Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta mafioso de comédia. Ordenar por data Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por relevância para a consulta mafioso de comédia. Ordenar por data Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 3 de julho de 2020

DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS E UM MAFIOSO DE COMÉDIA


A educação no Brasil está horrível” disse Bolsonaro a apoiadores, na tarde de ontem, no chiqueirinho defronte ao Alvorada. Menos mal que o presidente tenha descoberto que merda fede. Falta agora ele descobrir quem foi o autor da cagada, ou por outra, quem empossou a piada de humor negro colombiana em janeiro de 2019, quem a substituiu pelo dublê de ativista combativo e ministro de merda (que ganhou uma diretoria no Banco Mundial como prêmio pelos bons serviços à frente de MEC) e, finalmente, por um suposto oficial da marinha, professor e pós-doutor, cuja permanência no cargo se tornou insustentável devido a divergências entre seu lustroso currículo e os fatos à luz inclemente da realidade. Não podia mesmo ter dado certo. Dito isso, passemos à postagem do dia.

O Brasil não é, positivamente, um país para distraídos. A verdade que vale hoje pode não estar valendo nada amanhã, e se o sujeito não presta muita atenção nas mudanças súbitas que fazem o certo virar errado e o errado virar certo vai acabar andando fora do passo.

Até outro dia, quando havia por aqui algo chamado Operação Lava-Jato e os corruptos viviam no medo de acordar com o camburão da Polícia Federal na sua porta, era exigida das autoridades públicas, como se exige de um muçulmano diante de Alá, uma obediência cega, surda e muda ao “direito de defesa”. Hoje, quando a grande atração em cartaz é o combate ao que se considera ameaças à democracia, e quem está aflito com a PF são os suspeitos de extremismo de direita, o que se cobra da Justiça é o contrário: vale passar por cima da lei e de seus detalhes incômodos para punir tudo o que possa ser descrito como “fascismo”.

Trocaram os polos da pilha – de negativo para positivo e vice-versa. O primeiro dos dez mandamentos, nos tempos de Lava-Jato, era: é preciso combater a corrupção, sim, mas desde que as leis sejam respeitadas em suas miudezas mais extremadas. O problema do Brasil, na época, não era o saque ao erário e a punição dos ladrões; era a possibilidade de haver o mais delicado arranhão em qualquer direito dos acusados. Muito melhor deixar um culpado sem castigo do que correr o mínimo risco de punir alguém se não for cumprido tudo o que as milhões de leis em vigor no país oferecem em sua defesa. O primeiro mandamento, hoje, é o oposto: não se pode ficar com essa história de “cumprir a lei” ao pé da letra, pois “a democracia tem de estar acima de tudo”.

Onde foram parar os “garantistas”? Você talvez ainda se lembre deles: eram os ministros do STF, advogados de corruptos milionários e toda uma multidão de juristas amadores que acusavam a Lava-Jato de desrespeitar o direito de defesa, exigiam que suas decisões fossem anuladas e pediam punição para o juiz Sérgio Moro e os procuradores da operação. O ministro Gilmar Mendes chamou a Lava-Jato de “operação criminosa” e acusou a PF da prática de “pistolagem”. Também disse que “a República de Curitiba é uma ditadura de gente ordinária” e que a Lava-Jato foi “uma época de trevas”.

O presidente do STF, Antônio Dias Toffoli, acusou a operação de “destruir empresas”. Seu colega Marco Aurélio Mello disse não queria ser substituído por Moro quando se aposentasse.

Temos agora o episódio da “ativista” de direita que foi presa por um mínimo de cinco dias sob a acusação de atentar contra a Lei de Segurança Nacional. Sara xingou a mãe do ministro Alexandre de Moraes; disso não há dúvida. Mas desde quando xingar a mãe de ministro ameaça a segurança do Brasil, ou de qualquer país? O crime, aí, se a Justiça assim o decidir, é o de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal. Não pode ser outro, e para ele a lei não prevê prisão temporária de cinco dias, nem de mais e nem de menos. Conclusão: extremistas de direita devem ter menos direitos que extremistas de esquerda, ou que delinquentes de outros tipos.

Da mesma forma, há muito escândalo porque o grupo de Sara foi soltar rojões na frente do STF. Mas ninguém achou que a segurança nacional foi ameaçada quando picharam de vermelho o prédio da ministra Cármen Lúcia, dois anos atrás, em Belo Horizonte, ou quando manifestantes “a favor da democracia” e “contra o fascismo” jogam pedra na polícia, destroem propriedade e tocam fogo em bancas de jornal. O que se condena, no Brasil de hoje, não é o que foi feito. É quem faz.

Mudando de um ponto a outro, quando Fabrício Queiroz foi preso num simulacro de escritório do então advogado de Flávio Bolsonaro em Atibaia, o mafioso de comédia parecia ter violado a ética da advocacia e a própria legislação. Mas suas manifestações mais recentes demonstraram tratar-se de uma alma superior.

Wassef contou à revista Veja que soube que Queiroz estava às voltas com um câncer. Ficou sensibilizado. O presidente, amigo do ex-factótum do clã desde sempre, cortara qualquer contato com ele, a exemplo de seu ex-chefe na Alerj. Assim, o nobre causídico decidiu ajudar. Não porque era advogado de Flávio, mas por razão "100% humanitária", como declarou esse ser humano especial.

Depois, Wassef descobriu que havia uma trama para matar Queiroz e colocar a culpa na família Bolsonaro, acusando o presidente e seu filho de queima de arquivo para evitar uma delação. O que seria, naturalmente, uma fraude. A partir desse momento, além de proteger a vida de Queiroz, Fred passou a favorecer o presidente e seu filho, evitando que um cadáver lhes caísse no colo. Fez isso sem avisar aos Bolsonaro. O presidente poderia ter acionado a Polícia Federal. Mas por que preocupá-lo com algo tão trivial? O doutor revelou-se um sublime cultor da amizade.

Tratado como criminoso, Wassef diz que a Justiça e o MP-RJ deveriam lhe agradecer. Não fosse por suas iniciativas, Queiroz não estaria vivo. Bolsonaro e sua família estariam sendo investigados por um suposto assassinato.

O advogado disse ter pedido desculpas ao presidente pelos dissabores que possa ter causado. Mas não receia ser esquecido pela primeira-família. Além de todas as qualidades que fazem dele um ser notável, Wassef realça sua lealdade. "Não traio ninguém nunca."

Wassef pronunciou uma frase simbólica: "Não se deveria virar as costas para antigos aliados." Um observador maldoso poderia interpretar como um recado. Mas o douto jurisconsulto se declara apaixonado por Bolsonaro: "Amo o presidente", disse ele. Confesso que fiquei decepcionado comigo mesmo por ter pensado mal de alguém como o doutor Wassef. Se alguém tem culpa nessa história, sou eu.

Na tarde de ontem, em depoimento presencial tomado pelo promotor Eduardo Benones no Complexo Penitenciário de Bangu, Queiroz falou por cerca de duas horas e meia. 

Segundo Benones, “o depoimento dele não inocentou ninguém, foi capaz de tirar ninguém da cena do crime, entendeu? Dá pra continuar investigando. Foi um bom depoimento. A gente continua acreditando que a partir de hoje, mais do que nunca, que as investigações devem prosseguir”. Analistas da GloboNews avaliaram que o depoimento reforça as suspeitas de vazamento (conforme denúncia do empresário Paulo Marinho, que participou da campanha de Bolsonaro à presidência).

