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segunda-feira, 2 de abril de 2018

AINDA SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA (CONCLUSÃO)



A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe da repressão e notório torturador, que estava para ir a júri popular. Por conta disso, os militares pressionaram o Congresso para aprovar a lei 5.941, que estabeleceu a possibilidade de condenados na primeira instância apelarem em liberdade. Em 1988, nossa famigerada “Constituição Cidadã” completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência valesse até o trânsito em julgado da sentença (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem julgados).

Observação: Segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII). Esse é o fundamento do princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade).

A presunção de inocência é elogiável, não resta dúvida. Mas, considerando as peculiaridades da Justiça brasileira ― sobretudo a existência de 4 instâncias, um sem-número de apelações possíveis e a notória morosidade do Judiciário ―, sua observância literal “oficializa” a impunidade, notadamente para réus endinheirados, que podem pagar os melhores criminalistas e aguardar em liberdade até que a prescrição impeça o Estado de puni-los (saiba mais sobre prescrição, decadência, preclusão e perempção na postagem anterior).

Na virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, era preciso iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, todavia, quando as investigações do escândalo do mensalão ameaçavam mandar para a prisão bandidos de colarinho branco poderosos, o então ministro Eros Grau (indicado por Lula para o Supremo) defendeu a volta ao status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. 

Observação: Ao longo de seus dois mandatos à frente da presidência da Banânia, Lula indicou para o STF os ministros Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Da composição atual, apenas o decano Celso de Mello (indicado por Sarney), Marco Aurélio Mello (indicado pelo primo Fernando Collor), Gilmar Mendes (por FHC) e Alexandre de Moraes (por Michel Temer) não foram guindados à corte pelo demiurgo de Garanhuns ou por sua deplorável sucessora.

Em 2016, com Eros Grau já aposentado, o Supremo restabeleceu (por 6 votos a 5) o entendimento vigente até 2009 ― ou seja, de que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência. Hoje, conforme registrou Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna no GLOBO, o ex-ministro se arrepende do que fez: "Neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí", disse Grau ao jornalista.

Agora, quando chega a vez de Lula, o STF volta a se articular para restabelecer a norma vigente entre 2009 e 2016. Mas não é só por Lula, claro; a mudança livraria muita gente da cadeia e impediria que outros tantos fossem presos ― dentre os quais o presidente Temer, ministros e parlamentares hoje protegidos pelo foro privilegiado, mas que perderão o benefício ao final de seus mandatos.

É importante ter em mente que os recursos ao STJ e STF (especial e extraordinário, respectivamente) não se prestam ao reexame de provas, mas sim a questionar matéria de direito ― como eventual descumprimento de preceitos legais/constitucionais. Portanto, salvo melhor juízo, a presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau.

Em artigo publicado na Folha em fevereiro passado, Luís Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti, do STJ, ponderaram que um estudo considerando quase 69 mil decisões do STJ ― monocráticas e de colegiado ― ao longo de dois anos derruba o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena é de apenas 1,64%; portanto, seria “ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e, em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem transgride as leis penais”.

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quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

QUEM CONDENA CRIMINOSOS É A JUSTIÇA, NÃO AS URNAS



Depois que o TRF-4 confirmou a condenação de Lula, virtuais candidatos à presidência ― entre os quais Geraldo Alckmin e o improvável Michel Temer ― vêm dizendo que seria melhor que o demiurgo de Garanhuns fosse derrotado nas urnas, mas só o fazem porque estão de olho nos votos de parte dos seguidores da Seita do Inferno, que insistem na tresloucada teoria de perseguições, conspirações, golpes e asneiras que tais. Alguém deveria avisar a esses senhores que a prerrogativa de condenar e absolver réus em ações criminais é da Justiça, não das urnas, mesmo que o réu seja um ex-presidente da República e figure em primeiro lugar nas pesquisas de opinião pública sobre a sucessão presidencial (como eu costumo dizer, a cada segundo nasce um idiota neste mundo, e os que nascem no Brasil já veem com título de eleitor).

Uma vez condenado por um colegiado, Lula se tornou inelegível à luz da lei da Ficha-Limpa (volto a esse assunto oportunamente). E ainda que o entendimento do STF quanto ao cumprimento da pena após condenação em segunda instância não seja unânime ― a questão foi levada três vezes a plenário e o placar de 6 votos a 5 ainda pode mudar ―, a prisão do demiurgo de Garanhuns poderá ser decretada assim que o TRF-4 julgar os embargos declaratórios (recurso que não tem o condão de reverter a condenação), já que, após ratificarem a condenação, os três desembargadores da 8.ª Turma determinaram que a execução provisória da pena seja iniciada tão logo esgotada a jurisdição daquele Tribunal.

Observação: A defesa de Lula impetrou um habeas corpus preventivo no STJ, visando afastar a determinação da execução provisória da pena, mas, no início da noite de ontem, o ministro Humberto Martins, presidente em exercício daquela Corte, negou o pedido.

Na noite da última segunda-feira, durante um jantar promovido pelo site Poder360, a ministra Cármen Lúcia afirmou que “usar a situação do ex-presidente Lula para rever a decisão sobre o início da prisão dos condenados em segunda instância seria apequenar muito o Supremo”. Disse ela que o tema nem sequer foi discutido com outros ministros da Corte, que não há previsão para um novo julgamento e que é improvável que o Supremo reverta o entendimento atual de que condenados em segunda instância ficam automaticamente impedidos de concorrer a cargos públicos, independentemente de entrarem com recursos em tribunais superiores.

Com efeito, a imagem do STF ficaria profundamente arranhada se o entendimento vigente fosse modificado neste momento, pois deixaria nítido o favorecimento ao ex-presidente petralha. Se realmente for necessário reabrir os debates, que isso seja feito mais adiante, preferencialmente depois das as eleições, quando o cenário político já não estiver tão conturbado. Mesmo assim, o decano Celso de Mello tem puxado uma corrente de decisões monocráticas que de certa forma visam regulamentar o entendimento do Plenário, e os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski vêm concedendo liminares para afastar a execução antecipada da pena, a pretexto de entendê-la inconstitucional. Vejamos isso melhor.

Segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII). Esse é o fundamento do princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade). Até fevereiro de 2009, o STF entendia que a interposição de recurso especial (ao STJ) ou de recurso extraordinário (ao STF) não impediria a execução provisória da pena de prisão, não havendo, portando, violação ao princípio da presunção de inocência, até porque os recursos especial e extraordinário não possuem efeito suspensivo. A título de ilustração, transcrevo abaixo trecho de uma decisão da 2.ª Turma do Supremo:

“(…) IV – O recurso especial e o recurso extraordinário, que não têm efeito suspensivo, não impedem a execução provisória da pena de prisão. Regra contida no art. 27, § 2º, da Lei 8.038/90, que não fere o princípio da presunção de inocência. Precedentes. V. – Precedentes do STF (…)”. (STF, Segunda Turma, AI-AgR 539291/RS, Rel. Min. Carlos Velloso, j. em 04.10.2005, DJ de 11.11.2005).

