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quarta-feira, 28 de junho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 3

 

AtualizaçãoO julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível será retomado amanhã. Ontem, o ministro Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente e pela absolvição de Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa, por “não ter sido demonstrada sua responsabilidade” na acusação. Amanhã devem votar os ministros Raul AraújoFloriano de Azevedo MarquesAndré Ramos TavaresCármen LúciaNunes Marques e Alexandre de Moraes.

Nunca saberemos se Pedro Collor se insurgiu contra o irmão porque PC Farias pretendia lançar a Tribuna de Alagoas (que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor) ou por ele ter "dado em cima" de sua mulher, Thereza, como consta do livro "Passando a Limpo — A Trajetória de um Farsante". Vale destacar que essa versão é contestada pela ex-primeira-dama, segundo a qual a ex-cunhada não "fazia o tipo" de seu marido; ele é que "fazia o tipo" dela. 
 
Observação: No livro Tudo o que eu vivi, Rosane Malta (como passou a assinar após o divórcio) trás a lume intrigas familiares, rituais macabros realizados na Casa da Dinda (inclusive com fetos humanos), a morte de PC Farias e o destino do dinheiro do esquema de corrupção. Consta que tinha planos de entrar para a política, mas deu com os burros n'água. Em 2020, o portal Extra publicou que ela estava vivendo um affair com o advogado que a estava ajudando a receber pensões alimentícias atrasadas

 

Em entrevista à Veja em maio de 1992, Pedro revelou que PC era o testa-de-ferro do presidente em um esquema de cobrança de propinas e arrecadação ilegal de recursos — que, como se descobriu mais adiante, chegou a movimentar US$ 1 bilhão entre propinas pagas por empresários e dinheiro desviado dos cofres públicos. 

A CPI instalada para apurar as denúncias confirmou que o ex-tesoureiro e fiel escudeiro do presidente agia em todos os níveis do governo, e que despesas pessoais do primeiro-casal eram pagas com cheques de contas fantasmas.
 
O caldo entornou quando veio à tona que o prosaico Fiat Elba dirigido por Eriberto França, motorista da então secretária particular do presidente, foram pago com cheque de uma das contas fantasmas. O depoimento de Eriberto revelou também que Ana Acioli (a tal secretária) e o próprio PC sacaram dinheiro de suas contas às vésperas do confisco imposto pelo Plano Collor. 
 
A defesa alegou que os recursos para pagamento das contas pessoais do primeiro-casal provinham de um empréstimo tomado no Uruguai para financiar a campanha do presidente, mas a CPI não engoliu essa versão e, após 85 dias de trabalho, a despeito de todos os esforços envidados pela tropa de choque comandada por Roberto Jefferson, aprovou (por 16 votos a 5) o relatório final do senador Amir Lando.
 
Collor foi afastado em 29 de setembro e cassado três meses depois. Nesse meio tempo, o helicóptero que levava Ulysses Guimarães e sua mulher, dona Mora, de São Paulo (SP) para Angra dos Reis (RJ) caiu no mar (os corpos jamais foram encontrados). De acordo com o livro de Rosane, essa foi a primeira manifestação do que ficou conhecido como "a maldição do impeachment" — uma série de mortes estranhas e trágicas de pessoas ligadas a Collor ou a seu afastamento da presidência.
 
Observação: Também segundo o livro, Mãe Cecília era frequentadora assídua do Alvorada, onde recebia as entidades que falavam com o presidente. Anos depois, em uma entrevista, a mãe de santo revelou que, aos poucos, os santos foram se acostumando com o bom e o melhor — só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão de fumar charuto cubano. Collor bancava tudo isso, para que os trabalhos espirituais tivessem efeito.
 
