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sábado, 23 de novembro de 2024

ELE NÃO SABIA DE NADA

QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.

 

Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
 
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia. 

Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
 
Em junho de 2022, numa reunião em que o presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o bobo da corte dizendo que era preciso virar a mesa antes das eleições, o general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, fez coro com os insurretos: 
"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". 

Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
 
Bolsonaro perdeu a reeleição e colecionou derrotas nos pleitos municipais. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026, mas a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada. A cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre seu plano de controlar a sucessão no campo da direita.
 
Em público, Valdemar Costa Neto — ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira — insiste na tese abilolada de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, porém, a cúpula do PL já admite que subiu no telhado a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável.
 
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a construção de uma chapa conservadora, sem o veneno golpista do "mito", já começa a ser articulada. Mesmo porque os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova com o defunto. 
 
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer disputar o Planalto em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, o macróbio indicaria um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou, não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
 
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido. Mas demonizar Moraes perdeu o nexo quando quando o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica (que não aderiram ao golpe) os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes e o procurador-geral Paulo Gonet se juntaram à hipotética confraria de perseguidores.
 
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista revelou que ele e outro capitão planejavam explodir bombas nos quartéis se o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%. O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
 
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia". Em 1999, afirmou que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC). Em 2016, 
ao votar favor do impeachment de Dilma, homenageou o torturador da ditadura Carlos Alberto Brilhante Ustra. 

Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva revela o método usado pelo clã para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa. O livro detalha ainda as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime, e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.  
 
Em meio à pandemia, Bolsonaro desdenhou do vírus, disse que a reação da população e da imprensa era "histeria", chamou a Covid de "gripezinha de nada" e demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um sucessor que não durou um mês no cargo, e colocou em seu lugar o general Eduardo 
"um manda e o outro obedece" Pazuello. 
 
relatório da CPI da Covid apontou uma dúzia de crimes, mas o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". 

Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos, chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta, transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado, e por aí afora. Mas o dito ficou pelo não dito. 
 
Derrotado nas urnas, o capetão-golpista se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula. Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente quando poeira dos atos terroristas do 8 de janeiro já havia baixado. 

Observação: Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com QueirozZambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
 
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do ex-presidente — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. 

Moraes deve enviar a PGR, nesta segunda-feira, o relatório de 884 páginas que recebeu da PF, mas Gonet dificilmente denunciará os indiciados até o final do ano, e o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pode empurrar a denúncia para depois do recesso judiciário. O recebimento da denúncia pelo STF abrirá prazo para a instrução da ação penal. 

Espera-se que a sentença saia ainda em 2025, para não contaminar as eleições de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, o Messias que não miracula permaneça inelegível por mais tempo que os anos que lhe restam de vida. 

Bolsonaro disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia. Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
 
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, ação penal e provável condenação. Essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar mas não falhar, move-se em solo brasileiro a velocidade de um cágado perneta. 

O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorre àquela corte precisa ter paciência de : dependendo de quem julga e de quem é julgado, a sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).

Triste Brasil.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

ESQUERDA X DIREITA

É A INGUINORANSSA QUE ASTRVANCA O POGRESSO.

Em sua fase larval, o PT se jactava de não roubar nem deixar roubar, mas bastou seu Pontifex Maximus ascender ao poder para a petralhada institucionalizar a corrupção e transformar o Brasil numa organização criminosa pluripartidária. 
 
Rivalidade na política sempre existiu. Lula começou a semear a cisão 
entre a classe operária e as "elites"quando ainda era líder sindical, e essa polarização se consolidou na disputa acirrada entre ele e Collor, na eleição solteira de 1989.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Existem duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade, a outra é não acreditar no que é verdade. Os bolsonaristas acham que a vitória de Trump abre as portas para a volta do mito em 2026, ao passo que os lulopetistas acreditam que Lula disputará e obterá um quarto mandato. Já quem não se rendeu ao fanatismo militante tem o dever de duvidar desse efeito Orloff. Se as eleições municipais não servem para projetar com precisão as eleições presidenciais de dois anos depois, menos confiável é o reflexo presumido nos resultados eleitorais em dois países muito diferentes. 
Bolsonaro não ganhou em 2018 devido à ascensão de Trump ao poder em 2016, mas graças uma conjunção de fatores internos. O que nos aproxima dos EUA é o mau humor do eleitorado que a direita sabe bem capturar e a esquerda ainda não faz ideia de como reconquistar. Tudo o mais nos distancia: sistema eleitoral, organização pluripartidária, trauma do passado de golpes e governos autoritários, existência de Justiça Eleitoral, barreiras legais a candidaturas fichas-sujas, Suprema Corte em alerta e a inelegibilidade do capetão-golpista.