Esse foi o segundo depoimento do ex-assessor de Flávio Bolsonaro. No primeiro, prestado à PF do Rio em 29 de junho, no inquérito que também analisa as denúncias na operação, Queiroz disse que não obteve informações privilegiadas, que não foi demitido porque Flávio teve conhecimento prévio da Operação Furna da Onça, mas sim exonerado a pedido, porque estava “cansado de trabalhar no cargo” e que precisava tratar de sua saúde”.

O MP-RJ intimou o ex-chefe de Queiroz a depor, a despeito de sua defesa ter conseguido procrastinar a investigação alegando conflito de competência (na semana passada, a Justiça do Rio transferiu a apuração do caso para a segunda instância, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça fluminense; o STF deve devolvê-lo à instância de origem, mas somente em agosto, devido ao recesso do Judiciário). 

Os advogados de Zero Um estrilaram, mas o MP-RJ afirmou em nota que a chefia institucional delegou aos promotores de Justiça do GAECC os poderes para prosseguirem nas investigações até seu termo final. "Diante disso, as investigações seguem seu curso normal, sem paralisações desnecessárias por conta de mudanças de competência jurisdicional", acrescentou o MP.

Com J.R. Guzzo e Josias de Souza

domingo, 23 de agosto de 2020

MAIS SOBRE QUEIROZ E MADAME E O MAFIOSO DE COMÉDIA

De acordo como a coluna de Ricardo Noblat em Veja, os áudios divulgados pela revista, com o desabafo de Márcia Aguiar, deixam claro que ela e o marido, Fabrício Queiroz, sentiam-se como prisioneiros de Frederick Wassef — ex-consultor jurídico do clã presidencial e ex-advogado de Flávio Bolsonaro no caso das rachadinhas

A versão do casal guarda pouca (ou nenhuma) semelhança com a história contada por Fred quando Queiroz foi preso em sua casa/escritório em Atibaia. Ou com as histórias, melhor dizendo, pois o versátil mafioso de comédia tirava da cartola uma nova narrativa a cada nova entrevista — e ele concedeu uma porção delas nos dia em que o fantasminha camarada reapareceu misteriosamente (e foi capturado) numa de suas propriedades.

Wassef se jactava de ser próximo do presidente. Com a prisão de Queiroz, tornou-se suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo o ex-factótum do clã presidencial, sua esposa e outros familiares, todos mergulhados até o pescoço na merdeira que começou a refluir, como quando se dá descarga numa privada entupida, no finalzinho de 2018, e cujas peças foram aos poucos se encaixando.

Em 20 de junho passado, numa entrevista à Folha, o douto jurisconsulto não só negou ter "escondido" Queiroz como também disse não ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou  ser conselheiro jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No dia seguinte, em entrevista à CNN Brasil — a quarta entrevista naquele final de semana —, negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes a Karina Kufa, que dias antes soltara uma nota dizendo que ele, Wassef, não representava o Presidente. 

No mesmo dia, Wassef havia telefonado a Kufa e, aos berros, dito que iria desmenti-la. Disse também que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Zero Um, e desculpou-se por “qualquer dano de imagem que pudesse ter causado ao Presidente e ao senador”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista ele explicou por que Queiroz estava morando em seu imóvel quando foi capturado. Em vez disso afirmou não tinha seu telefone (de Queiroz) e que não falava com ele. Perguntado por que o dito-cujo, sendo do Rio, escolhera Atibaia, no interior de SP, para tratar do câncer, especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef afirmou que "movimentação atípica não é crime" (e não é mesmo), e que poderia dar “mil explicações para as tais movimentações financeiras”. O problema é que não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar que seu cliente era vítima de perseguição, de uma “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e repleta de contradições, dizendo, inclusive, que Queiroz nunca transferiu dinheiro para Flávio Bolsonaro.

Observação: Uma mentira deslavada (ou mais uma, porque são tantas), pois sabe-se agora que até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, teria recebido 21 depósitos em cheques do ex-assessor de Zero Um. E falando em mentiras e no primogênito do Presidente, parece incrível, mas o senador não encontrou um único horário vago em sua agenda para encaixar a acareação com o empresário Paulo Marinho, que o acusou de ter recebido informações privilegiadas sobre a deflagração da Operação Furna da Onça. Nem a Velhinha de Taubaté engoliria tamanha potoca.

Wassef, o benemérito causídico de coração mole e mente criativa, disse que "se comoveu com a situação de Queiroz" — a quem nunca havia visto mais gordo —, procurou-o sem que ninguém o orientasse a fazê-lo e ofereceu abrigo para ele, a mulher e os parentes. Só por “razões humanitárias”, disse. Isso quando Queiroz já havia se tornado um dos homens mais procurados do país pela imprensa e, mais adiante, pelo MP-RJ, de cujas convocações para interrogatório a alma penada fugia feito o diabo da Cruz.

Por que Queiroz e a mulher aceitariam a oferta de abrigo feita por um desconhecido? Por que passariam a confiar em um homem que surgiu do nada, sem que ninguém o recomendasse? Não faria o menor sentido. Wassef deve ter sido bancado por alguém com bastante influência sobre o casal Queiroz. E não é tão difícil imaginar quem de quem se trata. 

Os áudios de Márcia datam de novembro do ano passado, quando ela e o marido eram mantidos numa espécie de cativeiro, deixam claro que ambos estavam contrariados por serem impedidos de sair de lá. Em conversas com a advogada Ana Flávia Rigamonti, contratada por Wassef para vigiá-los junto com um empregado da casa, Márcia traiu toda a sua insatisfação.

Ao longo de um ano, a mulher de Queiroz fora obrigada a abrir mão de sua vida particular, privar-se de ir ao médico até para fazer exames de rotina e, em alguns momentos, não podia sequer utilizar o celular. As medidas cautelares foram ditadas pelo “Anjo”, codinome de Wassef, segundo o Ministério Público Federal, empenhado em manter sob segredo o paradeiro de Queiroz

A gente não é foragido. Isso está acabando comigo, amiga, acabando. De boa mesmo. Está acabando. Está me destruindo por dentro. Eu estou aqui me desabafando, porque não consigo passar isso para ele [Queiroz]. E a minha preocupação é esse stress, esse emocional dele abalado, piorar a situação dele com essa doença”, disse Márcia a Ana Flávia.

Ana Flávia retruca: “Eu sei que ele não está bem. Ele está tentando se distrair. Mas a gente sabe que não está fácil. […] Ele mesmo falou para o Anjo: ‘Olha, eu não estou aguentando mais. Quero ir para minha casa’”. 

E Márcia completa: “Eu estou vendo que todo mundo está vivendo a sua vida. Agora, a gente não. Então, somos foragidos para viver fugindo? Não é possível isso, entendeu?

Márcia não estava com Queiroz quando ele foi preso em 19 de junho último. Havia uma ordem de prisão contra ela, que fugiu e só reapareceu quando o marido deixou a cadeia (no dia 10 de julho) para cumprir prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica. Desde então o casal está junto, ambos com tornozeleira. O Ministério Público Federal aposta que um deles acabará delatando.