Collor assumiu a presidência com 71% de aprovação e deixou o Planalto com 9%. Não conseguiu reaver seus direitos políticos, mas o STF arquivou o processo contra ele e PC por corrupção passiva. Depois das mortes do irmão e da mãe, ele se mudou para uma casa de frente para o mar em Miami, onde se autoexilou até 1998. Nesse meio tempo, PC Farias e a namorada, Susana Marcolino foram encontrados mortos, com um tiro no peito de cada um (embora a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu nada "porque era época de festas juninas"). Após retornar ao Brasil, filiou-se ao PRTB e lançou sua candidatura à prefeitura de São Paulo, mas foi impugnado. Em 2000, foi denunciado por peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica, mas o STF só julgou o processo em 2014, quando os crimes de corrupção passiva e de falsidade ideológica já estavam prescritos. 

De volta a Alagoas, ele disputou o governo estadual em 2002, mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, voltou a disputar governo em 2010 (e foi eliminado no primeiro turno), renovou o mandato de senador em 2014, ameaçou concorrer à Presidência em 2018 (mas desistiu), lançou-se novamente candidato ao governo (e desistiu às vésperas do primeiro turno) e voltou à carga em 2022 (com o apoio Bolsonaro), mas terminou em terceiro lugar.

Collor entrou para o rol de investigados da Lava-Jato em 2015 e se tornou réu em 2017. Agora, 30 anos depois de seu impeachment, foi finalmente condenado pelo STF. A PGR pediu 22 anos prisão, mas a pena ficou em 8 anos e 10 meses (o crime de associação criminosa prescreveu, já que o réu tem 73 anos, e os prazos prescricionais correm pela metade para os septuagenários). Demais disso, terá de devolver R$ 20 milhões aos cofres públicos (em divisão solidária com outros dois condenados), pagar 90 dias-multa — cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos da época dos crimes, corrigidos pela inflação —, e ficará inabilitado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 


Collor ainda não for preso porque cabem recursos (meramente procrastinatórios) ao próprio STF. Quanto às acomodações em que desfrutará suas férias compulsórias, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de cela especial para determinadas autoridades, mas somente em caso de prisão provisória. O réu em tela foi prefeito (biônico), deputado, governador, presidente da República e senador, mas tudo isso é passado. Pela letra fria da lei, ele deveria cumprir a pena em uma cela comum. Mas a lei... ora, a lei. 

 

ObservaçãoEm tese, o Rei-Sol (ou Réu-Sol) não terá direito a prisão domiciliar, já que essa regalia não é prevista em condenações a regime fechado. Mas não se espante se, a exemplo de Maluf e outros picaretas, ele alegar que está "debilitado por motivo de doença grave" e algum togado caridoso lhe conceder um "habeas corpus por motivos humanitários" (como fez Toffoli no caso de Maluf).


Triste Brasil!

segunda-feira, 25 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (QUINTA PARTE)

 

Antes de exibir o 5º capítulo da novela em exibição, proponho uma reflexão: No último domingo, o PL oficializou Bolsonaro como candidato à reeleição e Braga Netto, a vice. Em discurso, o sociopata conclamou apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no 7 de Setembro: "Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de Setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse, aos gritos de "mito". Em seguida, voltou a atacar os supremos togados: "Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Isso interessa a todos nós.

Deu pra entender ou preciso desenhar?


É desnecessário detalhar os 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto, mas não custa lembrar que Lula figurou como réu em duas dezenas de processos e foi condenado pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá. A despeito dos mais de 400 recursos apresentados pela defesa, a sentença foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ — onde a condenação transitou em julgado. 


Na época, a jurisprudência cristalizada no STF era de que réus condenados por um juízo colegiado recorressem presos aos tribunais superiores, já que o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, onde também se esgota a presunção de inocência. Da feita que o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado era considerado admissível pelos togados.

 

A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu no Brasil entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. A Constituição de 1988 completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência perdurasse até o trânsito em julgado (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem apreciados). Como há quatro instâncias em nosso Judiciário e cada uma oferece um vastíssimo cardápio de apelações possíveis, manter essa premissa é permitir que criminosos que têm cacife para bancar chicaneiros estrelados jamais vejam o sol nascer quadrado


Lá pela virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o sentenciado precisa iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando a Lava-Jato começou a mandar para a prisão criminosos de colarinho branco, o então ministro Eros Grau (que foi indicado por Lula para o STF) defendeu o retorno do status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. Em 2016, por 6 votos a 5, a corte restabeleceu o entendimento anterior. Dois anos depois, Graus, já aposentado, disse em entrevista que se arrependeu do que fez, e que seria melhor os criminosos irem presos após a condenação em primeira instância. 