Antes do golpe de 1964, a hipótese de um semianalfabeto chegar à Presidência era tão improvável quanto minha ascensão ao Trono de Pedro, mas Einstein ensinou que o impossível só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário, e Lula provou — não uma, mas três vezes!
 
Ainda que o PSDB tenha sido o adversário natural do PT durante décadas,
 os tucanos sempre foram de "centro" (se de centro-esquerda ou centro-direita, nem eles próprios sabem; quando há dois banheiros na casa, tucano que é tucano mija no corredor). Com a derrota de Aécio Neves em 2014, o partido perdeu o protagonismo e iniciou um processo de autocombustão. 

Observação: De 2018 para cá, as disputas presidenciais lembram a anedota do barítono, que, vaiado, provocou a plateia: "Não gostaram da minha performance? Esperem para ouvir o tenor!
 
O esquema de corrupção administrado pelo Planalto não "existe desde sempre". Ele começou com o Mensalão, evoluiu para Petrolão e desaguou no Tratoraço de Bolsonaro. Com a volta do desempregado que deu certo — que sempre negou o Mensalão e o Petrolão e atribuiu o desastre econômico à breve passagem de Michel Temer pelo Planalto —, a retomada da putaria franciscana eram favas contadas.

Pandora abriu sua caixa de desgraças uma única vez, mas os brasileiros borrifam merda na conjuntura a cada eleição. Nosso país vem sendo administrado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas, muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai pela outra porta, na posse do novo mandatário.
 
A merda reprocessada no governo Lula desaguou no governo Dilma e se reprocessou no governo Temer — parte integrante da herança que os desgovernos petistas deixaram para os próximos mandatários. Por um breve período, a Lava-Jato nos deu a impressão de que lei valia para todos. Mas o STF voltou atrás na jurisprudência sobre prisão em segunda instânciaanulou as condenações do xamã da petralhada e pregou no ex-juiz Sergio Moro a pecha da parcialidade. Essa sucessão de descalabros levou a usina de compostagem a produzir o bolsonarismo

Enquanto Lula oscilava entre a prisão e o Planalto, uma combinação mal-ajambrada de mau militar e parlamentar medíocre comia pelas beiradas. À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser guindado à Presidência era improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; e Bolsonaro, de 2019 a 2022. 
 
Graças à sucessão de decisões teratológicas emanadas do STFLula voltou a desgovernar esta banânia em janeiro de 2023. Bolsonaro está inelegível até 2030, mas alardeia que voltará em 2026, talvez porque a PGR e o ministro Alexandre de Moraes venham protelando sua conversão a réu pela fieira de crimes que lhe são atribuídos. 

Observação: Talvez isso mude agora, à luz dos detalhes estarrecedores revelados pela Operação ContragolpeA PF mirou em especial quatro militares, presos no contexto da suspeita de integrarem um plano que tinha como ponto de partida a decretação de um estado de exceção e, a partir daí, prisão, sequestro ou assassinato do então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e da chapa presidencial eleita (Lula-Alckmin).
 
Minha pergunta, caro leitor, é a seguinte: você se enxerga como "de esquerda", "de direita" ou "isentão"? 

Continua...

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

BANDIDO BOM É BANDIDO SOLTO

QUANDO VOCÊ ESTÁ NUM POÇO E O DESTINO LHE DÁ UMA CORDA, CABE A VOCÊ USÁ-LA PARA SUBIR OU PARA SE ENFORCAR.

