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quarta-feira, 26 de junho de 2019

OS HCS DE LULA - DE DAMASCO A CURITIBA



Antes do texto de Dionísio da Silva, Diretor do Instituto da Palavra e Professor Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá, vale ressalvar que:

1) Devido a uma viagem oficial aos EUA, Sérgio Moro não irá à Câmara nesta semana, onde seria submetido à segunda sessão da Santa Inquisição a primeira foi na semana passada, na CCJ do Senado. O ministério da Justiça e Segurança Pública já informou que o compromisso será reagendado, mas a ala esquerdopata do parlamento já se articula para encaminhar uma convocação compulsória nesse caso, o não comparecimento do ministro pode configurar crime de responsabilidade.

2) Quando tudo indicava que um habeas corpus do presidiário de Curitiba não seria julgado na sessão de ontem da 2ª Turma do STF, que foi a última deste semestre, não um, mas dois pedidos de liberdade foram levados em mesa. O primeiro questionava a decisão monocrática do ministro Felix Fisher, do STJ — que no ano passado negou monocraticamente um pedido de absolvição do petralha — e foi negado por 4 votos a 1, vencido o ministro Ricardo Lewandowski, cuja farda de militante petista a suprema toga jamais cobriu totalmente.

Observação: Vale lembrar que a 5ª Turma do STJ julgou o recurso e reconheceu por unanimidade a culpabilidade de Lula, embora tenha reduzido a pena de 12 anos e 1 mês de prisão, imposta pelo TRF-4, para 8 anos e 10 meses, dando margem a uma nova celeuma, desta feita envolvendo a progressão para o regime de prisão domiciliar — por lei, a idade avançada e o cumprimento de 1/3 da pena permitiria que o molusco indigesto passasse para o regime semiaberto, onde os presos saem para trabalhar e dormem na cadeia, mas há décadas que o demiurgo de Garanhuns não sabe o que é um chão de fábrica.

O segundo pedido de liberdade, embasado na suposta parcialidade do então juiz federal Sérgio Moro, começou a ser julgado no final do ano passado, mas foi suspenso por um pedido de vista de Gilmar Mendes (pedido de VISTA, e não de VISTAS, como insistem em dizer nos telejornais) quando Edson Fachin e Cármen Lúcia já se haviam posicionado contrariamente à tese da defesa. O semideus togado devolveu os autos recentemente — por uma estranha coincidência, logo depois que o site esquerdista The Intercept Brasil começou a vazar supostas conversas entre Moro, Dallagnol e outros procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, em torno do que a mídia e parte do Congresso ergueu um circo de três picadeiros —, mas isso é outra história.

Considerando o adiantado da hora e que só o voto de Mendes tinha mais de 40 páginas, o ministro concordou alegremente com os argumentos do advogado Cristiano Zanin, para quem Lula deveria ser solto e aguardar em liberdade o julgamento do mérito do recurso (de minha parte, sou mais a abalizada opinião do General Augusto Heleno, para quem ex-presidente corrupto envergonha seu país e só deve sair da prisão em um saco preto, e com destino à chácara do vigário). Mas o pedido de liminar foi negado por 3 votos a 2, vencidos, adivinhem só, os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.

O Judiciário entre em recesso já no final desta semana e retorna somente em agosto. No ano passado, durante as férias de Julho, tivemos o Domingo Negro — que na verdade começou na noite de sexta-feira, quando os deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira ingressaram com um pedido habeas corpus no TRF-4, visando à soltura de Lula, 28 minutos após o início do plantão do desembargador “cumpanhêro” Rogério Favreto no tribunal. Em dezembro, ao final do almoço de encerramento do ano Judiciário, o ministro Marco Aurélio, irresignado com o adiamento do julgamento das furibundas ADC 43, do PEN, ADC 44, da OAB, e ADC 54, do PCdoB, concedeu uma estapafúrdia liminar que só não resultou na libertação de Lula e outros 170 mil condenados em segunda instância que aguardam presos o julgamento de seus recursos às instâncias superiores porque foi prontamente cassada pelo presidente da Corte. 

Enfim, o jeito é ficar de olho, pois o preço da liberdade é a eterna vigilância.

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A letra mata, mas o espírito vivifica”, disse São Paulo em sofisticada interpretação jurídica e religiosa, depois de cair do cavalo e mudar radicalmente de ideia e de vida por não ter resposta à pergunta: “por que me persegues?”.

Tornado subitamente cego diante da figura que lhe apareceu no caminho de Tarso, na Turquia, para Damasco, na Síria, aonde ia perseguir membros ali estabelecidos de uma seita que já prejudicava muito a aliança entre Roma e Jerusalém, tinha dois bons motivos para combater os cristãos. Ele, como seus pais, era judeu e seguia a lei de Moisés, mas era também cidadão romano. Contam as narrativas cristãs que Saulo, seu nome hebraico, ficou completamente cego por causa do clarão no meio do qual estava a figura que lhe apareceu quando foi derrubado pela montaria. Como de hábito, viajava escoltado por soldados romanos e já integrara o grupo que apedrejara Estêvão, o primeiro daqueles que seriam chamados cristãos, a ser morto por causa da nova fé.

Saulo ou Paulo vivia em Tarso, local, aliás, onde Cleópatra e Marco Antônio se encontraram pela primeira vez e se apaixonaram para viver um grande amor, que entretanto terminaria no suicídio de ambos. A cidade tinha este nome porque seus habitantes estendiam as mercadorias — queijos, frutas e outros alimentos — sobre cipós trançados, para perderem a umidade. Havia ali muitos tecelões e Saulo/Paulo era um deles. “Tarsós, em grego, designa também a planta do pé, mas por comparação mútua a superfícies planas e com aparência de elementos entrelaçados. Além do mais, a raiz remota da palavra tarso é o indo-europeu “ters”, secar. Não é improvável que o Inglês “tear”, lágrima, tenha o mesmo remoto étimo, por comparação do rosto com aquilo que seca ao verter líquidos.

Quando adolescente, Saulo/Paulo tinha sido enviado a Jerusalém para estudar, mas voltara para Tarso, de onde depois de convertido partiria para suas famosas viagens, não mais para combater aqueles que perseguira, mas para ajudá-los a espalhar a boa nova, o Evangelho, por cidades que acabariam celebrizadas nas catorze epístolas escritas aos habitantes por ele convertidos nesses lugares. Foi em Antioquia, uma destas localidades, que os seguidores da nova seita foram designados cristãos pela primeira vez. Paulo de Tarso perseguia uma seita insurgente no contexto, constituída de seguidores de um contemporâneo seu, mas nascido em Belém da Judeia e criado em Nazaré, condenado pelo sinédrio judaico e crucificado pelos invasores romanos por volta do ano 30 de nossa era.

De perseguidor da seita fundada por Jesus Nazareno Rei dos Judeus (como resumido no INRI dos crucifixos atuais), tal como explicado em hebraico, em grego e em latim numa tabuleta afixada na cruz em que foi executado, para todos entenderem (a região usava estas três línguas), Paulo tornou-se um de seus principais defensores, ao elaborar a teoria que ainda no século I propôs a reorganização dos valores essenciais da existência na civilização ocidental.

Saulo ou Paulo foi preso duas vezes. Como era cidadão romano, não podia ser julgado e muito menos crucificado em Jerusalém, e foi enviado a Roma. Na primeira condenação, no ano 58, o navio que o levava à capital do império naufragou e ele obteve prisão domiciliar. Mas na segunda e última, no ano 64, ele foi levado a Roma e ali foi julgado e condenado à morte. Naquele ano, Roma tinha sido incendiada e o imperador Nero atribuíra a culpa aos cristãos, dos quais Paulo e Pedro já eram os principais líderes. Ambos morreram no mesmo ano de 67. Pedro, sendo judeu, foi crucificado. Paulo, sendo cidadão romano, foi decapitado.

O que nos dizem esta história e esta pequena reflexão? Que uma nova interpretação da lei, não apenas a lei, pode mudar tudo, ainda que proceda de uma das mais remotas províncias. Na defesa do ex-presidente Lula, um de seus advogados, criticando a interpretação da lei dada pelo juiz Sérgio Moro, referiu-se a Curitiba como “essa região agrícola do Brasil”, manifestando seu duplo desconhecimento, em Direito e em Brasil.