 

Vale destacar que o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população. O problema é que os ventos mudaram e os guardiães da nossa Constituição, capitaneados pelo semideus togado Gilmar Mendes, mudaram de opinião. 


Curiosamente, esse eminente magistrado (que, juntamente com a PEC da Reeleição, faz parte da verdadeira herança maldita de FHC) era um dos grandes defensores da prisão em segunda instância. Ao fundamentar seu voto em 2016, ele afirmou que mudar as regras estabelecidas em 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau", argumentou o eminente jurista mato-grossense. "Uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)". Sete meses depois, sua excelência virou a casaca e passou a deferir todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíam no colo. 

 

Quantas vezes alguém precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Caso haja um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. E ponto final. 


Observação: A defesa de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos (mesmo assim, o turco lalau foi mandado para casa pelo ministro Dias Toffoli, que lhe concedeu de ofício um "habeas corpus humanitário". 

 

Em 2019, por 6 votos a 5, o STF sepultou a prisão em segunda instância. A jurisprudência que já vinha capengando desde 2016 voltou a ser a de que o cumprimento da pena só começa depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Após desempatar o placar, Dias Toffoli, então presidente da corte, disse que "não se oporia" se o Congresso alterasse o artigo 283 do CPP para definir de uma vez por todas em que momento a prisão dos condenados deve ocorrer.


Nunca é demais lembrar que Toffoli, mesmo tendo sido reprovado em dois concursos para magistratura, foi guindado ao STF em retribuição aos serviços prestados a Lula e ao PT. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido nem os referenciais do padrinho, o novato foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — e de quem o Maquiavel de Marília, já consolidado no novo habitat, absorveu a arrogância, a grosseria, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível

 

Vários projetos de lei e de emenda constitucional com vistas ao restabelecimento da a prisão em segunda instância pipocaram na sequência da decisão do STF, mas a pandemia fez com que o ano de 2020 terminasse com tudo do jeito como começou. No começo de 2021, o Executivo enviou ao Congresso uma relação de 35 assuntos que gostaria de ver aprovados, mas o tema em questão não estava entre eles — e nem Arthur Lira nem Rodrigo Pacheco usaram-no como forma de angariar votos nas disputas que os levaram a presidir a Câmara e o Senado

 

Continua...

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VII)

O ex-ministro Sepúlveda Pertence definiu o STF como um arquipélago de 11 ilhas incomunicáveis, mas talvez fosse melhor dizer um conjunto de onze estados soberanos, onde cada qual declara guerra contra nações inimigas, negocia alianças diplomáticas e estabelece uma política interna própria, sem mencionar que cada ministro parece ter “uma Constituição para chamar de sua”. 

Num colegiado, sempre houve e haverá maiorias vencedoras e minorias vencidas. O problema é o colegiado funcionar na base da “lei de murici” — ou do “defenda os seus que eu defendo os meus”.

Felipe Recondo, autor de Tanques e Togas e Os Onze, diz que o Supremo precisa de uma espécie de Paz de Vestfália. Mas seria igualmente necessário repensar a forma como seus membros são escolhidos.

Para ter os ombros recobertos pela suprema toga, segundo o artigo 101 da Constituição, o indicado pelo Presidente precisa ter entre 35 e 65 anos de idade, notável saber jurídico, reputação ilibada e a indicação aprovada pela CCJ do Senado e chancelada pelo plenário da Casa. Portanto, não é preciso ser juiz de direito, advogado inscrito na OAB ou mesmo bacharel em Ciências Jurídicas. 

