enquanto estiver recorrendo da sentença. Ou que é proibido linchar o réu, ou dar à opinião pública o direito de condenar pessoas — e outras coisas que vêm sendo repetidas há mais de 200 anos. Nada disso está em dúvida. O que se discute, no atual combate à corrupção, é outra coisa: é a ideia automática, em nome do direito de defesa, de usar a lei para desrespeitar a lei. É compreensível que os criminosos se sirvam das leis para adquirir o direito de praticar crimes sem punição? Quando fica assim, não se pode conseguir nada melhor, realmente, em matéria de tornar a lei uma ficção inútil.

Existe, naturalmente, muita gente que tem uma argumentação honesta, inteligente e sensata em favor do direito de defesa — uma garantia essencial para proteger o cidadão da injustiça e das violências da autoridade pública. Mas é claro que o problema não está aí. O problema começa quando essas garantias da lei passam a ser usadas como incentivo ao crime. O mandamento supremo dos “garantistas” determina que é indispensável fazer a “defesa absoluta da lei”. Não importa quais venham a ser as consequências de sua aplicação; o que está escrito tem de ser obedecido. Mas quem realmente ameaça a lei, em primeiro lugar, é o crime, e não quem quer punir o criminoso. Quando a lei, na realidade prática, existe para proteger o crime, pois foi escrita com esse objetivo, defender a lei passa a ser defender o criminoso. Vêm daí, e de nenhum outro lugar, a quantidade abusiva de recursos em favor do acusado, a litigância de má-fé e a elevação da chicana, ou seja, da sacanagem aberta, ao nível de “advocacia”.

“Garantista” em guerra contra a Lava-Jato, em português claro, é quem joga esse jogo. Seu foco mais ativo são os escritórios de advocacia milionários que se especializam na defesa de corruptos. Seus anjos preferidos são os tribunais superiores. O mais valioso deles é a banda podre do STF.

Texto de J.R. Guzzo

terça-feira, 7 de maio de 2019

A PÁTRIA AMADA E O DIABO ATRÁS DA IGREJA




O Brasil é dirigido por um bando de maluco” (sic), afirmou Lula em recente entrevista a dois veículos de comunicação “cumpanhêros”. “Pelo menos não é um bando de cachaceiros, né?”, replicou Bolsonaro, que em seguida emendou: “Olha eu acho que o Lula, primeiro, não deveria falar. Falou besteira. Maluco? Quem era o time dele? Grande parte está preso ou está sendo processado. Tinha um plano de poder onde, nos finalmentes, nos roubaria a nossa liberdade, ok? Eu acho um equívoco, um erro da Justiça ter dado direito a dar uma entrevista. Presidiário tem que cumprir sua pena”. O capitão já disse muita bobagem nestes cento e poucos dias de governo, mas esse comentário o redimiu, como esclarecer uma plateia eivada de esquerdopatas que “Lula está preso, babacas!” fez subir no meu conceito o político sobralense Cid Gomes, irmão candidato derrotado Ciro Gomes, que é “cearense” de Pindamonhangaba (para quem não percebeu minha ironia, Pindamonhangaba é um munício paulista).

Já que o nome do criminoso mais emblemático desta banânia veio à baila, o togado supremo Ricardo Lewandowski, sempre disposto a prestar vassalagem àquele que o nomeou para o ápice da carreira, foi quem autorizou o petralha a dar entrevista aos jornais FOLHA DE S.PAULO e EL PAÍS. Também foi ele, segundo José Nêumanne,  que tornou presencial o julgamento de um habeas corpus impetrado em favor de seu ex-patrão, depois que a 5ª Turma do STJ reduziu sua pena de 12 anos e 1 mês para 8 anos, 10 meses e 20 dias. Outras fontes apontam Gilmar Mendes como mentor intelectual de mais essa maracutaia perversa, mas isso é de somenos: o que importa mesmo é o objetivo, qual seja aumentar as chances de o recurso de Lula ser acolhido, já que no plenário virtual a rejeição era quase certa. Aliás, outro pedido similar, protocolado por 29 advogados piauienses sem qualquer relação com a defesa de Lula, foi negado na última sexta-feira pelo ministro Edson Fachin. Não custa lembrar que o nordeste é tradicionalmente pró-Lula e que o Piauí ocupa o terceiro lugar no ranking dos estados mais miseráveis deste país, atrás somente do Maranhão (feudo do clã Sarney) e de Alagoas (feudo dos Collor de Mello e dos Calheiros). 