Curitiba não é a Damasco de nossos dias, mas ali surgiu, não uma pessoa, mas um grupo de pessoas, que passou a interpretar e vivificar a lei de outro ponto de vista. Como disse o linguista Ferdinand de Saussure, “o ponto de vista cria o objeto”. Em Curitiba temos uma nova seita de convertidos. Acusados ou condenados tornaram-se delatores de seus companheiros de lavagem de dinheiro e de desvio de verbas para corrupção e estão ajudando os homens da lei, ao menos daqueles que interpretam a lei de outro modo, bem diferente do tradicional, que inocentava os acusados por recursos diversos, sendo um dos mais eficientes o decurso de prazo, a prescrição. Esses novos intérpretes da lei têm pressa de julgar: para absolver (raramente) ou para condenar (mais frequentemente), mas em todo caso sempre rapidamente.

No antigo e tradicional modo de julgar, era essencial que ministros de altos tribunais pedissem vistas dos processos e sobre eles se sentassem pelo tempo necessário a jamais privar os acusados da liberdade. Certas seitas costumam triunfar e no momento a de Curitiba está sob ataques de todos os lados, lícitos e ilícitos, depois de muitos triunfos notáveis. Prenderam poderosos empresários, ministros e até um ex-presidente da República. Do resultado desta luta depende o futuro do Brasil.

quinta-feira, 25 de abril de 2019

AINDA SOB A REDUÇÃO DA PENA DE LULA, A ALMA VIVA MAIS HONESTA DESTA GALÁXIA



Ao injetar no drama criminal de Lula a perspectiva de migrar da sala VIP de 15 m² para a antessala da prisão domiciliar, o STJ colocou o ex-presidente numa espécie de trilha para o céu. Mas criminalistas companheiros acreditam que o petralha será abatido em seu voo de galinha e devidamente recolocado no caminho do inferno pelo TRF da 4.ª Região: se não houver novas surpresas, a 8.ª Turma ratificará a condenação a 12 anos e 11 meses imposta pela juíza Gabriela Hardt ao petralha antes que ele possa reivindicar a progressão de regime, pois a nova pena será somada à do tríplex, ora reduzida para 8 anos e 10 meses, perfazendo o total de 21 anos e 9 meses.

Observação: Mesmo se a decisão sair depois de setembro e Lula estiver no semiaberto ou arrastando uma tornozeleira em casa, ele voltará para o regime fechado: ainda que se desconte o tempo de prisão já cumprido, o gatuno só atingiria a marca de um sexto da pena no alvorecer de 2022.

O TRF-4 não costuma dormir no ponto; no caso do tríplex, os desembargadores levaram seis meses e 12 dias para confirmar a sentença do então juiz Sergio Moro. É certo que os autos do processo sobre o sítio, que foi julgado em fevereiro, ainda não subiram (devido a chicanas protelatórias que não vem ao caso detalhar neste momento), mas isso não muda o fato de que a fronteira entre o céu e o inferno, para Lula, passou a ser demarcada pela capacidade de sua defesa atrasar o relógio dos desembargadores da 8.ª Turma.

Além dos dois processos em que já foi condenado, Lula responde a outros seis — pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa —, cujas penas máximas podem somar 134 anos de prisão. Pelo andar da carruagem, o próximo a ser julgado (também pela 13ª Vara Federal do Paraná, agora sob o comando do juiz Luiz Antonio Bonat) é o que trata da cobertura em São Bernardo do Campo e do terreno em São Paulo onde seria erguida a nova sede do Instituto Lula (os autos estão conclusos para sentença desde novembro de 2018).

Outros quatro processos tramitam na Justiça Federal do DF; um foi aberto a partir da Operação Janus, dois derivam da Operação Zelotes e um baixou do STF para a primeira instância. Há ainda uma ação penal aberta na JF de São Paulo e outra em que o molusco foi absolvido de tentar obstruir a Justiça por meio da compra do silêncio do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

A redução de pena obtida na última terça-feira está longe de atender aos desejos da defesa — que postulava a anulação da condenação —, mas não deixa de ser uma vitória técnica importante, pois até então nenhum recurso apresentado havia vingado. Desta feita, depois de ser devidamente industriada por alguns ministros supremos garantistas (capitaneados por Gilmar Mendes, o infalível), a 5.ª Turma do STJ “entendeu” que o TRF-4 exagerou, e estabeleceu uma uma pena ainda menor do que a definida no primeiro grau pelo juiz Sergio Moro.

Por outro lado, a despeito de o nobre advogado Cristiano Zanin e distintíssima companhia tentarem surfar na onda da recente decisão do Supremo Tribunal Federal que manda para a Justiça Eleitoral os casos em que um réu sem foro privilegiado é acusado de crimes conexos aos de natureza eleitoral, o argumento não colou.

Agora que Lula foi condenado em terceira instância, que efeitos uma possível mudança na jurisprudência do STF sobre o cumprimento antecipado da pena teria sobre ele? Essa é uma questão de alta indagação jurídica e que divide opiniões, até porque a hermenêutica tupiniquim é extremamente criativa.

Para alguns palpiteiros de plantão, o sacripanta vermelho só perderia o direito à progressão de regime quando e se a segunda condenação (no processo do sítio) for confirmada tanto pelo TRF-4 quanto pelo STJ, pois aí a Vara de Execuções Penais fará a unificação das penas, aumentando o tempo necessário para que ele obtenha o benefício em questão. A prevalecer essa tese, mesmo tendo sido condenado em terceira instância na última terça-feira, ele poderia pleitear o regime semiaberto em setembro, quando terá cumprido já 1/6 da pena nos moldes definidos pelo STJ.

Seja como for, se Lula conseguir se virar em dinheiro para continuar bancando honorários caríssimos e outras despesas atinentes a sua defesa, seus advogados certamente insistirão na tese da prescrição do crime de corrupção passiva (que agora foi rejeitada também pelo STJ). Outra possibilidade é a prisão domiciliar, caso o STF entenda que, por ter mais de 70 anos, o paciente faz jus a esse tratamento. Essa alternativa foi cogitada pelo ex-ministro supremo Sepúlveda Pertence, que integrou a defesa de Lula durante algum tempo, mas não foi adiante por decisão do próprio Lula, que rejeita o uso de tornozeleira eletrônica. Mas melhor seria acorrentá-lo a uma bola de ferro e colocá-lo numa instituição penal agrícola, já que mantê na sala VIP da PF em Curitiba já custou aos cofres públicos nada menos que R$ 3,6 milhões.

De acordo com o parágrafo 4º do artigo 33 do Código Penal, modificado por uma lei sancionada pelo próprio Lula, “o condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais”. No julgamento desta terça-feira, o STJ reduziu também o montante devido da reparação de R$ 16 milhões para R$ 2,4 milhões, valor que ainda precisa ser corrigido (e pago, caso Lula venha a pleitear a progressão para o regime semiaberto em setembro).

Outra possibilidade aventada por alguns especialistas ainda mais criativos é a defesa invocar o artigo 387, parágrafo 2.º, do CPP para tentar pleitear o regime semiaberto imediatamente. De acordo com esse dispositivo, “o tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade”. Se a tese for aceita, a pena calculada pelo STJ poderá ser diminuída pelo tempo que o prisioneiro já passou na cadeia, o que resultaria em um montante de cerca de 7 anos e 9 meses, abrindo a possibilidade de progressão.

Tudo somado e subtraído, fica nítido que os ventos mudaram. Desde que Lula foi preso, seus advogados não logaram uma única decisão favorável até a última terça-feira, a despeito de terem recorrido mais de 200 vezes no processo do tríplex (aí considerados apelos, embargos, pedidos de habeas corpus e chicanas de toda sorte). Pode até ser uma vitória de Pirro, mas nem por isso deixa de causar preocupação.

Volto a esse assunto com mais detalhes na postagem de amanhã ou na seguinte. Nesse entretempo, torçamos para que Lula leve em conta a opinião de Tarso Genro, para quem "todo alvo de investigações sobre casos de corrupção deve entender que dar um tiro na cabeça é prova de altivez". 