Há tempos que o Brasil é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas, ganha nova embalagem e sai pelo outro lado, na posse do novo governante. O resultado é um círculo vicioso: políticos endeusados por uma choldra tacanha se elegem para roubar, roubam para se reeleger e criam leis em benefício próprio, em detrimento dos interesses da choldra tacanha, que, mesmo assim, insiste em reelegê-los. 
 
Assistir aos telejornais tornou-se uma provação. Quando não é o PCC executando delatores sob o nariz da polícia, é Haddad exaltando o óbvio na tentativa de convencer o PT e o próprio Lula de que é preciso cortar despesas para manter o déficit fiscal sob controle. E antes mesmo de decidir onde cortar — Saúde, Educação, Segurança Pública ou Previdência Social —, Lula nos enfia goela abaixo um novo Aerolula orçado em R$ 1,5 bi.

ObservaçãoO inquérito sobre a trama golpista mudou de patamar na última terça-feira, quando veio à público que um grupo de oficiais da tropa de elite do Exército urdiu um plano que envolvia o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. A questão agora não é mais se Bolsonaro e seus cúmplices serão condenados à prisão, mas quando as sentenças serão proferidas. Em que pesem as bobagens verbalizadas pelo filho do pai, o artigo 359-M do Código Penal anota que é crime "tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído". Relator do inquérito, Xandão avalia que a materialidade da tentativa de golpe está comprovada. A PF deve encaminhar ao Supremo ainda nesta semana o relatório que antecede os indiciamentos. Juridicamente, o destino dos golpistas logo estará nas mãos do procurador-geral Paulo Gonet. Politicamente, os aliados de Bolsonaro foram presenteados com um pretexto para organizar uma chapa à sucessão de 2026 sem o capetão. Até aqui, a pose de vítima do ex-presidente golpista era uma caricatura; a partir de agora, a ideia de articular algo que se pareça com a reabilitação política de um "mito" de pés de barro torna-se um escárnio.  
 
De um lado da Praça dos Três Poderes, nossos congressistas mantêm um olho no peixe (as presidências da Câmara e do Senado), outro no gato (as "emendas Pix") e os ambos na proposta que simplifica o impeachment de ministros do STF. Do outro lado da praça, semideuses togados empurram para as calendas a prisão de Collor e adiam as férias compulsórias de
 Bolsonaro e seus asseclas na Papuda ou no raio que os parta.

Collor, para quem não lembra, derrotou Lula em 1989 e se tornou primeiro presidente eleito pelo voto popular na “Nova República” e o primeiro a sofrer impeachment. Depois de recuperar seus direitos políticos, o sacripanta disputou (e perdeu) o governo de Alagoas, foi eleito senador, tentou o governo do estado e perdeu outra vez, renovou o mandato de senador em 2014 e foi denunciado pela saudosa Lava-Jato, no ano seguinte, de desviar R$ 20 milhões da BR Distribuidora.
 
Passados nove anos, o "Rei-Sol" continua livre, leve e solto, embora tenha sido condenado pelo STF a 8 anos de 10 meses de prisão. Os embargos de declaração (recurso que se destina apenas a esclarecer pontos contraditórios, omissos ou obscuros da sentença) começaram ser apreciados no escurinho do plenário virtual em fevereiro. Depois que Moraes votou pela rejeição, Toffoli vestiu a fantasia de paladino e emperrou o julgamento com um pedido de vista tão escancaradamente protelatório quanto os próprios embargos, já que a defesa pedia simplesmente a redução da pena.
 
Devolvidos os autos e reiniciado o julgamento, um pedido de destaque apresentado pelo ministro bolsonarista André Mendonça (que seguiu o voto de Dias Toffoli pela redução da pena) levou o caso ao plenário físico, onde o recurso foi rejeitado por 6 votos a 4 (o ministro lulista Cristiano Zanin se escusou de votar). Significa dizer que 40% das togas (Toffoli, Mendonça, Mendes e Marques) votaram a favor de cortar a pena pela metade, e como o réu não amargou condenações anteriores e tem mais de 70 anos, o castigo poderia ser convertido de cana dura em prestação de serviços à comunidade. Um acinte!
 
