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quarta-feira, 27 de abril de 2022

A PENÚLTIMA CRISE INSTITUCIONAL


 

Fala-se muito no “Estado Democrático de Direito”, mas pouco se diz e nada se faz em relação à incompatibilidade de seus princípios com o pensamento e as ações do duble de presidente-palanque e usina de criar crises institucionais. A penúltima produção que emergiu do esgoto palaciano foi uma resposta (contra-ataque?) à condenação do deputado-troglodita-bolsonarista Daniel Silveira pelo plenário do STF, vencido o voto do ministro cuja maior virtude foi tomar muita tubaína com o responsável por sua indicação.

 

Ao sacar da cartola o nome do desembargador piauiense Kássio Nunes Marques, nosso insigne (ficante) presidente descumpriu a promessa de indicar alguém “terrivelmente evangélico” para a vaga do ministro Celso de Mello. Dono de um currículo de dar inveja ao professor, oficial da reserva da Marinha e evangélico Carlos Alberto Decotelli, que teria se tornado o primeiro negro a ocupar um cargo na Esplanada dos Ministérios se não fosse tão mestre, doutor e pós-doutor quanto eu sou comendador, o magistrado em questão, ao ter a indicação presidencial aprovada pelo Senado, contribuiu para denegrir ainda mais a imagem do STF aos olhos da parcela pensando da população. Nunes Marques foi empossado em meio a suspeitas, com uma trajetória acadêmica questionável e companhias no mínimo duvidosas. Seu nome foi colocado na mesa do capetão pelo advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef, com a aprovação de Flávio “Rachadinha” Bolsonaro e de Ciro Nogueira — este último, que é presidente licenciado do PP e atual ministro-chefe da Casa Civil da Presidência, referiu-se ao indicado como “nosso Kássio”. 

 

Em sua estreia na 2ª Turma da Corte, Nunes Marques votou pela confirmação da liminar (concedida por Gilmar Mendes) que soltou o promotor Flávio Bonazza, acusado de receber mais de R$ 1 milhão da máfia dos transportes no Rio, e retirou o caso dele da Lava-Jato fluminense. No julgamento sobre a possibilidade de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia serem reeleitos presidente do Senado e da Câmara, respectivamente, deu voto favorável ao primeiro e contrário ao segundo, em sintonia com os desejos do padrinho. Mais adiante, votou a favor de Lula no caso envolvendo o depoimento de Antonio Palocci e atendeu a um pedido do PDT para suspender trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados terá efeito após o cumprimento da pena. 

 

No julgamento de Silveira, nem o ministro-pastor André Mendonça — segundo apadrinhado do capetão e (esse, sim) terrivelmente evangélico — ousou divergir da maioria, embora tenha defendido a redução da pena. Como sua decisão não agradou à caterva bolsonarista (nem a líderes evangélicos como Malafaia e companhia), o magistrado justificou seu voto pelas redes sociais, tornando ainda mais burlesca uma situação já bastante patética. 

 

Escusado encompridar esta postagem elencando despautérios do parlamentar retrocitado ou enumerando bandeiras eleitoreiras que Bolsonaro agitou durante a campanha e enfiou em local incerto e não sabido quando subiu a rampa palaciana. Mas não custa relembrar que o “mito” dos apatetados prometeu propor o fim da reeleição e do indulto presidencial. Mas nunca se mente tanto quanto antes de uma guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. 

 

Em novembro de 2018, Bolsonaro disse o seguinte: “Se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”. “Fiel a sua palavra”, concedeu indultos a agentes de segurança condenados por crimes considerados culposos no final de 2019, 2020 e 2021. No feriado de Tiradentes, talvez por conta das festividades carnavalescas que pipocaram extemporaneamente cá e acolá, pensou que bem poderia ser Natal, e como Natal combina com indulto presidencial (aquele que deixaria de existir no seu governo), concedeu a graça do indulto individual a seu valoroso escudeiro.

 

Bolsonaro tomou sua magnânima decisão — que não livra o assecla da inelegibilidade — antes do trânsito em julgado da condenação, e o patente desvio de finalidade — que fere os princípios da impessoalidade e da moralidade — deu azo a um sem-número de questionamentos apresentados pela oposição, enquanto parlamentares não-bolsonaristas avaliam as medidas cabíveis, que podem ser desde um novo pedido de impeachment do mandatário até uma ação questionado a graça presidencial no STF.