Observação: Não sou fã do ex-ministro de Lula, até porque minha opinião sobre o PT e os devotos dessa seita infernal é a pior possível (se você acha exagero, veja como como essa patuleia de merda vem agindo para obstruir a votação da PEC previdenciária). Por outro lado, considerando a montoeira de asnices que enfeitam o currículo desse sujeito, essa opinião distorcida, se inspirasse o molusco nove-dedos, até que faria algum sentido.


quarta-feira, 24 de abril de 2019

MINISTRO SUPREMO COM VOCAÇÃO PARA CENSOR — ESCRITO NAS ESTRELAS?



5ª Turma do STJ iniciou o julgamento do REsp de Lula pouco depois das 14 h de ontem. O primeiro a votar foi o ministro Felix Fisher, relator do processo, que já havia rejeitado o recurso monocraticamente, mas desta vez votou favoravelmente à redução da pena para 8 anos 10 meses e 20 dias de prisão, no que foi acompanhado pelos ministros Jorge Mussi Reynaldo Soares Marcelo Navarro Ribeiro Dantas

Pelo Código PenalLula pode pedir progressão da pena para o regime domiciliar ou semiaberto após cumprir 1/6 da sentença — o que se dará em setembro próximo. Todavia, se a condenação a 12 anos e 11 meses referente ao sítio de Atibaia for ratificada pelo TRF-4 (e é isso que se espera), o pulha continuará preso em regime fechado. Demais disso, uma vez condenado no STJ, o petralha não será beneficiado no caso de o STF mudar a jurisprudência sobre a condenação em 2ª instância e vincular o início do cumprimento provisório da pena à condenação em terceira instância

Resumo da ópera: Lula ganhou na foice, mas perdeu no machado.


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Com a tentativa de amordaçar a revista Crusoé e o site O Antagonista, o ministro censor Alexandre de Moraes — escolhido para relatar o inquérito bizarro aberto de ofício por Dias Toffoli para investigar supostas ofensas, ameaças e fake news envolvendo o STF e seus supremos membros — não só atropelou a Constituição e cuspiu na liberdade de expressão como deu um tiro no pé, como se costuma dizer, pois chamou a atenção do Brasil inteiro (e de parte da imprensa internacional) para aquilo que que o presidente supremo queria manter longe dos holofotes.

Em 2007, o príncipe das empreiteiras, Marcelo Odebrecht, interessado em ampliar a fortuna com a construção de hidrelétricas no Rio Madeira, referia-se a José Antonio Dias Toffoli, então chefe da Advocacia Geral da União, como “Amigo do Amigo de meu pai”. Como descobriu a Lava-Jato, o amigo do pai era Lula. Se as negociações fossem, digamos, republicanas, por que usar essa linguagem cifrada? Por que não identificar o atual presidente do Supremo apenas como chefe da AGU?

Aos 50 anos, Alexandre de Moraes esqueceu que o surgimento da internet tornou impossível ocultar a verdade com métodos semelhantes aos usados enquanto vigorou o Ato Institucional número 5 — durante a ditadura militar que agora sabemos nunca ter existido. Antes da era digital, a presença de censores nas redações e a apreensão de edições inteiras impediam que chegassem aos leitores informações ou opiniões consideradas inconvenientes pelo regime militar. Hoje as coisas ficaram mais complicadas. O que a Crusoé teve de ocultar foi escancarado pela imensa vitrine formada pelas redes sociais. 

O ministro censor nasceu em 13 de dezembro de 1968, dia em que foram consumados os trabalhos de parto do AI-5. Enquanto o bebê Alexandre berrava no berçário, o Brasil democrático chorava o assassinato da liberdade de expressão. Se nome é destino, como acreditam tantos, Alexandre de Moraes reforçou a suspeita de que data de nascimento também pode ser. Ele nasceu junto com a censura. Talvez tenham nascido um para o outro.

Com Augusto Nunes

domingo, 14 de abril de 2019

LULA ESTÁ PRESO PORQUE É LADRÃO



Lula acaba de completar seu primeiro aniversário na cadeia sem que tenha sido possível perceber, ainda dessa vez, a revolução que as massas fariam para tirá-lo de lá. É verdade que estão trabalhando o tempo todo para soltar o ex-presidente, nos tribunais superiores, nos escritórios de advocacia especializados em defender ladrões do erário e nas alturas da classe “civilizada”, tal como ela existe neste país. Mas a coisa está mais complicada do que garantiam um ano atrás os doutores em análise política — segundo eles, Lula ia ficar não mais que umas 24 ou 48 horas preso, se tanto, pois “o Brasil não aguentaria” o cataclismo de sua entrada no sistema penitenciário.

O Brasil aguentou perfeitamente, como se viu até agora; ninguém está sentindo falta do homem descrito como o “mais importante” da história política do Brasil. Por que será que ficou assim? Talvez porque não se tenha conseguido, até o momento, colocar de pé três argumentos sérios para justificar a sua soltura. Dois argumentos, então? Também não se encontra. Um, pelo menos? Pois é: nem um. Daí a dificuldade de tirar Lula do xadrez – ninguém consegue dar um motivo minimamente razoável para isso.

O que existe, na verdade, é a velha contrafação de sempre — Lula deveria ser solto, segundo afirma o seu sistema de apoio, porque vai ser “bom para o país”. Só por causa disso? Sim, só por causa disso; não se julga necessário dar nenhuma outra razão. Não há surpresa alguma, aí. O Brasil já se acostumou, há anos, a ver os grandes cérebros da nossa política transformarem os interesses particulares do ex-presidente em necessidade nacional — se isso ou aquilo diz respeito a Lula, acham eles, então tem de dizer respeito a todos. Mas, no caso, Lula não está preso por ser uma “figura histórica”, ou porque pode levar o Brasil para cá ou para lá. Ele está preso porque é ladrão, segundo resolveu o único organismo que pode resolver se ele é ladrão ou não é — a justiça brasileira.

Não é uma opinião. Quem diz que Lula é ladrão são os autos — as testemunhas, a exibição de fatos e as provas apresentadas. Mais que tudo, ele foi condenado num processo impecável do ponto de vista legal; seria difícil encontrar algum outro caso na história da justiça penal brasileira em que as exigências da lei para punir alguém tenham sido obedecidas com tantos extremos de cuidado. Seu direito de defesa foi exercido na mais absoluta plenitude; não lhe foi negado rigorosamente nada, no incomparável arsenal de facilidades que a justiça brasileira oferece a réus que têm milhões para gastar com advogados. Ninguém sabe ao certo o número de recursos, apelos, habeas corpus, mandados de segurança, agravos, embargos, etc. que o réu socou em cima da justiça para se defender. Passaram de 100, possivelmente, e tudo o que ele achou errado foi considerado certo pelas instâncias superiores. Fazer o que, então?

Há uma vaga ideia, na elite iluminada, de que a culpa de Lula não está suficientemente demonstrada. Mas muita gente acha que está. E aí: quem resolve? Com certeza não é torcida do Corinthians, nem o Datafolha. É a justiça, e ela já resolveu. Nossa justiça é ruim? É horrível. O presidente do STF levou bomba duas vezes seguidas no concurso para a magistratura; não pode ser juiz nem na comarca de Arroio dos Ratos, mas pode ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. É preciso dizer mais alguma coisa? Mas essa justiça, do jeito que está, é a única disponível no Brasil de hoje — não dá para entregar o julgamento de Lula ao judiciário da Holanda, não é? Além disso, o Complexo Pró-Lula não apenas acha que ele é inocente até prova em contrário, ou até a sua sentença “transitar em julgado”, daqui a mais uma dúzia de sentenças. Acha que Lula é inocente enquanto negar que é culpado; só pode ser punido se um dia confessar seus crimes.

Ninguém reclama, ao mesmo tempo, que estejam presos Eduardo Cunha, Sérgio Cabral, Geddel Vieira Lima e tantos outros. Será que é porque roubaram mais? Ou porque sua prisão “não faz mal ao Brasil”? Jamais se menciona, também, que ex-presidentes presos não prejudicam a “imagem internacional” de país nenhum. Rafael Videla, da Argentina, morreu na cadeia. Park Geun hye, da Coréia, está cumprindo pena de 24 anos de prisão por corrupção. Alberto Fujimori, do Peru, aos 80 anos de idade, acaba de voltar ao xadrez para cumprir o restante da sua pena de 25 anos de prisão por ladroagem, após ter sido liberado por três meses para tratamento de um câncer. Por que teria de ser diferente com Lula?

