A divisão dos brasileiros em alas pró e contra Lula, fomentada
pelo PT e pelo sumo-sacerdote dessa seita do inferno, espalhou-se como
metástase pela sociedade e civil e chegou à nossa mais alta corte, que está nitidamente dividida
quanto à prisão em segunda instância ― Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli (e eventualmente Rosa
Weber e Celso de Mello) são contrários, e Alexandre de Moraes, Cármen
Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, a favor.
De 1941 a 1973, a prisão
após a condenação em primeira instância era a regra geral. Isso só mudou com Lei Fleury ― criada sob medida para beneficiar o delegado do DOPS e notório torturador homônimo ―, a partir da qual primários e com bons antecedentes ganharam o direito de
responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. Em
2009, porém, o Supremo passou a entender que a
ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não
seria obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, e assim a prisão antes do trânsito em julgado
da condenação somente poderia ser decretada a título cautelar. Essa jurisprudência mudou em 2016, quando a Corte restabeleceu o entendimento anterior, ou seja,
de que a possibilidade de início da execução provisória da pena condenatória
após confirmação da sentença em segundo grau não ofende o princípio
constitucional da presunção de inocência. De acordo com essa diretriz
interpretativa, a manutenção da sentença penal pela segunda instância
encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que
autoriza o início da execução da pena.
Nos últimos setenta anos, excetuando-se o período de 2009 a 2016, os
criminosos eram presos após a condenação em primeira ou em segunda
instância, como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito
em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma
miríade de condenados que podiam pagar honorários milionários a criminalistas estrelados para empurrar o processo com a barriga até o advento
da prescrição. É nítido que ressuscitar esse entendimento não só beneficiaria o criminoso Lula, mas também um sem-número
de empresários, executivos, altos funcionários e políticos apanhados (ou em vias de sê-lo) pela Lava-Jato e seus desdobramentos.
Gilmar Mendes foi um dos grandes defensores da prisão em
segunda instância em 2016. Ao fundamentar seu voto, ele afirmou que mudar o entendimento vigente desde 2009 colocaria o Brasil
no rol de nações civilizadas e ajudaria a combater a impunidade. “Não se
conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em
princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau”,
argumentou o jurista mato-grossense, que assim rebateu o argumento de que a execução
antecipada de pena violaria o princípio da presunção da inocência: “uma
coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado,
com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação (...) o sistema estabelece uma progressiva
derruição, vamos dizer assim, da ideia da presunção de inocência (...)”. Sete meses depois, o ministro viraria a casaca e passaria a deferir os pedidos de
habeas corpus que lhe caíram no colo e a defender
a prisão
após a condenação em 3.ª instância (tese de seu colega petista
Dias Toffoli, que também era favorável à prisão em segunda instância em
2016, como se pode ver
neste vídeo).
A pergunta que se impõe é: “quantas vezes o sujeito precisa ser
condenado para começar a pagar sua dívida com a sociedade?” Duas vezes, como acontece na maioria de países livres,
civilizados e bem-sucedidos, são mais que suficientes, salvo melhor juízo. Se houver um erro na condenação em
primeira instância, o juízo colegiado poderá repará-lo; se não o fizer, é
porque não houve erro, e ponto final. Não quero dizer com isso que se deveria impedir os réus de apelar aos
tribunais superiores, mas sim impedi-los de recorrer em liberdade, sob pena de eles virem a ser presos no dia de São Nunca.
Nosso sistema judiciário conta
com quatro instâncias, e cada uma delas oferece uma vasta
gama de chicanas ― para o gaudio dos criminosos e dos criminalistas que os
defendem, que cobram gordos honorários para ingressar com toda sorte de embargos,
visando empurrar o processo com a barriga até o advento da prescrição. A defesa
de Luis Estevão ingressou com nada menos que 120 recursos até seu
cliente finalmente ir para a cadeia, e a de Paulo Maluf protelou a
prisão do réu por quase 40
anos ― o eterno deputado "rouba-mas-faz" foi preso em dezembro, mas mandado para casa, dias atrás, pelo ministro petista Dias
Toffoli, que, alegando “razões humanitárias”, anulou a decisão
denegatória do ministro Edson Fachin.
