Mostrando postagens classificadas por data para a consulta posse de collor. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta posse de collor. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

BOLSONARO — O CANTO DO CISNE

AS CONSEQUÊNCIAS SEMPRE VÊM DEPOIS.

A Primeira Turma do STF deve selar nesta sexta-feira a sorte de Bolsonaro e outros sete réus do "núcleo crucial do golpe". Se forem condenados pelos cinco crimes imputados pela PGR, a soma das penas máximas pode ultrapassar 40 anos. 

Além da condenação, o julgamento definirá os recursos que a acusação e defesa poderão interpor. Se houver unanimidade, caberão apenas embargos de declaração, que são julgados pela própria Turma. Já dois votos pela absolvição abrem espaço para os assim chamados embargos infringentes — que permitem a reavaliação da decisão pelo plenário da Corte. Tanto num caso como no outro, a prisão só será efetivada após a análise dos recursos.

 

Na última terça-feira, Alexandre de Moraes deixou claro que houve tentativa de golpe e apontou o ex-presidente como líder das ações. Flávio Dino acompanhou o voto do relator, mas ressalvou que as participações de Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira foram menores, e, portanto, suas penas também devem ser menores. 


Na sessão de ontem, num voto cuja leitura durou quase 13 horas, Luiz Fux reiterou o que vinha dizendo desde antes do julgamento: a Primeira Turma é incompetente para julgar réus que não têm foro privilegiado, de modo que o processo deveria ir para o plenário da Corte ou descer para a primeira instância. 


Com o placar em 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro, o julgamento foi retomado nesta tarde. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin acompanharam integralmente o relator. O placar foi de 4 a 1 e a pena aplicada a Bolsonaro, de 27 anos e 3 meses em regime inicialmente fechado, mais 124 dias-multa no valor de 2 salários-mínimos o dia.

Além dos recursos regulamentares, a defesa de Bolsonaro se equipa para manter o cliente em prisão domiciliar, mesmo depois da condenação. Alegar “razões humanitárias” deu certo com Paulo Maluf e Fernando Collor, e nunca é demais lembrar que Lula, condenado a mais de 20 anos nos processos do triplex e do sítio, deixou sua cela VIP em Curitiba depois de míseros 580 dias. Graças a Sergio Moro — que trocou a magistratura pela política e agora está agarrado ao saco de Bolsonaro — e ao próprio Bolsonaro — que é um sério candidato a entrar para a história como o pior mandatário desde Tomé de Souza —, Lula foi “descondenado”, reabilitado politicamente e reconduzido à cena do crime.

Bolsonaro ingressou na AMAN em 1973 e deixou a caserna pela porta lateral em 1988, depois que a revista Veja revelou seu plano de explodir bombas em unidades militares caso o reajuste do soldo ficasse abaixo de 60%. Como deputado federal por sete legislaturas, apresentou 172 projetos, o ex-capitão relatou 73, aprovou dois e foi alvo de mais de 30 processos. Em 2017, quando disputou a presidência da Câmara, obteve apenas 4 votos. No ano seguinte, enquanto Lula ainda recorria de sua condição de inelegível, o "mito" dos anencéfalos aparecia em segundo lugar nas pesquisas. Mas o placar se inverteu depois que o TSE cassou a fantasiosa candidatura do então presidiário, e Jacques Wagner recusou o papel de “plano B”. 

 

A um mês do primeiro turno, já com Fernando Haddad como principal adversário, Bolsonaro foi esfaqueado por Adélio Bispo — um lunático que não come merda nem rasga dinheiro, mas que a Justiça considerou inimputável. Na campanha do segundo turno, mesmo debilitado por duas cirurgias e preso a uma bolsa de colostomia, continuou subindo nas pesquisas. Liberado pelos médicos, preferiu não participar dos debates televisivos — uma decisão inteligente, considerando que seus discursos encantam tanto quanto um burro peidando, e um debate com Ciro Gomes, mestre na arte da oratória, sepultaria sua candidatura.