Texto de J.R. Guzzo

segunda-feira, 18 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA — CONTINUAÇÃO


Como bem sintetizou José Nêumanne no comentário que reproduzi no capítulo anterior, por 6 votos a 5 nossa mais alta Corte, atendendo a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira (e não da população, pois os ministros são indicados pelo presidente da República, e não eleitos pelo voto popular), contrariou 57 milhões de eleitores que votaram contra corrupção. Como se já não bastasse, seu presidente aboliu a República de 1889 para criar o "Império Absolutista da Suprema Corte", com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e das críticas de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância.

Com Sérgio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública e os delegados Igor de Paula e Maurício Valeixo no comando da PF em Brasília, esperava-se que o combate à corrupção no Brasil evoluísse em 2019, mas a corrente pró-corruptos vem colecionado vitórias contra os integrantes da Lava-Jato. O próprio superministro reconhece que é preciso consolidar as conquistas e enfrentar o que ele chama de risco de retrocesso, referindo-se ao funesto resultado do julgamento da ação impetrada pelo ex-prefeito carioca Eduardo Paes, no qual o STF decidiu, ainda que por apertada maioria, que quando há crimes comuns conectados a eleitorais sob investigação a competência deve ser da Justiça Eleitoral.

Considerando que os políticos são useiros e vezeiros em atribuir o recebimento de dinheiro ilegal a interesses de campanha, a decisão supremo foi comemorada por corruptores, corrompidos e seus advogados. Já se fala até na anulação de condenações obtidas pela força-tarefa na Justiça Federal — hipótese confirmada pelo ministro Marco Aurélio, a quem coube a relatoria da ação julgada na quinta-feira.

A celeridade nunca foi o forte na nossa suprema corte, talvez porque o plenário se reúne míseras duas vezes por semana — afinal, a tarefa dos ministros é sem dúvida estafante, ainda que cada um deles disponha de um batalhão de auxiliares — dentre os quais os folclóricos “capinhas”, que ajeitam as poltronas para suas excelências se sentarem e se levantarem. Considerando os estagiários, terceirizados, etc., o número de funcionários do Supremo varia conforme o mês, mas nunca fica abaixo de 2.450, o que dá uma média de 222 funcionários por ministro ministro. Em 2016, esse séquito faraônico consumiu mais de meio bilhão de reais — as informações são do site políticos.org.br; se alguém achar que são fake news, que processe o site, não a mim.

Com milhares de processos dormitando nas gavetas de suas supremas excelências, a prescrição não raro fulmina inexoravelmente a expectativa de punição num sem-número de criminosos. Sem mencionar que é igualmente comum (e tão lamentável quanto) gatunos notórios, como José Dirceu e Paulo Maluf, serem brindados (e blindados) com habeas corpus estapafúrdios. Sentenciado a 7 anos, 9 meses e 10 dias de cadeia numa ação que levou inacreditáveis 17 anos para ser concluída, Maluf foi despachado para casa por um habeas corpus humanitário concedido de ofício pelo ministro Dias Toffoli.

Observação: A cena em que o turco lalau — que supostamente estava à beira do desencarne — se arrasta para o camburão, apoiado numa bengala, deveria entrar para os arquivos de dramaturgia da Rede Globo. Tanto é que bastou o dito-cujo deixar a Papuda para que se operasse o “milagre da ressurreição”: o ex-moribundo passa muito bem, obrigado, em sua mansão nos Jardins (região nobre da capital paulista).  

O nome de Maluf é associado à roubalheira desde que eu me entendo por gente. As primeiras suspeitas surgiram há quase meio século, quando o então prefeito biônico de Sampa presenteou com um fusca 0 KM (comprado com dinheiro público, naturalmente) cada jogador da Seleção Canarinho que disputou a Copa de 1970. Em 2005, depois que ele e o filho Flávio foram presos na Superintendência da PF em São Paulo (de onde saíram 41 dias depois), o Le Monde chegou a publicar que, até o advento do mensalão, Maluf personificava a corrupção no Brasil, e malufar era sinônimo de roubar os cofres públicos.

O flibusteiro libanês também foi condenado à prisão pela justiça francesa e figura na lista de procurados da Interpol desde 2010. Também defendeu Lula em várias oportunidades, foi contra o impeachment de Dilma (mas mudou de lado durante o jogo) e votou a favor do sepultamento das denúncias de Janot contra Temer. Durante quase meio século de vida pública, foi alvo de não sei quantas ações criminais, mas sempre foi mestre em lançar mão de chicanas para empurrar a decisão final para as calendas. A idade avançada (o sacripanta tem 87 anos) já lhe concedeu o benefício da prescrição de alguns processos como o que tratava da obra do túnel Ayrton Senna, arquivado em 2009 porque o aldrabão já tinha mais de 70 anos. Mas sua maior proeza foi escapar da Lei da Ficha-Limpa: em 2010, mesmo condenado por improbidade administrativa, o turco ladrão convenceu a Justiça Eleitoral de que o delito cometido tinha caráter culposo, não doloso. Registre-se que ele jamais admitiu seus crimes; o bordão “não tenho nem nunca tive conta no exterior” continua sendo a sua principal retórica (qualquer semelhança com outro larápio sem vergonha, que se diz a alma viva mais honesta da galáxia, talvez não seja mera coincidência).

O fato é que a estrutura da Justiça Eleitoral é ainda mais precária do que a do STF. Além de tocar os processos e investigações, as cortes eleitorais também organizam eleições, conferem a regularidade das candidaturas, a prestação de contas das campanhas etc. A própria ministra Rosa Weber, atual presidente do TSE, foi contrária ao envio de todos os processos envolvendo crimes conexos ao de caixa 2 à Justiça Eleitoral. O vice, ministro Luís Roberto Barroso, ponderou que mexer em uma estrutura que está dando certo e passar para outra que absolutamente não está preparada para isso não dará bons resultados. Luiz Fux, que antecedeu Rosa na presidência, disse que a Justiça Eleitoral está habituada a lidar somente com crimes de menor complexidade, como coagir o eleitor, transportar eleitores no dia da votação e outros de pequena monta. Pena que, a exemplo de Edson Fachin e Cármen Lúcia, os três foram votos vencidos.

Observação: O pedido de cassação da chapa Dilma-Temer, apresentado pelo PSDB, logo após a eleição de 2014, “para encher o saco do PT” (nas palavras do candidato derrotado Aécio Neves) é um ótimo exemplo de como as coisas caminham nessa Justiça especializada. A ação só foi julgada pelo TSE em meados 2017, e a “absolvição por excesso de provas” (com direito à confissão do marqueteiro João Santana e extratos de pagamentos na Suíça) virou motivo de chacota. O procurador-geral do Ministério Público de Pernambuco, Francisco Dirceu Barros, sintetizou a farsa orquestrada pelo então presidente do TSE da seguinte maneira: "É um dia que deve ser esquecido na literatura do Direito Eleitoral. Ninguém vai conseguir explicar esse julgamento na sala de aula. Ninguém!". Ah, faltou dizer que quem presidia o TSE em 2017 era o ministro Gilmar Mendes, a quem o jornalista J.R. Guzzo já definiu brilhantemente como uma “fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país”.

Para o jornalista Carlos Brickmann, se a Justiça Eleitoral não está equipada para julgar todos os envolvidos, bastaria equipá-la. O próprio STF não estava equipado para julgar casos criminais, mas recorreu a juízes auxiliares e deu certo — bom, mais ou menos (este aparte é meu). É claro que quem for apanhado alegará Caixa 2, mas, se a Justiça Eleitoral se readaptar, essa vantagem logo desaparecerá. 

