UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Maracutaias e humor...
terça-feira, 27 de julho de 2021
DRIBLES NA TIRANIA
Nem a Velhinha
de Taubaté acreditaria quando Bolsonaro diz que pode desistir
de tentar a reeleição se não houver voto impresso. Mas essa ideia não
saiu da cabeça de nenhum oposicionista signatário dos inúmeros pedidos de
impeachment ora postos em sossego sob o derrière do presidente da Câmara.
Quem levantou a lebre foi o próprio presidente — que não pode reclamar,
portanto, se o assunto vier a tomar conta das mentes e das bocas, Brasil afora,
e ele começar a ouvir daqui em diante: "Mas não é que pode ser uma
boa?"
Não foi a intenção dele nem tampouco tratou-se de um
descuido. A hipótese foi aventada quando o capitão jogou a toalha ao admitir a
impossibilidade de o Congresso aprovar a reintrodução do voto impresso no
sistema eleitoral. Mas quais seriam as razões do presidente?
Uma possibilidade é a tentativa de fazer a récua de muares
que o capitão chama de militância a embarcar numa espécie de “queremismo”
revisitado inspirado em Getúlio Vargas para tentar conter o derretimento
da densidade eleitoral é uma. Outra, se a primeira não der certo e as
condições de competitividade descerem a ladeira e tornarem a derrota
inevitável, é antecipar-se ao desastre saindo do jogo como se o fizesse por
vontade e não por imposição das circunstâncias adversas.
A conjuntura lá na frente pode não ser a de hoje — o que não
significa necessariamente que será melhor; na conta das probabilidades, tende a
ser ainda pior, sobretudo se a comparação for com o cenário de 2018 e mesmo com
a situação antes de a pandemia conferir a Bolsonaro a medalha de ouro num
hipotético pódio de maus governantes. Hoje ele já não pode cometer barbaridades
tais como nomear o filho embaixador nos Estados Unidos, insultar a mulher do
presidente francês, fazer troça da China, recusar-se a comprar essa ou aquela
vacina, dar aval a pregações pelo fechamento do STF, bradar coisas do
tipo "agora chega" ou "acabou, porra!" e por aí vai.
Surpreendente é que um dia tenha podido, mas não pode mais.
Steven Levitsky e Daniel Ziblatt ensinam em Como as Democracias Morrem que os
dois pilares de sustentação das “grades de proteção” dos estados de plenos
direitos são a tolerância e a reserva institucional (noção de limites no
exercício do poder). A tolerância é diária e constantemente agredida pelo
sectarismo extremo dos adeptos da crença de que adversários devem ser
aniquilados. A reserva institucional é afrontada pela ausência de comedimento
de Bolsonaro na cadeira presidencial.
Quando o país simpatiza com a figura de um governante, tende
a tolerar a testagem de limites. Lula, por exemplo. Quis acabar com a
autonomia das agências reguladoras, tentou controlar a imprensa, reclamou das
amarras dos órgãos de fiscalização (do meio ambiente, inclusive), desdenhou da
oposição, calou enquanto petistas qualificavam o STF como “tribunal de
exceção” e introduziu na vida nacional a maldita dinâmica do “nós contra
eles” — plantando a semente que Bolsonaro cultivou na base do
maquinário tão pesado quanto obsoleto e se deu mal. Por falta de organicidade
partidária, de identificação popular, excessivo e descontrolado ressentimento,
uso primário dos instrumentos de distração, vocação à crueldade, personalidade desagregadora
e déficit no quesito olfato político. Lula, o picareta dos picaretas, é o
contrário disso tudo e, por amado, foi tratado com indulgência.
Também diferentemente do petista, Bolsonaro, eleito
por exclusão, já tomou posse altamente rejeitado. Além de não ter trabalhado
para mudar essa condição, só fez aprofundar e ampliar a desaprovação. A
presença dele na Presidência tem sido um transtorno, é fato. Mas é verdade
também que às ações malfazejas têm correspondido reações benfazejas. Questões
que estavam adormecidas começaram a ser enfrentadas.
A exorbitante presença de militares no governo resultou no
apoio praticamente unânime à emenda que restringe a presença das fardas em
cargos de natureza civil. O uso abusivo da Lei de Segurança Nacional pôs para
andar a reformulação desse entulho autoritário.
A insistência de Bolsonaro no voto impresso — até
outro dia defendido por gente equivocada, mas de boa-fé — consolidou a
aprovação ao sistema eletrônico. E até o poder monocrático do presidente da
Câmara, sem data-limite para o exame de pedidos de impeachment, já é objeto de
um projeto de resolução em tramitação na Casa.
É assim que sociedades de firmes convicções democráticas
aplicam dribles em governantes de fortes tendências autoritárias.