Mais adiante, em sessão plenária realizada em 2009, o STF alterou, por maioria, sua jurisprudência, passando a entender que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado exercesse o direito de recorrer em liberdade. Com isso, prevaleceu o entendimento segundo o qual a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Em 2016, todavia, o STF resgatou o entendimento que vinha adotando até fevereiro de 2009, ou seja, de que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência (essa mudança na jurisprudência ocorreu no julgamento do HC 126.292, da relatoria do ministro Teori Zavascki).

De acordo com essa diretriz interpretativa, “a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena”. Aliás, Zavascki salientou em seu voto que se deve presumir a inocência do réu até que a sentença penal condenatória seja confirmada em segundo grau, a partir de quando exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau ― ao STJ ou STF ― não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. Além disso, citou a ministra Ellen Gracie, que, no julgamento do HC 85886, sentenciou: “em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

Resumo da ópera: 1) A presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau; 2) Os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

Convenhamos que não faltam argumentos abalizados contra e a favor do cumprimento da pena após condenação em 2.ª instância. Por outro lado, seria calamitoso modificar o entendimento atual, considerando que vivemos num país onde os poderosos (economicamente falando) são useiros e vezeiros em se valer da vasta gama de recursos oferecidos pelas quatro instâncias do Judiciário para evitar a prisão até que a prescrição impeça a execução da pena (vejam, por exemplo, o caso de Paulo Maluf, ou de Luiz Estevão, que ingressou com nada menos que 120 recursos até ser preso).

Na avaliação do juiz Sérgio Moro, a decisão do Supremo (de 2016) fechou uma janela para a impunidade. A pergunta é: a quem interessa reabri-la?

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segunda-feira, 25 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (QUINTA PARTE)

 

Antes de exibir o 5º capítulo da novela em exibição, proponho uma reflexão: No último domingo, o PL oficializou Bolsonaro como candidato à reeleição e Braga Netto, a vice. Em discurso, o sociopata conclamou apoiadores a irem às ruas "uma última vez" no 7 de Setembro: "Convoco todos vocês agora para que todo mundo, no 7 de Setembro, vá às ruas pela última vez. Vamos às ruas pela última vez", disse, aos gritos de "mito". Em seguida, voltou a atacar os supremos togados: "Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Têm que entender que quem faz as leis é o Poder Executivo e o Legislativo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição. Isso interessa a todos nós.

Deu pra entender ou preciso desenhar?


É desnecessário detalhar os 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto, mas não custa lembrar que Lula figurou como réu em duas dezenas de processos e foi condenado pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex no Guarujá. A despeito dos mais de 400 recursos apresentados pela defesa, a sentença foi confirmada pelo TRF-4 e pelo STJ — onde a condenação transitou em julgado. 


Na época, a jurisprudência cristalizada no STF era de que réus condenados por um juízo colegiado recorressem presos aos tribunais superiores, já que o reexame de matéria fática se encerra na segunda instância, onde também se esgota a presunção de inocência. Da feita que o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado era considerado admissível pelos togados.

 

A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu no Brasil entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o chefe da repressão e torturador Sérgio Paranhos Fleury. A Constituição de 1988 completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência perdurasse até o trânsito em julgado (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem apreciados). Como há quatro instâncias em nosso Judiciário e cada uma oferece um vastíssimo cardápio de apelações possíveis, manter essa premissa é permitir que criminosos que têm cacife para bancar chicaneiros estrelados jamais vejam o sol nascer quadrado


Lá pela virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, o sentenciado precisa iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, quando a Lava-Jato começou a mandar para a prisão criminosos de colarinho branco, o então ministro Eros Grau (que foi indicado por Lula para o STF) defendeu o retorno do status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. Em 2016, por 6 votos a 5, a corte restabeleceu o entendimento anterior. Dois anos depois, Graus, já aposentado, disse em entrevista que se arrependeu do que fez, e que seria melhor os criminosos irem presos após a condenação em primeira instância. 

 

Vale destacar que o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população. O problema é que os ventos mudaram e os guardiães da nossa Constituição, capitaneados pelo semideus togado Gilmar Mendes, mudaram de opinião. 


Curiosamente, esse eminente magistrado (que, juntamente com a PEC da Reeleição, faz parte da verdadeira herança maldita de FHC) era um dos grandes defensores da prisão em segunda instância. Ao fundamentar seu voto em 2016, ele afirmou que mudar as regras estabelecidas em 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau", argumentou o eminente jurista mato-grossense. "Uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)". Sete meses depois, sua excelência virou a casaca e passou a deferir todos os pedidos de habeas corpus que lhe caíam no colo. 

 

Quantas vezes alguém precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade? Duas, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes. Caso haja um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro. E ponto final. 


Observação: A defesa de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos (mesmo assim, o turco lalau foi mandado para casa pelo ministro Dias Toffoli, que lhe concedeu de ofício um "habeas corpus humanitário". 

 

Em 2019, por 6 votos a 5, o STF sepultou a prisão em segunda instância. A jurisprudência que já vinha capengando desde 2016 voltou a ser a de que o cumprimento da pena só começa depois do trânsito em julgado da sentença condenatória. Após desempatar o placar, Dias Toffoli, então presidente da corte, disse que "não se oporia" se o Congresso alterasse o artigo 283 do CPP para definir de uma vez por todas em que momento a prisão dos condenados deve ocorrer.


Nunca é demais lembrar que Toffoli, mesmo tendo sido reprovado em dois concursos para magistratura, foi guindado ao STF em retribuição aos serviços prestados a Lula e ao PT. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido nem os referenciais do padrinho, o novato foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — e de quem o Maquiavel de Marília, já consolidado no novo habitat, absorveu a arrogância, a grosseria, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível

 

Vários projetos de lei e de emenda constitucional com vistas ao restabelecimento da a prisão em segunda instância pipocaram na sequência da decisão do STF, mas a pandemia fez com que o ano de 2020 terminasse com tudo do jeito como começou. No começo de 2021, o Executivo enviou ao Congresso uma relação de 35 assuntos que gostaria de ver aprovados, mas o tema em questão não estava entre eles — e nem Arthur Lira nem Rodrigo Pacheco usaram-no como forma de angariar votos nas disputas que os levaram a presidir a Câmara e o Senado

 

Continua...

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

O STF E A PRISÃO EM 2ª INSTÂNCIA — AINDA DÁ TEMPO FAZER UMA FEZINHA...


Senado retoma nesta quarta-feira a votação de dois destaques que, caso sejam aprovados, reduzem a economia projetada pela PEC Previdenciária economia em pelo menos R$ 76,5 bilhões em 10 anos, além de suscitar dúvidas quanto à necessidade (ou não) de a reforma retornar à Câmara. O risco de derrota na apreciação do destaque do PT levou o presidente da Casa a suspender a votação que estava em andamento e encerrar a sessão na noite de ontem. Dito isso, passemos à postagem do dia

Fezinha no sentido de aposta, é bom deixar claro. No entanto, se você tem fé, não custa rezar. Ou acender uma vela para seu santo de devoção, jogar flores ao mar para Yemanjá, botar despacho na encruza, enfim... Ouvi alguém dizer certa vez que se macumba ganhasse jogo o campeonato baiano terminava empatado. Em, particularmente, estou com os espanhóis: "No creo en brujas, pero que las hay, las hay". Mas reze, caro leitor. A fé move montanhas. E se não ajudar, atrapalhar é que não vai.