Brickmann diz ainda que seria melhor a Justiça Eleitoral ser extinta e as eleições serem organizadas sem tanto juiz no meio. Ele também relembra que Lula não é beneficiado pela decisão do STF (o molusco ascoso foi condenado por fatos ocorridos no exercício do mandato, quando já tinha sido eleito e tomado posse, o que nada tem a ver com eventual Caixa 2, e os empresários condenados por pagar propina também não se beneficiam).

Talvez uma Justiça Eleitoral como a brasileira não seja única no mundo, mas certamente é um exemplar raro. Em outros países, as eleições são organizadas pelo Executivo, ou (em menos casos) por uma repartição pública específica, mas sem poderes de julgamento. Se não houvesse Justiça Eleitoral, irregularidades em eleições cairiam todas na Justiça comum, e o problema estaria resolvido (ou nem haveria problema a resolver).

Para não estender ainda mais esta postagem, a conclusão fica para a próxima. Enquanto isso, assista a este vídeo:

domingo, 17 de março de 2019

O JUDICIÁRIO A SERVIÇO DA JUSTIÇA


DE PAÍS DO FUTEBOL E DO CARNAVAL, O BRASIL ESTÁ SE TORNADO A NAÇÃO DO ENLUTADOS. ÀS TRAGÉDIA (ANUNCIADAS) DE BRUMADINHO E DO NINHO DO URUBU, SOMA-SE, AGORA, A CHACINA NA ESCOLA EM SUZANO. HAJA LÁGRIMAS. COMO SE NÃO BASTASSE, O PRÓPRIO JUDICIÁRIO, COM DESTAQUE PARA SUA ALTA CÚPULA, SE ARTICULA PARA SEPULTAR A MAIOR OPERAÇÃO ANTICORRUPÇÃO DA HISTÓRIA DESTA REPÚBLICA, QUE COMEMORA HOJE SEU QUINTO ANIVERSÁRIO (A LAVA-JATO, NÃO A REPÚBLICA). E O NOSSO PRESIDENTE, EM SUA INDEFECTÍVEL INCONTINÊNCIA TUITÁRIA, PARECE MAIS PREOCUPADO COM O GOLDEN SHOWER E OUTRAS BANALIDADES... OXALÁ O MINISTRO DA JUSTIÇA E OS PARLAMENTARES DE BEM (PARECE QUE AINDA RESTAM ALGUNS) CONSIGAM REVERTER ESSE CENÁRIO KAFKIANO. EU ESPERO ESTAR ERRADO, MAS ACHO QUE, SE DEPENDERMOS DAS MOBILIZAÇÕES POPULARES CONVOCADAS PARA ESTE DOMINGO, VAI FALTAR LENÇO DE PAPEL NO MERCADO. 

Confirmada a decisão de mandar para a Justiça Eleitoral todos os crimes conexos ao de caixa 2 — como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato —, choveram críticas ao STF nas redes sociais. Mas de que adianta chorar o leite derramado? Foram 5 votos a favor e 5 contrários; o desempate ficou por conta do voto de Minerva do presidente da Corte, que (é claro) seguiu o entendimento do relator, ministro Marco Aurélio, a exemplo do que já haviam feito o decano Celso de MelloGilmar MendesRicardo Lewandowski e (esse, sim, me surpreendeu) Alexandre de Moraes

Paralelamente, Toffoli, anunciou que abriria processo contra o que chamou de “fake news” que atinjam a honra de membros do STF e seus familiares, no que foi enfaticamente elogiado pelo colega Gilmar. Mais cedo, o advogado Modesto Carvalhosa havia protocolado no Senado mais um pedido de impeachment de Gilmar Mendes. Para bom entendedor, pingo é letra.

Cabe ao presidente da Corte zelar pela “honorabilidade e segurança” dos colegas, bem como de seus familiares, mas não se deve confundir acusações falsas com fatos reais cuja divulgação possa constranger quem quer que seja; em outras palavras, para exigir respeito é preciso se dar ao respeito. Para além disso, parafraseando a impagável Copélia (personagem de Arlete Salles no humorístico global Toma lá, dá cá), "prefiro não comentar!". Um resumo brilhante dessa bizarrice foi publicado pelo igualmente brilhante José Nêumanne:

Seis ministros do STF atenderam a pleitos de impunidade de quem os nomeou para o ápice da carreira e mandaram as investigações do passado, do presente e do futuro de caixa 2 em crimes de corrupção e lavagem de dinheiro com benefícios em campanhas da Justiça Federal para a Eleitoral, que funciona de, com e para políticos profissionais. E o presidente do STF, Toffoli, aboliu República de 1889 para criar o império absolutista da “Suprema Corte”, com seus 11 membros e suas nobres famílias protegidas da língua do povo por inquérito sigiloso sob total controle dos togados, acima de devassas de corrupção da Receita e de policiais, procuradores e juízes federais da primeira instância e críticas.

O procurador Bruno Calabrich tuitou que a decisão de Toffoli é inconstitucional, pois “foro por prerrogativa de função é definido pelo agente, não pela vítima; investigação pelo Judiciário é inconstitucional (violação ao princípio acusatório)”. Inconstitucional ou não, foi um duro golpe na Lava-Jato, já que o resultado do julgamento abre uma janela para a impunidade, ao permitir que políticos que rapinaram o erário ou receberam propina, suborno e que tais se escudem no batido ramerrão do caixa 2 eleitoral.

É de conhecimento geral que o TSE tem sido historicamente condescendente com crimes eleitorais e que tem postergado indefinidamente suas decisões, talvez por falta de estrutura (e de disposição) para apurar tantos crimes com a desejável celeridade. Basta relembrar o célebre julgamento da chapa Dilma-Temer, em 2017, no qual os réus foram absolvidos por “excesso de provas”, conforme ironizou o relator do caso, ministro Herman Benjamim, do STJ.

Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCU, também manifestou pelo Twitter sua discordância da afirmação de que o TSE é capacitado o bastante para lidar com os crimes comuns: “A Justiça Eleitoral é célere para processos relativos ao registro de candidaturas, mas não tem agilidade para julgar prestações de contas das campanhas. Até o início de 2018, apenas as contas dos dois candidatos que foram ao segundo turno em 2014 tinham sido julgadas”.

O resultado de 6 a 5 no plenário do Supremo demonstra, mais uma vez, que os ministros estão divididos e que o caso em tela não é simples como querem fazer crer os que acompanharam o relator. Gilmar Mendes, sempre “muito comedido”, disse em seu voto que “os procuradores da Lava-Jato adotam métodos de gangster”, além de os classificar de “gentalha despreparada, uns cretinos que não têm condições de integrar o Ministério Público”. 

De passagem, o ministro-deus atacou a criação de uma fundação privada para administrar parte da indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar para suspender processos nos Estados Unidos: “Essa fundação seria a mais poderosa do Brasil, com recursos públicos, e tinha como objetivo financiar eleições futuras. Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro.” Também a esse respeito eu prefiro não comentar, até porque, considerando como o ministro em questão vem se portanto, qualquer coisa que eu dissesse seria como chover no molhado. E já basta de inundações.

Luiz Fux, defendendo o raciocínio que norteou a outra corrente, afirmou que a Justiça Eleitoral costuma supervisionar apenas crimes menos graves ligados à eleição, como desacato a autoridades, agressões físicas, falsificação de documento, coação e transporte de eleitores, por exemplo. “Nunca se levou para a Justiça eleitoral corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.” Na mesma linha, Luis Roberto Barroso ponderou que afirmar que o TSE não está aparelhado para tal função não quer dizer que seu valor esteja sendo negado, ou sua ação caluniada.

É certo que investigados, denunciados e réus que não têm foro privilegiado — como Lula e os empresários corruptores — continuarão na mira de Curitiba. Mas a possibilidade de que todos os julgamentos da Justiça Federal sejam revistos é real. A procuradora-geral Raquel Dodge não acredita nessa hipótese, mas diz que é preciso ficar de olho nos acontecimentos.

Sobre a decisão do STF, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que “em termos de conveniência e oportunidade, se não de interpretação jurídica, a separação é a solução mais conveniente”. Da sua ótica, a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro. Aliás, um projeto de Moro visa à separação do caixa 2 da corrupção, mas a aprovação cabe ao Congresso, e como boa parte dos parlamentares tem pendências com a Justiça, isso é o mesmo que dar a Herodes a chave do berçário, certo? Talvez não. 