A prisão de Queiroz contribuiu para a mudança de comportamento do Presidente. Saiu de cena o Bolsonaro incendiário, o promotor de crises, o falastrão, o agitador que marcava presença em manifestações de rua hostis à democracia, e entrou em cena o Bolsonaro moderado, que loteia cargos do governo com os partidos e chama os parlamentares do Centrão “sócios”. No bom sentido, é claro.

Resta saber quanto tempo isso vai durar.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO (QUARTA PARTE)

O que se vê no Brasil de hoje é basicamente uma divisão entre sectários do lulopetismo e adeptos do bolsonarismo. Para os que têm o imbrochável insuportável na conta de "mito", o deus pai da Petelândia é o exemplo pronto e acabado do desempregado que deu certo. Faz sentido: o ex-tudo deixou de ser operário quando fundou do PT (1980), mas já não dava expediente em chão de fábrica desde 1972, quando se tornou dirigente sindical. Numa conta de padeiro, dois terços de seus 78 anos recém-completados foram dedicados à "arte da política", não ao batente diário que consome o tempo de milhões de brasileiros. 

O mentecapto mefistofélico com vocação para tiranete também nunca foi fã do batente. Quando assumiu a Presidência, seu expediente diário era de, em média, 5,6 horas; no segundo ano de mandato, de 4,7 horas; no terceiro, de 4,3 horas; no último, de pouco mais de 3 horas. Depois da derrota nas urnas, a média caiu para ridículos 36 minutos por dia. Isso também também faz sentido: se o capetão nunca foi pegar no pesado, por que mudaria seus hábitos a 2 meses de deixar o cargo? 

Observação: O estudo Deixa o homem trabalhar? apontou que o mandrião trabalhava 18 horas semanais a menos que um trabalhador celetista e 14 horas a menos que um servidor público federal da administração direta. Que gastava mais tempo em almoços (média de 1,3 hora) do que em reuniões com ministros de Estado (menos de 1 hora). Que participou de apenas cinco eventos "envolvendo explicitamente o tema vacina", nos quais investiu, em média, 0,9 hora por compromisso. Sua média diária só ultrapassava 4 horas quando ele estava em trânsito (como em 18 novembro de 2012, quando regressou do Catar). Mas esse critério nos levaria a considerar o tempo como "jornada de trabalho" o tempo gasto em motociatas pelo país, comendo farofa nas ruas de Brasília ou passeando de jet-ski no Guarujá e no litoral catarinense. 
 
Pendurado no erário desde os tempos da caserna, o dublê de mau militar e parlamentar medíocre sempre gostou mais de dinheiro que de ideologia. E se valeu desta como instrumento para obter aquele. Quando percebeu que havia mercado para a parolagem estúpida e brutalista, rendeu-se a ela. E ela lhe rendeu — a ele e sua prole — votos, dinheiro e patrimônio. E assim tornou-se um homem de muitos milhões. S
ob o escudo de uma impunidade quase absoluta, fez da Presidência sua Disneylândia particular, que tentou perpetuar através de um golpe Estado. O golpe fracassou, mas o golpista jamais descuidou do caixa. Nem mesmo quando fingia lutar uma cruzada moral e patriótica. 
 
Derrotado pelo ex-presidiário mais famoso do Brasil, o mandrana sacripanta se encastelou no Planalto, de onde assistiu aos protestos antidemocráticos protagonizados por fanáticos acampados em portas de quartéis. A dois dias de entregar a faixa, homiziou-se na cueca do Pateta, onde ficou
 o final de março de 2023. Inelegível até 2030 por decisão do TSE, passou a posar de vítima enquanto explora seus devotos — um bando de imbecis travestidos de militantes, comandado por um imbecil travestido de ex-presidente — que, cegos pelo fanatismo ou por interesses ocultos, parecem não se constranger com suas desculpas esfarrapadas. 
 
O naufrágio do Titanic tornou-se a melhor metáfora para o ponto final de qualquer enredo trágico. No papel de maestro da orquestra da célebre embarcação, o capitão deveria ser o primeiro a notar que um script que evolui do patriotismo épico para um reles caso de roubo de joias é o roteiro de um desastre. A imagem mais fascinante é a dos militares deslizando pelo salão como músicos fieis de uma banda marcial a caminho do fundo. Ao arrastar para o epicentro do escândalo o general Cid, a PF mostrou que a água invadiu os trombones: o pai do tenente-coronel enrolado migrou da condição de estrelado de mostruário para a de contrabandista de joias quatro estrelas
 
A tradicional família militar dividiu a ribalta com um mafioso de comédia e criminalista de estimação da Famiglia Bolsonaro. Com as caldeiras explodindo, os fardados continuam tocando sem desafinar, evitando incluir no fundo musical a partitura de uma delação. É como se, com a água pelos beiços, o futre mandasse a orquestra tocar com brio. 
Expurgado do Poder, já não podia mandar cortar o salário dos músicos, mas eles continuam a postos e, parecendo enxergar virtude na depravação, mostravam-se dispostos a executar a partitura do abantesma da ditadura até o último glub-glub, quando já não haveria mais botes salva-vidas à disposição.

Continua...

terça-feira, 5 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS

 

Em 1º de novembro de 2018, quando aceitou o convite para ser “superministro” da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro embarcou numa canoa que deveria saber furadaNo encontro que teve com o então presidente eleito, o então juiz da Lava-Jato disse que aceitava o cargo "com certo pesar”, pois teria que pedir a exoneração da Justiça Federal. Mas a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado e a promessa de uma cadeira no STF levaram-no a abandonar 22 anos de magistratura para integrar aquele que viria a ser o pior governo da história desta banânia.

 

Como juiz linha-dura, Moro enquadrou poderosos. Trabalhou em casos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. Também assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão. Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado, como o ex-ministro José Dirceu, o ex-governador Sérgio Cabral e o empreiteiro Marcelo OdebrechtEm 16 de março de 2016, derrubou o sigilo do áudio em que Dilma dizia a Lula que lhe enviaria o termo de posse como ministro, na tentativa de evitar sua prisão — a nomeação foi impedida pelo ministro Gilmar Mendes, que viu desvio de finalidade na nomeação por causa do áudio.


No governo, Moro foi traído pelo presidente. Na política, filiou-se ao Podemosmigrou para o União Brasilfoi sabotado e teve a pré-candidatura à Presidência sepultada por Luciano Bivar (aquele do laranjal, lembram-se?), que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo depois de o ter tirado do Podemos. 


A falaciosa candidatura do dono do UB visava: 1) favorecer a polarização Lula x Bolsonaro; 2) criar um biombo para deixar os filiados livres, em suas regiões, para apoiar qualquer um dos dois; 3) investir o dinheiro do fundão na eleição de volumosa bancada de deputados federais — lembrando que a participação das legendas nos fundos partidário e eleitoral é diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas, e o sistema proporcional transformaria Moro em puxador de votos. 