Para cair nas graças do mandatário de turno é preciso tomar muita tubaína com ele (caso de Nunes Marques) ou ser terrivelmente evangélico (caso de André Mendonça). Infelizmente para Augusto Aras, ser terrivelmente puxa-saco não basta. 

Quanto à aprovação pelo Senado, nada que o périplo do “beija-mão” não resolva. A sabatina é um jogo de comadres — em 132 anos de república, as poucas rejeições ocorreram em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto, sendo o caso de Cândido Barata Ribeiro o mais emblemático (Floriano indicou outros onze nomes para o STF e o Senado rejeitou quatro).

Atualmente, Gilmar Mendes é o único ministro que não foi indicado por Lula ou por Dilma (noves fora os apadrinhados de Bolsonaro). Juntamente com a abjeta PEC da Reeleição, o semideus togado encarna a verdadeira herança maldita deixada pelo governo de Fernando Henrique.  

Defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco quando os investigados eram Lula e os petralhas, Gilmar — a quem Augusto Nunes apelidou de Maritaca de Diamantino — passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba. Aliás, foi ele quem botou água no chope de Lula quando Dilma nomeou o petralha ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado).

Em 2016, ao fundamentar seu voto (sobre a prisão em segunda instância), Gilmar anotou: Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...”. Em 2017, porém, passou a começou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes! — o chefe da máfia dos ônibus no Rio Jacó Barata Filho. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o supremo laxante não se deu por impedido de julgar o caso: “O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado, disse ele, “não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes”.

Em 2019, quando a prisão em segunda instância voltou à suprema pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo Lewandowski, Celso de MelloMarco Aurélio e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmarera favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos nas 4 instâncias do Judiciário, e assim conseguem empurrar seus processos com a barriga até que a prescrição (ou sua morte, o que ocorrer primeiro) impeça a punição.

ObservaçãoA defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois que seu processo tramitou por quase duas décadas — mas bastaram alguns meses para o turco lalau ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício por Dias Toffoli.

A pergunta que se coloca é: quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes; se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final. Obviamente, isso não significa que os réus sejam impedidos de apelar aos tribunais superiores, mas apenas que não recorram em liberdade, sob pena de vir a ser presos no dia de São Nunca.

Defender o princípio constitucional da presunção da inocência sem compactuar com a impunidade  exige uma dose cavalar de hermenêutica (interpretação que os juristas fazem da lei para além de sua letra fria). Vale destacar que: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. 

Não faltam argumentos abalizados contra e a favor da prisão em segunda instância, mas é preciso levar em conta o “standard de prova” — regra de decisão que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada (para informações mais detalhadas, clique aqui).

standard é preenchido quando o grau de confirmação alcança o padrão exigido entre os quatro níveis possíveis: 1) prova clara e convincente; 2) prova mais provável que sua negação; 3) preponderância da prova; 4) prova além da dúvida razoável — sendo este último o mais exigente e, portanto, utilizado na sentença penal. 

Uma vez que a exigência probatória é menor para receber uma acusação ou decretar uma medida cautelar do que para proferir uma sentença condenatória, é perfeitamente sustentável um rebaixamento do standard probatório conforme a fase procedimental. É por isso que o CPP fala em indícios razoáveis, indícios suficientes etc. para decisões interlocutórias com menor exigência probatória.

A “prisão em quarta instância” é uma jabuticaba brasileira que destoa completamente da prática de vários países desenvolvidos, onde criminosos saem algemados do tribunal onde são condenados em primeira instância, e nem por isso se considera que haja qualquer violação do direito de defesa ou do devido processo legal. Aqui, como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, todo o rigor da lei".

A análise da culpabilidade do réu termina na segunda instância — os tribunais superiores verificam apenas questões processuais, tanto que eles não podem inocentar ninguém; cabe-lhes, no máximo, determinar o reinício do processo quando e se encontram alguma irregularidade. 

Como bem disse o desembargador Abel Gomes, ao fundamentar seu voto pela rejeição do habeas corpus de Michel Temer"se tem rabo de jacaré, couro de jacaré e boca de jacaré, então não pode ser um coelho branco".