Os deputados Kim Kataguiri e Jerônimo Goergen apresentaram à Câmara um projeto de lei para tirar da Justiça Eleitoral crimes comuns, como corrupção e lavagem, ligados a delitos eleitorais, como o caixa 2. Na visão dos parlamentares, o STF ignorou os apelos do Ministério Público e da população ao fixar a competência da Justiça Eleitoral nesses casos, “fulminando a evolução da histórica Operação Lava-Jato”. Na Câmara Alta, o senador Alessandro Vieira — o mesmo que apresentou o pedido de criação da CPI Lava-Toga — está em contato com lideranças partidárias para que uma proposta semelhante tramite em regime de urgência e possa ser votada já na próxima semana. A avaliação é de que, no Senado, o projeto possa avançar mais rápido, já que a Câmara terá de se debruçar sobre a reforma da Previdência.

Convém não contar com o ovo no c* da galinha, mas talvez ainda reste alguma esperança. Volto ao assunto na postagem de amanhã. Bom domingo a todos.

sexta-feira, 15 de março de 2019

NEM TUDO É O QUE PARECE



EXISTE A HISTÓRIA, A HISTÓRIA DA HISTÓRIA E A HISTÓRIA POR TRÁS DA HISTÓRIA.

A imagem que ilustra este post mostra como tantos brasileiros (e eu me incluo entre eles) se sentem diante do vem acontecendo no Brasil. Aliás, falando em revezes e cenas insólitas, terminou ontem, no STF, o julgamento sobre a competência da Justiça Eleitoral para investigar casos de corrupção que envolve caixa 2 de campanha e outros crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro. O placar ficou em 5 a 5, cabendo ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, o voto de Minerva. Nem é preciso dizer que ele acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio, a exemplo do que fizeram antes dele Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowsky. Nem é preciso dizer que a Lava-Jato perdeu, que o cidadão de bem perdeu, que o Brasil perdeu. E o cara ainda quer impor respeito ao Supremo na marra. Quem quer ser respeitado deve se dar ao respeito. Simples assim.

Publico o vídeo a seguir com dois propósitos. O primeiro é óbvio, mas o segundo, um pouco mais sutil, remete ao que eu venho sempre dizendo sobre meias-verdades serem mais perigosas do que mentiras. Para entender melhor, veja sob que título o vídeo abaixo foi publicado num site da Web:

"Parece inacreditável, mas o jornalista Augusto Nunes, ardoroso crítico das mazelas do PT, que não titubeia em qualificar a deputada Gleisi Hoffmann pelo codinome “amante”, como ela era conhecida nas planilhas da Construtora Odebrecht, saiu em “defesa” da petista ante a acusações do eterno presidenciável Ciro Gomes."

Mais adiante, o texto esclarece que seu autor endossa a opinião de Augusto Nunes, mas os incautos que tiraram conclusões precipitadas, baseando-se somente na chamada, sem assistir ao vídeo ou ler o restante da matéria... enfim, para bom entendedor, meia palavra basta.

A estratégia foi usada para chamar a atenção dos leitores, mas bastaria editar o vídeo e retirar do contexto apenas uma ou duas frases para dar a impressão de que o jornalista estaria realmente "virando a casaca". E é exatamente isso que vem sendo feito... bem, como os gatos pingados que me leem são pessoas inteligentes, não vejo necessidade de exaltar o óbvio.



Segue um nota lapidar sobre as estultices do presidente Bolsonaro, publicada originalmente na coluna de Carlos Brickmann:

A reforma da Previdência, assunto essencial, está no Congresso. Outra reforma com alto potencial de controvérsia está para ser enviada: a que devolve ao Congresso sua missão básica de determinar o Orçamento, dando fim às porcentagens obrigatórias para Educação, Saúde, etc. O Ministério Público desistiu de criar uma fundação para lutar contra a corrupção, com verbas recuperadas após investigações. Um pacote anticrime, proposto por Sergio Moro, está pronto para exame pelos parlamentares. Para o bem ou para o mal, são propostas que modificam muito a estrutura do país.
E estamos discutindo tuítes e fake news que, seja a razão de quem for, fazem tanta diferença quanto o resultado de um jogo sub-15. É triste. 

Ou não: um leitor desta coluna, advogado e ex-ministro, lembra que, por menos relevantes que sejam esses temas, pelo menos não discutimos hoje alguns bilhões de reais em propinas, nem somos surpreendidos porque um diretor de estatal devolveu R$ 90 milhões que tinha na conta! para se livrar da prisão fechada. As notícias de hoje são sobre indecências no Carnaval ou declarações atribuídas a uma repórter que estaria se esforçando para que suas descobertas derrubem o presidente. Coisa mais micha!

O comportamento é ilegal? Cabe à Justiça decidir. A discussão é boba? É. Mas os temas são menos escandalosos que construir uma refinaria como Hugo Chávez mandou sem ele botar um centavo na obra. Esta coluna quer esquecê-los. Mas admite que é melhor discutir besteira do que ladroeira.

Para encerrar, a despeito de a mídia ter explorado ad nauseam a lamentável chacina ocorrida na última quarta-feira numa escola em Suzano, achei por bem reproduzir um trecho do Jornal da Manhã da Jovem Pan de ontem:


sábado, 16 de fevereiro de 2019

LULA, SUAS CONDENAÇÕES, SUA DEFESA E A ALIENAÇÃO DOS SEGUIDORES DA SEITA DO INFERNO


Por mais que me desagrade falar no sevandija da caatinga pernambucana, em sua trupe de cangaceiros e na corja de seguidores lunáticos que os acompanha, volto ao assunto diante de uma boa notícia — e olha que boa notícia, hoje em dia, é avis rara.

As duas baixas na bancada do PT no Congresso — o deputado baiano Luiz Caetano foi cassado por improbidade e o potiguar Fernando Mineiro perdeu a vaga com o recálculo do quociente eleitoral em seu estado —, somadas à filiação de dois deputados ao PSL, em janeiro, tornaram o partido do Presidente a maior bancada na Câmara. Se isso é suficiente para aprovar as reformas da Previdência e o Pacote Anticrime do ministro Sérgio Moro, bem, aí já é outra história. Se o fogo amigo cessar e nenhum outro acidente de percurso sobrevier, é possível que cheguemos lá.

Quanto ao molusco eneadáctilo, sua condenação no segundo processo e a iminência do julgamento do terceiro vêm exigindo de seus caríssimos advogados muita ginástica mental e uma boa dose de criatividade. Afinal, contra fatos não há argumentos, e é difícil defender o indefensável. A lengalenga da vez é que a juíza substituta Gabriela Hardt (que em breve irá passar o bastão da 13ª Vara Federal do Paraná para o novo titular) teria “copiado” uma parte da sentença de Moro no caso do tríplex, limitando-se a mudar a ordem de alguns parágrafos. “Na verdade”, diz O ANTAGONISTA, “foi Lula quem plagiou Lula, cometendo no sítio e no triplex os mesmos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”.

Com efeito, os dois casos são de certa forma semelhantes. Em ambos, o MPF acusou o ex-presidente de usar os imóveis para receber propinas travestidas de reformas e benfeitorias personalizadas, e a defesa alegou que o réu não é dono dos imóveis e que o MPF não conseguiu comprovar quais atos de Lula teriam beneficiado as empresas. Em sua decisão no caso do sítio, a magistrada entendeu que a família do petista "usufruiu do imóvel como se dona fosse", e que a ação penal "não passa pela propriedade formal do sítio" — a mesma interpretação do então juiz Sergio Moro ao condenar Lula no caso do tríplex, em abril de 2017.

A estratégia da defesa, agora, é pugnar pela anulação dos dois processos, alegando uma suposta “parcialidade” de Moro e outras asnices que tais. Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?

A militância vermelha (ou o que resta dela) não vê provas contra seu amado líder nem que elas lhe mordam a bunda. Para essa escumalha, se Lula tirou milhões da pobreza (se realmente tirou, deve ter depositado na conta dele e na do PT), que mal tem em lavar dinheiro ocultando duas propriedades? Ou em ganhar imóveis e reformas de empreiteiras que favoreceu enquanto era presidente? Em receber propina disfarçada de pagamento por palestras a que ninguém nunca assistiu, torrar R$ 8 bilhões do BNDES para a Odebrecht realizar obras sem concorrência em países bolivarianos, comandar uma organização criminosa que quebrou a Petrobrás e contratar sondas superfaturadas da Schahin Engenharia?

