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sábado, 23 de novembro de 2024

ELE NÃO SABIA DE NADA

QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.

 

Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
 
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia. 

Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
 
Em junho de 2022, numa reunião em que o presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o bobo da corte dizendo que era preciso virar a mesa antes das eleições, o general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, fez coro com os insurretos: 
"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". 

Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
 
Bolsonaro perdeu a reeleição e colecionou derrotas nos pleitos municipais. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026, mas a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada. A cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre seu plano de controlar a sucessão no campo da direita.
 
Em público, Valdemar Costa Neto — ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira — insiste na tese abilolada de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, porém, a cúpula do PL já admite que subiu no telhado a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável.
 
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora, sem o veneno golpista do "mito", já começa a ser articulada. Mesmo porque os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto. 
 
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer disputar o Planalto em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, o macróbio indicaria um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou, não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
 
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido. Mas demonizar Moraes perdeu o nexo quando quando o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica (que não aderiram ao golpe) os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes e o procurador-geral Paulo Gonet se juntaram à hipotética confraria de perseguidores.
 
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista revelou que ele e outro capitão planejavam explodir bombas nos quartéis se o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%. O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
 
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia". Em 1999, afirmou que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC). Em 2016, 
ao votar favor do impeachment de Dilma, homenageou o torturador da ditadura Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva revela o método usado pelo clã para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa. O livro detalha ainda as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.  
 
Em meio à pandemia, Bolsonaro desdenhou do vírus, disse que a reação da população e da imprensa era "histeria", chamou a Covid de "gripezinha de nada" e demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um sucessor que não durou um mês no cargo, e colocou em seu lugar o general Eduardo 
"um manda e o outro obedece" Pazuello. 
 
relatório da CPI da Covid apontou uma dúzia de crimes, mas o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". 

Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos, chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta, transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado, e por aí afora. Mas o dito ficou pelo não dito. 
 
Derrotado nas urnas, o capetão-golpista se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula. Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente quando poeira dos atos terroristas do 8 de janeiro já havia baixado. 

Observação: Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com QueirozZambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
 
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do ex-presidente — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. 

Moraes deve enviar a PGR, nesta segunda-feira, o relatório de 884 páginas que recebeu da PF, mas Gonet dificilmente denunciará os indiciados até o final do ano, e o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pode empurrar a denúncia para depois do recesso judiciário. O recebimento da denúncia pelo STF abrirá prazo para a instrução da ação penal. 

Espera-se que a sentença saia ainda em 2025, para não contaminar as eleições de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, o Messias que não miracula permaneça inelegível por mais tempo que os anos que lhe restam de vida. 

Bolsonaro disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia. Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
 
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, ação penal e provável condenação. Essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar mas não falhar, move-se em solo brasileiro a velocidade de um cágado perneta. 

O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorre àquela corte precisa ter paciência de : dependendo de quem julga e de quem é julgado, a sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).

Triste Brasil.

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

COMO REMOVER APPS PRÉ-INSTALADOS NO ANDROID

QUEM TROCA O CAMINHO VELHO PELO NOVO SABE O QUE DEIXOU PARA TRÁS, MAS NÃO SABE O QUE VEM PELA FRENTE.

 

Todo programa ocupa espaço e consome recursos, mas os fabricantes de PCs e smartphones se monetizam mediante a pré-instalação de inutilitários conhecidos como "crapware" (crap = merda), que, além do mais, são difíceis de remover
 
Windows dispõe de um utilitário nativo para desinstalar programas, mas ferramentas de terceiros, como o Revo Uninstaller e o PCDecrapfier, facilitam o processo e fazem um trabalho mais completo. No Android, para encerrar apps inúteis, mas que não podem ser removidos, toque em Configurações > Aplicativos, selecione o programa em questão, toque em Parar (ou Forçar Parada) e confirme em OK