Meliantes que conseguem dominar o labirinto de ações e recursos adiam ao máximo o trânsito em julgado de suas sentenças. Sabedora de que o dia em que terá de ir para a cadeia está distante ou jamais virá, essa caterva se sente estimulada a seguir delinquindo em vez de cooperar com as autoridades. A leniência com o crime destrói o tecido social de um país, e constitui uma mazela que merece tanta atenção quanto problemas socioeconômicos, como o desemprego. 

Continua...

domingo, 6 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VI)

TSE é historicamente condescendente com crimes eleitorais e vem postergando indefinidamente suas decisões, talvez por não ter estrutura nem disposição para atuar com a celeridade desejável. Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que à época presidia a Corte Eleitoral, foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto de minerva que livrou a pele do então presidente por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim.

Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), o magistrado se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidadeAliás, depois de um dos memoráveis bate-bocas com o semideus togado, o ministro Barroso disse à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

Indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHCGilmar Mendes é a prova provada de que o grão-duque tucano deixou pelo menos duas heranças malditas (a outra foi a PEC da reeleição). Ele era defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco enquanto os investigados eram Lula e políticos do PT. Foi ele, aliás, quem botou água no chope do ex-presidente quando Dilma o nomeou ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado). Mais adiante, porém, passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba.

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instância, Gilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, porém, passou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Também em 2017, Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes — o empresário Jacó Barata Filho, tido como chefe da máfia dos ônibus no Rio. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o magistrado não se deu por impedido de julgar o caso: "O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes".

Em 2019, quando a questão prisão em segunda instância voltou à pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo LewandowskiCelso de MelloMarco Aurélio Mello e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos que lhes permite empurrar os processos com a barriga até que a prescrição impeça a punição ou até baterem as botas, o que ocorrer primeiro.

A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de seu processo tramitar por quase duas décadas, mas bastaram alguns meses para ele ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício de Dias Toffoli.

Por outro lado, são falsas as acusações veiculadas em redes sociais de que Gilmar Mendes jamais advogou, que bombou em concursos públicos e que foi alçado ao STF sem passar pelo crivo do Senado (crivo esse que é eminentemente protocolar, como vimos no post do dia 4, as únicas reprovações ocorreram há mais de um século, durante o governo de Floriano Peixoto).

O atual decano do STF graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde iniciou o mestrado em Direito e Estado que concluiu na Alemanha (pena não ter ficado por lá). Também foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995). Sobre a sabatina na CCJ do Senado, ela realmente foi adiada, mas acabou acontecendo e o indicado, aprovado por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o ministro Dias Toffoli, que foi nomeado para o STF graças aos “bons serviços prestados a Lula e ao PT”. Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e Advogado Geral da União. 

Abrilhantam também o invejável currículo de Toffoli o fato de ele não ter despido a farda de militante petista quando vestiu a suprema toga e ter ido buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — ou, como bem o definiu J.R. Guzzo, “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país” —, de quem Toffoli absorveu a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível e outros hábitos pouco elogiáveis.

Em 2019, a Receita Federal investigou a Faculdade da qual Mendes é sócio fundador e os honorários advocatícios de Guiomar Feitosa Mendes, esposa do ministro-deus (há também suspeitas de suposto favorecimento no julgamento de processos no STF, mas isso é outra conversa). A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. 

Segundo matéria publicada na revista Época, a luxuosa vivenda do casal Mendes, que fica no Setor de Mansões à beira do Lago Paranoá, poderia se passar por um clube — a julgar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão — ou por uma fazenda urbana — com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei (dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Gilmar disse ser alvo de ataques desde que chegou ao STF e atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Época discorreu sobre inúmeros casos em que ele atuou como “voz contrária a interesses diversos” (nas palavras do próprio). Sobre a esposa do ministro, a matéria menciona apenas que ela disse nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação era um absurdo.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher. Depois que a revista Veja trouxe o assunto a conhecimento público, Gilmar cobrou providências do presidente do STF para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. 

Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Ave, César!

Continua...