Moro condenou Lula a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Somente depois que a decisão foi confirmada por unanimidade no TRF-4 — e a pena, aumentada para 12 anos e um mês — que ele determinou, a mando do tribunal, a prisão do condenado. Lula se encastelou por dois dias na sede do Sindicato do Metalúrgicos do ABC, onde discursou a apoiadores contra decisões do Judiciário e de onde finalmente foi levado para uma cela VIP na Superintendência da PF em Curitiba, na qual gozou férias compulsórias por míseros 580 dias.


Em 13 de fevereiro de 2019, já como “superministro”, Moro montou uma operação de guerra que culminou com a transferência de Marcola e outros 21 presos ligados ao PCC da penitenciária de Presidente Venceslau para penitenciárias federais (só no primeiro semestre daquele ano, 113 chefes de facções criminosas de quatro estados diferentes foram transferidos para presídios de segurança máxima). 


Uma de suas primeiras derrotas no governo foi a transferência do Coaf do Ministério da Justiça para a Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro. Depois de tomar chá de sumiço e ficar desaparecido por mais de um ano, Queiroz foi localizado e preso numa propriedade do mafioso de comédia Frederick Wassef, que acontece de ser um dos causídicos que atendem o clã presidencial (ou Famiglia Bolsonaro, como queiram).  

 

Observação: Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas do factótum, o presidente e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) quando era questionado sobre o paradeiro do “espírito que anda”. Queiroz se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha, que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas. No dia 16 do mês passado, o TJ-RJ rejeitou a denúncia envolvendo Zero Um no caso das chamadas “rachadinhas”, depois que boa parte das provas de acusação foram invalidadas pelo STJ e pelo STF. Triste Brasil!

 

Acabou que Moro viu sua principal bandeira — o pacote anticrime — ser desfigurada pelo Congresso e sancionada pelo chefe do Executivo sem os vetos recomendados (isso aconteceu entre 9 de maio e 25 de dezembro de 2019). Em 24 de abril de 2020, depois de 14 meses engolindo sapos e sorvendo água pútrida da lagoa, desembarcou do governo e disse à imprensa que havia tomado tal decisão devido às diuturnas tentativas de Bolsonaro de interferir politicamente na PF


Na folclórica reunião ministerial de 22 de abril, o mandatário disse (litteris): "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estruturaVai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira(a quem interessar possa, segue o vídeo da tal reunião).

 

O desembarque de Moro criou uma crise no governo e levou à abertura de um inquérito a pedido da Procuradoria-Geral (com um “empurrãozinho” dado pelo então decano do STF). Este ano, no entanto, a PF concluiu que não houve crime na conduta de Bolsonaro.


Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na toga e outro no Planalto, uma mulher chamada Rosângela e a vida a lhe sorrir. Desde que rompeu com Bolsonaro e ensaiou uma pré-candidatura presidencial, passou a acumular derrotas. Depois de ser moído politicamente e de ter sua transferência de domicílio eleitoral negada pelo TRE-SPRosângela é tudo que lhe restouNo último dia 14, ele anunciou que seu futuro político está no Paraná e será decidido “mais adiante” (antes tarde do que nunca).

 

Continua...

domingo, 3 de julho de 2022

HOJE É O AMANHÃ DE ONTEM E O ONTEM DE AMANHÃ

 

No apagar das luzes de junho de 2018, eu escrevi que a libertação do delinquente José Dirceu, condenado em segunda instância a 30 anos e 9 meses de prisão, escancarou uma verdade inverossímil: a sala ocupada pela 2ª Turma do Supremo se transformara numa gigantesca porta de saída da cadeia. 

 

Essa bofetada na cara do país que presta foi desferida a seis mãos — por Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Dias ToffoliGilmar inaugurou (e comanda) a primeira usina de habeas corpus do planeta, Lewandowski ganhou a toga porque era filho de uma vizinha da ex-primeira-dama Marisa Letícia, e Toffoli, por ser uma alma subalterna a serviço de Dirceu. Disfarçados de juízes, os três agem como cúmplices de bandidos de estimação — e enxergam no povo brasileiro um bando de otários que só explodem de indignação quando a seleção vai mal numa Copa do Mundo.

 

Como bem pontuou J.R. Guzzo em Veja, os eminentes togados têm o poder de aplicar ou não as leis e, para além disso, de decidir quais leis são válidas. Dizem, é claro, que suas sentenças estão de acordo com a legislação — mas são eles, e só eles, que decidem o que as normas jurídicas querem dizer. 


Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que a última instância do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os nobres ministros sempre que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso, e o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. 

 

Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Mas a questão, à esta altura, já não é o que os corruptos fizeram ou foram acusados de fazer, mas os julgadores estão fazendo ao abrir as celas de quem roubou o erário neste país. Pelo que escrevem em suas sentenças, os magistrados decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. É possível existir democracia num país onde os membros da mais alta cúpula do Judiciário, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 219 milhões de pessoas?

 

Quando ainda comemorávamos a derrota do bonifrate do presidiário mais famoso do Brasil pelo presidente eleito em 2018 — e que viria a ser o pior mandatário desta banânia desde Tomé de Souza —, surgiram os primeiros indícios das "movimentações financeiras atípicas" de Fabrício Queiroz, amigo de longa data de Jair Bolsonaro e factótum do clã do ex-capitão. A primeira notícia foi publicada em 6 de dezembro de 2018 no Estadão. A partir daí, Jair Flávio Bolsonaro tentaram se manter a uma distância segura do amigo de três décadas do primeiro e dublê de motorista e assessor parlamentar do segundo.

 

Corrupção, como se sabe, é uma doença que demanda cuidados médicos intensivos. Tanto que uma "inesperada crise de saúde" impediu Queiroz de prestar esclarecimentos ao MP-RJ em duas oportunidades. Perguntado sobre as suspeitas que recaíam sobre se ex-assessor, o ex-deputado estadual e então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que era ele (Queiroz) quem deveria esclarecer os fatos. "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações", postou Zero Um no Twitter. 

 

Quando há justificativa, os fatos falam. Quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. Queiroz — que, segundo Flávio, teria uma “história plausível”, foi submetido a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e virou fumaça tão logo teve alta médica. No dia seguinte ao do Natal de 2081, Queiroz reapareceu tão misteriosamente quanto havia sumido e falou em público pela primeira vez. Em entrevista ao SBT, negou ser laranja e atribuiu o dinheiro a negócios com venda de carros, mas não explicou os depósitos feitos em sua conta por funcionários do gabinete e familiares empregados por Flávio Bolsonaro e pelo presidente eleito. E então desapareceu de vez.

 

Em setembro de 2019, uma reportagem de Veja revelou o paradeiro de Queiroz, mas o espírito que anda voltou a tomar chá de sumiço e permaneceu desaparecido até meados do ano seguinte, quando foi localizado e preso em Atibaia (SP) — não no famoso sítio Santa Bárbara, que Lula frequentava amiúde e que lhe rendeu uma pena de 12 anos e 11 meses de prisão (posteriormente anulada pelo ministro Edson Fachin), mas num imóvel pertencente a Frederick Wassef, o folclórico dublê de mafioso de comédia e "consiglieri" da Famiglia Bolsonaro. 

 

Após passar três semanas no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Queiroz foi beneficiado por um habeas corpus deferido pelo ministro João Otávio Noronha, do STJ, e seguiu para prisão domiciliar. Dizendo-se "grande admirador de Roberto Jefferson" (cujo nome dispensa apresentações), o ex-fantasminha tenciona se candidatar a deputado federal nas eleições deste ano. 