Falando nas peculiaridades do cenário político tupiniquim, VEJA desta semana dá conta de que toda quarta-feira às 8 horas o plenário da Câmara dos Deputados se converte em igreja. O culto de 27 de março, por exemplo, começou com aleluias e glórias ao senhor, enquanto a deputada e cantora gospel capixaba Lauriete Rodrigues, ex-mulher do ex-senador Magno Malta, puxava o louvor com seu violão. Na sequência, o deputado e pastor pernambucano Francisco Eurico da Silva, capelão da bancada evangélica, fez a pregação do dia, antes de ter início a votação para a escolha do novo líder da Frente Parlamentar Evangélica, composta hoje de 120 deputados ativos — um recorde desde a sua fundação, em 2002, e maior, muito maior, do que qualquer partido político no Congresso Nacional. Ainda segundo a reportagem, não há nem nunca houve votação para o posto de líder da frente religiosa: após discussões por vezes ásperas, o deputado amazonense Silas Câmara foi sagrado por aclamação. A despeito de diferenças e divisões na frente, a unidade de ação da bancada, nesta legislatura, vem amparada por uma convicção renovada na força política que o eleitorado evangélico demonstrou ao sustentar a eleição de Jair Bolsonaro — que vem dando repetidas mostras de alinhamento com o setor — dias atrás, ele matou no nascedouro a ideia de um novo imposto que incidiria também sobre as igrejas.

Cortejados pelos mais diversos partidos, os evangélicos têm ambições que não raro transcendem as vantagens tributárias, alvarás de templos e concessões de rádio. Silas Câmara surgiu como um nome de compromisso entre candidatos de ramos rivais da Assembleia de Deus, e foi por isso que ganhou, deixando claro que a lealdade desses deputados não está com caciques políticos, mas com pastores e bispos. Não é de hoje que se nota o interesse desses religiosos pela política partidária. Em meados da década de 1980, ávidos por recursos públicos, barganhas e alianças com candidatos e partidos e governantes, eles participaram dos debates da Assembleia Nacional Constituinte e ajudaram Sarney a ampliar o mandato de quatro para cinco anos em troca de concessões de emissoras e rádio e verbas públicas; no segundo turno das eleições de 1989, apoiaram Collor, e de lá para cá a instrumentalização recíproca entre esses grupos tem se intensificado, como compravam a transformação de templos em comitês eleitorais e a fundação de partidos por igrejas. 

Para quem faltou às aulas de história, vale lembrar que a Igreja foi a instituição mais poderosa da idade Média — quando a riqueza era medida pela quantidade de terras, o Papa e o cardinalato controlavam quase dois terços das terras da Europa ocidental. Seu poder da no mundo medieval é exaltado pelas grandes catedrais construídas nos séculos XII e XIII em várias regiões da Europa, todas ricamente decoradas com ouro maciço e pedras preciosas em profusão. Ainda assim, os batinas falam em caridade e em voto de pobreza, como que escarnecendo dos fiéis, que contribuem para multiplicar a riqueza da organização com o pagamento do dízimo e outros óbolos compulsórios, enquanto quase metade da população mundial vive abaixo da linha de pobreza.

Fechando o foco para nossa republiqueta de bananas, até o fim do Império o catolicismo era a religião oficial do Estado e tutelada por ele, o que limitava sua liberdade de ação. Com a constituição republicana, ela passou a ter um poder imenso. Para a Constituinte de 1934, foi criada a Liga Eleitoral Católica, que elegeu diversos representantes da própria igreja — que, por seu turno, legislaram em causa própria para conseguir uma série de privilégios. Em essência, esse descalabro foi preservado pela malfadada Constituição Cidadã, ainda que com outra formulação. Nas últimas décadas, sobretudo a partir dos anos 1980, o pluralismo religioso passou a vigorar de fato no Brasil, e a Igreja Católica se viu obrigada a competir no mercado religioso. Mas isso é outra conversa.

A lei proíbe as igrejas de dar apoio eleitoral, mas a Universal apoiou Collor para presidente em 1989, Marcelo Crivella e Celso Russomano nas eleições para prefeito do Rio e de Sampa, respectivamente, em 2016, sem falar em um sem-número de candidatos a cargos legislativos. Não é de hoje que ela funciona como comitê, conforme ficou claro nas últimas eleições presidenciais
Pode-se mesmo afirmar que Bolsonaro deve sua vitória mais ao apoio dos evangélicos do que a sua postura antipetista. Declaradamente católico, o capitão é o primeiro presidente eleito com a retórica evangélica pentecostal. Antes dele, houve dois presidentes protestantes — Café Filho (presbiteriano) e Ernesto Geisel (luterano), mas nenhum deles chegou ao poder pelo voto direto e tampouco falava de religião. Bolsonaro há tempos cortejava os evangélicos com gestos de forte simbolismo; em 2016, por exemplo, foi batizado nas águas do Rio Jordão pelo pastor (e presidente nacional do PSC) Everaldo, da Assembleia de Deus. Sendo católico e muito identificado com os evangélicos, o presidente conseguiu unir os dois polos; se fosse só evangélico, talvez não tivesse conseguido tantos votos dos católicos, e vice-versa.