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Às vésperas do primeiro turno das eleições municipais, o sonho de Bolsonaro de liderar a direita nacional vai ganhando a aparência de pesadelo. Escorado nas estatísticas, o governador Tarcísio de Freitas perorou que uma eventual ida de Pablo Marçal para o turno representaria "a porta de entrada para Boulos" na prefeitura, e tenta se consolidar como polo alternativo a Lula em 2026. 
No último sábado, respondendo ao toque do berrante soprado pelo cabo eleitoral de luxo que vive sob a sombra de uma sentença criminal esperando para acontecer, 45 mil reses trotaram rumo à mais paulista das avenidas para ouvi-lo defender o impeachment do "ditador" Alexandre de Moraes e a anistia aos vândalos envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro (e a si próprio, naturalmente). Um rebanho considerável, mas quatro vezes menor que o de 25 de fevereiro, quando o Monitor do Debate Político no Meio Digital contabilizou 185 mil cabeças de gado.
A alturas tantas, irritado com um carro de som que "atrapalhou sua concentração", o "mito" insuflou a plateia a sabotar o veículo: "Arranquem o cabo da bateria desse canalha vagabundo", vociferou. "Se esse picareta quer fazer um evento, que anuncie, convoque o povo e faça. Não atrapalhe pessoas que estão lutando por algo muito sério em nosso país", complementou. 
Comentando a efeméride, Ricardo Kertzman disse que não confia em livros ou filmes que retratam momentos cruciais da história humana como representações fidedignas de fatos reais, até porque quem narra algo o faz a partir da própria ótica, interpretação e interesse. Lembrou que fotos e filmagens são passiveis de edição e, portanto, não podem ser consideradas 100% confiáveis. Mas não há nem haverá Photoshop, Canva ou outro aplicativo de áudio e vídeo capaz de transformar em drama apoteótico a dantesca reunião de bolsonaristas do último sábado, na qual, sob a regência do grande estadista Silas Malafaia, ladeado por homens do mais alto grau de honestidade e espírito público, como Valdemar Costa Neto e o próprio Jair Bolsonaro, e de pensadores como Nikolas Ferreira e Carla Zambelli, a multidão de patriotas deu o tom: “Cabeça de ovo, supremo é o povo”.
Achava-se que enviar sinais de celular para ETs e cantar o hino nacional para um pneu de trator eram o ápice da genialidade revolucionária desse pessoal, mas a caterva bolsonarista superou a si mesma, comprovando que Einstein estava certo: não há limites para a estupidez humana. 
Não há Supremo, não há Senado, não há nada nem ninguém “neff paíff” (como diria outro gigante da política tupiniquim) que resista a um brado tão profundo, tão valente e tão simbólico assim.
Anotem aí: Xandão já era!

As Configurações do desenvolvedor são voltadas a programadores, mas podem nos ajudar a explorar o Android mais a fundo. Para acessá-las, abrimos o menu Configurações, rolamos a tela até Sobre o telefone, tocamos em Informações de software e sete vezes seguidas em Número de compilação.

Exibido o pop-up de confirmação, localizamos a entrada Serviços em execução (ou em Processos, conforme a versão do Android), selecionamos o programa que desejamos encerrar, tocamos em Parar e confirmamos em OK. O app será encerrado e todos os serviços associados a ele, interrompidos  (note que pode ser preciso tocar em OK e/ou em Parar mais uma vez para confirmar a ação).
 
Para desinstalar apps com privilégios de administrador, acessamos o menu Configurações, selecionamos Segurança > App do administrador do dispositivo, localizamos o aplicativo em questão, selecionados Desativar o app do administrador de dispositivo e desinstalamos o app da. maneira convencional.
 
Observação: Para remover apps pré-instalados de fábrica sem recorrer ao root, siga as instruções deste artigo; para desinstalar um ou vários aplicativos pela Google Play Store, toque nos ícones da loja e do seu avatar, selecione Gerenciar aplicativos e dispositivos, toque sobre a memória apresentada do seu dispositivo, marque o(s) aplicativo(s) que deseja excluir, toque no ícone da Lixeira e confirme a ação em Desinstalar.

sexta-feira, 29 de março de 2024

MALES QUE VÊM PARA PIOR



Enquanto os sábios aprendem com os erros alheios e os tolos com os próprios, os brasileiros repetem os mesmos erros esperando obter resultados diferentes — o que é burrice, pois o Teorema do Macaco Infinito não orna com eleições bienais.
 
Em dois momentos distintos da ditadura, o "rei" Pelé e o "presidente" Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros com urnas em pleitos presidenciais, e o tempo provou que eles estavam certos. Talvez pelo fato de o Criador ter cedido à pressão da oposição, a maioria lobotomizada do eleitorado tupiniquim obriga sistematicamente a minoria pensante a escolher o "menos pior" de seus bandidos de estimação. E galinhas criarão dentes antes que essa récua perceba que políticos não devem serem endeusados, mas cobrados, e defenestrados se mijarem fora do penico.
 