Na segunda-feira 25, a Associação Brasileira de Imprensa encaminhou um Informe ao Relator Especial da ONU sobre Independência de Juízes e Advogados, denunciando a “graça” concedida por Bolsonaro a Silveira. No documento, a ABI afirma que o decreto “afronta a democracia, a separação de poderes, a independência do Judiciário e a administração da Justiça”. A Entidade solicitou uma reunião com o Relator da ONU, com a participação de outras entidades da sociedade civil, e espera que a Comissão se “posicione sobre as violações ocorridas com uma nota pública”.


Continua... 

sábado, 23 de abril de 2022

A PENÚLTIMA CRISE INSTITUCIONAL


Fala-se muito no “Estado Democrático de Direito”, mas pouco se diz (e menos ainda se faz) acerca da incompatibilidade de seus princípios com o pensamento (e as ações) do nosso presidente-palanque, que desde o início do mandato opera como uma usina de crises institucionais. A penúltima que emergiu do esgoto palaciano foi uma resposta (contra-ataque?) à condenação do deputado-troglodita-bolsonarista Daniel Silveira pelo plenário do STF, por 10 votos a 1, vencido o ministro cuja maior virtude foi tomar muita tubaína com o responsável por sua indicação.

Vale relembrar que Bolsonaro descumpriu a promessa feita a sua caterva de apoiadores — de indicar um nome “terrivelmente evangélico” para a vaga do ministro Celso de Mello — ao sacar da cartola o dono de um currículo de dar inveja ao professor, oficial da reserva da Marinha e evangélico Carlos Alberto Decotelli, que teria se tornado o primeiro negro a ocupar um cargo na Esplanada dos Ministérios se não fosse tão mestre, doutor e pós-doutor quanto eu sou comendador. 

 

Observação: Depois que piada a colombiana perdeu a graça — falo de Ricardo Vélez Rodríguez, que chefiou o MEC por 3 meses e 18 dias —, Bolsonaro trocou o humor negro pela tragédia polonesa e só se conformou em defenestrar Weintraub, o obelisco da grosseria, porque sofreu pressão de todos os lados. Como a Educação no Brasil parece ter sido amaldiçoada com uma praga de madrinha, não houve ninguém minimamente competente para comandar a pasta ao longo desta igualmente incompetente gestão. A troca (de seis por meia dúzia) mais recente ocorreu há algumas semanas, depois que a imprensa descobriu que o ministro-pastor estaria envolvido num “suposto escândalo de corrupção”. E isso sob os olhos aquilinos do mandatário que prometeu pegar em lanças contra a corrupção, mas acabou com a Lava-Jato porque, em suas próprias palavras, “não tem mais corrupção no governo”. 

 

Voltando à pior composição da história recente do STF (que pode piorar com as próximas substituições, a depender ocupar o Planalto a partir do ano que vem), Nunes Marques foi empossado em meio a suspeitas, com uma trajetória acadêmica questionável e companhias no mínimo duvidosas. Seu nome foi colocado na mesa do capetão pelo mafioso de comédia Frederick Wassef, com a aprovação de Flávio “Rachadinha” Bolsonaro e de Ciro Nogueira, que se referiu ao indicado como "nosso Kássio".

Em sua estreia na 2ª Turma do STF, o recém-chegado votou pela confirmação da liminar de Gilmar Mendes que soltou o promotor Flávio Bonazza — acusado de receber mais de R$ 1 milhão da máfia dos transportes no Rio — e retirou o caso dele da Lava-Jato fluminense. No julgamento sobre a possibilidade de Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia serem reeleitos presidente do Senado e da Câmara, respectivamente, o ministro-vassalo deu voto favorável ao primeiro e contrário ao segundo, em sintonia com os desejos do presidente-suserano. Mais adiante, votou a favor de Lula no caso envolvendo o depoimento de Antonio Palocci e atendeu a um pedido do PDT para suspender trecho da Lei da Ficha Limpa que determina que o prazo de inelegibilidade de oito anos para condenados terá efeito após o cumprimento da pena. 

 

No julgamento do deputado bolsonarista, Nunes Marques foi voto vencido. Nem o ministro-pastor André Mendonça — esse, sim, terrivelmente evangélico —, que também teve os ombros recobertos pela suprema toga pelo “mito” dos apalermados, ousou divergir da maioria, que acompanhou o voto do relator — embora tenha defendido a redução da pena. Detalhe: como sua decisão não agradou à caterva bolsonarista (nem a líderes evangélicos como Malafaia e companhia), Mendonça justificou seu voto pelas redes sociais, tornando ainda mais burlesca uma situação já bastante patética. 