O Supremo, cuja função precípua é a de guardião da Constituição, torna-se verdadeira "curva de rio" (onde se acumula todo o lixo trazido pela correnteza) quando atua como última instância da Justiça criminal. E se a Constituição Cidadã já não é grande coisa (pelos motivos que expus em diversas oportunidades), a atual composição da Suprema Corte é ainda pior (pelo motivos que eu também expus em diversas oportunidades), a começar pelo atual presidente, que levou bomba em dois concursos para Juiz de primeira instância (em 1994 e 1995, ambas as vezes na etapa preliminar, que avalia conhecimentos gerais e noções elementares de Direito do candidato), foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, atuou nas campanhas de Lula à presidência (em 1998, 2002 e 2006), ocupou o cargo de subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da presidência da República, foi promovido a advogado-geral da União e finalmente a ministro do STF (em 2009, na vaga aberta com a morte de Carlos Alberto Menezes Direito).

A vida pregressa de José Antonio Dias Toffoli dificilmente justificaria sua nomeação para a mais alta corte do país, mas no Brasil o Q.I. (de “Quem Indica”) fala mais alto, e estar nas boas graças do grão-petralha fez toda a diferença na época. E assim o nome de Toffoli foi aprovado no Senado, em votação secreta, por 58 votos a favor, 9 contra e 3 abstenções. Nas sabatina de praxe, o então candidato a ministro classificou como “coisa do passado” sua atuação como advogado de Lula e do PT, e afirmou que não tinha mestrado, doutorado, nem escrevera qualquer livro simplesmente porque “optou pela advocacia, que é uma atividade nobre, honrosa, que na Constituição federal como função essencial justiça, defensora das liberdades, da aplicação dos direitos". Vale lembrar que, segundo nossa formidável Carta Magna, não é preciso ser bacharel em Direito para concorrer a uma vaga no Supremo; exige-se do candidato, somente, “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” — vale mencionar que a OAB exclui da lista de indicações para o quinto constitucional advogados reprovados em concursos para a magistratura.

Observação: Mesmo sendo considerado incapaz de assinar uma simples sentença de despejo e a despeito de ter sido condenado a devolver aos cofres públicos cerca de R$ 700 mil recebidos indevidamente, o apadrinhado de Lula se tornou ministro supremo. Mais adiante, ele foi citado na delação Léo Pinheiro por ter sido agraciado com reformas milionárias em sua mansão e acusado de receber mesada de R$ 100 mil de sua mulher, a advogada Roberta Maria Rangel.

Em 2012, durante o julgamento do mensalão, Toffoli não se deu por impedido e tampouco encontrou provas suficientes contra seu ex-chefe José Dirceu — que acabou sendo condenado pela maioria da Corte. Por outro lado, pesa a seu favor o fato de ele ter considerado culpados Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e José Genoíno, ex-presidente do partido. Há quem diga que o ministro deixou a militância petista. Em fevereiro de 2016, quando o Supremo deu aval à prisão em segunda instância, ele foi favorável à tese, mas mudou de posição nos julgamentos seguintes, passando a defender o cumprimento da pena somente após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

No papel de guardião da Constituição, o Supremo tem o poder de definir o alcance do texto da Carta sobre temas que, direta ou indiretamente, afetam a vida de todos os brasileiros. Dada a inoperância do Poder Legislativo (a não ser quando o assunto interessa diretamente ao congressistas), o STF decidiu em 2009 pela impossibilidade se prender alguém antes que os tribunais superiores (leia-se o STJ e o próprio Supremo) analisassem os recursos das defesas. O entendimento vigeu (e fomentou a impunidade) por sete longos anos.

Em fevereiro de 2016, já com a Lava-Jato no encalço de figurões da elite política e econômica do país, um novo entendimento consagrado pelo plenário da Corte tornou possível a prisão do réu logo após sua condenação por um órgão colegiado. A medida teve impacto direto nas investigações. Poderosos de todos os tipos se viram — como nunca antes na história deste país, parafraseando um ex-presidente que conheceu a cadeia justamente após a decisão dos ministros) sob risco de ver o sol nascer quadrado, e muitos passaram a fechar acordos de colaboração premiada como forma de evitar as agruras do cárcere. Pouco mais de três anos após a mudança e já com a Lava-Jato batendo na porta do próprio Judiciário, os nobres magistrados acharam por bem revisitar o tema. Sob a presidência de Dias Toffoli, que em 2016, a exemplo de seu mentor (Gilmar Mendes), era favorável à prisão, mudou de ideia, e agora a corte tende a voltar à posição de 2009.

Feita essa (não tão) breve introdução, passemos ao que interessa, pelo menos a quem quer apostar no resultado do julgamento das ADCs que questionam a constitucionalidade da prisão em segunda instância. Na sessão da semana passada, pouco se ouviu além da mais pura cantilena para dormitar bovinos. Agora, porém, espera-se um debate ferrenho entre as alas garantista e punitivista do tribunal.

Sempre que faz uma fezinha na Loteria Esportiva, o apostador ortodoxo analisa desempenho dos times cujo resultado das partidas definirá o ganhador (ou os ganhadores) da bolada. Claro que o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e não raro a zebrinha morre de rir de quem seguiu a lógica. No caso em tela, porém, prever qual "time" sairá vitoriosos e qual será o placar da partida é um exercício de futurologia, embora possamos nos balizar pela posição que vem sendo adotada pelos togados supremos.

Edson Fachin votou pela prisão após condenação em segunda instância em todos os julgamentos de que participou. “Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias", disse ele em 2016.