 

Observação: Durante a cerimônia de posse de André Mendonça como ministro da Justiça e de José Levi como AGU, o capitão disse a Noronha, então presidente do STJ, que sua relação com ele era um caso de amor à primeira vista. E não é para menos. Além de conceder a Queiroz o mimo da prisão domiciliar, o magistrado estendeu o benefício à esposa do ex-Gasparzinho — que estava foragida e, segundo as más-línguas, flertava com a delação. Detalhe: Assim como Augusto Aras, o procurador-geral que não procura, o ministro do STJ acalenta o sonho de ter os ombros recobertos por uma suprema toga. Foi preterido nas duas indicações feitas por Bolsonaro, mas quem sabe se numa próxima... 

 

Bolsonaro faz no governo o que ele e seus filhos sempre fizeram na vida pública: explorar mecanismos de liberação de dinheiro do povo para atender a interesses privados. Zero Um e Zero Três tiveram cargos remunerados em Brasília enquanto faziam faculdade no Rio de Janeiro. A caseira do imóvel de veraneio da família também tinha. E o próprio presidente, como confirmou o Ministério Público em ação contra ele por improbidade administrativa, fez os brasileiros pagarem durante 15 anos por uma "assessora parlamentar" fantasma (Wal do Açaí), registrada em seu gabinete de deputado federal, enquanto ela dava água para o cachorro em Angra dos Reis (RJ).

 

Depois de comprar o apoio do Congresso com o orçamento secreto, de emissoras de rádio e TV com a liberação obscura de verbas de publicidade federal, de parte da população de baixa renda com o que ele próprio chamava de "Bolsa Farelo", e de pastores aliados com o perdão da dívida de igrejas com o Estado, Bolsonaro mandou o ministro-pastor Milton Ribeironas palavras do próprio Ribeiro — atender aos interesses específicos de Gilmar Santos e Arilton Moura, dois pastores mui suspeitos. De acordo com Felipe Moura Brasil, o sacrilégio bolsonarista chegou ao cúmulo da aparente lavagem de dinheiro sujo em livros bíblicos. É a imagem mais emblemática até hoje da exploração da religião por interesses escusos e para fins criminosos, ambos condenados pela doutrina cristã. A propaganda do "governo sem corrupção" apenas encobre a corrupção sem governo.

 

Um dia depois de quatro ministros do STJ indicados pelo PT terem condenado Deltan Dallagnol a indenizar Lula pelo powerpoint da denúncia contra o petista, o outro Gilmar — o Mendes, aliado de Lula e Bolsonaro na vingança do sistema — revelou ter dito ao capitão que seu legado é "nomear Sergio Moro e devolvê-lo ao nada". Moro, ao contrário de Ribeiro, se recusou a compactuar com a perversão privada do Estado, de modo que ele próprio se devolveu a um "nada" de cargos em troca de princípios, muito mais digno que o "tudo" por poder e impunidade. 


Mas o legado real de Bolsonaro vai além da blindagem geral. Ao transformar o debate público em guerra de gangues, onde, em nome de Deus, os crimes de um lado — e em benefício deste lado — são relativizados e legitimados pela comparação com os crimes do outro, o presidente, seus filhos e sua claque — para a qual o problema é ser pego — corrompem não só as tradições liberal e conservadora, como também a moral cristã, anestesiando a população com o conformismo em ser roubada. Em outubro, os eleitores vão decidir se querem ser assim "a vida toda". 

 

Infelizmente, a alternativa que se coloca a Bolsonaro é a pior possível. Rezemos para que o imponderável tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, pois, sem Lula no páreo, Simone Tebet tem chance de derrotar o capetão no segundo turno (como também teriam Moro e Doria se não tivessem sido elididos da disputa). 


Triste Brasil.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

VERGONHOSO É POUCO...

A investigação contra o primogênito do general da banda chegou ao fim e a tendência é de ele seja denunciado pelo MP-RJ

Segundo os investigadores, o hoje senador, quando era deputado estadual, comandava um esquema de “rachadinhas” operado por seu chefe de gabinete na Alerj, cujas “movimentações financeiras atípicas”, identificadas pelo Coaf em 2018, deram início a uma cadeia (sem trocadilho) de eventos que, entre outras consequências, levaram o atual inquilino do Palácio do Planalto a despir sua reluzente armadura de cruzado contra a corrupção. 

Ao slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” é preciso juntar os dizeres “e a família do Presidente em primeiro lugar”, ou esse mote chauvinista e demagogo não vale sequer o papel em que foi escrito.

Fabrício Queiroz — esse é o nome do abantesma que tomou chá de sumiço quando viu que a situação estava malparada e que o chefinho ia tirar (como realmente tirou) o cu da reta — jamais se dignou a atender aos convites do Ministério Público para um bate-papo esclarecedor. Em julho, porém, o fantasminha camarada foi encontrado e prezo em Atibaia, num simulacro de escritório do dublê de mafioso de comédia, consultor jurídico da Famiglia Bolsonaro e fiel escudeiro do ex-deputado no caso das rachadinhas. 

Tal qual seu ex-cliente e respectivo ex-assessor, o conspícuo causídico está enrolado que nem fumo de corda e sujo feito papel higiênico servido. Aliás, recomenda-se a quem for a Brasília levar máscara contra gás, caso vá se aventurar pela Praça dos Três Poderes e adjacências.

Voltando ao impoluto senador, o relatório final está com o subprocurador-geral de Justiça de Assuntos Criminais e Direitos Humanos, Ricardo Martins. O mais provável é que ele ofereça a denúncia apenas após o STF decidir qual é o foro adequado para a tramitação do caso. Se depender da ala garantista da Corte (alguns falam em “banda-podre”, mas eu acho essa expressão um tanto rude), provavelmente será decidido que competência e de um juizado qualquer do planeta Marte, e que será expedida uma carta rogatória... Enfim, deixa pra lá, que hoje é domingo e eu não estou a fim de me aborrecer com toda essa pouca-vergonha. 

Fato é que tanto o ex-deputado quanto seu então assessor negam todas as acusações. Para o primeiro, a investigação é completamente ilegal, mera perseguição política. Parece até ele fez um curso intensivo de desfaçatez com certo molusco que ainda se arroga o direito de falar merda sempre que segmentos mais abjetos da imprensa lhe dão essa oportunidade. Já o segundo passou uns dias em cana, mas foi despachado para casa, onde cumpre prisão domiciliar graças ao grande coração do desembargador João Otávio Noronha, a quem o morubixaba do Planalto se refere como “um caso de amor à primeira vista”. Vai vendo...

Falando em desfaçatez, o passador de pano geral da República implantou em São Paulo uma franquia culinária. Segundo Josias de Souza publicou em sua coluna, Aras queria fritar o núcleo bandeirante da Lava-Jato sem tocá-lo, e assim incumbiu da tarefa a procuradora Viviane de Oliveira Martines, instalada há seis meses na chefia do 5.º Ofício Criminal da Procuradoria na capital paulista. Na última quarta-feira, já bem tostados, os sete membros da força-tarefa arrastaram Aras para dentro da frigideira, apresentando-lhe uma renúncia coletiva.