 

Voltando ao dueto Silveira-Bolsonaro, não faria sentido prolongar esta postagem elencando os despautérios do parlamentar ou enumerando bandeiras eleitoreiras que o então candidato à Presidência pelo PSL agitou durante a campanha e enfiou em local incerto e não sabido depois de subir a rampa palaciana. Mas vale relembrar a propositura do fim da reeleição, que dispensa maiores considerações, e da questão do indulto presidencial, cujo detalhamento ora se impõe.

 

Um mês após ser eleito, Bolsonaro disse: “Se houver indulto para criminosos neste ano, certamente será o último”. Fiel a sua palavra — como o grande estadista que é —, nosso mandatário concedeu indultos a agentes de segurança condenados por crimes considerados culposos no final de 2019, 2020 e 2021. Na tarde da última quinta-feira, talvez por conta das festividades carnavalescas extemporâneas que pipocaram cá e acolá, Bolsonaro pensou que bem poderia ser Natal. E como Natal combina com indulto presidencial (aquele que deixaria de existir no seu governo), concedeu a graça do indulto individual a seu valoroso escudeiro antes mesmo que a condenação transitasse em julgado, o que não é comum em situações que tais. 


Na avaliação de especialistas, a medida presidencial não livra Silveira da inelegibilidade e será analisada pelo próprio Supremo, dada a clareza meridiana com que o desvio de finalidade fere os princípios da impessoalidade e da moralidade. Em tese, o indulto livra o condenado da pena privativa de liberdade, mas não da inelegibilidade. Parlamentares da oposição já avaliam as medidas cabíveis, que podem ser desde um novo pedido de impeachment do mandatário até uma ação questionado a graça presidencial no STFÀ luz da lei penal, o decreto presidencial pode ser interpretado como desvio de finalidade por ferir os princípios da impessoalidade e da moralidade — sobretudo por se tratar de um agente político aliado do presidente e amigo do clã presidencial — o que o torna inconstitucional.

 

Silveira é ex-PM. Antes de entrar para a polícia, trabalhou como cobrador de ônibus e se valia de atestados médicos falsos para faltar ao serviço. Durante os seis anos que passou na corporação, puxou 26 dias de xadrez e colecionou 14 repreensões e duas advertências. Um sujeito assim podia ser enviado para muitos lugares, exceto para o Congresso. Ao condenar o parlamentar, diz Josias de Souza, o Supremo fez um risco no chão. Usou o caso para cientificar seus semelhantes, inclusive ao presidente da República, de que o bolsonarismo petulante, quando descamba para o ódio e passa a ameaçar a democracia, dá cadeia. E o aviso foi extensivo ao Legislativo


O Conselho de Ética da Câmara já havia aprovado a suspensão do parlamentar por seis meses. O castigo mixuruca dependia apenas do aval do plenário, mas o réu que preside a Câmara, movido a orçamento secreto e rendido às conveniências de Bolsonaro, não incluiu a encrenca na pauta de votação. Com sua decisão, os togados informaram a Lira e seus cúmplices que aqueles que dizem que alguma coisa não pode ser feita são geralmente surpreendidos por alguém fazendo a coisa. A cassação do mandato transformou em piada a ideia de premiar Silveira com uma folga hipertrofiada de seis meses. Lira encaminhou ao STF uma petição sustentando que a última palavra sobre a cassação cabe à Câmara, não à Corte. Um detalhe adiciona escárnio no teatro: réu, Lira manobra para proteger um condenado que avilta o Legislativo cada vez que cospe na democracia que alimentou suas pretensões políticas.

 

Bolsonaro e seus devotos apostavam que o ministro André Mendonça apresentaria um pedido de vista, engavetando o processo por tempo suficiente para que o réu chegasse até as urnas de outubro. Deu errado. Além de não travar o julgamento, o ministro "terrivelmente evangélico” compôs a maioria, isolando-se apenas quanto à dosimetria da pena. Já Nunes Marques, descrito por Bolsonaro como "10% de mim dentro do Supremo", votou pela absolvição. Na sua visão, Silveira teria pronunciado "bravatas" sem "credibilidade". Coisas "incapazes de intimidar quem quer que seja". Cármen Lúcia ironizou o voto do colega. Disse que, se o Supremo aguardasse pela concretização das ameaças, o julgamento de Silveira não ocorreria, pois o deputado arguiu a suspeição de nove dos 11 ministros da Corte. Se prevalecesse o entendimento de Nunes Marques, o réu seria apenas um inofensivo neurótico que constrói castelos no ar.