Com Dora Kramer
terça-feira, 5 de abril de 2022
INTERFERÊNCIA, EU?
Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil. Foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois — afinal, quem tem a caneta pode mais, e quem pode mais chora menos. Em outro episódio envolvendo o BB, o "mito" mandou tirar do ar uma campanha publicitária do banco com atores que representavam a diversidade racial e sexual: “A linha mudou. A massa quer o quê? Respeito à família. Ninguém quer perseguir minoria nenhuma, nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”. O Planalto chegou a determinar que estatais deveriam submeter previamente à avaliação da Secretaria de Comunicação Social campanhas de natureza mercadológica, mas depois acabou recuando.
Bolsonaro continua presidente e, pior, candidatíssimo à reeleição. Como se não bastasse, tudo indica que, para nos livrarmos dele, teremos de amargar o retorno da cleptocracia lulopetista. Triste Brasil!
Texto baseado em informações publicadas pela Folha
sábado, 28 de janeiro de 2017
NÃO FOI EM VÃO
― O país está uma merda.
Desconcertado com a resposta, o entrevistador dirigiu-se ao pessimista:
― Diante da opinião do seu colega, o que o senhor tem a dizer?
― A merda não vai dar pra todo mundo, tem gente que vai ficar sem.
quarta-feira, 3 de maio de 2023
O PAÍS DA VERGONHA
Em entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro se justificou: Eles têm dinheiro, pô". São joias caras, sim, caríssimas, até pela relação de amizade que eu tive com o mundo árabe". Em depoimento à PF, ele disse que só soube da apreensão das joias 14 meses depois do ocorrido, que buscou informações para evitar um suposto vexame diplomático caso os presentes fossem a leilão, e que tentou reaver o pacote destinado à esposa (aquele avaliado em R$ 16,5 milhões), mas "via ofício, não na mão grande".
Bolsonaro tentou vender uma imagem de simplicidade usando esferográficas Bic e relógios de plástico de R$ 30, deixando-se fotografar de chinelo de dedo, comendo pão com leite condensado e com as calças sujas de farofa. Durante sua abjeta passagem pelo Planalto, ele recebeu 19.470 presentes, mas nenhum deles fedeu tanto a propina quanto a muamba saudita. Segundo o jurista Walter Maierovitch, o ex-presidente confessou que cometeu peculato ao reconhecer publicamente que incorporou a seu acervo pessoal o estojo de joias que recebeu do governo saudita.
A pena para este tipo de delito pode chegar a 12 anos de cadeia, mas não se pode perder de vista o fato de que vivemos numa republiqueta de bananas, onde sobram leis e falta vergonha na cara, onde todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros, onde o chefe do Executivo de turno foi guindado ao Planalto (pela 3ª vez) a despeito de ter colecionado 26 processos e de ter sido condenado em dois deles, em 3 instâncias, a mais de 25 anos de reclusão.
Ao voltar dos EUA, Bolsonaro encontrou um ambiente muito diferente do que imaginava. Ele ainda conta com uma base significativa de apoiadores, mas seu futuro político é incerto e o poder abomina o vácuo. A extrema-direita precisa de um candidato, que pode ser Tarcísio, Zema, e até Mourão (Vade Retro!).
quinta-feira, 7 de julho de 2022
SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (CONTINUAÇÃO)
Vimos que uma das primeiras derrotas de Moro como o “superministro” a quem Bolsonaro havia prometido carta-branca foi a transferência do Coaf para o Ministério da Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro.
Outro foco de tensão surgiu com a nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária — Moro teve que recuar da escolha devido a uma campanha de bolsonaristas nas redes sociais, nas quais os aloprados lembraram que, além de divergir do capitão em temas como armamento e política de drogas, Szabó havia se posicionado contra ele durante a campanha eleitoral de 2018.
Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo. As pressões se referiam principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão. Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo, em 2019, por se posicionar de forma contrária às intervenções. Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o mandatário afirmou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.
Depois de tudo que Bolsonaro disse na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, nem a Velhinha de Taubaté acreditaria que ele não interferiu “politicamente” na PF. Não interferiu uma, mas diversas vezes. E quase sempre para proteger sua prole (quatro dos seus cinco filhos são alvo de investigações, a exemplo do pai, que responde a pelo menos meia dúzia de inquéritos). Mas a PF parece ser mais crédula do que a finada personagem de Luíz Fernando Veríssimo: como também foi dito no capítulo anterior, o órgão concluiu que o presidente não cometeu crime por interferências na instituição.