A defesa de Collor ainda pode apresentar novos embargos de declaração. Tecnicamente, isso faz parte do devido processo legal; na prática, olhando esse imbróglio a partir de uma mesa de bar, o cidadão comum pode chegar à conclusão de que, no Brasil, acima de um certo nível de poder e renda, bandido bom é bandido solto.

terça-feira, 12 de novembro de 2024

AS AVES QUE AQUI GORJEIAM NÃO GORJEIAM COMO LÁ


"O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil", disse Juracy Magalhães, que foi embaixador em Washington pelo marechal Castello Branco quando esta banânia era mais uma ditadura militar instalada sob o pretexto de salvar a América Latina do comunismo.

Para os que gazeteavam nas aulas de História, relembro que a renúncia de Jânio Quadros e a aversão dos militares ao vice João Goulart levaram ao golpe de Estado que prefaciou a ditadura que Bolsonaro sempre negou e seu vice classificou de ditamole. A vacância da Presidência foi declarada em 1º de abril de 1964, mas a História marca o evento no dia anterior, para evitar associações jocosas com o "dia da mentira".
 
Quando a Marcha da Família com Deus pela Liberdade escancarou o apoio civil ao golpe, o Congresso, ameaçado de fechamento, chancelou a derrubada de Jango e a "eleição" de Castello Branco, então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas. Quem apoiou o golpe acreditando que a democracia seria restabelecida com eleições diretas no ano seguinte deu com os burros n'água: a ditadura se estendeu até 1985, com outros quatro generais se revezando no poder, num jogo de cartas marcadas onde o partido de oposição (MDB) era meramente figurativo.
 
Os milicos não retornaram para a caserna graças ao espírito democrático de Geisel e Figueiredo, mas devido às manifestações populares pelas Diretas Já. Todavia, embora Ulysses Guimarães, Mário Covas, Leonel Brizola e Ciro Gomes figurassem na lista dos 22 postulantes ao Planalto, o eleitorado brasileiro, sempre inclinado a fazer as piores escolhas, escalou para o embate final um caçador de marajás demagogo e populista e um ex-metalúrgico populista e demagogo. E o resto é história recente: a vitória de Collor e o "nós contra eles" de Lula pavimentaram o caminho para a polarização que, 29 anos depois, dividiria o país em sectários do lulopetismo corrupto e devotos do bolsonarismo boçal. 
 
Se dependesse de Bolsonaro — o filhote da ditadura que, segundo ele, deveria ter torturado e matado muito mais gente —, a democracia jamais teria sido restabelecida. Agora, estimulado pela vitória de seu ídolo — um criminoso condenado, já indiciado por tentar melar a eleição anterior e às voltas com inéditas pendências judiciais — o capetão declarou que "quase tudo o que acontece lá acontece aqui", que "partiremos para uma revolução em 2026" e que "podemos ter uma bancada enorme de senadores e deputados de outros partidos do nosso lado".
 
A torcida de Lula pela vitória de Kamala Harris foi desnecessária, pois ninguém ignorava sua aversão por Trump, e inútil, já que o poder o petista como cabo eleitoral tornou-se discutível até no Brasil. Compelido pelo fato consumado a parabenizar o eleito, disse o Sun Tzu de Atibaia que "o mundo precisa de diálogo e trabalho conjunto", esquecendo-se de lembrar (ou lembrando-se de esquecer) que Trump retornará ao poder com maioria no Congresso e uma Suprema Corte de viés conservador, e que sua coleção de processos judiciais já foi encostada no arquivo. Alguém deveria lembrar ao petista que Trump converterá a Casa Branca numa sucursal do inferno, e que o governo brasileiro terá que dialogar com o capeta, pois ignorar os fatos não faz a realidade desaparecer.
 
Como para comprovar o ditado "quem sai aos seus não degenera", Zero Um declarou que a "via crucis" que Trump enfrentou nos EUA é "muito parecida com a que seu pai está atravessando aqui", e que, "se descondenaram o Lula depois de tudo o que ele fez", não há motivo para a inelegibilidade de Bolsonaro não ser revertida. E Zero Três foi além: "Eu não vejo eles [o governo norte-americano] mandando recado para o TSE ou algo assim, mas o STF... um ou dois juízes que ficam mais à vontade para adotar suas políticas... eles vão ficar com o pé atrás."
 