 

Em análise preliminar, as togas concluíram que decreto (leia a íntegra) não elimina todas as aflições do aliado. O perdão pode livrá-lo da pena de prisão por oito anos e nove meses e da multa de cerca de R$ 212 mil, mas não anula a cassação do mandato e a inelegibilidade que o impedirá de concorrer ao Senado. Fontes dão conta de que o presidente da Corte e o relator da ação que resultou na condenação de Silveira avaliam que, a despeito do decreto, está mantida a perda do mandato e dos direitos políticos do condenado. 

 

PDTRede e Cidadania protocolaram ações no Supremo, e parlamentares de partidos como PSOL, MDB, PT e da própria Rede entraram com Projetos de Decreto Legislativo para anular o ato de Bolsonaro no Senado e na Câmara. Resta saber como o plenário se pronunciará. A intenção da Corte é a de deliberar rapidamente sobre a matéria.

 

Bolsonaro se valeu de um voto proferido por Alexandre de Moraes para torpedear a condenação imposta pelo STF a seu esbirro a partir de outro voto do mesmo Moraes. “Tudo aqui tem jurisprudência do senhor Alexandre de Moraes”, disse ele, ao anunciar a edição do decreto. A decisão a que Bolsonaro se refere foi tomada em maio de 2019. Por 7 votos a 4, o STF validou o indulto que Michel Temer assinou no Natal de 2017. Relator do caso, o ministro Barroso suspendeu os efeitos de trechos do decreto que considerou demasiadamente concessivos com criminosos. Submetida ao plenário, a liminar foi derrubada e prevaleceu o voto divergente de Alexandre de Moraes (indicado para a toga pelo vampiro do Jaburu), que sustentou a tese segundo a qual o Supremo não tem poderes para reescrever decretos de indulto editados pelo presidente. Bolsonaro sustenta que o mesmo raciocínio se aplica ao decreto que editou dois dias atrás. Ele afirma que Moraes e seus pares terão de lhe conceder o mesmo tratamento dispensado a Temer. Do contrário, promete reagir.

 

Ironicamente, Bolsonaro havia usado a decisão do Supremo a favor de seu antecessor para assegurar que em seu governo não haveria refresco para condenados. O decreto de então concedia perdão para quem tivesse cometido crimes sem violência ou grave ameaça, depois de o preso cumprir um quinto da pena. Antes, era preciso cumprir tempo maior, um quarto. Perdoava condenados a penas mais elevadas, sem limite. Antes, só os presos condenados a até 12 anos podiam se beneficiar do indulto. Também favorecia presos independentemente dos crimes que haviam cometido. Temer brindou com o perdão presidencial até os condenados por crimes de colarinho branco (como lavagem de dinheiro e corrupção).


O resto fica para uma próxima postagem. Até lá, certamente teremos novidades. Triste Brasil.

terça-feira, 12 de abril de 2022

QUEM SAI AOS SEUS NÃO DEGENERA

 

A novela da presidência a Petrobras chega ao último capítulo nesta quarta-feira. Adriano Pires declinou do convite alegando conflitos de interesse, mas o fato é que sua posição em relação ao petróleo não combina com a de Bolsonaro, que é um símbolo do atraso, e que tanto Roberto Castello Branco quanto Joaquim e Silva e Luna foram defenestrados por não se submeterem à vontade do capitão, que claramente deseja fazer com a petrolífera o que fez com a PF, a PGR, o TCU... 

 

À  primeira vista, Mauro Ferreira Coelho, o indicado da vez, preenche os requisitos básicos (nome limpo, experiência e fluência em inglês, entre outros). Mas Bolsonaro é o tipo de suserano que exige do vassalo obediência cega e disposição para dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas — que o digam o general Eduardo “um manda e o outro obedece” Pazuello e sua versão de jaleco, Marcelo Queiroga. Para esse presidente, o currículo é o que menos importa — como demonstram as indicações de Carlos Alberto Decotelli, o ministro “relâmpago” da educação, e Kássio Nunes Marques, o ministro “tubaína” do STF. 