É justo condenar o Parteiro do Brasil Maravilha por acobertar o assassinato de prefeito Celso Daniel com dinheiro da comissão das sondas? Por obrigar a Petrobras a fornecer nafta à Braskem por preços abaixo do valor de mercado por vários anos, causando um prejuízo que o TCU estima em R$ 5 bilhões? Por saquear os palácios ao deixar a Presidência, levando não só presentes de Estado como até a prataria da casa? Por eleger uma gerentona incompetente, despreparada e desequilibrada para manter quente a poltrona até que ele próprio pudesse voltar a ocupá-la, 4 anos depois? Quem se importa se para isso foi preciso ilaquear a boa fé do povo com uma campanha criminosamente mentirosa, irrigada com dinheiro roubado da Petrobras?

Condenar Lula por permitir que sua quadrilha saqueasse os fundos de pensão de quase todas as estatais, comprometendo as aposentadorias de centenas de milhares de petroleiros, carteiros, bancários? Por deixar que a Bancoop lesasse milhares de bancários para favorecer a OAS e ganhar uma cobertura triplex no Guarujá? Pura perseguição!

Condenar Lula por dar aval político e dinheiro para que organizações criminosas, como o MST, invadissem e depredassem impunemente fazendas, centros de pesquisa e prédios públicos? Por comprar apoio político através do mensalão e do petrolão? Por nomear comparsas para o Sesi Nacional, transformando a instituição num cabide de empregos para “cumpanhêros”, parentes e outros vagabundos? Por contribuir para o enriquecimento ilícito de seus filhos em troca do favorecimento de empresas de telefonia e outras? Por vender medidas provisórias isentando montadoras de impostos em troca de comissões? Pura injustiça!

Condenar Lula por inchar o governo e as estatais com centenas de milhares de funcionários supérfluos, quebrando o estado e provocando déficit público recorde? Por lotear mais de 30 mil cargos de confiança entre seus apaniguados, dando o comando das estatais e autarquias para petistas incompetentes, que mal sabem administrar suas vidas? Por eleger outro poste, também com dinheiro roubado das estatais, para prefeitar a maior cidade do país? Crueldade!

Condenar Lula porque ele comprou milhões de votos com programas de esmola como o Bolsa Família, criou o Bolsa Pescador e deixou 3 milhões de falsos pescadores se inscreverem para receber a sua esmola compradora de votos, aumentou a carga tributária de 33 para 40% do PIB e a dívida pública para quase R$ 3 trilhões, tornando-a impagável? Por ter favorecido o sistema financeiro com taxas exorbitantes de juros, transferindo renda dos pobres para os ricos? Por ter queimado toda a bonança da maior onda de alta das commodities na década passada? Por ter loteado todas as agências reguladoras, fazendo-as inúteis na proteção dos cidadãos? Por ter aparelhado até o STF, nomeando ministros comprometidos com a proteção de sua ORCRIM? Por deixar a Bolívia expropriar a refinaria da Petrobras sem fazer nada e humilhar nossas Forças Armadas nomeando ministros da Defesa comunistas e incompetentes? Por favorecer comercialmente ditaduras como as de Angola, Venezuela e outras? Por esnobar as maiores economias do mundo, direcionando nossas relações exteriores para países inexpressivos comercialmente, apenas no afã de ganhar prestígio e votos na ONU? Por humilhar o Itamaraty, orientando a política externa através de consiglieri mafiosos, e deixar nossas embaixadas e consulados sem dinheiro para pagar aluguéis? Por comprar um aerolula da Airbus pelo triplo do preço de uma aeronave da Embraer? Por descuidar dos programas de saúde pública através de ministros incompetentes e desvio de verbas, permitindo a volta de doenças como a dengue e a zika? Por aparelhar todas as universidades federais com reitores de esquerda, obtusos e incompetentes, e fazer do Brasil motivo de chacota no mundo inteiro, subtraindo dos brasileiros o orgulho de ser brasileiro? Pura desumanidade!

Acuerda, macacada!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

DALLAGNOL E A LIBERDADE DE CRITICAR



Em agosto de 2018, a 2ª Turma do STF, com os votos do trio calafrio (Mendes, Toffoli e Lewandowski), retirou do ex-juiz Sérgio Moro, então responsável pelos processos da Lava-Jato em Curitiba, trechos de depoimentos de executivos da Odebrecht que se referiam ao ex-presidente Lula, a pretexto de não terem ligação com a Petrobrás. 

Em entrevista à CBN, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que os três de sempre do Supremo Tribunal Federal retiram o que podem das mãos de Moro, dão sempre os habeas corpus e estão sempre se tornando uma panelinha. Dallagnol fez uma ressalva importante: “não estou dizendo que estão mal-intencionados, estou dizendo que objetivamente mandam uma mensagem de leniência”. Mesmo assim, o ministro Dias Toffoli acionou o Conselho Nacional do Ministério Público, que iniciou uma apuração que se transformou em Processo Administrativo Disciplinar contra o coordenador da Lava-Jato em Curitiba.

A liberdade de expressão geral do membro do MPé garantida. E quando ele se pronuncia sobre os processos em que é parte — o que é o caso da entrevista em tela —, acrescenta-se ainda a inviolabilidade, significando que mesmo certas manifestações, que em outras circunstâncias poderiam ser consideradas um ilícito, não o são neste caso. Trata-se de uma ampliação da liberdade; é algo semelhante ao que ocorre, por exemplo, com deputados federais e senadores, a quem o artigo 53 da Constituição torna “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.

A inviolabilidade dos membros do MP, ainda que sem a mesma amplitude da que gozam os parlamentares (cuja imunidade, lembramos, é de natureza constitucional), é necessária, pois é natural que o integrante doMinistério Público, como parte nos processos, tenha todo o direito de se manifestar publicamente sobre tais processos e as decisões judiciais neles tomadas. Claro que a crítica não pode ser feita de qualquer forma, pois essa liberdade sofre uma modulação no artigo 43, que lista os deveres dos membros do MP, entre os quais o de “zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções”. Este trecho foi, inclusive, mencionado pelo corregedor Orlando Moreira como tendo sido desrespeitado por Dallagnol em sua entrevista, mas seu entendimento implica uma visão muito restritiva da liberdade de expressão garantida aos membros do MP, pois dá a entender que as críticas a uma decisão judicial, ou mesmo a um conjunto delas, seriam um ataque pessoal aos ministros ou uma desmoralização da instituição judicial.

Decisões judiciais são, sim, passíveis de questionamentos da parte de qualquer cidadão, incluindo autoridades como procuradores da República. A crítica, quando formulada de maneira objetiva, serve como ferramenta de fortalecimento da instituição responsável pela decisão criticada. Se não fosse assim, aos membros do MPsó seriam permitidos elogios, o que, convenhamos, nem exige liberdade de expressão. Aliás, é bom registrar que, não raro, os próprios ministros do STFdirigem-se uns aos outros em termos que, estes sim, extrapolam totalmente qualquer regra de boa convivência — basta lembrar os famosos bate-bocas entre Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes, num dos quais o primeiro acusa o colega de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”. Todavia, mesmo essas manifestações são protegidas pelos mesmíssimos mecanismos que garantem o direito à expressão por parte de Dallagnol.

Na entrevista, o procurador contestou a decisão propriamente dita, bem como outras da lavra dos mesmos três ministros, sem fazer qualquer julgamento de caráter, deixar de reconhecer a legitimidade do STF para decidir o que decidiu ou manifestar a intenção de desobedecer a decisão. Não há como ver nisso desprestígio ao Poder Judiciário ou comprometimento da imagem institucional do MP.

Dallagnol tem seu direito garantido pela inviolabilidade de que trata a Lei Orgânica do MP — e assim seria ainda que sua crítica fosse infundada, o que não é o caso. Afinal, Mendes e Toffoli, em especial, não têm sido pródigos em conceder habeas corpus, dentro e fora da Lava-Jato? Em junho deste ano, Toffoli não sacou da cartola um habeas corpus “de ofício” (por iniciativa própria) a José Dirceu?