Luiz Roberto Barroso também votou todas as vezes pela possibilidade de prisão a partir da condenação em segundo grau, sendo, atualmente, o ministro mais combativo da Corte em defesa da manutenção do status quo. “Não há dúvida de que a interpretação que interdita a prisão anterior ao trânsito em julgado tem representado uma proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. Afinal, um direito penal sério e eficaz constitui instrumento para a garantia desses bens jurídicos tão caros à ordem constitucional de 1988. (…) No momento em que se dá a condenação do réu em segundo grau de jurisdição, estabelecem-se algumas certezas jurídicas: a materialidade do delito, sua autoria e a impossibilidade de rediscussão de fatos e provas (o grifo é meu). Neste cenário, retardar infundadamente a prisão do réu condenado estaria em inerente contraste com a preservação da ordem pública, aqui entendida como a eficácia do direito penal exigida para a proteção da vida, da segurança e da integridade das pessoas e de todos os demais fins que justificam o próprio sistema criminal. Estão em jogo aqui a credibilidade do Judiciário — inevitavelmente abalada com a demora da repreensão eficaz do delito —, sem mencionar os deveres de proteção por parte do Estado e o papel preventivo do direito penal. A afronta à ordem pública torna-se ainda mais patente ao se considerar o já mencionado baixíssimo índice de provimento de recursos extraordinários, inferior a 1,5% (em verdade, inferior a 0,1% se considerarmos apenas as decisões absolutórias), sacrificando os diversos valores aqui invocados em nome de um formalismo estéril. (…) A mudança de entendimento também auxiliará na quebra do paradigma da impunidade. Como já se afirmou, no sistema penal brasileiro, a possibilidade de aguardar o trânsito em julgado do recurso especial e do recurso extraordinário em liberdade para apenas então iniciar a execução da pena tem enfraquecido demasiadamente a tutela dos bens jurídicos resguardados pelo direito penal e a própria confiança da sociedade na Justiça criminal. Ao evitar que a punição penal possa ser retardada por anos e mesmo décadas, restaura-se o sentimento social de eficácia da lei penal. Ainda, iniciando-se a execução da pena desde a decisão condenatória em segundo grau de jurisdição, evita-se que a morosidade processual possa conduzir à prescrição dos delitos. Desse modo, em linha com as legítimas demandas da sociedade por um direito penal sério (ainda que moderado), deve-se buscar privilegiar a interpretação que confira maior — e não menor — efetividade ao sistema processual penal”, argumentou o ministro, também em 2016.

A exemplo do xará e colega retrocidado, Luiz Fux, atual vice-presidente do STF, é favorável à prisão após condenação em segunda instância. “Nos países onde a Justiça é muito célere, até pode-se cogitar do trânsito em julgado (esgotamento de todos os recursos) neste país, mas no Brasil as decisões demoram muito para se solidificar e se tornarem imutáveis. De sorte que eu considero realmente um retrocesso se essa jurisprudência for modificada”, disse ele a jornalistas, antes da sessão plenária da semana passada. “Por outro lado, em todos os países do mundo, a mudança da jurisprudência se dá depois de longos anos, porque a jurisprudência tem de se manter íntegra, estável e coerente — e nós não somos diferentes de ninguém. Estamos adotando um precedente e temos de seguir essa regra. E estamos seguindo países como Estados Unidos, Canadá, França, Alemanha, Portugal, Espanha e demais países do mundo”, completou o magistrado.

Rosa Weber é contra a prisão após condenação em segunda instância, mas, no julgamento de um habeas corpus de Lula, em abril de 2018, decidiu a favor por entender que, naquele momento, era preciso seguir o entendimento do plenário do STF sobre o tema. “Tenho alguma dificuldade na revisão da jurisprudência pela só alteração dos integrantes da corte. Para a sociedade, existe o Poder Judiciário, a instituição, no caso o Supremo Tribunal Federal. Por isso é que, embora louvando, como já disse, e até compartilhando dessas preocupações todas — é emblemático o caso que o eminente Ministro Luís Roberto refere, sob a minha relatoria, revelador do uso abusivo e indevido de recursos, e estamos todos os dias enfrentando essa realidade —, eu, talvez por falta de reflexão maior , não me sinto hoje à vontade para referendar a revisão da jurisprudência proposta (…) Há questões pragmáticas envolvidas, não tenho a menor dúvida, mas penso que o melhor caminho para solucioná-las não passa pela alteração, por esta Corte, de sua compreensão sobre o texto constitucional no aspecto", disse a ministra, também em 2016. E em 2018, no julgamento do habeas corpus de Lula: “Compreendido o tribunal como instituição, a simples mudança de composição não constitui fator suficiente para legitimar a alteração da jurisprudência, como tampouco o são, acresço, razões de natureza pragmática ou conjuntural (…) Colocadas tais premissas teóricas, e forte no que nelas explicitei, destaco que, tendo integrado a corrente minoritária neste plenário quanto ao tema de fundo, passei a adotar, nesta Suprema Corte e no exercício da jurisdição eleitoral, no TSE, a orientação hoje prevalecente, de modo a atender não só o dever de equidade que há de nortear, na minha visão, a prestação jurisdicional — tratar casos semelhantes de modo semelhante —, mas também, como sempre enfatizo, o princípio da colegialidade que, enquanto expressão da exigência de integridade da jurisprudência, é meio de atribuir autoridade e institucionalidade às decisões desta casa."

Cármen Lúcia se recusou terminantemente a pautar o julgamento das ADCs durante os dois anos em que presidiu o Supremo, afirmando que rediscutir novamente o assunto, após um intervalo de tempo tão curto, seria apequenar o tribunal (se é que é possível apequená-lo ainda mais). Fato é que a ministra sempre foi favorável à prisão após decisão em segunda instância: “(...) As consequências eventuais com o trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória haverão de ser tidas e havidas após o trânsito em julgado, mas a condenação que leva ao início de cumprimento de pena não afeta este princípio estabelecido inclusive em documentos internacionais (…) Portanto, naqueles julgamentos anteriores, afirmava que a mim não parecia ruptura ou afronta ao princípio da não culpabilidade penal o início do cumprimento de pena determinado quando já exaurida a fase de provas, que se extingue exatamente após o duplo grau de jurisdição, porque então se discute o direito (…) Portanto, o quadro fático já está posto. Outras questões, claro, haverão de ser asseguradas para os réus. Por isso, Presidente, considerei e concluí, votando vencida naqueles julgados, no sentido de que o que a Constituição determina é a não culpa definitiva antes do trânsito, e não a não condenação, como disse agora o ministro Fux, se em duas instâncias já foi assim considerado, nos termos inclusive das normas internacionais de Direitos Humanos", ponderou a magistrada em 2016 (note que, à época, Ricardo Lewandowski ainda presidia o STF).

Henrique Ricardo Lewandowski foi mais um togado supremo alçado ao cargo pela falta de noção — ou pelo amor as próprios interesses e conveniências — de certo ex-presidente presidiário das dimensões do cargo de ministro da nossa mais alta Corte de Justiça. Atuou como advogado militante de 1974 a 1990. Era amigo da Famiglia Demarchi e ingressou na vida pública com o apoio de Walter Demarchi, que o nomeou para a Secretaria de Assuntos Jurídicos de São Bernardo do Campo (os Demarchi se orgulham de terem sugerido seu nome quando surgiu a vaga no STF, em 2006, com a aposentadoria do ministro Carlos Velloso, e de Lula ter aceitado prontamente a sugestão). Durante o julgamento do mensalão, retribuiu a gentileza do padrinho, atuando mais como defensor dos mensaleiros do que como julgador, e repetiu a dose quando, como presidente do STF, comandou a votação do impeachment de Dilma e, mancomunado com cangaceiro das Alagoas, que à época era presidente do Congresso, fatiou o objeto da votação em dois quesitos, evitando a cassação dos direitos políticos da mulher sapiens inutilis. Também é defensor ferrenho da prisão do dia de S. Nunca, digo, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, e votou nesse sentido em todos os julgamentos de que participou. “Eu vou pedir vênia ao eminente Relator e manter a minha posição, que vem de longa data, no sentido de prestigiar o princípio da presunção de inocência, estampado, com todas as letras, no art. 5º, inciso LVII, da nossa Constituição Federal. (…) Assim como fiz, ao proferir um longo voto no HC 84.078, relatado pelo eminente Ministro Eros Grau, eu quero reafirmar que não consigo, assim como expressou o Ministro Marco Aurélio, ultrapassar a taxatividade desse dispositivo constitucional, que diz que a presunção de inocência se mantém até o trânsito em julgado. Isso é absolutamente taxativo, categórico; não vejo como se possa interpretar esse dispositivo. (…) Em se tratando da liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de ¼ de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo” (2016).