Os evangélicos frequentam mais seus templos do que os fiéis de outras religiões, chegam a doar seis vezes mais do que os católicos em dízimo e costumam buscar orientação de seus líderes para temas cotidianos, aí incluída a política. Esse manancial não passou despercebido pela oposição, mas o o fato é que a esquerda não soube explorá-lo. Gleisi “Crazy” Hoffmann, presidente nacional do PT, no mês passado usou uma linguagem marcadamente religiosa para criticar as propostas de Paulo Guedes ao dizer que a reforma previdenciária era um “pecado” e que Jesus foi crucificado porque “confrontou o templo, um sistema de dominação e exploração dos pobres”, mas suas declarações repercutiram mal entre pentecostais e neopentecostais.

Diz-se que Deus, em sua infinita sabedoria, criou o amor e a fé, e o diabo, invejoso, o casamento e as religiões. Há muito que a exploração da fé se tornou um negócio como outro qualquer. Balzac dizia que “por trás de toda grande fortuna há sempre um crime”, e no Vaticano a coisa parece não ser muito diferente. Basta relembrar a morte súbita de João Paulo I em 1978, 33 dias após ter sido escolhido para ocupar o Trono de Pedro, que vagou com a morte de Paulo VI. Esse episódio foi retratado na parte final da trilogia de “O Poderoso Chefão”, na qual Francis Ford Coppola capturou magistralmente a essência da Máfia Siciliana descrita no imperdível best seller do escritor ítalo americano Mario Gianluigi Puzo

Em tempo: Se você acha que a história do chazinho envenenado não passa de teoria da conspiração, lembre-se: A VERDADE NÃO ESTÁ NEM AÍ PARA O QUE VOCÊ ACREDITA.

quarta-feira, 10 de abril de 2019

LAVA-JATO, STF, STJ, CORRUPÇÃO E IMPUNIDADE




Em 2009, uma operação destinada a investigar o então deputado federal José Janene e os doleiros Alberto Youssef e Carlos Habib Chater ganhou o codinome “Lava-Jato” (talvez porque a casa de câmbio dos doleiros era contígua a um posto de combustíveis onde funcionava também um lava-rápido), mas sua primeira fase ostensiva foi deflagrada somente em 17 de março de 2014, quando foram cumpridos 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva em 17 cidades de 6 estados e no Distrito Federal. Aliás, o longa Polícia Federal — A Lei é para todos retrata bem o início da operação, embora a série O Mecanismo — cuja segunda temporada deve ser lançada do final do mês que vem — seja mais rica em detalhes, a despeito de trocar os nomes dos envolvidos (inclusive da própria Polícia Federal, que na série se chama Polícia Federativa) e apresentar os fatos de forma romanceada.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins, dando origem à primeira “Lista de Janot”). Mais adiante seriam abertos outros 180 inquéritos — entre casos do Petrolão e suas ramificações em outras estatais e órgãos da administração pública. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht foi o pivô do maior e mais bem organizado esquema de corrupção em toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional). Marcelo Odebrecht foi condenado a 47 anos de prisão; Emílio, seu pai, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, eles fecharam um acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização. Atualmente, pai e filho, que não se entendiam antes do episódio e agora sequer se falam, cumprem prisão domiciliar; o patriarca, em Salvador, e o Marcelo, num condomínio em Sampa.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipse, o mundo só acabou para Zavascki, que foi vítima de um acidente aéreo às vésperas de homologar a megadelação. Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e Edson Fachin assumiu o lugar do falecido na relatoria dos processos da Lava-Jato na corte. Mas nada é tão ruim que não possa piorar, e poucos meses mais tarde a magnitude da delação da Odebrecht foi ofuscada pelas revelações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, além de Ricardo Saud e outros 4 altos executivos da JBS.

ObservaçãoJoesley Batista, preso em setembro de 2017 por omitir informações na sua delação, foi solto seis meses depois e aguarda recluso (cercado de uma dúzia de seguranças e, ainda assim, com medo de possíveis retaliações dos delatados) a decisão o STF sobre a imunidade que obteve com seu acordo de colaboração. Apesar dos pesares, de lá para cá o patrimônio dos irmãos Batista cresceu R$ 2,5 bilhões, o que lhes assegura uma posição de destaque entre os 50 brasileiros mais ricos do mundo, segundo a revista Forbes. 

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização resultaram na prisão da autodeclarada “alma viva mais honesta do Brasil” e levaram o sucessor da calamidade em forma de gente a passar 5 dias preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro (Temer e seus cupinchas foram soltos por uma liminar concedida monocraticamente por um desembargador que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”, mas o MPF recorreu da decisão.