 

Surfando na onda do antipetismo, Bolsonaro prometeu pegar em lanças contra a corrupção na políticaacabar com o “toma-lá-dá-cá e propor ao Congresso o fim da reeleição. Eleito com 55,1% dos votos válidos, prometeu governar para todos os brasileiros. Num raríssimo mea culpa, reconheceu que não nasceu para ser presidente, e sim para ser militar. No Planalto, aparelhou órgãos do Estado; enfraqueceu as instituições democráticas; insuflou manifestações e motociatas subversivas; atacou as urnas eletrônicas, o TSE e o STF; converteu as festividades de 7 de Setembro em palanque; xingou Luís Roberto Barroso de filho da puta, ameaçou não cumprir decisões judiciais de Alexandre de Moraes — a quem chamou de canalha — e acabou com a Lava-Jato porque, segundo ele não havia mais corrupção no governo”. 

 

Bolsonaro sempre defendeu a ditadura, a censura e o fechamento do STF e do Congresso. Durante sua nefasta gestão, foi alvo de mais de 140 pedidos de impeachment — um recorde, considerando que Collor contabilizou 29; Itamar, 4, FHC, 24; Lula, 37; Dilma, 68; e Temer, 3. Por alguma razão incerta e não sabida, Rodrigo Maia viu erros, mas não crimes em seus atos espúrios. Já Arthur Lira só tinha olhos para "orçamento secreto". 


Para se blindar de denúncias por crimes comuns, Bolsonaro entregou o comando da PGR ao antiprocurador Augusto Aras e o manteve na rédea curta com a promessa (jamais cumprida) de indicá-lo para uma vaga no STF. E por falar em crimes comuns, o total de vítimas fatais da Covid em 31 de dezembro de 2022 chegou a 693.853. Boa parte dessas mortes se deveu à postura negacionista de Bolsonaro, que, no auge da pandemia, com cadáveres sendo produzidos em escala industrial, comparava a pandemia a “uma gripezinha”, chegando mesmo a associar o uso da vacina à Aids e a virar jacaré


Além de criticar o isolamento social e praticamente todas as medidas de contenção preconizadas por especialistas, o então presidente e seu grupo político apostaram no “tratamento precoce” — um kit de medicamentos sem eficácia comprovada, que incluía cloroquina, ivermectina e azitromicina. Quando o desenvolvimento de vacinas se consolidou, o mandatário não só atrasou a compra dos imunizantes como desincentivou sua a aplicação. 

 

O relatório de 1.300 páginas da CPI imputou a Bolsonaro e outras 77 pessoas — incluindo os ex-ministros da Saúde Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga — pelo menos uma dezena de crimes, entre os quais epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação, crimes contra a humanidade; violação de direito social; e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo. Houve denúncia apenas em relação ao então presidente, mas o caso não avançou.

 

O material foi entregue no final de outubro de 2021 a Augusto Aras. Parte dos apontamentos foi encaminhada para o MPF nos estados e outra parte resultou em 10 petições apresentadas ao STF envolvendo 35 dos implicados pela CPI — a maioria deles com foro privilegiado. Aras alegou que a Comissão não havia entregado provas, e as petições foram ignoradas. A vice-procuradora Lindôra Araújo requereu o arquivamento de nove petições, sob o pretexto de “ausência de justa causa para a deflagração de ação penal”. 

 

Tínhamos, à época, um procurador que é um prevaricador e sabotou o relatório final da CPI de olho em uma vaga do STF que nunca veio. A promiscuidade de Aras com o governo anterior era tanta que o delator Mauro Cid informou que ele tinha agendas secretas com o ex-presidente e passava dados sigilosos aos investigados”, resumiu o senador Renan Calheiros.

Outras ações apresentadas perante o STF contra agentes com foro privilegiado também não resultaram em processo judicial. Segundo estudo baseado em dados de dezembro de 2023, das 58 petições do universo amostral, a PGR requereu o arquivamento de 46, e ninguém foi condenado nas demais. Também não ocorreram condenações nas ações movidas nos estados.

Em março do ano passado, senadores que aturam na CPI solicitaram ao sucessor de ArasPaulo Gonet, o desarquivamento dos pedidos de indiciamento contra Bolsonaro e outros agentes públicos e privados implicados pelo relatório. Nenhum crime contra a humanidade prescreve e, a todo momento, surgem fatos novos que podem reabrir as investigações e eliminar este cenário de impunidade”, mas até o momento não houve movimentação da PGR para desarquivar as petições. A Agência Pública questionou o órgão sobre o assunto, mas não recebeu resposta. Aras também foi procurado, mas não respondeu ao contato. 

