José Nêumanne frisou
em sua coluna que o ministro-deus Gilmar
Mendes tem participado ativamente — se não como protagonista, no mínimo
como cúmplice — de todas as decisões do STF
pelas quais os cidadãos de bem deste país sentem repulsa. E na última terça-feira não foi diferente.
Regida pela batuta de Cármen Lúcia — nomeada por Lula e que
tem peninha do “bom velhinho que já
sofreu demais na cadeia", —, a 2ª Turma reeditou seus recentes tempos de
predomínio do trio “Deixa que eu solto”
— com Gilmar, Lewandowski e o retirado Toffoli, que em setembro passado trocou assumiu a presidência da Corte. Aproveitando-se da ausência do decano da Corte, que convalesce
de uma pneumonia, o terceto notável, ora integrado também pela presidente da Turma, derrotou o relator Fachin e passou por cima de qualquer previsão legal para cancelar a
condenação do corrupto Bendine.
Em assim decidindo, o trio assombro legislou — já que nada existe na lei brasileira que
determine que o réu seja o último a se defender quando há delatores entre os
outros condenados. Como salientou o ex-ministro supremo Carlos Velloso, a Lei de
Organizações Criminosas não exige períodos distintos para as alegações
finais de delatores e delatados: “Nem o
Código Penal, nem a lei da colaboração premiada fazem esta distinção que o
Supremo adotou. Penso que não é possível o tribunal, invocando o direito de
defesa, ampliar norma processual”.
Em seu voto, Gilmar
Mendes, o inigualável, aproveitou o
embalo para destilar seu veneno contra Sérgio
Moro, Dallagnol e a Lava-Jato
(da qual ele era admirador confesso enquanto seus alvos não fossem os tucanos). Se esta republiqueta de bananas fosse uma democracia que desse ao respeito, exigir-se-ia que Mendes se afastasse do julgamento por suspeição. Mas num país falido, onde o presidente da república impõem condições para aceitar a esmola oferecida pelo G7 para ajudar a combater os incêndios na Amazônia, não se poderia esperar coisa muito diferente.
Observação: Em
2016, quando o plenário manteve
a condenação de soldados ouvidos antes da acusação num processo penal
militar, Gilmar disse que anular a
sentença produziria “um quadro de
instabilidade”. Na época, a maioria dos ministros decidiu que, dali em
diante, os militares também deveriam depor por último no processo, assim como
ocorre com os civis, embora o Código de
Processo Penal Militar determinasse a oitiva no início. Assim, processos já
julgados não seriam afetados. Ao votar pela manutenção dessas condenações, disse
Gilmar: “Garantias que são
importantíssimas, como a garantia do contraditório e da ampla defesa, do devido
processo legal, é claro, têm um forte caráter institucional. Significa dizer: a
toda hora, elas são passíveis de aprimoramento. E isso acontece. Agora, não
significa que aquilo que foi praticado no passado era ilegítimo, ilegal”.
Desta vez, porém, a excelência das excelências votou de forma diferente, não ao garantir que o réu
se defendesse após seus delatores, mas ao anular uma condenação já estabelecida.
Analistas e palpiteiros de plantão dizem que o processo do
sítio de Atibaia, que resultou na
segunda condenação de Lula, é igual
ao de Bendine. Não é. A defesa do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras questionou a decisão do então juiz Moro sobre os prazos das alegações finais quando o processo ainda estava na
primeira instância — antes, portanto, de a sentença ser proferida.
No caso do molusco
abjeto, Zanin, o fabuloso, não tomou
esse cuidado, dando a entender que, ao menos nesse ponto específico, a defesa não
se sentia prejudicada, e agora quer que o mesmo entendimento seja aplicado no processo envolvendo o terreno do Instituto Lula e a cobertura vizinha à do petralha em SBC, que está prestes a ser julgado pelo juiz Luís Antonio Bonat.
A PGR está
tentando conter os danos. Uma alternativa, segundo a Folha, é requerer aos ministros que um processo só possa ser
revisto se a defesa do réu pediu, ainda na primeira instância, para se manifestar por último, e seu pedido
foi negado. Foi isso que ocorreu com Bendine.