Segundo um levantamento feito pelo site JOTA, dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país, cerca de 30% foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial. Isso não quer dizer que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continua em tramitação, mas, de seis réus nas duas únicas ações penais já julgadas, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois condenados terão, de fato, de ir para a prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos são baseados no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos são corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou simultaneamente, por falta de elementos, o arquivamento de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não chegaram a formalizar uma investigação, não foram incluídos no levantamento do JOTA, mas todos os envolvidos acabaram virando protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Apenas duas ações penais da Lava-Jato foram julgadas até hoje no Supremo. Uma delas é a que investigou a deputada federal e presidente do PTGleisi Hoffmann, e seu marido, o ex-ministro Paulo Bernardo. A ação começou a tramitar como inquérito e foi autuada no dia 9 de março de 2015; em 19 de junho de 2016, os réus acabaram absolvidos (por 3 votos a 2, prevaleceu o entendimento de que os elementos contra a então senadora eram “apenas indiciais”, sem comprovação efetiva). Mesmo no caso do primeiro parlamentar a ser condenado no âmbito da Lava-Jato, o deputado federal Nelson Meurer, os ministros declararam a extinção de punibilidade de Cristiano Augusto Meurer, filho do parlamentar, por prescrição (eles entenderam que a única conduta que geraria a sanção penal seria de junho de 2008, portanto, e que, no caso, o Estado já não teria mais direito de puni-lo). Meurer pai foi condenado a 13 anos, 9 meses e 10 dias de prisão em regime fechado, enquanto seu outro filho, Nelson Meurer Júnior, a 4 anos, 9 meses e 18 dias de prisão por corrupção passiva. A expectativa é que o deputado comece a cumprir a pena ainda no primeiro semestre. 

ObservaçãoAinda tramitam no Supremo outras oito ações penais, enquanto outras 11 denúncias aguardam julgamento e outros 75 inquéritos estão em regular tramitação (esses números podem mudar conforme as ações relacionadas de alguma maneira com caixa 2 forem encaminhadas para a Justiça Eleitoral).

Depois que o Legislativo deixou de ser confiável — dado o número significativo de deputados e senadores enrolados na Justiça, mas que continuam transitando livremente pelos corredores do Congresso — o Judiciário se tornou o último bastião dos brasileiros que não aguentam mais tanta corrupção na política — tem até parlamentar em prisão domiciliar, que dá expediente na Câmara e passa a noite na cadeia. Do Executivo, então, é melhor nem falar. FHC é o único ex-presidente eleito na “nova república” que não corre o risco de ser preso no médio prazo. No último domingo, Lula, o pseudo pai dos pobres, completou um ano de encarceramento numa sala VIP da PF em Curitiba; Sarney já foi denunciado duas vezes no âmbito da Lava-Jato (mas até agora não foi julgado); Collor responde a sete inquéritos no STF (graças ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano, ele ainda é senador) e é réu num deles desde agosto de 2017; Dilma se tornou ré no final do ano passado (acusada de corrupção e lavagem de dinheiro por ter se beneficiado, junto com outros integrantes da cúpula do PT, de até R$ 1,4 bilhão em propinas em troca de contratos com empresas envolvidas na Lava-Jato), e seu vice e digníssimo sucessor é tetra réu (duas vezes no Rio, uma em São Paulo e outra no DF) e corre o risco de ter sua soltura revogada a qualquer momento.     

Gilmar Mendes é o ministro supremo com mais pedidos de impeachment. Integrante e líder da ala “garantista” — da qual fazem parte Ricardo LewandowskiDias ToffoliMarco Aurélio Mello e Celso de Mello —, o magistrado mato-grossense é useiro e vezeiro em mandar às favas a jurisprudência e mandar soltar monocraticamente os presos da força-tarefa. Curiosamente, Mendes era defensor ferrenho da prisão após condenação em segunda instância, mas virou a casaca em algum momento e agora busca amealhar votos para reverter o entendimento da Corte. Diz-se que ele vem pressionando desembargadores do STJ para rever as condenações da Lava-Jato, em vez de simplesmente homologar as decisões das instâncias inferiores. Aliás, o ex-presidente José Sarney — denunciado duas vezes por suposto recebimento de propina em contratos superfaturados da Petrobras e da Transpetro, mas que até agora não foi julgado —, também vem pressionando um seu apadrinhado no STJ a votar em favor da defesa no julgamento do recurso especial do chumbrega de Garanhuns. Tutti buona gente!

Na semana passada, por alguma razão que para mim não ficou bem clara, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, despautou as ADCs que iriam a julgamento na sessão plenária de hoje. Talvez agora o STJ finalmente se digne de apreciar o recurso especial de Lula, encerrando de vez o caso do tríplex no âmbito da terceira instância. Em sendo mantida a condenação, uma eventual mudança no entendimento da jurisprudência da corte deixaria de favorecer o petralha. Isso porque, caso a prisão após condenação em segunda instância não seja mantida, a expectativa é de que prevaleça a “proposta conciliadora” do próprio Toffoli, qual seja a da prisão após a decisão em terceira instância (e não somente no final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença condenatória — o que no Brasil é o “dia de S. Nunca” para criminosos que têm cacife para contratar advogados estrelados).