Bolsonaro coleciona interferências na PF e em outras áreas ligadas ao governo como filatelistas colecionam selos postais. Quando questionado, reafirma sua autoridade com um “quem manda sou eu”, deixando claro o poder de sua patética esferográfica Bic — como fez em fevereiro do ano passado ao substituir Castello Branco por Silva e Luna na presidência da Petrobras, suscitando comparações com os governos petistas. "Não adianta a imprensa falar que eu intervi [sic]. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", postou o presidente (ou seu ghost writer) numa de suas redes sociais.
Em 2019, Bolsonaro defendeu publicamente que a Petrobras rompesse contratos com o escritório de advocacia de Felipe Santa Cruz — então presidente da OAB e desafeto do capitão.
No mesmo ano, "o presidente que não interferiu na PF segundo a própria PF" avançou sobre decisões internas do órgão ao anunciar a substituição do então superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi — na época, a PF divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente no estado do Amazonas, Alexandre Saraiva.
Bolsonaro ignorou a lista tríplice do MPF por duas vezes ao indicar o jurista soteropolitano Augusto Aras para o comando da PGR. A condução do processo foi chamada de retrocesso e criticada por sugerir risco à autonomia do MPF. Aras já abriu diversas apurações para investigar supostos ilícitos de seu suserano, mas sempre a contragosto e sem jamais encontrar algo que o desabone, a despeito de as evidências estarem diante de seu nariz.
Bolsonaro bancou a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara para ter um aliado no comando da Casa e, de quebra, um cão de guarda para seus quase 150 pedidos de impeachment. Para favorecer o aliado, o "mito" prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares e ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do Centrão — e chegou mesmo a admitir a intervenção.
Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil, foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois. Em outro episódio envolvendo o BB, ele não só mandou tirar do ar uma campanha publicitária com atores que representavam a diversidade racial e sexual, mas também determinou que campanhas de natureza mercadológica de estatais passassem a ser submetidas previamente à Secretaria de Comunicação Social (também nesse caso ele acabou recuando). Em outra oportunidade, anunciou ter implodido o Inmetro (com a substituição da então presidente do órgão por um militar do Exército) porque “não gostou” das mudanças que envolviam tacógrafos e provocaram reclamações de motoristas e taxistas.
Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU para tarefas que podem ser consideradas como extrapolação de seu escopo institucional. Numa ocasião, mandou o órgão tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página presidencial no Facebook. Em 2020, desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, mandando-a recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes depois que a instituição publicou nota informando que não contestaria a decisão do STF.
Bolsonaro mobilizou o Ministério da Justiça para impetrar um pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Abraham Weintraub. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça — posteriormente alçado ao STF com as bênçãos do capitão —, foi considerada inapropriada, já que a tarefa caberia à AGU ou a um advogado pessoal (enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de Bolsonaro dar um caráter político, e não técnico, à manifestação num momento em que o Judiciário estava sob ataque).
Bolsonaro exonerou o presidente do Inpe porque ele divulgou dados que desmentiam a falaciosa posição do governo sobre o desmatamento da Amazônia — o capitão queria que as informações fossem discutidas com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas. Dois dias após a exoneração, indicou em entrevista ter ordenado ao ministro da Ciência e Tecnologia a exoneração do subordinado. “Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando”, afirmou o sultão do bananistão.
O Brasil se tornou um país surpreendente porque nada mais surpreende de verdade. A conclusão estapafúrdia da PF sobre a ingerência de Bolsonaro no órgão perde para duas teratológicas decisões supremas: a que avalizou por 8 votos a 3 o delírio fachiniano segundo o qual a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula, e a que confirmou por 7 votos a 4 a decisão da 2ª Turma que reconheceu a parcialidade de Sérgio Moro na condução de quatro processos contra Lula. Vale lembrar que a defesa do petralha ingressou com cerca de 400 recursos na ação referente ao tríplex, e todos foram rejeitados — alguns, inclusive, pelo próprio STF —, e que, no caso do sítio de Atibaia, o TRF-4 confirmou a decisão da juíza substituta Gabriela Hardt.
Observação: Preso numa espécie de “Dilema do Bonde”, Fachin optou por anular as condenações de Lula para evitar um “mal maior” à Lava-Jato — que seria a declaração de parcialidade de Moro. A estratégia retirou de Curitiba os processos do triplex, do sítio e dois outros envolvendo o Instituto Lula, mas que ainda estavam em fase de instrução. Quase nove meses depois, todas as ações enfrentaram reveses na Justiça e Moro foi declarado suspeito, apesar da manobra de Fachin, que anulou os atos decisórios praticados nas quatro ações penais, mas manteve válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões). Na sequência, Moro foi declarado suspeito, o MPF pediu o arquivamento do processo do tríplex (por prescrição) e a nova denúncia no caso do sítio foi rejeitada pela JF do DF.
Continua...