 

Na última quinta-feira, Jair Renan Bolsonaro, que é investigado por suposto tráfico de influência e lavagem de dinheiro, chegou com duas horas de atraso à superintendência da PF em Brasília. Com o filho do pai estava o dublê de advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef (aquele em cuja casa a polícia encontrou o então foragido Fabrício Queiroz, cujo nome dispensa maiores apresentações). O depoimento durou horas, mas o resultado da investigação é tão incerto quanto o passado do Brasil (basta lembrar como atuou o passador-de-pano-geral da República em relação aos 90 pedidos de investigação envolvendo sua alteza irreal). 


O depoente se disse "revoltado" com o inquérito — talvez porque, a exemplo do pai e dos irmãos, ele acha que não deve nada a ninguém. Muito menos explicações. Tanto é que o depoimento deveria ter ocorrido em dezembro, mas o investigado não apareceu. Alegou que estava doente. A revolta contrasta com o padrão de vida de zero quatro. Meses atrás, ele se mudou com a mãe para uma mansão (no bairro mais chique de Brasília) avaliada em R$ 3,2 milhões, cujo aluguel mensal é de R$ 15 mil


Segundo Wassef, seu cliente é vítima de mentiras produzidas pela oposição comunista para prejudicar o pai presidente. Essa tese segue na mesma linha da aleivosia de que o país está diante de um fabuloso mal-entendido, de uma sequência impressionante de coincidências maliciosamente interpretadas, que acabou fazendo um filho modelo de um pai exemplar parecer um malandrão. 


Triste Brasil.

 

Com Josias de Souza

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

BYE, BYE, MINISTRO CELSO DE MELLO; WELCOME... WHO?

 

Por volta das 17 horas de ontem, assim que o ministro Celso de Mello concluiu seu voto, ou melhor, reafirmou sua posição no sentido de que o presidente JaiBolsonaro deve prestar depoimento presencialmente no inquérito que investiga sua suposta interferência política na PF, o ministro Luiz Fux suspendeu a sessão.

“Queria dizer a vossa excelência que essa sessão de hoje deve se findar com a sua última palavra. Todos nós estamos aqui extremamente emocionados e ao mesmo tempo nos lamentando que essa será uma última lição”, disse Fux. “Agradeço as palavras amabilíssimas de vossa excelência e quero afirmar que o STF permanecerá eternamente nas minhas saudades”, respondeu Celso de Mello.

Tocante, ainda que cheire a bolor, aos tempos da monarquia, a cortes inglesas onde, desde o século XVII, juízes e advogados usavam ridículas perucas — aliás, somente em 2007 que o lorde Phillips of Worth Matravers aboliu esse estapafúrdio adereço em casos civis ou de família, depois que uma pesquisa realizada em 2003 indicou que mais de dois terços dos entrevistados queriam eliminá-los por serem anacrônicos, desconfortáveis e caros: uma peruca que chegava à altura dos ombros custava £ 4,6 mil (cerca de R$ 30 mil).

O vice-decano Marco Aurélio havia enviado seu voto favorável ao depoimento por escrito e afirmado que a decisão pela oitiva não presencial seria “uma deferência ao presidente”. Pelo visto, o agora já quase decano da Corte terá de se ratificar sua posição. Quanto aos demais magistrados, o próximo a votar será o ministro Alexandre de Moraes, mas ainda não foi determinada a data em que a votação será retomada. 

No mais, parece que a nomeação Kássio Nunes Marques, que Bolsonaro escolheu para ocupar a vaga do decano na Corte (com o nítido propósito de blindar sua família e garantir-lhe a reeleição), subiu no telhado. 

Há fortes indícios de que o desembargador piauiense anabolizou seu currículo, a exemplo do que fez antes dele o professor Carlos Alberto Decotelli, dublê de oficial da reserva da Marinha e pastor evangélico de 67 anos que chegou a bordo um currículo invejável, mas tão falso quanto um Rolex de camelô. Como o lobo perde o pelo mas não larga o vício, tão logo a nomeação foi revogada o mitômano incorrigível adicionou a seu currículo fajuto a informação de que foi ministro da Educação entre os dias 25 e 30 de junho do ano de 2020.

Voltando ao desembargador tubaína, há quem diga que a nomeação já não se sustenta, pois as revelações colocam em xeque sua “reputação ilibada”, mas também há quem afirme que os possíveis “erros” no currículo não seriam, por si só, motivo suficiente para impedir sua posse.