Durma-se com um barulho desses!

sexta-feira, 22 de março de 2019

TEMER PRESO E BOLSONARO COM A POPULARIDADE EM QUEDA. O QUE ISSO SINALIZA?



No início da tarde de ontem eu noticiei a prisão do ex-presidente Michel Temer, do ex-ministro e ex-governador do Rio, Moreira Franco (o quinto governador do Rio a ser preso no âmbito da Lava-Jato), do célebre coronel João Batista Lima Filho e de outros membros da quadrilha supostamente chefiada pelo ex-presidente. Postei em edição extraordinária devido à importância do fato — a partir do qual o Brasil passou a ter dois ex-presidentes presos — e porque este episódio é mais uma evidência de que narrativa petista de perseguição política a seu amado líder não passa de conversa mole para boi dormir. Aliás, ainda falta prender a dona Dilma, mas isso é conversa para outra hora.

Como o assunto em tela ocupou boa parte dos telejornais da última quinta-feira, e considerando as repercussões que ainda estão por vir, acrescento apenas que Temer classificou sua prisão como “uma barbaridade”, a despeito de o juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava-Jato no Rio, entender que a conclusão dos procuradores que atuaram no desdobramento batizado de Operação Radioatividade, de que o emedebista é o líder da organização criminosa que desviou cerca de R$ 1,8 bilhão, “é convincente”. Aliás, Bretas ordenou busca e apreensão nos endereços de Maristela Temer, filha de Michel Temer, do almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, de Ana Cristina da Silva Toniolo e de Nara de Deus Vieira e em empresas vinculadas aos investigados.

Cumpre salientar dois pontos que eu reputo importantes: o primeiro é que, a despeito do bombardeio sofrido dias atrás — tanto por parte do STF quanto do MPF — a Lava-Jato mostra que continua viva, ativa e operante. Agora, se isso vai dar início a uma guerra entre os procurados e os ministros supremos, bem, o que eu posso dizer é que, se isso acontecer, quem tende a ser mais prejudicado é o país. Aliás, a prisão de Moreira Franco, que é sogro do presidente da Câmara, já respingou no andamento da reforma da Previdência — a indicação do relator na CCJ, que deveria acontecer nesta sexta, foi adiada para a semana que vem.

O segundo ponto é que a prisão de Temer escancara a fantasia falaciosa que da narrativa petista de que Lula está na cadeia por ser perseguido pela Justiça. Aliás, por mais lamentável que seja ver dois ex-presidentes da República nessa situação vexatória, ainda mais lamentável ainda seria vê-los se safarem impunemente, como acontecia até a Lava-Jato entrar em ação. Pena que parte do Judiciário compactue com os malfeitos dessa caterva e crie todo tipo de dificuldade para evitar que criminosos do colarinho branco respondam por seus atos. Não é à toa que, de 2015 para cá, chegaram ao Senado nada menos que 45 pedidos de impeachment de ministros do STF, 10 dos quais pedem a saída Gilmar Mendes

Também não é à toa que o juiz Bretas incluiu em sua decisão que um possível recurso de Temer ao STF não deve ser relatado por Mendes, que já relatou outros casos da Lava-Jato no Rio, como as operações Saqueador e Calicute. No documento, o magistrado afirma que a prisão do emedebista não guarda relação com as ações penais dos dois casos da Lava-Jato já relatados pelo ministro. "Apenas para evitar confusões a respeito da competência para eventual impugnação desta decisão, repito que estes autos guardam relação de conexão e continência com a ação penal derivada da denominada operação Radioatividade e seus vários desdobramentos", observou. Bretas entende que o encaminhamento deva ser feito ao ministro Barroso, remetente do inquérito que leva o ex-presidente à 7ª Vara Federal do Rio, ou a qualquer outro ministro sorteado eletronicamente. A expectativa dos membros do MPF é que o relator seja o ministro Fachin, responsável por relatar processos decorrentes da Operação Radioatividade, que apurou desvios na Eletronuclear.

Observação: O habeas corpus apresentado pela defesa de Temer está nas mãos do desembargador Ivan Athié, do TRF-2, que, dizem, acredita na prisão somente depois de condenação final. Mas o magistrado pode jogar a batata quente no colo da 1ª Turma daquele regional, que costuma apoiar as decisões do juiz Bretas. Como se vê, no Brasil a Justiça está mais para um jogo de roleta do que... Bom, deixa pra lá. Passemos ao texto que eu havia preparado para hoje:

É pública e notória a aversão que parte da mídia nutre pelo presidente Jair Bolsonaro (aliás, a recíproca é verdadeira), mas há quem vá mais além, criando fake news para desmoralizar seu governo. Os bolsomínions não ficam atrás, mas, convenhamos: esse revanchismo irresponsável é contraproducente, sobretudo quando o capital político do chefe do Executivo é fundamental para a aprovação da reforma da Previdência — sem o que a economia tupiniquim entrará em colapso.