Falando em penico (já que a merda é sempre a mesma, o que mudam são as moscas), um pedido de vista do partido Novo adiou a votação do parecer do relator Darci de Matos, favorável à manutenção da prisão do deputado Chiquinho Brazão. O imperador da Câmara — fidelíssimo cumpridor do regulamento da Casa quando lhe convém — determinou que a votação só seja retomada após as duas próximas sessões. Graças à Semana Santa, o adiamento dará tempo para a "fervura baixar", aumentando as chances de soltura do encrencado (para que a prisão seja mantida é preciso que pelo menos 257 dos 513 deputados votem nesse sentido). 
 
Os dicionários definem "apatifar" como "tornar-se um patife", "virar um canalha", "aviltar-se". A Câmara se apatifará se oferecer proteção ao deputado que, segundo a PF, foi um dos mentores do assassinato da vereadora Marielle Franco. Como se apatifou no caso da deputada Flordelis dos Santos, que foi acusada de mandar matar o marido em junho de 2019, mas só foi presa em agosto de 2021, dois dias depois que seu mandato foi cassado (em novembro de 2022, ela sua filha biológica Simone dos Santos Rodrigues foram condenadas a 50 anos e 28 dias de prisão).
 
Eduardo Bolsonaro — também conhecido como o fritador de hambúrgueres que quase virou embaixador — publicou 9 posts no X (antigo Twitter) e outros 5 stories no Instagram relacionados à hospedagem do pai na embaixada húngara. Esgrimindo o típico discurso bolsonarista sobre perseguição da imprensa, o filho do pai afirmou que não houve nenhum indício suspeito na tal "visita diplomática", argumentou que qualquer fala de "fugir" para embaixada beira a insanidade, ponderou que ele retornou espontaneamente dos EUA (onde passou três meses homiziado na cueca do Pateta após a derrota nas urnas) e da Argentina (onde foi prestigiar a posse Milei). 

Observação: 
Zero três chegou mesmo ao absurdo de insinuar o envolvimento da CIA em uma suposta conspiração para incriminar o ex-presidente e a atribuir as denúncias a um "jornal esquerdista" (referindo-se ao New York Times, que é dos mais influentes jornais do mundo). Zero um compartilhou dois posts de outras contas no Instagram em defesa do ex-presidente, disse que não tinha conhecimento da estada do pai na embaixada até segunda-feira, embora Bolsonaro tenha dito a aliados que seus filhos sabiam que ele estava no local. Prova disso é que Zero dois chegou a visitá-lo na embaixada porque, segundo ele, "não frequenta a casa do pai em Brasília devido a uma questão pessoal" (o vereador e a madrasta Michelle não se bicam). 
 
Rui Barbosa ensinou que a força do direito supera o direito da força. As duas noites que Bolsonaro passou sob a asa do embaixador húngaro seriam um bom pretexto para uma exibição de força de "Xandão", mas o ministro preferiu fortalecer os inquéritos que conduz evitando presentear o investigado com um mandado de prisão preventiva. Ao se deixar flagrar pelas câmeras de segurança da embaixada, o encrencado como que soprou uma língua de sogra na cara de "seu algoz". Nem Freud explica. 
 
Moraes deu prazo de 48 horas para a defesa de Bolsonaro explicar o inexplicável. Por meio de nota, seus advogados já haviam pedido ao Brasil e ao STF que se fizessem de bobos pelo bem de seu cliente. Mais adiante, elaboraram a resposta alegando que não havia receio de prisão e, portanto, seria "ilógico" supor que ele se abrigou na embaixada em busca de asilo. 

Não se pode deixar de admirar o talento dos nobres causídicos para ajustar a realidade às conveniências processuais. Na resposta requerida por Moraes, eles trataram o episódio como um fato volúvel e se esforçaram para demonstrar como é injusto sujeitar uma nação inteira ao óbvio sem que Bolsonaro possa reagir. 

Em 2019, quando estava na bica de escolher o seu primeiro procurador-geral, o então presidente deu de ombros para a autonomia constitucional do Ministério Público. Comparando sua gestão a um jogo de xadrez, declarou que o PGR seria a dama — a peça mais poderosa do tabuleiro, pois pode se movimentar em todas as direções — e que ele, Bolsonaro, o rei — a peça mais importante, porque perdê-lo significa ser derrotado no jogo. 