Para o jurista Miguel Reale Júnior, a aprovação e nomeação do dito-cujo é inconstitucional. Segundo ele, o saber jurídico desaparece com o plágio e as afirmações de pós doutorado inexistente. Não há artigos, livros, capítulos de livros publicados pelo desembargador, e a reputação ilibada enfrenta o pior vício que a vida acadêmica pode ter: o plágio.

Roberto Dias, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, avalia que as inconsistências no currículo do indicado podem colocar em xeque requisitos constitucionais para que ele assuma a cadeira, mas ressalta que a questão deve ser avaliada pelo Senado. "Este é um ponto que deve ser avaliado pelos senadores e, caso comprovado plágio, isso pode afetar a reputação ilibada”, diz o docente. 

A sabatina do candidato do capitão cloroquina foi marcada para 21 de outubro.

sábado, 26 de setembro de 2020

O DEDO PODRE DO ELEITORADO TUPINIQUIM

 


A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair”, disse Nelson Teich em 15 de maio, ao comunicar que terminava ali sua passagem relâmpago pelo Ministério da Saúde, após de ter assumido o posto em 16 de abril, um dia depois de Bolsonaro ter empurrado para fora da pasta o ortopedista Luiz Henrique Mandetta. A questão é que toda escolha tem consequências e, como bem disse o Conselheiro Acácio, o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.

Tanto Mandetta quanto Teich eram avessos ao uso da cloroquina — que não tem eficácia comprovada contra o Sars-CoV-2, ou pelo menos é o que afirma a maioria dos virologistas, infectologistas, epidemiologistas e epidemiologistas. A questão é que Bolsonaro pensa diferente, e é Bolsonaro quem tem na mão a caneta Bic que tudo pode — inclusive nomear um general para comandar interinamente o ministério da Saúde durante a mais severa pandemia viral da história recente desta republiqueta de almanaque.

Observação: Como reconhecimento pelo excelente trabalho prestado pelo general Pazuello em seus quatro meses de interinidade — com destaque para a transformação da pasta em cabide de farda —, o capitão cloroquina tornou permanente a solução que muitos não admitiam sequer como temporária: no último dia 16, a poderosa Bic entrou em ação, e o estrelado especializado em logística foi efetivado ministro da Saúde, a despeito de não ter sequer um certificado de auxiliar de enfermagem, mesmo que obtido num curso por correspondência, para pendurar no gabinete.

A pergunta que não cala não é "o que faz um general de quatro estrelas (agora reformado) no comando da Saúde?", mas "o que faz um dublê de mau militar e parlamentar medíocre no Palácio do Planalto?"

Não bastasse o único projeto de governo do Messias que não miracula ser a própria reeleição e a despeito de ele reconhecer que não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar, sua insolência e seus três filhos políticos (Jair Renan ainda não entrou formalmente para o time) são investigados por uma vasta gama de práticas nada republicanas.

Para ficar num singelo exemplo, um levantamento feito pela revista Época apurou que supostos funcionários fantasmas do clã presidencial receberam R$ 29,5 milhões em salários do total de R$ 105,5 milhões pagos entre 1991 e 2019 — em valores corrigidos pela inflação do período.  De acordo com a reportagem, 28% do total pago a 286 servidores (a expensas do Erário, portanto) foram depositados na conta de funcionários com indícios de que não trabalharam de fato nos cargos, até porque exerciam outas atividades. Nathália Queiroz, filha do ex-assessor Fabrício Queiroz, recebeu R$ 1,3 milhão, embora trabalhasse como personal trainer. E o mesmo valor recebeu a mãe dela, que era cabeleireira. 

São 17 pessoas ligadas ao gabinete de Flávio, 10 ao de Carlos, 3 ao do então deputado federal Jair Bolsonaro, e outros 9 que passaram por diferentes gabinetes da família.

O reduto eleitoral do clã Bolsonaro é o Rio de Janeiro, estado onde o afastamento do governador Wilson Witzel nos leva a uma estatística surreal: nos últimos 4 anos, 6 governadores ou ex-governadores foram afastados e 5 foram presos. Apenas o atual (ainda) não foi detido. Sérgio Cabral, condenado a mais de 200 anos de prisão em regime fechado, permanece atrás das grades. Os demais recorrem em liberdade.

Na ex-Cidade Maravilhosa, o alcaide de turno, Marcelo Crivella, sobrinho do Bispo Macedo, dono da Universal, foi declarado inelegível pelos próximos 6 anos, por abuso de poder político e conduta vedada a agente público. A decisão foi tomada por unanimidade, na última quinta-feira, pelo TRE-RJ.