Na última quarta-feira, noticiou-se ad nauseam que a popularidade do atual governo é a pior desde a redemocratização do país. Segundo o Ibope — que ouviu 2002 pessoas entre 16 e 19 de março e atribui margem de confiança de 95% a esse levantamento —, a avaliação positiva da gestão de Bolsonaro caiu de 49% para 34% em menos de 3 meses, enquanto o percentual dos entrevistados que a consideram ruim ou péssima subiu de 11% em janeiro para 24% em março, e a aprovação pessoal do presidente é de 51%. Nunca é demais lembrar o Ibope, a exemplo da maioria dos principais institutos de pesquisa, dava como líquida e certa a eleição de Dilma para o Senado, e que a ex-presidanta ficou em quarto lugar, com 15,29% dos votos válidos — e ainda viu seu ex-companheiro de luta armada e ex-ministro, Fernando Pimentel, ser expurgado do segundo turno na disputa pelo governo de Minas Gerais.

Observação: Em seus tempos de guerrilheira, a Rainha Bruxa do Castelo do Inferno integrou o grupo Colina, que executou  um oficial alemão por confundi-lo com o major boliviano Gary Prado, suposto matador de Che Guevara. Como se vê, a incompetência está no DNA dessa calamidade em forma de gente.

A mídia também divulgou os índices de aprovação de FHC (1995) Lula (2003) e Dilma (2011) ao cabo dos primeiros três meses em seus primeiros mandatos, que foram respectivamente de 41%, 51% e 56%. Mas ninguém deu um pio sequer sobre Lula ter acabado na cadeia e Dilma, defenestrada do Planalto pela porta dos fundos. Ou essa gente tem memória seletiva, ou age de má-fé, valendo-se de meias-verdades para manipular a opinião pública.

Outro fato curioso é o destaque dado ao assassinato da vereadora Marielle Franco — cujo mandante (ou mandantes) não ter sido identificado (ou não terem sido identificados, embora já se tenha passado mais de um ano — ser muito maior que o do atentado contra a vida de Jair Bolsonaro. Também chama a atenção o fato de Adélio Bispo ser considerado um “lobo solitário”, a despeito de todas as evidências em contrário — a começar pelo fato de ele não ter um gato para puxar pelo rabo e ser defendido por 5 advogados renomados, pagos sabe lá Deus por quem. Como se isso não bastasse, as investigações que visavam elucidar quem está por trás do atentado foram suspensas por um pedido do presidente da OAB, que tem fortes laços com o PT, deferido por um desembargador nomeado por Dilma e crítico figadal da Lei da Ficha-Limpa.

Tenta-se agora vincular Bolsonaro ao atentado contra a vereadora carioca. Argumenta-se que o atirador, o sargento reformado da PM Ronnie Lessa, era seu vizinho no condomínio em que Bolsonaro morava antes de se mudar para o Palácio do Planalto, que Bolsonaro aparece numa foto (tirada em 2011) com o outro suspeito, o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, e que o fato de o filho mais novo do presidente, Jair Renan, ter namorado a filha de Lessa. Bolsonaro argumenta que o condomínio em questão tem 150 casas, e que ele não conhecia todos os seus vizinhos; que já tirou fotos com milhares de policiais e que zero quatro já namorou todo mundo naquele condomínio.  

Eis aí mais uma história mal explicada a destruir a confiança da nação em seu presidente — como se já não bastasse a interminável novela Fabrício Queiroz /Flávio Bolsonaro, que se arrasta desde o ano passado e parece estar longe de terminar. Agora, depois de ter faltado a quatro convocações do MP, o ex-assessor afirmou por escrito que abiscoitava parte do salário dos funcionários do gabinete do então deputado, na Alerj, para redistribuí-los entre outros servidores “informais”, sem que o chefe tivesse conhecimento. Uma explicação tão mambembe quanto a que atribuía os depósitos feitos em sua conta à compra e venda de veículos usados. Pelo visto, criatividade não é o forte do ex-factótum dos Bolsonaro; afinal, tempo não lhe faltou para elaborar uma narrativa mais convincente.


Para não estender ainda mais este texto, vou deixar as demais considerações para uma próxima postagem.

terça-feira, 19 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONCLUSÃO



Segundo a revista eletrônica Crusoé, o presidente do STF, Dias Toffoli, teria se irritado com um artigo publicado em O Antagonista, na última quarta-feira, no qual o procurador Diogo Castor salientou que os cargos nos tribunais eleitorais são preenchidos por indicações políticas, e por isso teria anunciado a criação do tal inquérito para investigar calúnias contra a honorabilidade da corte e de seus membros e familiares. “Esse assassinato de reputações que acontece hoje nas mídias sociais, impulsionado por interesses escusos e financiado sabe-se lá por quem, deve ser apurado com veemência e punido no maior grau possível”, afirmou o ministro ao Estado. “Isso está atingindo todas as instituições e é necessário evitar que se torne uma epidemia.”, disse o ministro.