Outra possibilidade seria tentar restringir as anulações a casos em que o
delator efetivamente apresentou em suas alegações finais alguma prova ou
acusação nova, não tratada nas fases anteriores da tramitação da ação penal e, portanto, não conhecida formalmente pelos demais acusados.
O fato é que os advogados de Lula e de outros condenados na Lava-Jato
exultaram com a decisão da 2ª Turma.
Choverão pedidos de isonomia valendo-se da anulação da sentença de Bendine como paradigma. É a velha
política tomando o seu espaço de volta, com o empenho de Rodrigo Maia, Gilmar Mendes, Lula e até Jair Bolsonaro — que, para sair desta lista,
precisa vetar integralmente a lei de abuso de autoridade.
Conforme eu publiquei dias atrás, o STF é visto hoje mais como um
agente político do que como uma corte constitucional. É compreensível,
portanto, que se multipliquem pedidos de
impeachment contra seus membros. Lamentavelmente, todos foram barrados pelos presidentes do Senado da vez — emboloram nos escaninhos da Casa nada menos que 34
petições, sendo 11 contra Mendes, 10
contra Toffoli e, dos outros 9 ministros.
A única que escapa até agora é Cármen
Lúcia, mas, a julgar pelo modo como a ministra atuou na última terça-feira, isso pode mudar em breve.
Observação: Dizer que o STF combate a corrupção é piada. Enquanto Moro condenou cerca de 159 corruptos a mais de 2200 anos e colocou na cadeia o picareta dos Picaretas, o juiz Marcelo Bretas sentenciou o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, a mais de 200 anos de prisão, os togados supremos condenaram um único político lalau (o ex-deputado Nelson Meurer, que ainda nem foi preso). Se não falta letargia aos ministros, sobra-lhes cara de pau. Falar em excessos da Lava-Jato, quando quem cometeu excessos foi a quadrilha de Lula e companhia, que saqueou o país, é muita hipocrisia, muito cinismo, muita desfaçatez!
Observação: Dizer que o STF combate a corrupção é piada. Enquanto Moro condenou cerca de 159 corruptos a mais de 2200 anos e colocou na cadeia o picareta dos Picaretas, o juiz Marcelo Bretas sentenciou o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, a mais de 200 anos de prisão, os togados supremos condenaram um único político lalau (o ex-deputado Nelson Meurer, que ainda nem foi preso). Se não falta letargia aos ministros, sobra-lhes cara de pau. Falar em excessos da Lava-Jato, quando quem cometeu excessos foi a quadrilha de Lula e companhia, que saqueou o país, é muita hipocrisia, muito cinismo, muita desfaçatez!
O individualismo absoluto que norteia as decisões do Supremo — onde cada decisor age como se
fosse dono da verdade e de seu próprio tribunal — produz o único caso
mundialmente conhecido de uma democracia constituída por 13 poderes: o Executivo, o Legislativo e os 11
semideuses togados. E o clima entre os togados não é dos melhores. Não bastassem os
bate-bocas entre Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso — num
deles, Barroso acusou o
colega de ser “uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de
psicopatia” —, Fux e Toffoli quase não se falam.
O presidente da Corte é do grupo "garantista", que
dissemina alegremente a impunidade a pretexto de resguardar o direito dos réus,
ao passo que o vice defende a prisão antecipada dos condenados em nome do
combate à impunidade. Segundo matéria
publicada na revista Época (cuja leitura eu recomendo), o grupo de Fux é chamado pejorativamente pelo
outro time de "iluministas".
A relação entre Fux
e Toffoli está a tal ponto
estremecida que ex-militante petista e ora presidente da Corte não quis dividir o plantão do recesso de
julho com o vice, como sói acontecer a cada seis meses, preferindo ficar responsável
por todas as decisões urgentes do período, inclusive aquela que, a pretexto de
proteger Flávio Bolsonaro, o
magistrado enterrou o Coaf.