Escolhendo Augusto Aras, o então mandatário se blindou por quatro anos; destronado, está nas mãos de Paulo Gonet — escolhido por Lula e aprovado no Senado com o apoio da bancada bolsonarista —, cujo comportamento "anti-Aras" revela rara sintonia com Alexandre de MoraesNo episódio em tela, Gonet pode fazer quase tudo, exceto papel de bobo. Qualquer cidadão pode se refugiar numa embaixada e requisitar asilo político a um ditador amigo. A questão é que, diante de um esboço tão nítido da rota de fuga de um investigado, nem a PGR nem o Supremo têm direito à inércia. 
 
Moraes mandou dizer resolverá o que fazer depois de receber o parecer de GonetA aleivosia dos advogados de Bolsonaro não alivia sua situação penal, mas a versão segundo a qual ele não teria motivos para "suspeitar minimamente" de que Moraes poderia mandar prendê-lo ajuda a melhorar sua autoestima, e o lero-lero de que dormiu duas noites numa embaixada que fica a 20 minutos de sua casa "apenas para manter contatos com autoridades húngaras" leva paz de espírito a sua alma. Resta saber o ministro vai endossar a linha que ignora o óbvio ou enxergar as explicações sobre a hospedagem como um cutucão da defesa com o pé, para ver se ele morde. 

Bolsonaro demora a perceber que, por mal de seus pecados, a realidade que ele nega tornou-se o único lugar onde se pode conseguir uma tornozeleira eletrônica ou um mandado de prisão preventiva. A prisão seria um presente, pois reforçaria a pose vitimista que o "mito" vende e seus devotos compram alegremente. Conviria ao Supremo converter-se momentaneamente numa espécie de centro terapêutico para tratá-lo de suas loucuras. Mais adiante, quando vier a condenação, a ordem de prisão não seria vista como abuso de poder, mas como uma espécie de cura: encrencados como Bolsonaro não são presos; eles têm alta.
 
Voltando ao caso dos fugitivos de Mossoró, não seria preciso gastar rios de dinheiro (mais de R$ 6 milhões) e mobilizar centenas de policiais durante mais de um mês na tentativa (até agora inexitosa) de recapturá-los se criminosos de alta periculosidade nitidamente irrecuperáveis fossem sentenciados a comer capim pela raiz na chácara do vigário. Até onde se sabe, não há nenhum caso documentado de defunto que fugiu da cova.
 
Triste Brasil.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O ANTEONTEM E O AMANHÃ


Tudo tem seu tempo certo, diz a canção. Mas o tempo do Judiciário é incerto, e o do Legislativo não lhe fica atrás. O presidente do Congresso demorou 72 para cobrar de Lula uma retratação por ter jogado o holocausto no ventilador. Agora, Inês é morta. Além de improvável, um pedido de desculpas colocaria o governo brasileiro de quatro diante da provocação barata de Netanyahu. Caberá ao tempo resfriar a crise, e ao Itamaraty, minimizar as consequências. Ao presidente que deu a volta ao mundo proclamando que "o Brasil voltou", caberia perguntar: Voltou para quê?

Bolsonaro cavalgou o oportunismo ao classificar como "discurso criminoso" a fala do petista: em 2021, ele próprio teve um encontro fora da agenda com a deputada alemã Beatrix von Storch, vice-presidente do partido de extrema-direita AfD e nata de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que foi ministro das Finanças de Hitler por mais de 12 anos. O objetivo de sua crítica — e de seus apoiadores ao pedir o impeachment de Lula — é desviar os holofotes da Tempus Veritatis. Mas a diarreia verbal do mandatário de turno está longe de suplantar a eloquência da fragilidade penal de seu antecessor. 
 
Bolsonaro grita aos quatro ventos que jamais tentou dar um golpe de Estado, mas desperdiçou a oportunidade de refutar os indícios e as provas que a PF coleciona contra ele ficando de bico calado na última quinta-feira. A prerrogativa constitucional de ficar em silêncio visa evitar a autoincriminação dos encrencados, mas a mudez tumular do capetão, somada a três tentativas frustradas de adiar o depoimento, produziu um estrondo constrangedor. Na avaliação dos demais encrencados, o silêncio de Bolsonaro visa ajustar sua defesa a suas conveniências, enquanto eles serão jogados ao mar. 
 
Na manifestação marcada para amanhã, Bolsonaro deve entoar a velha cantilena da perseguição política — que não se sustenta diante da delação de seu ex-escudeiro, do vídeo da reunião em que expôs a trama golpista a seus ministros e de duas dúzias de áudios e mensagens que expõem as conversas vadias de seus cúmplices paisanos e fardados 
—, mas seu mutismo no depoimento é mais eloquente que o barulho valente no carro de som. Até porque, ao contrário da empulhação no palanque, o interrogatório demandava a exibição de fatos. Na avaliação dos demais encrencados. 