Observação: O senador Flávio Arns, da Rede do Paraná, é o 29º parlamentar a assinar o novo requerimento da CPI da Lava-Toga, que será protocolado hoje no Senado (eram necessárias 27 assinaturas). “Minha decisão foi motivada pelo grande sentimento de frustração vivenciado pela sociedade brasileira nos últimos dias, principalmente diante do risco de retrocesso em relação à Lava-Jato”, justificou o parlamentar, em nota. Já o senador Flávio Bolsonaro ainda não assinou o requerimento. Sua assessoria informou que ele está “avaliando” o pedido, e evitou dizer qual decisão ele tomará. Ontem, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, disse não existir a menor hipótese de ele levar adiante qualquer tentativa de investigação contra o Supremo neste momento, pois a Lava-Toga criaria um embate desnecessário entre Legislativo e Judiciário. Alcolumbre também minimizou o efeito dos pedidos de impeachment contra ministros STF e disse que “uma crise institucional agora não fará bem ao Brasil". Entrementes, entre uma decisão suprema e outra, Dias Toffoli vem articulando a criação de uma frente parlamentar de apoio ao Judiciário, visando neutralizar os avanços da turma que quer botar a Lava-Toga na rua. Se isso explica porque o zero um e outros parlamentares enrolados com a Justiça relutam em apoiar a CPI... bem, para bom entendedor, pingo é letra.

Para a deputada Janaína Pascoal, “os ministros são agentes públicos como outros quaisquer. Eles também precisam dar satisfação. Às vezes, os ministros reagem como se fossem intocáveis, inalcançáveis, acima de quaisquer autoridades. Isso não é verdade. Eles estão sujeitos a fiscalizações e críticas de outros agentes públicos.” (…) “Um jornalista que escreve uma matéria pode receber críticas. Mas os magistrados querem se colocar num Olimpo que não é real. Não pode ser real.”

O presidente Jair Bolsonaro se manifestou indiretamente sobre a decisão do STF que fixou a competência da Justiça Eleitoral para julgar crimes comuns ligados ao caixa 2. Ele retuitou um vídeo em que seu filho Eduardo, o zero três, pede apoio ao pacote anticrime de Sergio Moro. Clique aqui para assistir.

Ao cumprimentar Toffoli pela iniciativa, Gilmar Mendes, seu antigo mentor, vituperou ataques contra os procuradores da Lava-Jato e a proposta de criar uma fundação para gerir parte de uma multa bilionária paga pela Petrobras. “Não quero cometer perjúrio, mas o que se pensou com essa fundação do Deltan Dallagnol? Foi criar um fundo eleitoral? Era para isso? Imagina o poder. Quantos blogues teriam? Quanta coisa teria à disposição? Se eles estudaram em Harvard, não aprenderam nada. São uns cretinos”, disse Gilmar, referindo-se ao currículo de Deltan. Também de acordo com o O Antagonista, o principal alvo dessa caça à bruxas é o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava-Jato em Curitiba, embora outros integrantes da força-tarefa e os auditores da Receita Federal que iniciaram uma investigação sobre as transações financeiras de sua mulher, Roberta Rangel, e do casal Gilmar e Guiomar Mendes também estejam na mira.

A investigação do STF é vista por procuradores como uma forma de intimidar o Ministério Público. Ainda nesta sexta-feira, Raquel Dodge solicitou informações sobre o inquérito ao ministro Alexandre de Moraes, designado relator da ação. Na avaliação da procuradora-geral, o caso tem potencial para comprometer a imparcialidade do Judiciário, já que a função de investigar não faz parte da competência do Supremo. “Os fatos ilícitos, por mais graves que sejam, devem ser processados segundo a Constituição”, afirmou ela. Toffoli rebateu e disse que, além de haver previsão regimental para abertura do inquérito, o CPP estabelece que toda investigação deve ser supervisionada por um juiz.

Dallagnol disse que a decisão do Supremo pode fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos, quando se iniciou o operação força-tarefa. Segundo ele, as defesas dos criminosos já estão se movimentando; a 13ª Vara Federal em Curitiba vem recebendo pedidos de declinação de competência (para que os casos da Lava-Jato sejam remetidos para a Justiça Eleitoral). Antes do julgamento, o decano da Lava-Jato, Carlos Fernando Santos Lima, já alertava para os efeitos da decisão: "É quase inacreditável que haja uma intenção real de se tomar essa decisão. Porque podem jogar cinco anos no lixo, por uma questão técnica sem relevância." Dodge disse não ver risco de anulação das ações em andamento e já julgadas, mas entende que é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e não perder o foco. 