Sobre Gilmar Mendes... ah, o Gilmar... Bastaria reler as postagens anteriores (além desta, que oferece informações mais detalhadas), mas vou dedicar algumas linhas àquele que Augusto Nunes tão bem definiu como Maritaca de Diamantino e o ministro Barroso, como "uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia". Em 2009, o ministro votou contra a prisão após condenação em segunda instância; em 2016, não só votou a favor como foi o maior defensor da tese no STF. Em abril de 2018, mudou novamente de opinião — ou não tem opinião, simplesmente age conforme seus interesse no momento —, e agora defende a ferro e fogo o retorno à jurisprudência anterior. Dado o cinismo dos argumentos desse decisor, prefiro nem transcrever o que ele disse nas últimas sessões.

Se nada mais se pode dizer a favor de Marco Aurélio Mello (detalhes nas postagens anteriores), há que reconhecer sua coerência. Ele sempre foi contrário à prisão em segunda instância e sempre votou nesse sentido em todos os julgamentos dos quais participou. Em dezembro passado, chegou mesmo a assinar uma liminar que determinava a libertação de todos os condenados que aguardavam presos o julgamento de seus recursos às cortes superiores. “Em passado recente, o tribunal assentou a impossibilidade, levando inclusive o STJ a rever jurisprudência pacificada, de ter-se a execução provisória da pena? Porque, no rol principal das garantias constitucionais da Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que ‘ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória’. (…) O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio da autocontenção. Já disse nesta bancada que, quando avançamos, extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa” (2016).

Celso de Mello também é coerente no erro, digo, em sua opinião sobre o tema: em todos os julgamentos de que participou, o decano da Corte sempre votou contra a prisão em segunda instância. “Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como se culpado fosse antes que sobrevenha contra ele condenação penal transitada em julgado, tal como tem advertido o magistério jurisprudencial desta Suprema Corte. (…) Disso resulta, segundo entendo, que a consagração constitucional da presunção de inocência como direito fundamental de qualquer pessoa — independentemente da gravidade ou da hediondez do delito que lhe haja sido imputado — há de viabilizar, sob a perspectiva da liberdade, uma hermenêutica essencialmente emancipatória dos direitos básicos da pessoa humana, cuja prerrogativa de ser sempre considerada inocente, para todos e quaisquer efeitos, deve prevalecer, até o superveniente trânsito em julgado da condenação criminal, como uma cláusula de insuperável bloqueio à imposição prematura de quaisquer medidas que afetem ou restrinjam a esfera jurídica das pessoas em geral. (…) Lamento, senhores ministros, registrar-se, em tema tão caro e sensível às liberdades fundamentais dos cidadãos da República, essa preocupante inflexão hermenêutica, de perfil nitidamente conservador e regressista revelada em julgamento que perigosamente parece desconsiderar que a majestade da Constituição jamais poderá subordinar-se à potestade do estado” (2016).

Alexandre de Moraes é o novato da Corte. Foi secretário estadual de Justiça e de Segurança Pública durante a gestão do governador paulista Geraldo Alckmin. Em maio de 2016, foi nomeado ministro da Justiça pelo Vampiro do Jaburu. Sua trajetória política é recheada de controvérsias — durante a crise penitenciária, por exemplo, declarações atrapalhada e feitas com demora, combinadas com a inabilidade para pôr um ponto final às rebeliões, levaram Temer pensar em demiti-lo do ministério da Justiça, mas, em vez disso, resolveu indicá-lo para a vaga aberta com a morte trágica do ministro Teori Zavascki num acidente aéreo em Parati. Muito se comentou sobre sua suposta ligação com o PCC, de quem Moraes teria sido advogado. Na verdade, ele advogou para a cooperativa de vans Transcooper, acusada de integrar um esquema de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em ao menos 123 processos na área civil. Em sua defesa, o dono da careca mais luzidia do STF alegou que renunciou a todos os processos nos quais advogava quando assumiu a SSP e que ele e seus sócios jamais prestaram serviços à pessoas acusadas de fazerem parte do crime organizado, apenas à pessoa jurídica da cooperativa. Em 2018, Moraes votou a favor da prisão após condenação em segunda instância: “Ignorar a possibilidade de execução provisória de decisão condenatória de segundo grau, escrita e fundamentada, mediante a observância do devido processo legal, ampla defesa e contraditório e com absoluto respeito as exigências básicas decorrentes do princípio da presunção de inocência perante o juízo natural de mérito do Poder Judiciário — que, repita-se, não é o STJ nem o STF — seria atribuir eficácia zero ao princípio da efetiva tutela jurisdicional, em virtude de uma aplicação desproporcional e absoluta do princípio da presunção de inocência. (…) Exigir o trânsito em julgado ou decisão final para iniciar a execução da pena aplicada após a análise de mérito da dupla instância judicial constitucionalmente escolhida como juízo natural criminal seria subverter a lógica de harmonização dos diversos princípios constitucionais penais e processuais penais e negar eficácia aos diversos dispositivos já citados em benefício da aplicação absoluta e desproporcional de um único inciso do artigo 5º, com patente prejuízo ao princípio da tutela judicial efetiva.”

Como se vê, embora nada impeça qualquer dos ministros de rever sua posição, tudo indica que o resultado do julgamento de amanhã está nas mãos de Rosa Weber e Alexandre de Moraes. A sessão extraordinária começa às 9h30, mas o julgamento pode não ser concluído hoje, sem mencionar a possibilidade de algum ministro pedir vista do processo.O Vem Pra Rua mobilizou seguidores nas redes sociais para convencer BarrosoFuxFachin e Cármen Lúcia a pedirem vista e interromper o julgamento.

O STF tem sofrido pressões de todos os lados. A intimidação mais agressiva vem de caminhoneiros bolsonaristas, que gravaram vídeos ameaçando novas paralisações caso Lula seja solto. “Se vocês soltarem tudo que é ladrão, principalmente o maior de todos eles, que é o Lula, vocês vão ver a maior paralisação que este País já teve. E quando os caminhoneiros param, o Brasil para. Fica esperto, Toffoli”, diz um caminhoneiro identificado como “Marcão”. “Já viram caminhão subindo rampa? Vocês querem soltar bandido para benefício próprio de vocês. Chega! Ou vocês trabalham direito ou vão ver o que vai acontecer. Isso não é um recado, não. É uma promessa”, diz outro caminhoneiro.