ObservaçãoBolsonaro sempre afirmou que se manteve dentro da "4 linhas", mas nunca esclareceu quais eram essas linhas — talvez elas demarcassem um terreno baldio onde ele desovava seu lixo ideológico. E a manifestação de amanhã nada tem a ver com a defesa da democracia. Talvez sua ideia, após falhar em sua carreira militar, parlamentar, como presidente e até como golpista, seja tentar a sorte como humorista. Isso se não for preso em flagrante: dividir o palanque com Valdemar Costa Neto caracterizará descumprimento da proibição de manter contato com outros investigados. Sua habilidade em reunir fanáticos descerebrados ombreia com a de Lula — o que não é pouco —, mas perdeu relevância quando os eleitores o abandonaram e o TSE o declarou inelegível. Ainda que ele consiga transformar a Paulista num grande cercadinho, a desqualificação não vai virar virtude, a delação não vai tomar Doril nem as provas da tentativa irão pra... sumirão do inquérito. Durante 4 anos de empulhação descarada, foi o cenário de duas grandes manifestações bolsonaristas, ambas no feriado de 7 de setembro. Em 2021, o histrião xingou Moraes de canalha e ameaçou não acatar suas decisões, em 2022, insinuou que o golpe de 1964 poderia se repetir, levando ao delírio hordas de extremistas que pediam a volta da ditadura e exibiam montagens com ministros do Supremo dentro de caixões. Nas semanas que se seguiram ao protestos, foi preciso um esforço considerável para restabelecer a normalidade institucional, mas acabou que os eleitores mandaram o tiranete de fancaria de volta para casa, os inquéritos continuaram (e continuam) em andamento e "Xandão", que continua despachado no STF, mandou apreender-lhe o passaporte.
 
Sempre se soube que a conspirata contou com a cumplicidade de integrantes da alta cúpula das FFAA, políticos aliados, empresários amigos, comunicadores cooptados e vândalos radicais, mas, ao acender as luzes da sala de autópsias, a PF iluminou as entranhas pútridas de uma gestão eminentemente golpista. 

O ato marcado para amanhã objetiva não só constranger o STF como também manter a militância unida, de olho nas eleições municipais de outubro. Faz sentido: pior do que estar inelegível e ser preso é estar inelegível, preso e se tornar irrelevante politicamente — o que pode acontecer ao imbrochável incomível e intragável se alguém ocupar seu lugar no comando da extrema direita.

A conferir.

sábado, 14 de outubro de 2023

TUDO PARECE IMPOSSÍVEL ATÉ QUE SEJA FEITO

 


Não importa quão fundo se desça no poço Brasil, sempre haverá um alçapão levando para mais perto do quinto dos infernos. Mesmo assim, Lula tem de se esforçar muito para superar (em mediocridade) os discursos ideológicos aloprados do ex-verdugo do Planalto na Assembleia Geral da ONU. Por mais que ele capriche na bajulação a ditadores e ditaduras, o papel institucional da diplomacia tupiniquim não sairá tão chamuscado quanto nos quatro anos anteriores. 

Mas isso não muda o fato de que nosso país fracassou como nação que se pretende desenvolvidaO Brasil de hoje é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, que é aberta nas eleições, e a de saída, quando se muda de governo, a merda muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem ― mas continua sendo merda.
 
Embora não seja oficial reformado da Marinha, o general Mauro Lourena Cid — o Cidão — submergiu por completo depois que o filho Cidinho firmou acordo de delação com a Polícia Federal. Segundo a coluna de Bela Megale, Cid pai trocou o número do celular e não passou o novo contato para amigos fardados que integraram o governo Bolsonaro, embora tenha garantido a alguns ex-ministros que eles não foram mencionados na delação de Cidinho.
 
Cid Filho revelou que Bolsonaro recebeu do ex-assessor Filipe Martins a minuta de um decreto golpista propondo a realização de novas eleições e a prisão de autoridades, e que o capetão pediu para alterar, mantendo a convocação de novas eleições e restringindo a ordem de prisão ao ministro que ele tratava por "canalha". Cidinho só tomou conhecimento dessa minuta quando Martins lhe apresentou uma versão em formato digital, para que fossem feitas as mudanças suscitadas pelo chefe. 