 

Em outubro do ano passado, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) apresentaram uma nova representação criminal sobre o tema, demandando a denúncia de Bolsonaro, do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto (que também é réu por tentativa de golpe) e dos ex-ministros da Saúde Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello. O caso está em segredo de Justiça e não há informações sobre avanços.


Bolsonaro não foi o único que escapou de qualquer responsabilização pelas ilegalidades cometidas durante a pandemia. O general da reserva e ex-ministro da Saúde Ricardo Pazuello não só se safou como se tornou o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro em 2022. Sua presença na Câmara passaria quase despercebida se seu gabinete não abrigasse o também general da reserva Mário Fernandes, ex-assessor de Bolsonaro e integrante dos “kids pretos”, que admitiu ter arquitetado o plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Até a investigação da tentativa de golpe vir à tona, Fernandes ocupava “cargo de natureza especial” no gabinete de Pazuello.

Marcelo Queiroga — outro ministro da Saúde de Bolsonaro que também escapou de responsabilização por sua conduta na pandemia — lançou-se candidato a prefeito de João Pessoa (PB) no ano passado, mas foi derrotado no segundo turno. Hoje ele é presidente estadual do PL na Paraíba e pré-candidato a senador. Já Wilson Lima — que era governador do Amazonas durante a crise em Manaus, quando pessoas morreram por falta de oxigênio — chegou a ser denunciado, mas uma das ações foi rejeitada e outra ainda aguarda julgamento de mérito. Como isto aqui é Brasil, Lima foi reeleito governador com 56,6% dos votos válidos.
  

Também buscaram carreira política as médicas Nise Yamaguchi — que fazia parte do “gabinete paralelo” que assessorava o governo do capetão durante a pandemia — e Mayra Pinheiro (a “capitã Cloroquina”) —, que teve cargo no Ministério da Saúde e era uma das mentes por trás do aplicativo oficial que estimulava o uso do “tratamento precoce. Ambas foram implicadas pela CPI. Yamaguchi tentou, mas não conseguiu se eleger deputada federal por São Paulo em 2022 nem vereadora em 2024. Mayra, que havia tentado se eleger deputada federal em 2014 e senadora em 2018, buscou uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2022, recebeu mais de 71 mil votos e ficou com uma suplência, chegando a assumir o cargo por quatro meses, durante a licença do bolsonarista André Fernandes.

O deputado federal gaúcho Osmar Terra — um dos mais destacados membros do “gabinete paralelo” e disseminadores de desinformação durante a pandemia — não só escapou de qualquer responsabilização como conseguiu a reeleição para seu sexto mandato na Câmara, com mais de 103 mil votos. Ricardo Barros, citado no caso da vacina indiana Covaxin e alvo da CPI por conta de denúncias sobre pressões para liberar a transação, saiu ileso e conseguiu a reeleição para a Câmara com 107 mil votos.

 

Os 11 empresários e médicos ligados ao plano de saúde Prevent Senior também não sofreram condenações. A lista inclui o virologista Paolo Zanotto, o anestesista Luciano Dias Azevedo e o oftalmologista Antônio Jordão, do “Médicos pela Vida”. Segundo um dossiê, o plano teria forçado profissionais de saúde a utilizar o “kit covid” e feito testes sem autorização. A Prevent também foi alvo de CPI na cidade de São Paulo e de denúncia do MPF-SP, mas os processos não avançaram. Já o movimento pró-kit covid, coordenado por Jordãofoi condenado em primeira instância a pagar indenização de R$ 55 milhões por danos coletivos.
 

Presidente do Conselho Federal de Medicina à época da pandemia, Mauro Ribeiro foi implicado pela CPI por conta da postura do órgão, mas não foi levado à Justiça e se elegeu novamente para a diretoria do CFM, desta vez como tesoureiro. O relatório da Comissão também cita outro médico, Anthony Wong, como um dos membros do “gabinete paralelo”. Mas ele não foi implicado oficialmente porque morreu em janeiro de 2021 — de Covid, como revelado posteriormente pela revista Piauí.