Observação: A
decisão de Toffoli, de substituir a prisão em regime fechado de Paulo
Maluf por prisão domiciliar foi algo praticamente inédito, até porque
contraria a Súmula nº 606 do STF, segundo a qual não cabe habeas
corpus para o plenário de decisão de turma, ou do próprio plenário, proferida
em HC ou no respectivo recurso.
O plenário terá de decidir se essa intercorrência foi um caso isolado ou se passará a ser corrente, bem como se Maluf
deve ou não voltar para a cadeia. Até porque a decisão inusitada de Toffoli já está
produzindo frutos ― coo é o caso de Lula, cujos advogados já
pediram que a decisão de Fachin (de negar o habeas corpus) seja revista por outro ministro (talvez isso não faça sentido nesse caso, pois o HC de Lula foi negado pelo plenário, não por uma decisão monocrática do
ministro-relator da Lava-Jato, mas se ficar decidido que um ministro pode
desautorizar outro, estará declarada a guerra entre os integrantes da
Corte).
Some-se a isso o fato de o recurso da defesa de Maluf ter sido baseado em embargos infringentes (já que a decisão de prender o turco lalau não foi unânime). Fachin entendeu que embargos não são cabíveis
nas turmas, e vetou a pretensão, mas Toffoli aceitou o recurso. Se essa novidade for chancelada no plenário, as turmas passarão a julgar
embargos infringentes, embargos de declaração, embargos dos embargos, enfim,
todo tipo de chicana que ajude a protelar a decisão final.
Observação: O regimento do STF
não prevê embargos nas turmas, como ficou claro no julgamento do mensalão,
quando Joaquim Barbosa, então presidente da Corte, ponderou que os
embargos infringentes deixaram de existir nas ações originárias dos tribunais superiores depois da edição da Lei nº 8.038/90. (O STJ, que foi
criado depois da Constituição de 1988, não prevê esses embargos).
Quando essa questão for votada, o que deve ocorrer nesta quarta-feira,
o ministro Barroso ficará numa posição delicada, pois foi favorável aos embargos infringentes no julgamento do mensalão, o que propiciou a
revisão de penas impostas a réus como José Dirceu. Na sabatina do Congresso, Barroso dissera que,
em teoria, os embargos não existiam mais, mas se contradisse ao julgar o caso
concreto, e agora terá de assumir uma posição sobre o mesmo assunto, com
repercussão no trâmite dos processos cuja objetividade ele próprio defende.
Para encerrar esta novela (refiro-me à postagem, não ao HC de Maluf, embargos
infringentes nas turmas do STF ou prisão em segunda instância), a cizânia que menciono no título decorre de uma divergência de entendimento sobre o que é o Estado de Direito e a defesa dos direitos
individuais, e o que eu chamo de banda podre do Supremo é o grupo (por enquanto
minoritário) contrário à prisão em segunda instância, segundo o qual a
Lava-Jato, a “República de Curitiba” e o juiz Sérgio Moro abusam das prisões provisórias para pressionar os réus a negociar acordos de colaboração com a Justiça.
O cabo-de-guerra da prisão em segunda instância
pode ter um desdobramento ainda nesta semana, dependendo da decisão do
ministro Marco Aurélio de encaminhar ou não à votação a liminar (ora
rejeitada pelo PEN) que pede a suspensão das prisões em segunda
instância até que o STF rediscuta o assunto e eventualmente modifique a
jurisprudência. Contrapõem-se, portanto, os que querem a manutenção do status
quo àqueles que querem retornar aos tempos da prisão somente após trânsito em
julgado, que, agora incluindo embargos infringentes no julgamento das turmas, proporcionaria uma sequência interminável de recursos e fatalmente resultaria na prescrição da pena na maioria dos casos.
Vamos continuar acompanhando.
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