Depois que o assessor retornou com o texto alterado, Bolsonaro convocou os comandantes das Forças Armadas para discutir as medidas a serem adotadas. O almirante Almir Garnier Santos garantiu que a Marinha estava pronta para aderir a um chamamento, mas o general Freire Gomes afirmou que o Exército não embarcaria num eventual plano golpista. 
 
Observação: Procurados pela coluna, Garnier não foi localizado e a Marinha reiterou em nota que "eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força". O ministro José Múcio defende que os militares envolvidos na trama sejam punidos, mas reitera que as FAA não endossaram a ofensiva golpista.
 
O documento encontrado no celular de Cidinho aponta que decisões ilegítimas e inconstitucionais do STF evidenciam a necessidade de restaurar a segurança jurídica e a defesa das liberdades, o que justificaria a decretação de um Estado de Sítio para "restaurar" o Estado Democrático de Direito. Segundo a PF, a súcia golpista pretendia contornar a resistência do Comandante do Exército e convencer o Comando de Operações Especiais de Goiânia, formado pela tropa de elite da caserna, a tomar alguma medida para evitar a troca de governo. 
 
Mas nem tudo são flores. O movimento que ganhou corpo para limitar os poderes do STF entusiasmou Bolsonaro, que conseguiu eleger um número significativo de senadores alIados  entre os quais o filho Flávio  e pretende usá-los atingir as togas. Nos últimos dias, o Senado avançou no debate do projeto que estabelece mandato fixo e limita decisões monocráticas dos ministros. A ver que bicho dá.
 
Com Ricardo Kertzman e Bela Megale.

segunda-feira, 24 de julho de 2023

MORAES E OS "ANIMAIS SELVAGENS"



Alexandre de Moraes e familiares sofreram agressões em Roma, no último dia 14. As opiniões sobre o incidente são desencontradas: o procurador da República Vladimir Aras, que já chefiou a área de cooperação internacional na PGR, diz que não seria o caso de investigação no Brasil nem (muito menos) de ação no STF; o ministro Flávio Dino, que é ex-juiz federal, considera que as buscas feitas pela PF nos endereços dos envolvidos se destinaram a preservar provas, e que a autorização da ministra Rosa Weber foi acertada. No entanto, se o furdunço ocorreu no aeroporto de Roma, não teria sido o caso de acionar a polícia italiana? Por que esperar 12 horas para tratar tudo em solo brasileiro? E o processo vai ficar no STF com base no foro de quem? Os agressores não têm essa prerrogativa; o ministro Alexandre tem, mas ele é o agredido.

Atualização: Moraes, a mulher e os três filho prestaram depoimento na PF no final desta segunda-feira. Volto com mais informações quando as tiver.
 
Num país em que a Justiça tarda e nem sempre chega, esse inquérito corre com as sandálias aladas de Mercúrio. Em apenas cinco dias o agredido formalizou uma representação, a PGR instaurou o inquérito, o Ministério da Justiça requisitou as imagens às autoridades italianas, 
a presidente do STF autorizou a batida policial, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão nos endereços dos acusados e a perícia iniciou a análise de celulares e computadores apreendidos. Na prática, o caso é tratado com o mesmo rigor aplicado contra os encrencados no ataque terrorista de 8 de janeiro. 

Alega-se que o tratamento draconiano é necessário para desestimular novos casos de hostilidade de simpatizantes de Bolsonaro contra autoridades que o ex-presidente acusa de persegui-lo por razões políticas. Da Bélgica, Lula perorou que é preciso punir severamente "esses animais selvagens" que ainda transmitem ódio — fala quem semeou a polarização com seu "nós contra eles" —, parecendo achar que conseguirá matar os radicais tomando ele próprio o veneno do radicalismo.
 
Moraes, que já foi chamado de "canalha" por Bolsonaro, virou alvo preferencial de Bolsonaro et caterva quando avisou que não toleraria golpismos nem ataques à higidez do sistema eleitoral. Sob a alcunha de "Xandão", o ministro personificou os piores pesadelos do imbrochável intragável e momentaneamente inelegível, cujos apoiadores precisavam de uma desculpa para a derrota nas urnas que não fosse o próprio candidato. A campanha acabou, mas o ressentimento continua vivo. 

As imagens das câmeras do aeroporto deverão ser liberadas para a PF após a manifestação do Ministério Público da Itália. De acordo com interlocutores, o que foi recebido até a última sexta-feira corrobora o relato de Moraes (informação confirmada também por Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, após conversas com autoridades italianas). Os supostos agressores negam ter hostilizado o ministro — que, segundo eles, teria começou o furdunço. 