O PGR obteve o que desejava. Um dia depois de degustar o desembarque de Deltan Dallagnol da coordenação da Lava-Jato de Curitiba, viu-se diante da perspectiva de limpar a cozinha de São Paulo. Mas ficou com a marca do óleo quente na bochecha. Às vésperas da aposentadoria de Celso de Mello, dono de uma cobiçada poltrona no Supremo, consolida-se o esbirro do Presidente no papel para o qual foi escalado: Abafador-Geral da República.

Por uma trapaça do destino, o processo de combustão da Lava-Jato intensifica-se no momento em que chega às manchetes uma mensagem inédita enviada por Bolsonaro para o celular de Sergio Moro. Nela, irritado com uma notícia de jornal, o presidente mostra a porta de saída ao então ministro da Justiça: "...Tenha dignidade para se demitir." O recado é de 12 de abril. A ficha de Moro demorou uma dúzia de dias para cair. Demitiu-se apenas em 24 de abril.

Em dezembro de 2018, dias antes de assumir a pasta da Justiça, o ex-juiz da Lava-Jato disse ter aceitado o convite do presidente-eleito porque estava "cansado de levar bolas nas costas" na 13.ª Vara Federal do Paraná. Demorou 16 meses para se dar conta de que o lançamento de bolas nas costas tornou-se o esporte preferido do Messias que não miracula. A indicação de Aras para o comando da Procuradoria compôs essa rotina.

Dizia-se que Bolsonaro não ousaria escolher o sucessor de Raquel Dodge sem consultar Moro. Escolheu. Afirmava-se que jamais indicaria um nome que não tivesse a simpatia pela Lava-Jato. Indicou. A escolha produziu um fenômeno usual na política: a junção dos interesses de sujos e mal lavados. Aras aproximou Bolsonaro de Renan Calheiros. Uniu-os a simpatia pela ideia de impor freios ao ímpeto investigativo inaugurado pela Lava-Jato em 2014.

A harmonização de propósitos foi exposta na frente das crianças durante a sabatina que precedeu a aprovação do nome de Aras no plenário do Senado. Renan não conseguiu conter o entusiasmo. "Sou oposição, integro esse campo com muita satisfação. Sou um crítico do governo, mas tenho isenção suficiente para reconhecer que, de todos os atos do presidente Jair Bolsonaro, talvez o mais acertado e significativo seja o da indicação do doutor Augusto Aras para exercer esse honroso posto de chefe da Procuradoria-Geral da República." Freguês de caderneta da Lava-Jato, o cangaceiro das Alagoas passou a conviver no Senado com Flávio Bolsonaro, investigado por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro.

Interessa ao campeão do arcaísmo e ao primogênito de um hipotético modernizador da política aplicar um sedativo no aparato fiscalizatório do Estado. Aras mostrou-se à altura do desafio. Durante a sabatina, referiu-se à Lava-Jato como um "marco importante" no combate à corrupção. Mas avisou que os métodos da força-tarefa de Curitiba seriam aperfeiçoados. Numa resposta em que comentou os excessos atribuídos a Deltan Dallagnol, disse ter faltado "cabelos brancos" ao grupo de jovens procuradores que ele coordenou em Curitiba. Defendeu a restauração do "princípio da impessoalidade".

Dentro de um mês, a chefia de Aras na Procuradoria completará um ano. Foi um período de alta produtividade. Além de desossar a Lava-Jato, o PGR e sua equipe ajudaram a levantar o tapete de Wilson Witzel, cavando o afastamento judicial do desafeto dos Bolsonaro do governo do Rio.

Às voltas com um estado em ruínas, o governador interino Rio, Cláudio Castro reuniu-se na última quinta-feira com Paulo Guedes para tratar da renovação de acordo de rolagem da dívida fluminense. Abre-se a perspectiva de que o Planalto influencie na escolha do novo chefe do MP-RJ, o órgão que tritura o Zero Um.

Para quem tramava apenas uma intervenção na PF do Rio de Janeiro, Bolsonaro já foi longe demais.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

TERMINA HOJE O ANO QUE PARECIA INTERMINÁVEL. QUE O PRÓXIMO SEJA MELHOR.


Nesta noite, quando a décima segunda badalada do relógio soar, estaremos em 2021, ano em que o presidente Jair Bolsonaro terá de descer do palanque e fazer o que não fez até agora: governar o país. Caso não o faça, aumentará as chances de ser expelido do cargo e ficar a ver navios em 2022. 

Se decidir, finalmente, agir como deveria ter agido desde janeiro de 2019, terá inúmeros desafios a enfrentar — um trabalho hercúleo para um parlamentar medíocre, egresso do baixo clero, que não reúne condições intelectuais nem morais para presidir miseravelmente uma reunião de condomínio, e que se cerca de gente ainda mais desqualificada (talvez para não se sentir tão pequeno quanto é).

No âmbito da economia, Bolsonaro terá de lidar com o fim do auxílio emergencial e suas consequências. A despeito das tentativas recorrentes dos frentistas do Posto Ipiranga, não surgiu uma alternativa viável ao Bolsa Família nem uma solução mágica para financiar a "Renda Cidadã". Com o fim do “orçamento de guerra” e a não aprovação da Lei Orçamentária Anual, a poderosa esferográfica Bic do mandatário de fancaria pode ficar sem tinta — pelo menos nos primeiros meses —, levando sua popularidade a subir no telhado justamente quando começam de fato as articulações para o pleito de 2022. E como o ambiente político é norteado pela circunstância econômica, a conclusão é óbvia.

Na política internacional, a célebre frase “é a economia, estúpido”, cunhada pelo marqueteiro democrata James Carville, que previu a vitória de Clinton sobre Bush em 1992, continua vigendo. Bolsonaro & Filhos jamais esconderam que tinham lado na disputa pela presidência americana, e agora descobriram que escolheram o lado errado. A demora em reconhecer a vitória de Biden certamente não facilitará as relações comerciais entre os dois países, como tampouco favorecem as relações do Brasil com a China os constantes ataques do chanceler de festim Ernesto Araújo e do ex-quase embaixador Eduardo “Fritador de Hambúrguer” Bolsonaro. 

Para além disso, as aleivosias do capitão-sem-noção seguem num crescendo assustador — no discurso de abertura da 75ª Assembleia da ONU, por exemplo, ele tratou aos coices (para dizer o mínimo) os países que lhe cobraram responsabilidade ambiental, culpou índios e caboclos pelas queimadas, inflou o valor do auxílio emergencial e responsabilizou os governadores pela crise.

No xadrez político em Brasília, Bolsonaro terá de renovar concessões e acordos para tentar emplacar aliados no comando da Câmara e do Senado — para ele, é vital ter um lambe-botas no comando das duas Casas, sobretudo na Câmara, cujo presidente não só controla a pauta de votações como decide se aceita ou não um pedido de impeachment contra o chefe do Executivo. Atualmente, Rodrigo “Botafogo” Maia está sentado em cima de uma pilha de quase 60 demandas do tipo.