Já a especialista em direito eleitoral Carla Karpstein afirma haver, sim, risco de anulação dos processos, tanto nas cortes comuns quanto na Justiça Eleitoral — nesta, porque os advogados vão dizer que as provas são nulas porque não foram produzidas ali; naquela, vão argumentar que houve nulidade porque a Justiça não tinha competência para julgar caixa 2 nos casos que já foram decididos ou estão em tramitação.

Três entidades que representam os procuradores saíram em defesa de membros da força-tarefa atacados por Gilmar Mendes e alvos de investigação no Supremo. A Conamp, maior e principal entidade de promotores e procuradores em todo o País repudiou nesta sexta, 15, o feroz ataque de Gilmar aos integrantes da força-tarefa e as críticas ao acordo firmado pela Lava-Jato com a Petrobrás para tentar reverter 80% dos recursos da multa que a estatal pagará a autoridades dos Estados Unidos. Curiosamente, partiu de Raquel Dodge o pedido para o STF suspendesse o acordo que criava o fundo de R$ 2,5 bilhões. O presidente da Associação Nacional de Procuradores, José Roberto Robalinho, disse ao Estado que há pelo menos dois pontos questionáveis no procedimento adotado pela PGR — sem analisar no mérito em si a ação apresentada.

Observação: A decisão do STF veio quando o pessoal da Lava-Jato buscou ganhar poder. Sem ouvir ninguém, nem Raquel Dodge, os procuradores montaram um esquema em que a Petrobras lhes entregou parte da multa que pagou nos EUA, mas liberada para uso no Brasil, para ser gerenciada por uma fundação de luta contra a corrupção, sob seu controle. Quem decide onde aplicar recursos é o Governo eleito, não os procuradores. O STF se mobilizou e a própria Raquel Dodge entrou na Justiça contra o acordo.

O fato é que a ação da procuradora-geral gerou uma crise interna no MPF. Os procuradores Pablo Coutinho Barreto e Vitor Souza Cunha — chefes da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise —, que atuavam em uma secretaria vinculada ao gabinete de Raquel, pediram demissão, o que foi recebido pela categoria como um protesto. Ainda na sexta-feira, os procuradores da Lava-Jato elaboraram documento no qual trazem esclarecimentos acerca do acordo firmado entre o MPF e a Petrobras. O documento é endereçado ao juiz Federal da 13ª Vara Federal em Curitiba, e pede que as informações sejam encaminhadas também ao ministro Alexandre de Moraes, que determinou a suspensão do acordo.

Ao mesmo tempo em que é bombardeada a partir de Brasília, a Lava-Jato sofre um esfriamento natural em Curitiba, seu epicentro. Lá, Lula já foi condenado duas vezes e está encarcerado há onze meses. Parte dos empresários já foi solta; alguns, como Marcelo Odebrecht, graças à delação premiada. Seguem detidos próceres do PT e MDB, como o ex-tesoureiro João Vaccari Neto e o ex-deputado Eduardo Cunha. Com a saída de Moro e o fim da substituição temporária por Gabriela Hardt, a 13ª Vara Federal passou a ser comandada desde o início do mês pelo juiz Luiz Antonio Bonat, que herdou cerca de 1.700 procedimentos, de ações penais a inquéritos ainda em andamento. Nada, porém, que possa fazer mais barulho e causar mais surpresa do que os casos dos tempos áureos da operação. O frenesi daqueles tempos também está longe de se repetir. As operações ostensivas, aquelas que antes ocorriam todas as sextas, foram se tornando mais esparsas.

Os números obtidos pela força-tarefa do Paraná, ao longo destes cinco anos, restam impressionantes. Ao todo, 2.476 procedimentos de investigação foram instaurados e, em decorrência deles, houve 155 prisões preventivas, 183 delações e a condenação de 155 pessoas a exatos 2.242 anos de prisão. Hoje, o principal flanco de apurações está na Lava-Jato do Rio, que implodiu a quadrilha que saqueou o estado sob o comando de Sérgio Cabral (já foram realizadas cerca de 200 prisões em 30 operações) e ainda tem fôlego para novas e importantes fases.

De acordo com Deltan Dallagnol, a despeito do horizonte turvo, a operação precisa avançar. Ele lembrou que, no próximo dia 10 de abril, a corte pode impor mais uma derrota à investigação, ao julgar se réus condenados em segunda instância, como Lula, devem começar a cumprir pena imediatamente. “Faremos todo o possível dentro da lei para seguir nosso trabalho, mas receio que a janela de combate à corrupção que se abriu há 5 anos tenha começado a se fechar. Está fora da esfera de atribuição de procuradores de primeira instância mudar isso.” A conferir.