Observação: De acordo com J.R. GuzzoMoraes foi à Itália participar de um evento na Universidade de Siena, mas a convite de uma faculdade particular de Direito de Goiânia que pertence a um grupo empresarial dedicado a negócios variados, da venda de refrigerantes ao aluguel de carros, e é dono de um laboratório farmacêutico que faturou R$ 500 milhões com venda de ivermectina durante a pandemia e foi condenado a pagar uma multa de R$ 55 milhões por promover o "kit-Covid".

Mudando de uma toga a outra, Luís Roberto Barroso não foi o primeiro nem o único — mas seria bom que fosse o último — magistrado a faltar com o recato exigido pela cargo. E aqui não se fala do suposto "ativismo" ao qual se referem congressistas quando o Judiciário atua (sempre provocado, vale dizer) no vácuo das omissões do Parlamento, nem à defesa ativa da Constituição (que contraria os adeptos da ruptura democrática, mas assegura a higidez do Estado de Direito).


Não fosse a posição corajosa e o combate permanente dos tribunais superiores aos arroubos autoritários de Bolsonaro, o Brasil poderia ter sido vítima não de um clássico golpe de Estado, mas de um retrocesso institucional cujas consequências são previsíveis num país que já viveu os males da ditadura. E é por isso que causa espécie a conduta de integrantes da alta cúpula do Judiciário, que transitam com espantosa falta de cerimônia por festividades brasilienses, frequentam eventos patrocinados, opinam fora dos autos, vão e vêm como se celebridades fossem e depois reclamam quando são questionados, insultados e atacados. 


Em discurso no congresso da UNE, que é comandada pelo PCdoB, Barroso disse, entre outras coisas: "nós derrotamos a censura” e "nós derrotamos o bolsonarismo para que houvesse a democracia". Tanto ele quanto STF deram muitas explicações, mas palavras ditas são como flechas disparadas de um arco: não voltam mais. reação negativa ao episódio pode servir de exemplo a alguns de seus pares pouco afeitos à contenção e desatentos à ultrapassagem da fronteira entre o decoro exigido à toga e os excessos permitidos aos políticos.

ObservaçãoSete senadores e 70 deputados de 10 partidos assinaram o pedido de impeachment protocolado no Senado em desfavor de Barroso. Resta saber o que fará o presidente da Casa, que está sentado em cima de outros requerimentos. 

quinta-feira, 20 de julho de 2023

TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO — CONTINUAÇÃO


O grupo que agrediu o ministro Alexandre de Moraes e seu filho no aeroporto de Roma tropeçou na tênue linha que separa audácia de estupidez e caiu no Código Penal. A despeito da crescente exposição dos pés de barro do mito, a raiva difundida por ele continua inspirando uma base eleitoral de fanáticos. Ao migrar das redes sociais para o mundo real, a insensatez bolsonarista aumenta na proporção direta do potencial econômico dos agressores, enquanto a valentia dos agressores diminui à medida quando a polícia chega.

O Ministério da Justiça requisitou as imagens do circuito de câmeras do aeroporto, e elas devem chegar ao Brasil antes do final de semana. Confirmando-se a agressão, é imperioso punir os agressores. Paralelamente, Moraes precisa acender a luz dos processos estrelados por Bolsonaro. A impunidade do capitão estimula em seus seguidores o comportamento de vale-tudo.

A consistência das conclusões da PF sobre o episódio crescerá na proporção direta da nitidez das imagens captadas pelas câmeras do aeroporto da capital italiana. No estágio atual, porém, os indícios não favorecem os suspeitos. O casal Roberto Mantovani Filho e Andréia Mantovani disse que foi ofendido pelo filho do ministro (que também se chama Alexandre). 

A mulher admite que criticou Moraes por ter entrado numa sala VIP na qual eles não puderam entrar, mas diz que só o fez quando ele já não estava no local. O marido reconheceu ter "afastado com o braço" o filho do ministro, mas apenas para defender a esposa. O genro do casal teria se juntado à sogra nos xingamentos, mas nega qualquer participação nas agressões. Em suma, os três apresentaram alegações com o mesmo selo de qualidade das versões de Bolsonaro e dos seus milicianos digitais.

Moraes relatou à PF que a confusão começou quando Andreia o chamou de "bandido, comunista e comprado"; que Mantovani deu um tapa nos óculos de seu filho; que os agressores os seguiram até a sala VIP, onde a discussão continuou; e que alertou o grupo de que tiraria fotos de todos eles e representaria à PF. Até onde se sabe, o ministro não tem motivo para trocar sua reputação por um enredo mentiroso.