 

Voltando à sessão de ontem, o voto teratológico de Luiz Fux — verdadeiro tratado de incoerência convertido em penitência em quase 13 horas de leitura — não retira a corda do pescoço de Bolsonaro e seus comparsas, que serão condenados pela maioria, mas inocula na ação sobre os crimes contra a democracia o vírus que matou a Lava-Jato


ObservaçãoA teratologia é uma especialidade médica que cuida das chamadas monstruosidades e malformações orgânicas do corpo humano. Na metáfora jurídica, uma decisão é chamada de teratológica quando é tão monstruosa que não tem pé nem cabeça.


Fux disse não haver comprovação da participação de Bolsonaro no 8 de Janeiro, desqualificou repetidos ataques ao processo eleitoral e às urnas — considerando-os apenas críticas de cunho político — e apontou o que seriam fragilidades de ligação do réu com provas materiais, como o plano de assassinar autoridades e as diferentes versões de minutas golpistas. Mesmo indicando adesão a contraditórios ao longo do processo, a contundência de seu voto e o grau da divergência apresentada foram recebidos com surpresa, sobretudo por absolver Bolsonaro e condenar Braga Netto e Mauro Cid por abolição do Estado Democrático de Direito.

A alturas tantas, Flávio Dino, disfarçando a ironia fazendo-se de desentendido, indagou a Fux se ele havia mesmo condenado Cid e inocentado Bolsonaro — considerando que um ajudante de ordens não faz senão cumprir ordens do chefe, supor que Cid tentou impedir a posse de Lula à revelia de Bolsonaro é teratologia em estado crônico, e condenar Braga Netto pelo mesmo crime de abolição do Estado Democrático de Direito potenciou a teratologia.  Em última análise, não é que Fux tenha divergido de Moraes e Dino, mas que ele virou a si mesmo do avesso para favorecer o ex-presidente.

Conhecido pelo perfil punitivista consolidado nos casos do mensalão, do petrolão e no julgamento das sardinhas dos atos antidemocráticos do 8 de janeiro, Fux não só reconheceu a legitimidade do STF para receber 1.692 denúncias contra participantes do quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes, mas também seguiu o voto do relator para condenar mais de 400 "peixes miúdos". De repente e inopinadamente, torna-se ferozmente garantista ao julgar os tubarões do golpe. 

Cristiano Zanin deve seguir MoraesDino e Cármen, mas o voto divergente de Fux fornece material para que Bolsonaro — que chegará a 2026 preso; falta definir onde e por quanto tempo — mantenha a pose de perseguição e reivindique no futuro a anulação do processo. Vale lembrar que o próximo presidente indicará substitutos para pelo menos três dos 11 ministros do Supremo — o próprio Fux, que se aposenta em 2028, Cármen Lúcia, que troca a suprema toga pela suprema camisola em 2029, e Gilmar Mendes, que veste o supremo pijama em 2030. Isso sem falar em Luís Roberto Barroso, que cogita pendurar as chuteiras antes do prazo regulamentar. 

Se as reviravoltas judiciais ensinam alguma coisa, é que “sempre” e “nunca” são palavras que todos sempre devem lembrar e nunca usar. O advogado de um dos generais que acompanham Bolsonaro no banco dos réus disse: "quando Lula deixou o Sindicato dos Metalúrgicos de SBC para entregar à PF, quem dissesse que ele subiria a rampa do Planalto pela terceira vez seria chamado de maluco".


E viva o povo brasileiro...

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

SOBRE SAUDADE, SAUDOSISMO E ALIENAÇÃO.

HÁ QUE EXTIRPAR O CARCINOMA ANTES QUE SE TORNE METÁSTASE.

A palavra saudade (do latim solitas, que significa solidão) não é exclusiva da língua portuguesa. No inglês, homesickness equivale a saudades de casa, e to miss expressa o sentimento de falta de alguém. Expressões com significados semelhantes existem no espanhol — te extraño —, no francês — j’ai regret — e no alemão — Ich vermisse —, mas saudade ficou em 7º lugar entre as palavras mais difíceis de traduzir, segundo a Today Translations. 

 

Sentir saudades de algo bom que se foi é saudável, mas romantizar um passado que nunca existiu é caso de internação. Dizer que a vida era melhor quando não havia Internet nem celulares é cultuar o retrocesso, e almejar a volta da ditadura militar é passar recibo de que Einstein estava certo sobre a infinitude da estupidez humana e José Saramago, sobre o pior tipo de cegueira ser a mental.