A ofensiva também chegou aos gabinetes dos ministros, que não param de receber mensagens e ligações para impedir a revisão da atual jurisprudência. Só no gabinete do ministro Luís Roberto Barroso, foram mais de 2 mil telefonemas e 4,5 mil e-mails na semana passada. Na semana passada, o general Eduardo Villas Bôas defendeu no Twitter o “grande esforço para combater a corrupção” e alertou para os riscos de “convulsão social”. No ano passado, um tuíte dele na véspera do julgamento de um habeas corpus de Lula foi interpretado como intimidação. Agora, a nova postagem é vista na Corte como um “gesto isolado”.

A deputada federal Margarete Coelho, coordenadora do grupo de trabalho que analisa os projetos anticrime e anticorrupção na Câmara dos Deputados, rebateu nesta segunda-feira críticas de que os deputados se manifestaram sobre a prisão em 2ª instância ao retirar a prisão após julgamento em segunda instância do pacote enviado à Casa pelo governo federal. Para o grupo, o dispositivo deve ser tratado por meio de PEC. "Nós não decidimos a favor ou não de prisão de segunda instância. O que nós dissemos foi que a prisão de segunda instância tem que ser decidida pela Constituição e nesse momento essa medida já tramita na Câmara Federal". Segundo a deputada, o que precisa agora é a CCJ votar o parecer.

Enfim, alea jacta est. Façam suas apostas.

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

O SUPREMO SUSPENSE E O TEXTO DE J.R. GUZZO QUE A REVISTA VEJA NÃO QUIS PUBLICAR



A FILA ANDA… — O TEXTO DE J.R. GUZZO QUE A REVISTA VEJA NÃO QUIS PUBLICAR

Conforme eu compartilhei em minha página no Facebook, o jornalista J.R. Guzzo — integrante do conselho de administração do grupo Abril e colunista das revistas Exame e Veja —, por quem eu tenho a maior admiração, deixou Veja depois que a revista rejeitou a matéria que ele escreveu para publicar em sua coluna desta semana.

Guzzo e Roberto Pompeu de Toledo se revezavam na página final da Veja, e sua coluna, assim como a de Dora Kramer, é para mim o último bastião e a única razão de continuar lendo a revista, que assino há mais de uma década. Ou assinava, já que resolvi não renovar a assinatura quando sua equipe editorial se aliou à Folha, à BandNews et caterva para divulgar de maneira sensacionalista o material que o site panfletário The Intercept Brasil obteve de criminosos e vem vazando a conta-gotas, a pretexto uma pseudo cruzada moralizadora contra o ex-juiz Sérgio Moro e a Lava-Jato.

Veja sempre foi implacável com os crimes cometidos por Lula e pelo PT, como comprovam dúzias de reportagens de capa publicadas ao longo das últimas décadas, sem mencionar a famosa entrevista com Pedro Collor, em 1992, que foi determinante para o impeachment do ex-caçador de marajás de araque. Agora, a exemplo de certo togado supremo em relação à prisão em segunda instância e de certo presidente desta Banânia em relação a suas promessas de campanha de acabar com a reeleição e de dar carta branca ao ministro da Justiça e Segurança Pública no combate à corrupção, a revista virou a casaca.

Deixo claro que minha decisão nada tem a ver com revanchismo barato nem a descabida pretensão de alinhar o viés editorial do que leio às minhas convicções político-partidárias. Apenas me recuso a continuar prestigiando quem resolveu compactuar com o desserviço que Verdevaldo das Couves vem prestando ao país ao atacar de maneira leviana a maior operação anticrime e anticorrupção da história e denegrir a imagem do ex-juiz e dos procuradores que a simbolizam.

Se é esse o "novo projeto jornalístico de Veja", eu passo. E prevejo um debandar geral de assinantes. Esquerdistas de carteirinha e quem mais bebe as palavras emanadas do site oficial do PT e do igualmente abjeto Brasil 247 de Leonardo Attuch, e da revista Carta Capital de Mino Carta, para ficar nos exemplos mais emblemáticos. Esses certamente não comprarão Veja, pois não tem por que consumi requentada, em segunda-mão, nos pratos sujos do pseudo "jornalismo isento e independente" da moribunda Veja, toda essa merda sectária e fanática e sectária. Aliás, rima com "moribunda" o que se poderia limpar com as páginas daquela que um dia foi melhor revista semanal do Brasil, não fosse o fato se o papel em que ela é impressa não ser absorvente.

Dito isso, transcrevo o texto de Guzzo que Veja se recusou a publicar e, na sequência, a posto a matéria que havia programado para hoje.
   
Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiros de hoje é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrumento à disposição da República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transformado em problema, pois sua função é justamente resolver problemas — o Supremo Tribunal Federal. O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso, conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha.

Aberrações malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação do Corpo de Bombeiros e demais serviços de salvamento. Mas o STF é outro bicho. Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de tremer – não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuarem em ação.

Eles são os onze ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a própria mãe no plenário. Só há uma maneira da população se livrar legalmente deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensação, não podem ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não podem voltar nunca mais. Glória a Deus.

Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas considerações básicas a se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a apavorante “Segunda Turma” do STF — o símbolo, hoje, da maioria de ministros que transformou o Supremo, possivelmente, no pior tribunal superior em funcionamento em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história.

A primeira consideração é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático. A segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos 365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski. Antes deles, já em novembro do ano que vem e em julho de 2021, irão para casa Celso de Mello e Marco Aurélio — será a maior contribuição que terão dado ao país desde sua entrada no serviço público, como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos irão embora — os bons, os ruins e os horríveis.

Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamente impossível que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no polo positivo e uma subtração no polo negativo — o que vai acabar influindo na formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”.

Com mais algum tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowski. A menos que o presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para seu lugar tende a ser o seu exato contrário — e o STF, enfim, estará com uma cara bem diferente da que tem hoje.

O fato, em suma, é que o calendário não perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do presidente da República seja investigado criminalmente, ou que provas ilegais, obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de justiça. Mas não pode obrigar ninguém a fazer aniversário por ele. Gilmar e os seus colegas podem rasgar a Constituição todos os dias, mas não podem fugir da velhice.

O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza de que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é justiça. Não estará sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros.

Se tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de insegurança, desordem e injustiça que existe hoje. Só não há jeito, mesmo, para quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo.

Para estes, paciência. (Poderiam contar, no papel, com o Senado — o único instrumento capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o impeachment de ministros do STF, mas isso não vai acontecer nunca; o Senado brasileiro é algo geneticamente programado para fazer o mal).
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Retomando a conversa do ponto onde paremos na postagem anterior, em fevereiro de 2016 o plenário do Supremo igualou o Brasil aos países desenvolvidos e decidiu pelo início do cumprimento da pena criminal após a decisão condenatória de tribunal em segunda instância (HC 126.292, relator ministro Teori Zavascki). Entendeu a maioria que o início da execução da pena não fere o princípio da presunção de inocência, pois no julgamento da apelação faz-se o completo reexame dos fatos e provas, garantindo o direito ao duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos.