Sempre que Bolsonaro e seus devotos se apropriam de uma notícia, os fatos costumam se perder para sempre. No caso do incidente em Roma, a versão dos acusados é gelatinosa como o próprio Bolsonarismo.

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O deputado Luís Eduardo Magalhães — filho de Toninho Malvadeza e forte candidato para a sucessão de Fernando Henrique em 2002 — morreu de enfarte aos 43 anos, em 1998. Para os conspirólogos, o político tinha um "estilo de vida saudável", e foi vítima de sua declarada disposição de desbaratar esquemas de corrupção quando e se fosse eleito presidente. Na verdade, ele era hipertenso, fumava dois maços de Charm por dia e havia trocado o uísque — que alterava sua pressão — pelo vinho branco, este pela vodca sueca, e esta por champanhe. Mas bastou o fato de sua morte ter ocorrido no feriado de Tiradentes — como a de Tancredo Neves, 13 anos antes — para ambos terem sido (supostamente) eliminados pelas mesmas pessoas e da mesma forma. 

Ulysses Guimarães morreu em 12 de outubro de 1992 — a menos de três meses do julgamento final do impeachment de Fernando Collor. O helicóptero em que ele e o senador Severo Gomes viajavam com as respectivas esposas caiu no mar, próximo à Costa Verde fluminense. Todos morreram, incluindo o piloto, mas somente os restos mortais do Sr. Diretas não foram encontrados.
 
Diversos fatos ocorridos durante e depois do impeachment de Collor permanecem envoltos em brumas misteriosas, mas é mais apropriado falar "maldição" (mais detalhes na sequência "Collor lá..."). Elma Farias, mulher de PC, morreu em julho de 1994; Pedro Collor morreu no final 1994; Leda Collor (a matriarca do clã) morreu no início do ano seguinte (depois de passar 29 meses em coma); PC Farias e a namorada, Suzana Marcolino, foram assassinados em junho de 1996; e por aí segue o cortejo fúnebre.
 
Na noite de 16 setembro de 1992, a duas semanas de seu afastamento, Collor reuniu num jantar regado a leitão assado e uísque nada menos que 60 deputados e quatro senadores da base governista. Em seu discurso para a claque, chamou oposicionistas de "cagões" e "bundões", classificou Ulysses Guimarães de "senil, esclerosado e bonifrate de interesses de grupos econômicos de São Paulo", e o presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro, de "canalha, escroque e golpista imoral". Disse ainda que José Sarney e a filha, Roseana, eram "ladrões da história." Sobrou até para a imprensa: "Essa imprensa de merda. Esses cagalhões vão engolir pela boca e pelo outro buraco o que estão falando contra mim." Ulysses reagiu: "Quando acaba a razão começa o grito. É a insânia".
 
A história do Brasil elenca diversas mortes misteriosas, que instigam o imaginário popular. Tem gente que aposta que JK foi assassinado a mando dos militares (detalhes na postagem do último dia 6), a exemplo de outros políticos de destaque malvistos pelos fardados, como Tancredo NevesJoão "Jango" Goulart e Carlos Lacerda.  Mas chama a atenção o fato de essas três mortes terem ocorrido no espaço de poucos meses. 

Exilado no Uruguai desde a deposição, Jango morreu de ataque cardíaco em dezembro de 1976, quatro meses depois do acidente que matou JK — conspirólogos sustentam que o vice de Jânio teria sido envenenado para evitar que ressurgisse o cenário político e causasse embaraço aos militares. Cinco meses depois, foi a vez de Lacerda, vitimado por uma infecção generalizada cuja origem nunca foi descoberta. Tancredo que baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois (para os teóricos da conspiração, a causa mortis foi envenenamento, e não diverticulite).
 
Esses episódios foram esmiuçados no romance-reportagem O beijo da morte, de Carlos Heitor Cony e Anna Lee, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. "Apesar das provas existentes, que dão como natural a morte dos três líderes, sempre duvidei das conclusões oficiais, e não apenas nesse assunto, mas na história em geral, que é uma sucessão de casos obscuros e mal resolvidos", disse Cony, um dos mais respeitados escritores brasileiros, à época do lançamento do livro.
 
Fato é que nem todas essas teorias são falsas. Chegamos a um ponto em que as verdades que nos são apresentadas não são confiáveis — talvez jamais tenham sido. A questão que se coloca é: onde encontrar a verdade?
 
Continua...