 

Em "O Alienista", a obsessão de um psiquiatra por definir o limite entre sanidade e loucura acaba aprisionando toda uma cidade. Ao final, a única pessoa racional é o próprio alienista, que se condena como o único alienado. No mundo real, só a falta de manicômios por que tantos eleitores que expeliram o cérebro na primeira evacuação repetem a cada dois anos, nas urnas, o que Pandora fez com sua caixa uma única vez. 

 

Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Como ninguém os levou a sério, a vitória Collor sobre Lula na eleição de 1989 — a primeira pelo voto direto desde 1960 — resultou em um dos piores governos desde Tomé de Souza. Com impeachment do pseudocaçador de marajás, o vice Itamar Franco passou a titular, e o sucesso do Plano Real assegurou a vitória de Fernando Henrique em 1994.

 

O tucano de plumas vistosas foi o mais próximo de um estadista que presidiu o Brasil desde a redemocratização, mas sucumbiu à mosca azul e se tornou mentor, fomentador e primeiro beneficiário da PEC da Reeleição, abrindo espaço para Lula e Dilma se reelegerem. Michel Temer terminou seu mandato tampão a duras penas e não concorreu à reeleição; Bolsonaro disputou, foi derrotado e partiu para o golpe — que só não prosperou por falta de apoio das Forças Armadas.

 

Bolsonaro iniciou sua trajetória militar em 1973, mas deixou a caserna pela porta lateral depois que a revista Veja revelou que ele e outro capitão pretendiam explodir bombas em instalações militares como forma de pressionar o comando por melhores salários. Eles foram condenados por unanimidade, mas o STM os absolveu por 9 votos a 4 (mais detalhes em O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel). Depois de deixar a caserna pela porta lateral, o futuro presidente golpista foi vereador e sete vezes deputado federal, passou por nove partidos (todos do Centrão) e acabou no PL do ex-mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto, onde disse estar se sentindo em casa

 

A despeito de não passar de projeto mal-ajambrado de mau militarparlamentar medíocre e admirador confesso da ditadura, ele derrotou Haddad em 2018 porque a parcela pensante do eleitorado rejeitou a ideia de ter no Planalto um bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. Mas emenda ficou pior que o soneto. Bolsonaro conspirou contra o Estado Democrático de Direito em manifestações, motociatas e outros atos de cunho eminentemente golpista. Em 2021, durante um comício em Santa Catarina, referiu-se ao ministro Barroso — então presidente do TSE — como "aquele filho da puta". Discursando nas festividades de 7 de Setembro, levou seus apoiadores ao delírio xingando Moraes de canalha e afirmando que descumpriria as decisões do magistrado. 

 

Se o Brasil fosse uma democracia que se desse ao respeito, Bolsonaro teria sido impichado e processado criminalmente. Mas Rodrigo Maia e Arthur Lira engavetaram mais de 140 pedidos de impeachment, e o antiprocurador-geral Augusto Aras fez o mesmo com dezenas de denúncias por crimes comuns. Para piorar, sua indigesta gestão resultou na "descondenação" de Lula, que o derrotou em 2022. Evitar que um mandatário negacionista, sociopata e aluado se perpetuasse no poder era imperativo, mas eleger Lula era opcional — era "reconduzir o criminoso à cena do crime" (como disse Geraldo Alckmin quando ainda era tucano).  

 

Mas o que esperar de um país onde 29% da população com idades entre 15 e 64 anos é composta de analfabetos funcionais? Onde não se investe em educação porque povo ignorante é mais fácil de manipular com promessas assistencialistas, como Bolsa Família e assemelhadas? Povo instruído não se contenta com circo medíocre nem troca facilmente o voto por saco de cimento, vale gás ou selfie com seu bandido de estimação. Manter o rebanho ignorante é fundamental quando se governa com promessas vazias, slogans publicitários e programas que, em vez de emancipar, amarram.