Às instâncias superiores (STJ e STF) cabe apenas apreciar questões de Direito, sem análise das provas. À primeira poderão ser arguidas eventuais ofensas à legislação e à segunda, matérias constitucionais cuja relevância transcenda os interesses particulares da causa. Assim, a condenação em segunda instância esgota a presunção de inocência, e como o recurso sobre matéria de Direito não tem efeito suspensivo, é razoável o início do cumprimento da pena criminal pelo condenado.

Excepcionalmente, em casos de flagrante afronta à jurisprudência do STJ e do STF ou de manifestos erros e constrangimentos ilegais — que poderão ensejar a anulação do processo ou a absolvição do réu — será cabível medida cautelar para suspender a execução da pena ou, ainda, a impetração de habeas corpus, que tem trâmite mais célere. Trata-se, todavia, de exceções, conforme pesquisas de coordenadorias de gestão do STJ e do STF, divulgadas pelo ministro Roberto Barroso (O Globo, 2/2/2018 e 5/4/2018). No STJ, entre setembro de 2015 e agosto de 2017, a Corte reverteu apenas 0,62% das condenações em segunda instância. No STF, no período de janeiro de 2009 a abril de 2016, as absolvições corresponderam a menos de 0,1% dos recursos.

Em 2016, como referido, o STF reverteu posição firmada em 2009, quando a maioria conferiu caráter absoluto ao princípio da presunção de inocência e admitiu o início do cumprimento da pena criminal somente após o julgamento de recursos pendentes no STJ e no STF (HC 84.078). Essa posição era atípica no plano internacional, não tinha coerência com o sistema normativo e a organização da Justiça estabelecidos pela Constituição, tinha impacto estatisticamente irrelevante no resguardo da liberdade de réus inocentes e ignorava que penas decorrentes de condenações com ilegalidade manifesta podem sempre ser remediadas por meios excepcionais. Mas o mais importante é que permitia que os processos perdurassem por longo tempo nas instâncias superiores e motivassem a interposição de sucessivos recursos internos, favorecendo a ocorrência significativa da prescrição de ações penais.

Nas mencionadas pesquisas, no período de setembro de 2015 a agosto de 2017, verificou-se que 830 ações penais prescreveram no STJ e 116 no STF. A referida posição favorecia a não punição expressiva de condenados, em prejuízo da efetividade do dever de punir do Estado. A proteção da liberdade individual não pode ser realizada a ponto de comprometer a finalidade e a efetividade da ordem jurídica na prevenção e repressão de condutas danosas à convivência humana. A prisão somente após trânsito em julgado favorece até mesmo a não punição de crimes contra a ordem econômica e a administração pública, o que, consequentemente, acaba por incentivar a perpetuação dos delitos de corrupção. Isso contribui para a perda de confiança da população no próprio Direito e no Poder Judiciário, desestimulando o respeito à lei e às instituições públicas, que passam a ser vistas como seletivas e complacentes com privilégios oligárquicos.

A dignidade humana só é verdadeiramente respeitada num Estado Democrático de Direito quando a lei é seguida e cumprida de forma isonômica e proporcional, de modo a contribuir para a responsabilização de quem descumpre seus deveres e abusa de sua liberdade, assegurando-se o bem comum e a legitimidade da ordem jurídica. E, mais grave, a posição propicia fator impeditivo do desenvolvimento do País: a corrupção endêmica (cf. Índice de percepção da corrupção em 2018, Transparência Internacional). O principal incentivo ao boom de colaborações premiadas no âmbito da Operação Lava-Jato foi exatamente a posição do STF a favor do cumprimento da pena criminal após a condenação em segunda instância. Agora a matéria volta a ser analisada pelo plenário do STF, onde se discute a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, cuja redação foi alterada em 2011 e se limitou a reproduzir a então posição que o STF adotou em 2009.

Esse dispositivo é inconstitucional, pelos motivos já expostos: o princípio da presunção de inocência não tem caráter absoluto e não pode tornar inviável a efetivação razoável do dever de punir do Estado, a ponto de enfraquecer a legitimidade da ordem jurídica. O exemplo da corrupção, dentre os graves crimes que não podem ficar sem pena, é bastante significativo: o Brasil jamais será um país desenvolvido se não diminuir seus intoleráveis índices de corrupção, cuja não punição incentiva pactos oligárquicos contrários à maioria da população, impondo-lhe condições de vida indignas e perda de confiança nas leis e nas instituições. Portanto, espera-se que o STF cumpra o seu papel de defender a Constituição e confirme o seu entendimento de prisão após condenação em segunda instância. Trata-se de interpretação imprescindível para a permanência do nosso contrato social democrático, fundado nas leis sempre voltadas para o bem comum, o que é incompatível com a impunidade dos criminosos.

Com Modesto Carvalhosa.

segunda-feira, 16 de abril de 2018

AINDA SOBRE A CIZÂNIA NO STF



A divisão dos brasileiros em alas pró e contra Lula, fomentada pelo PT e pelo sumo-sacerdote dessa seita do inferno, espalhou-se como metástase pela sociedade e civil e chegou à nossa mais alta corte, que está nitidamente dividida quanto à prisão em segunda instância ― Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli (e eventualmente Rosa Weber e Celso de Mello) são contrários, e Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, a favor.

De 1941 a 1973, a prisão após a condenação em primeira instância era a regra geral. Isso só mudou com Lei Fleury ― criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo ―, a partir da qual primários e com bons antecedentes ganharam o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em 2009, porém, o Supremo passou a entender que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Essa jurisprudência mudou em 2016, quando a Corte restabeleceu o entendimento anterior, ou seja, de que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena.

Nos últimos setenta anos, excetuando-se o período de 2009 a 2016, os criminosos eram presos após a condenação em primeira ou em segunda instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de condenados que podiam pagar honorários milionários a criminalistas estrelados para empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. É nítido que ressuscitar esse entendimento não só beneficiaria o criminoso Lula, mas também um sem-número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos apanhados (ou em vias de sê-lo) pela Lava-Jato e seus desdobramentos.

Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. “Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau”, argumentou o jurista mato-grossense, que assim rebateu o argumento de que a execução antecipada de pena violaria o princípio da presunção da inocência: “uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)”. Sete meses depois, o ministro viraria a casaca e passaria a deferir os pedidos de habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender a prisão após a condenação em 3.ª instância (tese de seu colega petista Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em 2016, como se pode ver neste vídeo).

A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Duas vezes, como acontece na maioria de países livres, civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes, salvo melhor juízo. Se houver um erro na condenação em primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é porque não houve erro, e ponto final. Não quero dizer com isso que se deveria impedir os réus de apelar aos tribunais superiores, mas sim impedi-los de recorrer em liberdade, sob pena de eles virem a ser presos no dia de São Nunca.

