Terminou à 0h38 de hoje, após cinco horas de debates, a votação do segundo turno da reforma
da Previdência na Câmara, com nova vitória do governo. O texto base da reforma foi aprovado por 370 deputados,
menos que os 379 a favor no primeiro turno, mas bem acima dos 308 votos
necessários. Nesta quarta-feira, os deputados se debruçam sobre o que realmente
importa neste segundo turno da Câmara, antes que o texto vá para votação no
Senado: os destaques. Sete trechos ainda precisarão passar por votações
específicas, que vão tratar de pontos que podem ser retirados do texto. O mais
controverso é da pensão por morte. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia
afirma que as pensões por morte, fixadas em 50% do salário médio do falecido,
serão, por liminar, sempre superiores a um salário mínimo.
Houve tempos em que político bom era o chamado "rouba mas faz" — uma interpretação distorcida que o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim fazia da função de seus representantes, e que garantiu a Adhemar de Barros a alcunha de "ladrão", mas não impediu que a velha raposa se elegesse prefeito de São Paulo (1957–1961) e duas vezes governador do Estado (1947–1951 e 1963–1966), nem de concorrer à presidência da República em 1955 e 1960 e conquistar em ambas as vezes o terceiro lugar.
Mutatis mutandis, o mesmo raciocínio se aplica a Paulo Salim
Maluf, que por duas vezes prefeitou a maior cidade do país (1969-1971;
1993-1996), governou o Estado de São Paulo de 1979 a 1982, além de ter sido secretário
dos Transportes, presidente da Caixa Econômica Federal, vice-presidente da
Associação Comercial de São Paulo, candidato a presidente da República, quatro
vezes deputado federal, líder de cinco partidos políticos. Atualmente em prisão
domiciliar graças ao bom coração do ministro Dias Toffoli, que lhe concedeu de oficio um habeas corpus por
razões humanitárias, o turco lalau está morrendo, mas de rir dos trouxas
que acreditam na Justiça brasileira.Todavia, não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe.
O escândalo do mensalão e as subsequentes revelações da Lava-Jato levaram a parcela menos inculta
da população a perceber que o rei estava nu. E daí até a caterva de sanguessugas
— sobretudo os integrantes da Câmara
Federal e do Senado — passar a ser enfaticamente repudiada foi um pulo. Com o
impeachment da anta vermelha, Michel
Temer, vice da calamidade em forma de gente em seus dois mandatos e
cúmplice de suas barbaridades por longos 5 anos, 4 meses e 11 dias, que quase quebraram o país, foi
visto com olhos da esperança — eu mesmo publiquei que desde 2003 não tínhamos um
presidente que se expressasse em português escorreito e defendi que lhe fosse dado
um voto de confiança (até por falta de opção).
A despeito de o time de notáveis prometido pelo vampiro do Jaburu ter
se revelado uma notável confraria de enrolados com a Justiça (tanto é que seus ministros
foram caindo à razão de um por mês), seu bom relacionamento
com o Legislativo trouxe uma perspectiva de melhora, sobretudo com a adoção do
ajuste fiscal na economia, a definição de um teto para os gastos públicos e o
envio das reformas da Previdência, Trabalhista e do Ensino Médio ao Congresso.
Quis o destino que o presidente-tampão fosse abatido em seu
voo de galinha pela revelação de uma conversa de alcova nada republicana com Joesley Batista,
gravada a sorrelfa pelo próprio moedor de carne bilionário durante um encontro sub-reptício, tarde da noite, nos porões da
residência oficial do vice (Temer não
se mudou para o Alvorada porque,
segundo ele, o palácio é assombrado). E assim teve início um jogo de cartas marcadas
que culminaria com o chefe do Executivo empenhando as cuecas (as dele e as nossas) para
comprar votos das marafonas da Câmara e permanecer em campo até o
apito final, ainda que como um presidente "pato-manco" (ou "lame duck", que é como os
americanos se referem a políticos que chegam ao fim mandato desgastados a tal
ponto que até os garçons palacianos demonstrarem seu desprezo servindo-lhes o
café frio).
Com o Executivo mergulhando
no mesmo lodaçal em que o Legislativo já chafurdava havia tempo, restava aos cidadãos de bem, fartos de tanta corrupção
na política, apostar suas fichas no Judiciário.
Vale lembrar que a Lava-Jato ia de
vento em popa, e que a ministra Cármen Lúcia,
que presidia o STF por ocasião da morte
trágica do ministro Teori Zavascki, homologara
sem delongas a "delação do fim do mundo" (como ficou conhecida mega-delação dos executivos da Odebrecht).
Mas qual o quê.
A cizânia decorrente em grande medida do "nós contra
eles" fomentado pelo ex-presidente petralha (ora hospedado na suíte
presidencial da PF em Curitiba) se espalhou como metástase entre os togados
supremos, que passaram a protagonizar nas sessões plenárias, transmitidas ao
vivo e em cores pela TV Justiça, cenas de quase pugilato — como aquela em que Luís Roberto Barroso acusou Gilmar Mendes
de ser uma "pessoa horrível, mistura
do mal com o atraso e pitadas de psicopatia" (sobre o divino togado,
campeão imbatível em pedidos de impeachment entre seu pares, recomendo a leitura
desta
matéria).
Mendes, que em
2016 defendeu enfaticamente o início do cumprimento da pena após a
condenação em segunda instância, virou a casaca depois que a Lava-Jato passou a mirar também próceres
tucanos e emedebistas, dando eco ao discurso dos arautos do profeta da Vila Euclides, segundo os quais Lula e outros presos sem
condenação transitada em julgado (coisa que no Brasil, onde há quatro
instâncias e espaço para uma miríade de apelos, recursos, embargos e chicanas
de todo tipo, só acontece no dia de São
Nunca) são vítimas de uma perseguição contumaz de elites exploradoras que
controlam a polícia, o Ministério Público e o próprio Poder Judiciário.
Juntamente com outros ministros aparentemente garantistas,
mas que não conseguem disfarçar o viés esquerdista e a gratidão ao padrinho e
ao partido que os colocou no cargo — caso de Toffoli
e Lewandowski
—, às vezes acompanhados pelo decano e pelo novato da Corte e quase sempre
pelo inacreditável Marco
Aurélio, abraçam cruzadas que atendem a interesses petistas e de
nababos da advocacia de Brasília, que, de olho no filão milionário que os
corruptos representam, defendem incondicionalmente a mudança da jurisprudência
que autoriza a prisão de condenados em segunda instância. E o resto é mera
cantilena para dormitar bovinos.
Que Deus se compadeça deste país.