 

Isso explica por que os brasileiros se dividem entre um ex-presidiário e um psicopata genocida de viés golpista. Mesmo inelegível até 2030 e com uma condenação esperando para acontecer, o "mito" segue liderando a extrema-direita, que o vê como um ex-presidente de mostruário perseguido por um algoz que, entre outras "injustiças", decretou sua prisão domiciliar. Também explica por que o Congresso está apinhado de parlamentares fisiologistas e corruptos, que colocam os próprios interesse acima dos interesses de quem deveriam representar, e por que nosso país é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas e sai reciclada, mas ainda como merda, na posse do novo governante. 

 

Quem observa o Congresso de longe fica com a impressão de que Câmara e Senado viraram hospícios, e quem vê de perto descobre que o manicômio é momentaneamente administrado pelos loucos. Entre os espasmos que marcaram a volta das férias — Bolsonaro em prisão domiciliar e seu filho posando de herói da resistência democrática —, surge a maior das excentricidades: amotinada nos plenários das duas Casas, a facção bolsonarista exige a aprovação de um "pacote da paz" — que, trocando em miúdos, seria um pacote "salva-Bolsonaro, já que busca uma lei ou emenda constitucional para um indivíduo certo. Além da anistia, a sem-vergonhice inclui o impeachment de Moraes e o fim do foro privilegiado, com a anulação do julgamento da trama golpista no Supremo e a transferência do caso para a primeira instância do Judiciário, onde tudo voltaria à estaca zero. Tudo em nome da democracia, naturalmente. 

 

É improvável que eles consigam deter a condenação de Bolsonaro em setembro, mas Hugo Motta só conseguiu voltar à mesa da presidência da Câmara na noite de quarta-feira, após longa negociação com a oposição mediada por seu antecessor, Arthur Lira. Segundo o deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante, o presidente da Câmara se comprometeu a colocar em pauta os projetos da anistia e o que coloca fim ao foro privilegiado. Num abraço de afogados, Motta levou junto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. 

 

A anistia "é o esquecimento de uma ou mais infrações criminais" — ou seja, extingue totalmente a punição e os seus efeitos — e pode ser concedida antes de uma condenação. Com uma eventual anistia a crimes comuns e eleitorais, Bolsonaro sairia "zero quilômetro", pronto para concorrer à próxima eleição presidencial — mais ou menos como o STF fez com Lula ao anular suas condenações). Mas vale destacar que anistia tem natureza de lei penal, sendo da competência do Congresso Nacional. Como lei, dependerá de sanção do presidente da República — a menos que saia pela via da emenda constitucional. Por ter natureza de lei, a anistia é interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário. E aí o buraco é mais embaixo.

 

No que tange ao processo criminal referente às imputações criminosas de golpe de Estado, atentado violento ao estado democrático de Direito, associação criminosa etc., muito já se discutiu sobre o foro competente. Alegou-se que, sem o manto da presidência nem cargo parlamentar, Bolsonaro não deveria ser julgado pelo STF. Mas a corte chamou a competência para si em razão de se tratar de imputações de crimes contra o Estado nacional e a sua constituição. Foro é matéria processual e, como tal, não se aplica retroativamente. Caso o STF condene Bolsonaro antes de uma eventual alteração legislativa processual, a decisão terá plena validade. 

 

Desde que assumiu o mandato presidencial, Bolsonaro preparou um golpe de Estado para se perpetuar no poder. A intentona não prosperou, mas o golpismo progrediu e passou a atacar a soberania nacional com condutas no estrangeiro a cargo do filho Eduardo, que convenceu Trump — seja por carta barganhando pela impunidade do pai, seja pelo tarifaço e pela arbitrária aplicação da Lei Magnitsky — a se imiscuir em nossas questões, a despeito da Carta das Nações Unidas, que garante a soberania dos Estados nacionais e autodeterminação dos povos.

 

Por tudo isso, nem com anistia, borrachas, deslocamentos de foros e alegadas nulidades e abusos, os democratas deverão jogar a toalha em favor de tiranos de plantão, que vão prosseguir com o esforço para salvar Bolsonaro, nem que isso custe colocar o Congresso e o país em polvorosa. Tiranos são tão perversos que Tomás de Aquino, doutor e santo da Igreja, defendeu a legitimidade do tiranicídio.