Escolher entre Crivella e Marcelo Freixo (na eleição municipal de 2016) talvez tenha sido para os cariocas uma decisão quase tão difícil quanto a do pleito presidencial de 2018 foi para os brasileiros "de bem" (detesto essa expressão, mas enfim...). A questão é que antes do segundo turno houve o primeiro, foi no primeiro que o dedo podre do eleitor eliminou todos os demais postulantes (não se discute que a maioria parecia fazer parte do cast de um circo de horrores, mas poder-se-ia ter escolhido um par menos ruim).

Não sei se Bolsonaro tem dedo podre, mas imagino que os armários do gabinete que ele ocupou na Câmara Federal durante 27 anos estejam abarrotados de esqueletos. Certeza, mesmo, a gente tem de que a todo-poderosa Bic não está nas melhores mãos, considerando as nomeações que ela assinou para preencher as pastas da Esplanada dos Ministérios. 

Para não espichar demais este texto, fiquemos no exemplo do MEC, que começou mal com o bisonho Ricardo Vélez, piorou com dublê de poço de incompetência e obelisco da beligerância Abraham Weintraub, virou piada com o professor, mestre, doutor, pós-doutor e o escambau Carlos Alberto Decotelli (que se demitiu antes que a imprensa descobrisse que ele foi reprovado no teste do pezinho e bombou no jardim da infância) e agora atinge seu ápice com o ministro-pastor (mais um) Mílton Ribeiro.

O atual ministro da Educação declarou recentemente que "a homossexualidade é fruto de famílias desajustadas“. Segundo o luminar, "o adolescente que muitas vezes opta por andar no caminho do homossexualismo (sic) faz isso porque não tem a atenção do pai, não tem a atenção da mãe; não questões de valores e princípios".

Por hoje chega. Amanhã tem mais.

sábado, 15 de agosto de 2020

FIRME COMO GELATINA

 

A despeito de o ministro Félix Fischer, do STJ, ter determinado o retorno de Fabrício Queiroz à cadeia, revogando, assim, a liminar do presidente da Corte, ministro João Otávio Noronha — a quem Jair Bolsonaro se refere como “um caso de amor à primeira vista” —, o mandado de prisão contra Queiroz não havia sido cumprido até o início da noite de ontem. O motivo da demora, alvo de questionamento por parte da imprensa e de especulação pelos comentaristas políticos, veio à tona horas mais tarde, quando o semideus togado Gilmar Ferreira Mendes restabeleceu o status quo ante. “Diante do exposto, defiro a medida liminar para suspender a ordem de prisão decretada em desfavor dos pacientes, se por outro motivo não estiverem presos”, decidiu o poderoso laxante. Tem horas que eu sinto saudades do velho Janot. Enfim, vamos à postagem do dia.

O presidente-cloroquina foi eleito pelo Washington Post o pior líder do planeta no combate à Covid-19 — pior até mesmo que Donald Trump —, cuja avaliação negativa, nos primeiros 3 meses de mandato, superou a de todos os presidentes em início de primeiro mandato desde 1990 e, ao final do primeiro ano, foi a pior entre os presidentes eleitos desde 1994. Agora, parece que ele descobriu que o dinheiro compra tudo, de amor verdadeiro a popularidade. Graças à prorrogação do “coronavoucher” de R$ 600 reais, sua aprovação aumentou 7% na comparação com o resultado da pesquisa Datafolha de junho, enquanto a rejeição caiu 10 pontos percentuais.

Detalhe: o Nordeste — tradicional reduto de Lula, Ciro e outros populistas de esquerda, onde a periculosidade da récua de muares com título de eleitor ombreia com a de uma capela de chimpanzés num stand de tiro — foi a região que mais contribuiu para o aumento da pontuação no quesito “ótimo e bom”.  

O fato de o Brasil ter se tornado um país de analfabetos funcionais é sopa no mel para políticos sevandijas e corruptos. Povo esclarecido não votaria nessa gentalha e tampouco se sujeitaria a trabalhar 5 meses por ano para pagar impostos (que somaram R$ 1.537 trilhão em 2019) sem receber a devida contrapartida. Aliás, enquanto o país contabiliza 12,3 milhões de desempregados — e quem ainda tem emprego abre mão de até 75% do salário para não ir pro olho da rua —, os ministros do STF aprovaram um aumento orçamentário de R$ 712,46 milhões para 2021 (que não inclui o reajuste no salário dos magistrados, que atualmente é de R$ 39,2 mil).