Nosso sistema judiciário conta com quatro instâncias, e cada uma delas oferece uma vasta gama de chicanas ― para o gaudio dos criminosos e dos criminalistas que os defendem, que cobram gordos honorários para ingressar com toda sorte de embargos, visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. A defesa de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a prisão do réu por quase 40 anos ― o eterno deputado "rouba-mas-faz" foi preso em dezembro, mas mandado para casa, dias atrás, pelo ministro petista Dias Toffoli, que, alegando “razões humanitárias”, anulou a decisão denegatória do ministro Edson Fachin

Observação: A decisão de Toffoli, de substituir a prisão em regime fechado de Paulo Maluf por prisão domiciliar foi algo praticamente inédito, até porque contraria a Súmula nº 606 do STF, segundo a qual não cabe habeas corpus para o plenário de decisão de turma, ou do próprio plenário, proferida em HC ou no respectivo recurso.

O plenário terá de decidir se essa intercorrência foi um caso isolado ou se passará a ser corrente, bem como se Maluf deve ou não voltar para a cadeia. Até porque a decisão inusitada de Toffoli já está produzindo frutos ― coo é o caso de Lula, cujos advogados já pediram que a decisão de Fachin (de negar o habeas corpus) seja revista por outro ministro (talvez isso não faça sentido nesse caso, pois o HC de Lula foi negado pelo plenário, não por uma decisão monocrática do ministro-relator da Lava-Jato, mas se ficar decidido que um ministro pode desautorizar outro, estará declarada a guerra entre os integrantes da Corte).

Some-se a isso o fato de o recurso da defesa de Maluf ter sido baseado em embargos infringentes (já que a decisão de prender o turco lalau não foi unânime). Fachin entendeu que embargos não são cabíveis nas turmas, e vetou a pretensão, mas Toffoli aceitou o recurso. Se essa novidade for chancelada no plenário, as turmas passarão a julgar embargos infringentes, embargos de declaração, embargos dos embargos, enfim, todo tipo de chicana que ajude a protelar a decisão final.

Observação: O regimento do STF não prevê embargos nas turmas, como ficou claro no julgamento do mensalão, quando Joaquim Barbosa, então presidente da Corte, ponderou que os embargos infringentes deixaram de existir nas ações originárias dos tribunais superiores depois da edição da Lei nº 8.038/90. (O STJ, que foi criado depois da Constituição de 1988, não prevê esses embargos).

Quando essa questão for votada, o que deve ocorrer nesta quarta-feira, o ministro Barroso ficará numa posição delicada, pois foi favorável aos embargos infringentes no julgamento do mensalão, o que propiciou a revisão de penas impostas a réus como José Dirceu. Na sabatina do Congresso, Barroso dissera que, em teoria, os embargos não existiam mais, mas se contradisse ao julgar o caso concreto, e agora terá de assumir uma posição sobre o mesmo assunto, com repercussão no trâmite dos processos cuja objetividade ele próprio defende. 

Para encerrar esta novela (refiro-me à postagem, não ao HC de Malufembargos infringentes nas turmas do STF ou prisão em segunda instância), a cizânia que menciono no título decorre de uma divergência de entendimento sobre o que é o Estado de Direito e a defesa dos direitos individuais, e o que eu chamo de banda podre do Supremo é o grupo (por enquanto minoritário) contrário à prisão em segunda instância, segundo o qual a Lava-Jato, a “República de Curitiba” e o juiz Sérgio Moro abusam das prisões provisórias para pressionar os réus a negociar acordos de colaboração com a Justiça. 

O cabo-de-guerra da prisão em segunda instância pode ter um desdobramento ainda nesta semana, dependendo da decisão do ministro Marco Aurélio de encaminhar ou não à votação a liminar (ora rejeitada pelo PEN) que pede a suspensão das prisões em segunda instância até que o STF rediscuta o assunto e eventualmente modifique a jurisprudência. Contrapõem-se, portanto, os que querem a manutenção do status quo àqueles que querem retornar aos tempos da prisão somente após trânsito em julgado, que, agora incluindo embargos infringentes no julgamento das turmas, proporcionaria uma sequência interminável de recursos e fatalmente resultaria na prescrição da pena na maioria dos casos. 

Vamos continuar acompanhando.

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sábado, 15 de junho de 2024

PAU QUE NASCE TORTO MORRE TORTO

  
Em política, como na vida, a melhor hora para mudar e antes de a mudança se tornar compulsória. Lula deveria ter se livrado de Juscelino Filho há tempos. Melhor seria não tê-lo trazido para a Esplanada, pois já se sabia à época que ele havia utilizado emendas orçamentárias em benefício próprio. Mas sempre que a oportunidade de corrigir o erro lhe bate à porta, o parteiro do Brasil Maravilha reclama do barulho e ignora o fato, como faz agora com seu ministro indiciado pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção passiva. 

Em março de 2023, quando Juscelino já estava pendurado de ponta-cabeça nas manchetes, Lula disse que ele não poderia ficar no governo se não conseguisse provar sua inocência. Mantido no cargo, o elemento virou "padrão de inocência" do terceiro reinado do ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto). 

Há dois meses, a CGU constatou que 80% de uma estrada pavimentada graças a uma emenda do então deputado maranhense — coisa de R$ 7,5 milhões, dinheiro da Codevasf, que foi convertido em ninho de perversões do Centrão desde Bolsonaro. Intimado pela PF a se explicar, Juscelino alegou "perseguição".  Em nova evidência de que não perde a oportunidade de perder oportunidades, Lula tornou a conceder sobrevida ao auxiliar. 

A atitude do presidente é um insulto porque o contribuinte não merece a presença de um indiciado por desviar verbas públicas nas cercanias do cofre; inútil porque o União Brasil, partido do indiciado, não entrega os votos que o governo reivindica no Congresso, e desmoralizante porque a presença do suspeito no governo vai se convertendo num processo de aviltamento da autoridade presidencial.

Na terça-feira 11, Lula autorizou a demissão de Neri Geller de uma secretaria do Ministério da Agricultura por suspeita de irregularidade no leilão para importação de arroz. Ao anunciar o afastamento, o chefe da pasta disse que "o governo não tem compromisso com o erro". Pausa para as gargalhadas. Dois dias depois, ao ser indagado sobre a ruína ética de Juscelino, o demiurgo de Garanhuns insistiu: "ele tem o direito de provar que é inocente".   

Nenhum espelho reflete melhor a imagem de um governante do que as suas contradições. Geller foi ao olho da rua 48 horas antes da abertura do inquérito para apurar a maracutaia do arroz; Juscelino permanece no cargo 24 horas depois de ser indiciado pela PF por corrupção lavagem de dinheiro e organização criminosa. Após avalizar a sensata rigidez imposta a Geller, a alma viva mais honesta do Brasil amenizou: "O fato do cara (sic) ter sido indiciado não significa que cometeu um erro". 

Num inquérito policial, todo mundo é inocente até prova em contrário. Num governo, a presunção de inocência deveria ser vista como uma garantia constitucional móvel. Lula revelou-se precário ao nomear um ministro suspeito e temerário ao manter um ministro investigado. Cada segundo de sobrevida concedido ao indiciado é ultrajante. O que dirá nas fases da denúncia e da ação penal? 

Na Justiça, a inocência é presumida até o trânsito em julgado. Na administração pública, certas biografias recomendam a presunção da culpa.