 

Resumo da ópera: Tudo visto e examinado, fica evidente  que o culpado por esse e outros descalabros é do populacho que o Criador designou para a porção de terra que viria a ser o país do futuro que nunca chega porque tem um imenso passado pela frente. Com um povo que tem bandidos de estimação, que reconduz criminosos à cena do crime, que canta o hino nacional para pneu de trator, envia sinais de celular para ETs e atende prontamente quando convocado para defender a anistia de um golpista, país nenhum pode dar certo.


Triste Brasil.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — 9ª PARTE

PIOR QUE O BANDIDO TRAVESTIDO DE POLÍTICO É O IDIOTA TRAVESTIDO DE ELEITOR, QUE VOTA NESSE TIPO DE GENTE.

Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais — e foram duramente criticados. Mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos Collor, Lula, Dilma e Bolsonaro?


Nunca saberemos como estaria o Brasil se o golpe de Estado de 1889 não tivesse ocorrido. Ou se a renúncia de Jânio não tivesse levado ao golpe de 64. Ou se nosso primeiro presidente civil — eleito indiretamente após 21 anos de ditadura — não tivesse levado para o túmulo a esperança de milhões e deixado um neto que envergonharia o país e um vice que pavimentaria a vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960.

 

Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, o último dos cinco generais presidentes da ditadura — que, entre outros dislates, disse preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — confidenciou a Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA, que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil, e a outra estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar.

 

No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes — mas só porque, a exemplo da Viúva Porcina (personagem da novela Roque Santeiro), "foi sem nunca ter sido". Por uma trapaça do destino, ele baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado que homenageia o Mártir da Independência. Também não dá para saber o que aconteceria se ele tivesse governado, mas sabe-se que a posse de José Sarney ecoou como a gargalhada do diabo nos estertores da ditadura. 

 

Sarney  não tinha ideia do tamanho do "abacaxi" que seria assumir a presidência sem ter indicado seus ministros e herdando uma inflação de 220% ao ano. Cinco anos depois, entregou a Collor a faixa presidencial e uma superinflação de 1.800%, mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá e conseguiu se eleger senador. Conta-se que, depois que pendurou as chuteiras, ao ser informado pela filha Roseana — então governadora do Maranhão — de que um dilúvio deixara metade do estado debaixo d’água, ele perguntou: "A sua metade ou a minha?"

 

Ao lado de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique, Tancredo liderou a campanha pelas "Diretas Já". A despeito da maior adesão popular da história, a Câmara sepultou a emenda Dante de Oliveira, que estabelecia a volta das eleições diretas para presidente. Ainda assim, a comoção social foi tamanha forçou a convocação do colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo venceu Maluf — que era apoiado pelos militares — 480 a 180 votos.

 

 Ulysses chegou a cogitar disputar mas foi preterido pela chapa mista formada com o PFL de José Sarney Sr. Diretas e entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento dos preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses. Se tivesse sido ele o escolhido pelo colégio eleitoral, talvez disputasse — e vencesse — a eleição solteira de 1989. Sem Collor no Planalto e Zélia no Ministério da Fazenda, não teria havido sequestro dos ativos financeiros, congelamento da poupança e a sequência de planos econômicos fracassados que precederam o Plano Real. Assim, talvez a redução da miséria brasileira tivesse começado muito antes e hoje houvesse mais gente com salário digno e casa para morar.

 

Nada garante que teria sido assim, mas, mesmo que fosse, o Brasil — esse eterno laboratório de desilusões políticas — ainda teria muito chão para tropeçar. A eleição direta de 1989, com 22 candidatos e uma população faminta por mudanças, virou palco de um espetáculo grotesco que consolidou a crença de que o próximo salvador da pátria viria embalado em promessas vazias, frases de efeito e, claro, uma bela embalagem televisiva. E assim seguimos, entre urnas e urros, tropeçando em nossas escolhas.

 

Continua...

segunda-feira, 19 de maio de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — 6ª PARTE

RELEMBRAR O PASSADO É VIVER DUAS VEZES

 

Lula disputou a presidência três vezes até finalmente se eleger. Em 1989, perdeu para Collor no segundo turno, e em 1994 e 1998, para FHC, que foi o único mandatário eleito e reeleito no primeiro turno desde a redemocratização.