A educação no Brasil está horrível, disse Bolsonaro a um grupo de apoiadores. E nem poderia ser diferente depois de três meses sob Ricardo Vélez Rodriguez, outros catorze sob Abraham Weintraub (que foi agraciado pela Câmara Legislativa do DF com o título de persona non grata), cinco dias sob Carlos Alberto Decotelli e acéfalo desde a demissão deste último do ministro-fantasia (Milton Ribeiro, atual responsável pela pasta, testou positivo para a Covid-19 assim que tomou passe, e só começou a cumprir agendas presenciais na última semana).

Imaginar que o MEC pudesse vencer tais adversidades seria o mesmo que acreditar que a Saúde, sob intervenção militar desde a demissão do oncologista Nelson Teich, há exatos 3 meses, obtivesse um sucesso estrondoso no combate à Covid-19. Enfim, há quem acredite na Fada do Dente, no Coelho da Páscoa, na inocência do criminoso Lula...   

O candidato Bolsonaro fingiu ser contra a corrupção porque isso lhe renderia votos, e convidou Paulo Guedes para ser seu “Posto Ipiranga” de olho no apoio do empresariado e do mercado financeiro. Em 27 anos como deputado do baixo clero, o Messias que não miracula jamais foi liberal ou a favor de privatizações. Sua prioridade é salvar o rabo dos filhos, o próprio rabo, e conquistar a tão sonhada reeleição (não necessariamente nessa ordem) que ele esconjurou durante a campanha por mero pragmatismo.

Política, dizia Magalhães Pinto, é como nuvem: você olha e ela está de um jeito; olha de novo e ela já mudou. Guedes tornou-se protagonista de um filme parecido com aquele em que o prestígio de Moro morreu no final. Bolsonaro reduz o pé-direito do Posto Ipiranga ameaçando trocar o rigor fiscal do teto de gastos pela gastança de um populismo que mira a reeleição. Enquanto os superpoderes de Moro foram diminuindo na proporção direta do crescimento da deterioração ética da família Bolsonaro, a força que Guedes presumia ter é debilitada pelo desejo do capitão de fortalecer sua popularidade às custas do déficit público.

O superministro já viu como esse tipo de encrenca termina. A franqueza com que expôs publicamente seu próprio calcanhar de vidro foi uma tentativa vã de mudar o final do filme no replay. Mas ao dizer que Bolsonaro será conduzido a “uma zona de impeachment” se der ouvidos a quem o aconselha a furar o teto, e sobretudo por ter dito isso ao lado de Rodrigo Maia, que é senhor do destino de mais de 50 pedidos de impeachment contra o chefe do Executivo, e com quem este mantém desde sempre um relacionamento conturbado, Guedes cutucou a onça com vara curta. Bolsonaro sabe que não é o momento para fechar o Posto Ipiranga, mas acredita que, se o fizer, os tumultos no mercado financeiro serão passageiros, pois o substituto (fala-se no presidente do BC, Roberto Campos Neto) terá a garantia de que os compromissos do governo com o ajuste fiscal serão mantidos.

A impressão que se tem é de que a cúpula da República resolveu dançar a coreografia da enganação. Bolsonaro diz que quer a responsabilidade fiscal, as privatizações e a reforma administrativa, Guedes finge que acredita e Maia e Alcolumbre posam para a foto ao lado dos dançarinos. Mas o mais curioso é os atores partirem do pressuposto de que a plateia deve acreditar neles. Menos de 24 horas depois desse balé no Alvorada, o “mito” posou para novas fotos, dessa vez ao lado do ministro Rogério Marinho, chamado por Guedes de "fura-teto", enquanto Maia disse em entrevista que que o presidente precisa ser convencido a enviar ao Congresso a reforma administrativa, e que a saída de mais alguns assessores de Guedes faria bem ao Ministério da Economia.

Quem quiser que acredite que está tudo normal em Brasília, mas é bom ter em mente que o fato de ser compartilhada por muita gente não transforma uma ilusão em realidade. A cadeira de Guedes está tão firme quanto estava a poltrona de Moro. Cabe ao Posto Ipiranga decidir até que ponto deseja conviver com os parafusos frouxos. Está entendido que, para o presidente, ele deixou de ser insubstituível.