Na esfera judicial, Bolsonaro e seus apoiadores continuam afirmando que não houve denúncias de corrupção neste governo, mas somente porque desconhecem o significado dessa palavra. Curiosamente, o termo é de uso corrente, sobretudo no Brasil. De acordo com o Michaelis, entre outras acepções, “corrupção” significa 1) Degradação de valores morais ou dos costumes, devassidão, depravação; 2) Ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros; 3) Uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros.

Bolsonaro é investigado em um inquérito que tinha tudo para ser concluído antes da aposentadoria do decano Celso de Mello do STF, mas não foi. No fim de novembro, a AGU comunicou ao ministro Alexandre de Moraes que o investigado “declinava do meio de defesa” de prestar depoimento às autoridades e dar sua versão sobre a acusação de interferência política na Polícia Federal. 

Sob a relatoria do ministro estão outros dois casos, que correm em segredo de Justiça. O mais antigo apura ameaças e disseminação de fake news contra integrantes do STF, e o outro trata da organização de um protesto antidemocrático, realizado defronte ao QG do Exército em Brasília, que pugnava pela reedição do AI-5 e o fechamento do Congresso e do STF

Observação: Semanas atrás, Moraes negou a dispensa prévia do interrogatório do presidente, enviou o tema para análise do plenário e concedeu mais 90 dias de prazo para a conclusão do inquérito que trata da “suposta” ingerência indevida na PF. Vale lembrar que Jair Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares ao longo de seus 28 anos como deputado federal. O mandato de Bolsonaro está na mira do TSE, onde tramitam dois pedidos de cassação da chapa que o elegeu. No total, há oito processos contra o presidente e seu vice naquela Corte Eleitoral, sendo quatro deles com informações robustas sobre disparo em massa de fake news pelo WhatsApp

Flávio “Rachadinha” Bolsonaro é investigado há mais de dois anos por um “suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj até ser eleito senador. O MP-RJ apresentou denúncia contra ele, contra Fabrício Queiroz e digníssima esposa, e mais uma dúzia de suspeitos de envolvimento na maracutaia. O fato se tornou público em 3 de novembro, mas acabou ofuscado pela eleição presidencial americana. Cabe agora ao Órgão Especial do TJ-RJ aceitar ou não a denúncia; caso aceite, os acusados se tornarão réus e o processo judicial terá início. O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator, mas o caso só poderá ser pautado para julgamento depois que o magistrado concluir a análise da denúncia e proferir seu voto. Não há prazo para que isso venha a ocorrer.

Conforme duas reportagens publicadas pela revista Época (clique aqui e aqui para acessá-las), a Abin e o GSI foram mobilizados pela defesa de Zero Um para tentar obter provas de que funcionários da Receita Federal teriam acessado ilegalmente dados sigilosos da movimentação financeira do hoje senador. A publicação diz que o próprio Alexandre Ramagem, diretor da Abin, repassou a FB, via mensagens de WhatsApp, dois relatórios com orientações para sua defesa. Se for confirmado que a primeira-família mobilizou órgãos públicos para atender interesses particulares e tentar atrapalhar a investigação criminal, Bolsonaro pai pode ser processado tanto por crime comum quanto de responsabilidade.

Em junho, Fabrício Queiroz foi localizado e preso num imóvel em Atibaia, pertencente ao dublê de advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef, que até então cuidava da defesa de Flávio no inquérito das rachadinhas e atuava como consultor jurídico da Famiglia Bolsonaro. Por razões que a própria razão desconhece, o semideus togado Gilmar Mendes acolheu um pedido de habeas corpus que substituiu a prisão preventiva de Queiroz por prisão domiciliar, além de estender o benefício a Márcia Aguiar, esposa do ex-factótum do clã, que estava foragida. Em novembro, Danielle Oliveira acusou formalmente Wassef de injúria racialo advogado a teria chamado de "macaca", entre outras agressões verbais. Todas as testemunhas do caso já foram ouvidas pelo delegado, menos o acusado.

Após negar que escondeu Queiroz, Fred se contradisse ao tentar explicar por que abrigou o ex-assessor de seu cliente num imóvel que mais parecia um cativeiro. Disse que não sabia do paradeiro do ex-PM, que jamais falou com ele e tampouco tinha conhecimento de que ele estivesse em sua propriedade em Atibaiaembora Queiroz tenha morado lá por pelo menos um ano. Mais adiante, reconheceu que abrigou dito-cujo, mas por “questões humanitárias”. Em outro pronunciamento, afirmou: Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só.” Depois, tentou descolar o presidente do assunto: “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade.

Wassef abandonou as causas da família Bolsonaro três dias após a prisão de Queiroz. Na noite em que o anúncio foi feito, FB elogiou o trabalho e a lealdade do advogado. Nos meses seguintes, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusoé mostraram como Fred usou sua proximidade com o presidente da República para ganhar milhões de reais de empresários interessados em resolver problemas no governo. Em agosto, outra revelação da Crusoé: O advogado recebeu R$ 9 milhões da JBS. Em outra reportagem, a revista mostrou que partiu de Jair Bolsonaro a iniciativa de pedir uma reunião na PGR entre o causídico e o subprocurador responsável pelo caso da JBS.

Em setembro, Wassef foi alvo de busca e apreensão na Operação E$quema SDenunciado por peculato e lavagem de dinheiro, ele é suspeito de ter obtido R$ 2,7 milhões por meio do escritório da ex-procuradora Luiza Nagib Eluf, contratada pela Fecomércio Rio com uso de dinheiro público do Sesc/Senac Rio. Segundo o MPFCristiano Zanin e Roberto Teixeira — advogados do criminoso Lula — comandaram o esquema entre 2012 a 2018. Estão na mira dos investigadores desvios de valores que chegam a R$ 300 milhões. No entanto, o inquérito foi suspenso em outubro por decisão de Gilmar Mendes.

Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro que dá expediente no Palácio do Planalto, é investigado pela “suposta” contratação de funcionários fantasmas. Seu nome é suscitado nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos. Depoimentos de testemunhas dão conta de que o filho do capitão vem “ajudando” e “cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições e ao regime democrático.

No final de julho, Anderson Rossi, dono do Foco do Brasil, foi questionado sobre uma possível ajuda do vereador na estruturação de seu canal, que chega a faturar R$ 140 mil por mês. Já a Folha Política, segunda franquia mais rentável entre os canais bolsonaristas, tinha 1,65 milhão de inscritos no início de março; hoje está com 2,19 milhões — um salto de 32%. Ernani Fernandes Barbosa Neto, proprietário do canal, disse à PF ter faturado entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês.

Em um inquérito que corre atualmente no STF, Zero Dois aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros da Corte e apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de apoiadores do presidente, pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo.

Eduardo Bolsonaro está na mira da PGR, que determinou a abertura de “notícia de fato” para saber se o deputado violou a Lei de Segurança Nacional em declarações postadas nas redes sociais. Além disso, uma apuração preliminar o investiga por pagamentos em dinheiro vivo quando da compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016. 

Nem o filho caçula do presidente, Jair Renan, foge à regra que baliza os “negócios da família”. Embora não tenha cargo público, o pimpolho é suspeito de tráfico de influência. Em 13 de novembro, ele articulou e participou de uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores — empresa que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não constava na agenda oficial de Marinho, foi revelado pela revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

As relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano, a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”. Após quase dois anos à frente do governo, transparece sua preocupação em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. O primeiro passo foi articular a troca no comando da PF, em abril, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo. O então ministro Sérgio Moro denunciou a maracutaia. Posteriormente vieram à tona imagens de uma reunião ministerial na qual o capitão-honestidade diz que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações bafejam no cangote dos filhos Flávio e Carlos.