 

Em 2006, a despeito do escândalo do mensalão, o petista renovou seu mandato. Em 2010, jactando-se de ser capaz de "eleger até um poste", escalou Dilma Rousseff para manter aquecida a poltrona que pretendia voltar a disputar em 2014. 


Até então, mesmo tendo sido ministra de Minas e Energia e ministra-chefe da Casa Civil nos (des)governos de seu criador, o "poste" de Lula não passava de uma ilustre desconhecida. Como bem sintetizou Augusto Nunes, crítico ferrenho das (indi)gestões petistas: 

 

"Sem saber atirar, Dilma virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, fez posse de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem jamais ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente do Brasil e renovou o mandato quatro anos depois, mediante o maior estelionato eleitoral da história" (lembrando que Bolsonaro veio depois).

 

Com a "mulher sapiens" na presidência de seu Conselho de Administração, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade de uma refinaria que companhia belga ASTRA OIL havia comprado um ano antes por US$ 40,5 milhões. Mais adiante, uma decisão judicial obrigou a estatal a adquirir a outra metade da sucata, aumentando o prejuízo para US$ 1,18 bilhão. 


Dilma disse que o negócio só foi aprovado porque "cláusulas fundamentais" lhe eram desconhecidas, e culpou Nestor Cerveró, que não só não foi punido como foi promovido a diretor financeiro da BR Distribuidora. Em delação premiada, ele revelou que a campanha de Lula à reeleição havia sido financiada com propina paga pelo contrato dos navios-sonda Petrobras 10.000 Vitória 10.000, que custaram cerca US$ 1,2 bilhão (valor equivalente ao da compra da igualmente inútil refinaria de Pasadena).

 

Dilma fez o diabo para se reeleger — e conseguiu, mas foi impichada em 2016. A promoção de Temer (um caso curioso de vampiro que tem medo de assombração) pareceu uma lufada de vento numa catacumba, mas sua "ponte para o futuro" se revelou uma patética pinguela, e seu ministério de notáveis, uma notável confraria de corruptos. 


Em maio de 2017, o vazamento de uma conversa de alcova com o dono da Friboi quase derrubou o governo, mas Temer foi demovido da ideia de renunciar por sua tropa de choque, que o escudou das "flechadas de Janot". Refém das marafonas da Câmara, o nosferatu concluiu seu mandato-tampão como "pato manco" e transferiu a faixa a Bolsonaro, o mau militar e parlamentar medíocre que sempre teve aversão à democracia e tendência ao golpismo. E deu no que deu.   

 

Resumo da ópera: 

 

Collor foi impichado em 1992 e Dilma, em 2016. O "caçador de marajás" de fancaria renunciou horas antes do julgamento, mas ficou inelegível por 8 anos. Dilma foi condenada e deposta, mas uma vergonhosa tramoia urdida por Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski (então presidentes do Senado e do Supremo) evitou que ela fosse inabilitada politicamente. Em 2018, a "mulher sapiens" disputou uma vaga no Senado por Minas gerais, mas terminou em quarto lugar.


Lula foi preso em abril de 2018, solto em novembro de 2019, descondenado e reabilitado politicamente por togas camaradas, visando evitar mais quatro anos sob o pior mandatário desde Tomé de Souza. A despeito de vir amargando os piores índices de popularidade de sua trajetória politica, o macróbio petista se recusa a largar o osso. Dilma, que mal consegue juntar sujeito e predicado numa frase que faça sentido, foi agraciada com presidência do Brics (salário de R$ 2,13 milhões por ano).


Durante a campanha de 2018, Bolsonaro prometeu pegar em lanças contra a corrupção petista. Eleito, facilitou a vida de corruptos — começando pelo filho, que lavava dinheiro em loja de chocolate. Em 2022, tentou vender aos comandantes das FFAA um golpe de Estado travestido de medida constitucional. Deu com os burros n'água e devolveu o Brasil ao PT. Inelegível até 2030 e na bica de ser condenado por tentativa de golpe, insiste que disputará novamente a Presidência em 2026. 


Como desgraça pouca é bobagem, a polarização política segue firme e forte. Mesmo que o Sun Tzu de Atibaia e o refugo da escória da humanidade despertem de seus devaneios, é provável que o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim despache para o segundo turno um par de sacripantas indicados por seus bandidos de estimação. 


Como um país assim pode dar certo?