O que os votos de Mendes, Toffoli e Lewandowski têm em comum é sempre a tendência favorável aos réus, sob uma compreensão chamada “garantista” do processo penal, mesmo quando há suficientes evidências de crimes de corrupção. Daí a referência à “mensagem de leniência em favor da corrupção” feita por Dallagnol ser plenamente justificada, especialmente no caso de remessas de delações à Justiça Eleitoral, que só pode julgar os crimes de caixa dois, ignorando totalmente o contexto de corrupção que deu origem ao dinheiro usado ilegalmente nas campanhas, um crime que ficaria impune.

O que temos aqui é uma crítica objetiva a uma decisão do STFem um caso no qual a Lava-Jato atua como parte, crítica essa protegida pela Constituição e pela Lei Orgânica doMinistério Público. Considerar Dallagnol culpado de infração disciplinar, aplicando-lhe uma pena que tem sérias consequências em sua carreira, é um desserviço ao próprio Ministério Público e ao bem comum. Uma punição, neste caso, prejudica o MP porque, com este perigoso precedente aberto, os demais procuradoresacabarão se autopoliciando para evitar processos semelhantes; e prejudica a sociedade, porque a voz do Ministério Público tem sido a sua defesa contra a corrupção. Precisamos que ela continue a ressoar, forte e independente.

Observação: O julgamento do processo administrativo contra Dallagnol, que estava pautado para a sessão da última terça, 11, foi adiado para o próximo dia 18.

Com informações da Gazeta do Povo.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

DURO DE MATAR - CORRUPÇÃO E VELHA POLÍTICA TUPINIQUIM



Para quem aprecia filmes policiais e não dispensa uma boa dose de violência, Die hard — ou duro de matar, como o título da série protagonizada por Bruce Willis foi traduzido para o português — é uma boa pedida. O que isso tem a ver com política? Nada; a franquia só me cruzou a mente porque, a exemplo de John McClane, que é como se chama o personagem de Willis nessa série, a velha política tupiniquim é igualmente “dura de matar”. Aliás, não só a “velha política”, mas também alguns monstros sagrados do panteão político-partidário, que parecem eternos.

Sarney é um bom exemplo: aos 88 anos e há cinco afastado da vida pública, o bardo maranhense continua assombrando seu estado natal, ainda que em franca decadência  nem a filha Roseana se reelegeu governadora, nem o filho Zequinha, senador. 

Outro exemplo é o ex-deputado Paulo Maluf: condenado a mais de 7 anos de prisão e posto em liberdade por “razões humanitárias”, segundo o traste supremo que lhe concedeu um habeas corpus de ofício, o turco ladrão, aos 87 anos, parecia estar à beira do desencarne até deixar a Papuda, mas bastou voltar para sua cinematográfica mansão, no bairro dos Jardins (um dos mais nobres e caros de Sampa) para simplesmente renascer das cinzas. 

Renan Calheiros, aos 63 anos, é outro sério candidato a ser eterno. Nem uma pneumonia combinada com a reação alérgica a um antibiótico impediu-o de descarregar, do leito na UTI de um hospital de Brasília, sua artilharia contra o ex-juiz Sergio Moro. Motivos não lhe faltam: investigado em 12 inquéritos e alvo de duas denúncias, o cangaceiro das Alagoas dificilmente aplaudiria a promessa do futuro ministro da Justiça de endurecer o combate à corrupção. Mas o castigo vem a cavalo.

Segundo Andréia Sadi, a PGR incluiu novos e-mails de Marcelo Odebrecht ao inquérito sobre Calheiros, num dos quais se lê o seguinte: “Ontem me reuni com Senador Renan, que incluiu uma emenda de relator e permitiu que Chesf fosse beneficiada até 2015. Vamos tentar ainda incluir possibilidade de renovação nas mesmas bases. Contudo já foi uma vitória!” Outro e-mail retoma o assunto: “JW e Renan hoje têm força suficiente para, se quiserem, conseguirem resolver o tema da energia Chesf.” (JW é Jaques Wagner, que ainda está solto, assim como Renan Calheiros).

No Planalto a velha política também campeia solta. No último dia 25, depois de muito suspense, Temer sancionou o indecente reajuste autoconcedido pelos ministros supremos, que passarão a ganhar 18 vezes mais que o salário médio do trabalhador tupiniquim. Explica-se. A última coisa de que precisa um presidente em vias de perder o foro privilegiado e prestar contas de seus atos nada republicanos a juízes de primeira instância é se indispor com o Judiciário.

Feito o afago ao magistrados, mais um exemplo típico das viciadas relações entre os poderes: o vampiro do Jaburu fez chegar ao Supremo, por intermédio de Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, o desejo de que a Corte julgasse constitucional o decreto em que afrouxou as regras do indulto de seu Natal em 2017 — um bálsamo para políticos e amigos de políticos encalacrados (escuso-me de descer a detalhes porque várias postagens recentes tratam desse tema).

Observação: Falando no STF, o chefe da trupe de purgantes toga vem se esmerando na arte cuspir na cara dos cidadãos de bem: durante a sessão em que a 2ª turma apreciava o enésimo HC do demiurgo de Garanhuns — que pede a anulação do processo relativo ao tríplex do Guarujá —, Mendes pediu vista do processo quando já havia dois votos contrários ao pleito da defesa. Horas antes, quando voava de São Paulo para Brasília, seu colega e aliado na “cruzada solta-bandido” mandou prender um passageiro “inconveniente” que exerceu o direito constitucional de expressar sua opinião sobre a mais suprema das cortes tupiniquins. E se os demais passageiros tivessem vaiado Lewandowski, o que ele faria? Mandaria prender todo mundo? Ameaçaria a tripulação com seu bafo de onça e mandaria o mandaria o comandante rumar para Cuba?

Voltando ao presidiário de Curitiba: "A possibilidade de Lula ser beneficiado por uma revisão da regra que autoriza a prisão depois de condenação em segunda instância está por um fio", diz uma colunista da Folha. Os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli defendem que os criminosos só possam ser presos após o julgamento do STJ, mas o caso de Lula já está na reta final no STJ: o ministro Felix Fischer negou recurso especial de sua defesa; falta a 5ª turma dar a palavra final, mas a chance de rever a decisão de Fisher é considerada remota. Depois disso, o assunto estará encerrado na terceira instância, e os sectários togados da seita do inferno terão de bolar outra manobra.

Para encerrar: A defesa de Lula alega que Moro foi parcial ao conduzir o julgamento do petralha no caso do tríplex, e que o fato de ele ter aceitado o convite de Bolsonaro para assumir a pasta da Justiça constitui “motivação política. Em entrevista exclusiva ao Jornal da Manhã, Miguel Reale Júnior ponderou que essa é uma atitude desesperada da defesa do condenado: “O que se está pretendendo é a suspeição retroativa. É toda uma fantasia não baseada na legislação processual, portanto é presumir que todas as decisões proferidas nesse e em todos os processos da Lava Jato estariam comprometidos”, disse o jurista, um dos signatários do pedido de impeachment que, em 2016, excretou a anta vermelha do Palácio do Planalto. Para Reale, “Lula não pode se queixar de não ser um privilegiado no STF”, já que todos os seus pedidos de habeas corpus são colocados em pauta. “Nunca se viu tanta atividade judicial como a promovida pela defesa de Lula, que temo privilégio de ter colocado em pauta seus habeas corpus. Tem habeas corpus que estão lá há mais tempo e não são julgados”.

O jurista ironizou ainda o argumento da defesa — de que Moro aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça — e questionou se a “bola de cristal” indicaria a vitória de Bolsonaro, o atentado contra o presidente eleito e a indicação de Moro ao Ministério, além de lembrar que a sentença que condenou Lula foi proferida por Moro, mas confirmada depois pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça, em decisão monocrática do ministro Felix Fischer. Se houve parcialidade, então todo mundo foi parcial, inclusive os ministros do STF que rejeitaram 7 pedidos de HC apresentados (até agora) pela defesa do entulho vermelho.