Como disse Rui
Barbosa certa vez, cabe ao Supremo
errar por último. Mas os três votos que inovaram a interpretação da lei para
anular pela primeira vez um julgamento da Lava-Jato
— usando uma criatividade que até o momento era atribuída apenas ao “direito de
Curitiba”, na expressão jocosa de (sempre ele) Gilmar Mendes — não representam a opinião de todos os magistrados,
e em algum momento o caso deverá ser enfrentado pelo plenário.
Diante da má
repercussão do julgamento, a 2ª Turma pode explicitar no acórdão que os efeitos da decisão só se
produzem nos processos posteriores, ou seja, não se estendendo a casos anteriores em que a
defesa não alegou cerceamento em recurso ainda na primeira instância.
De acordo com Merval
Pereira, a anulação da condenação de Bendine
com base nessa "nova interpretação" só deveria ser possível em
situações em que os advogados dos réus pediram para falar depois dos delatores antes de ser proferida a sentença e tiveram seus
recursos negados pelo juiz de primeira instância, pelo TRF-4 e pelo STJ. A defesa de Lula não tomou esse cuidado nos dois julgamentos em que o petista foi condenado, e, portanto, não poderia ser beneficiada pela jabuticaba suprema.
Dada a controvérsia que a decisão da última terça-feira
causou, era previsível que o ministro Fachin, relator da Lava-Jato no STF, encaminhasse
ao plenário o recurso da PGR. Será a única maneira de esclarecer se essa criatividade jurídica
conta com o respaldo da maioria dos ministros da Corte. Se fosse a 2ª Turma a julgar recurso, o resultado dificilmente seria diferente,
a menos que Cármen Lúcia, que
surpreendeu a todos com seu voto bizarro, defendesse a tese de que a
decisão tomada na última terça-feira se restringe ao caso de Bendine. Mas Mendes e Lewandowski
dificilmente mudariam seu entendimento, e uma vez que o decano está licenciado,
o placar de 2 a 2 ainda beneficiaria o réu.
Observação: Fachin determinou também — sabiamente, na minha avaliação — que a 13º Vara Federal de Curitiba refizesse os passos finais da instrução processual na ação que Lula responde sobre o terreno e apartamento em SBC, evitando que a sentença seja futuramente contestada e anulada mais adiante, se esse merdeira não for revertida o quanto antes pelo plenário do Supremo. Em abono à minha tese, transcrevo trecho do despacho do ministro: “Enfatizo, ademais, que não se trata de constatação de mácula à marcha
processual. Nada obstante, considerando o atual andamento do feito, em
que ainda não se proferiu sentença, essa providência revela-se
conveniente para o fim de, a um só tempo, adotar prospectivamente a
compreensão atual da Corte acerca da matéria, prevenindo eventuais
irregularidades processuais, até que sobrevenha pronunciamento do
Plenário”.
A Lava-Jato vem
incomodando poderosos desde 2014, e por isso é bombardeada por todos os lados.
De início, os petardos vinham do Legislativo,
onde boa parte dos parlamentares é composta de investigados, denunciados ou réus. De
uns tempos a esta parte, porém, tanto a banda contaminada do Judiciário quanto o próprio Executivo vêm colaborando para emparedar
a força-tarefa, que amargou sua primeira grande derrota no Supremo.
Outros
reveses — como o fim da condução coercitiva e a contenção da prisão preventiva —
foram superados na prática do dia a dia, mas agora, depois que a Vaza-Jato do Intercept de Verdevaldo das Couves
revelou detalhes pessoais dos investigadores — que, mesmo não comprovados e
obtidos de maneira criminosa, fomentaram uma rejeição que já vinha latente
em alguns togados e era verbalizada sem firulas por Gilmar Mendes.
Ainda que não revelem nenhuma irregularidade jurídica nas
decisões tomadas, as mensagens vazadas expõem os intestinos da força-tarefa, suscitando questões morais que não deveriam interferir no julgamento,
mas interferem. E há quem atribua esse incômodo à inusitada mudança de procedimento
da ministra Cármen Lúcia.