Em outra frente, a Famiglia Bolsonaro meteu o bedelho nas eleições para a chefia do MP-RJ — responsável pelas investigações contra dois pimpolhos do presidente. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado por Zero Um por sua atuação no caso da rachadinha no gabinete. Os Bolsonaro cerraram fileiras em torno do procurador Marcelo Rocha Monteiro, bolsonarista assumido, como uma opção para a lista tríplice, definida em dezembro, de onde é escolhido o nome do próximo procurador-geral de Justiça do Estado. No final, ele foi o quarto mais votado.

Cabe ao governador interino optar por manter a tradição e indicar para a chefia um integrante da lista ou fazer um aceno ao presidente nomeando o candidato da Famiglia para o cargo. Publicamente, Bolsonaro alega que esses órgãos estão agindo para prejudicar seus filhos em uma tentativa de atingi-lo — chegando mesmo a dizer tratar-se de perseguição política do então governador Wilson Witzel, que buscava se cacifar para disputar o Planalto em 2022, o que justificaria, segundo o presidente, as tentativas de desmoralizar sua família.

Quanto à novela da vacinação contra a Covid, o desvario mais recente do capitão-mefistofélico aconteceu na última segunda-feira. “São os laboratórios que deveriam ter interesse em vender vacina contra o coronavírus para o Brasil e que nenhum deles apresentou ainda um pedido para liberação do imunizante”, disse ele à récua de apoiadores. "Botei hoje nas mídias sociais que eu falei que não estava preocupado com pressão. Falei mesmo, porque nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo. A imprensa desceu o cacete em mim. Agora, se eu vou na Anvisa, que é um órgão de Estado 'corre aí, não sei o que lá', eu estou interferindo."

Em resposta a essas estapafúrdias declarações, a Pfizer informou que a Anvisa pediu uma série de "análises específicas" para liberação emergencial da vacina no Brasil, e que, por enquanto, seguirá com o pedido por outro formato, o de submissão contínua. De acordo com a farmacêutica, a nota também é uma demonstração de que a empresa "quer, sim, vender para o Brasil, mas que o processo aqui exige mais tempo". 

Um exemplo dessa demora do procedimento, segundo a Pfizer, é a exigência dessas informações exclusivas sobre este país, enquanto nos demais os dados são analisados na totalidade, sem exigir novos recortes. Já a Anvisa disse que está à disposição dos laboratórios para discutir os requisitos para liberação de vacinas seguras e eficazes para toda a população. A diretoria da agência chamou a Pfizer para uma nova reunião (marcada para ontem, quarta-feira).

Observação: Desde março, a Covid-19 causou quase 200 mil mortes no Brasil. Mas o Sars-CoV-2 não é a única praga — e, quiçá, nem a mais letal — que vitima esta pobre republiqueta de almanaque. Outro patógeno dissemina negativismo, ignorância e desfaçatez, enquanto se serve da estrutura do Estado em benefício próprio e dos seus apaniguados. Embora o remédio para essa virose exista e esteja disponível nas prateleiras do Congresso Nacional, o presidente da Câmara não tira seu avantajado buzanfã de cima do receituário, impedindo a medicação do paciente e a consequente erradicação do mal. Praga semelhante vitimou os Estados Unidos, mas lá o imunizante já foi ministrado e o paciente deve receber alta daqui a 20 dias. Aqui pelas nossas bandas... enfim, não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine. Vai passar.

Dezenas de países já começaram suas campanhas de vacinação — 25 dos 27 da União Europeia, além dos Estados Unidos, China, Canadá, Rússia, Bélgica, Luxemburgo e Letônia, entre outros. O Brasil, apesar de ter comprado a vacina desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (e com produção nacional da Fundação Oswaldo Cruz), ainda não conseguiu aprovar o produto e iniciar a imunização. 

O boletim mais recente da Anvisa aponta que tanto a Pfizer quanto a AstraZeneca entregaram os resultados parciais dos estudos de fase 3 (última etapa) em 5 e 22 de dezembro, respectivamente. Nenhuma das duas — nem qualquer outro laboratório — pediu ainda a liberação de uso emergencial, o que, segundo a agência, pode ser feito com os resultados da terceira fase de testes (Pfizer e AstraZeneca, portanto, já podem fazer o pedido). Por trás desse imbróglio monumental está a rivalidade política do capitão-tinhoso com o governador de São Paulo (que possivelmente o enfrentará na eleição de 2022). Bolsonaro chegou mesmo a celebrar decisão da Anvisa de interromper os testes da CoronaVac após a morte de um voluntário — a suspensão foi revertida dois dias depois, já que o dito-cujo se suicidou. 

Mesmo assim, o capitão-trevoso postou nas redes sociais: "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a tomar. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha". Repare que, a exemplo de Pelé, o capitão-ególatra se refere a si mesmo na terceira pessoa.

Depois que o governo de São Paulo e o Instituto Butantan anunciaram que a CoronaVac superou o índice mínimo de eficácia exigido pelas agências regulatórias, mas não informaram o percentual exato de eficácia do imunizante nem os demais dados do estudo final (devido, até onde se sabe, a uma cláusula que confere à SinoVac o direito de consolidação da base de dados e divulgação de resultados de eficácia e segurança), Bolsonaro levantou dúvidas sobre a eficácia da “vacina chinesa do Doria”. 

Em transmissão ao vivo nas redes sociais na quinta-feira, 24, o capitão-parlapatão alardeou: “A eficácia daquela vacina em São Paulo parece que está lá embaixo, né?”, disse Bolsonaro. “Não vou divulgar o percentual aqui, porque se eu errar 0,001% eu vou apanhar da mídia, mas parece que o percentual tá lá embaixo levando-se em consideração a outra.” E reforçou mais uma vez que, "se houver efeito colateral, as pessoas precisam ir pra cima de um governador que queira obrigar a aplicação", numa clara referência a João Doria.

Dimas Covas, diretor do Butantan, informou que a SinoVac solicitou ao instituto que não divulgasse os dados sobre a eficácia, porque eles precisam analisar os casos e demonstrar os resultados à agência sanitária reguladora da China. Mas disse acreditar que a data será, inclusive, adiantada. Na mesma linha, o secretário de estado de Saúde, Jean Gorinchteyn, confirmou que o planejamento para a vacina continua: “nós iniciaremos nosso programa de imunização estadual no dia 25 de janeiro. Apesar dessa não revelação de dados específicos sobre o grau de eficácia, nós alcançamos o nível exigido, o que nos dá tranquilidade".

Observação: A comunidade científica acredita que o calendário de vacinação proposto pelo governo de São Paulo, com início em 25 de janeiro, talvez precise ser revisto. Como a divulgação dos resultados da fase 3 da vacina foram postergados por 15 dias, pode não haver tempo hábil para providenciar o registro na Anvisa e começar a imunização em janeiro. Além disso, é preciso que antes a China registre a vacina.

Boas entradas a todos, e que Deus nos ajude.