"Há dois anos querendo me incriminar como golpista, vai à merda, porra...", disse Bolsonaro, referindo-se ao ministro Alexandre de Moraes, talvez com o intuito de manter na ponta dos cascos a récua de muares descerebrados que lhe babam os ovos. Mas a porca torce o rabo quando ele insinua que Trump gostaria de vê-lo anistiado. Cabe a Moraes autorizar ou não o mentor intelectual e principal beneficiário do 8 de Janeiro comparecer à posse de sua musa inspiradora, mas dois pedidos de devolução do passaporte já foram recusados, e tudo indica que desta vez não será diferente, com ou sem a ameaça de retenção do visto feita por um grupelho de congressistas trumpistas ao ministro do STF.
 
Pode-se gostar ou não de Trump, mas não se pode negar que ele é um fenômeno político. Já Bolsonaro não passa de uma imitação grosseira. O peruquento se manteve à tona por quatro anos, e agora está de volta, ao passo que o clone mal-ajambrado entrou para a História como o único presidente brasileiro que tentou a reeleição e foi barrado nas urnas — e, de quebra, corre o risco de acabar na prisão.
 
Se tiverem juízo, a PGR e o STF se apressarão em demonstrar que suas palmeiras não fornecem sombra para delinquente nem seus sabiás cantam mais afinados que os melros-azuis na terra do Tio Sam. As eleições foram usadas como pretexto para retardar seu indiciamento, mas agora não há motivo para que ele não se torne réu, seja julgado e sentenciado. Ao contrário do que disse o embaixador americano nos anos 1960, o que pode ser bom para os EUA pode não ser necessariamente bom para o Brasil.

sexta-feira, 4 de outubro de 2024

A CAIXA DE PANDORA — O MITO E A REALIDADE

NÃO ESPEREIS O JUÍZO FINAL; ELE SE REALIZA TODOS OS DIAS.

 

"Abrir a Caixa de Pandora" é uma metáfora para ações que desencadeiam consequências maléficas e irreversíveis. 

Segundo a mitologia grega, Pandora ("aquela que tem todos os dons") foi criada por Hefesto e Palas Atena a mando de Zeus, que queria castigar Prometeu ("aquele que pensa antes") por roubar o fogo dos deuses e dá-lo aos homens. 

Depois de ganhar um dom de cada divindade de Olimpo, Pandora recebeu de Zeus uma caixa que jamais deveria ser aberta e a missão de seduzir Epimeteu ("aquele que pensa depois"). Encantado com a beleza da moça e ignorando as advertências do irmão, Prometeu, sobre aceitar presentes do deus dos deuses, Epimeteu tomou a moça como esposa (e eu que achava que "presente de grego" tinha a ver com a lenda do Cavalo de Troia). 
 
Quando criou a mulher, Deus também criou a curiosidade. A curiosidade levou Pandora a abrir a caixa e libertar todos os males que recaíram sobre a humanidade. Mas a esperança, que é "a última que morre", ficou presa no fundo da caixa, talvez para nos dar forças para lutar contra as adversidades, mesmo que o mal muitas vezes vença o bem.
 
Revisito essa fábula por três motivos: 1) sempre gostei de mitologia; 2) muita gente usa essa metáfora sem saber sua origem; 3) insistir no erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que eu conheço. 
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas o tempo provou que eles estavam certos. O eleitores fazem nas urnas, a cada dois anos, o que Pandora fez uma única vez. Só que não por curiosidade, e sim por ignorância. E como ensinou o Conselheiro Acácio (personagem do romance O Primo Basílio), as consequências vêm sempre depois. 
 
A ditadura militar resultante do golpe de 1964 durou 21 longos anos. A reabertura, lenta e turbulenta, não se deveu ao "espírito democrático" dos presidentes-generais Geisel e Figueiredo, mas ao ronco das ruas e à pressão da imprensa, que se intensificaram em 1984, depois que uma manobra de bastidor sepultou a emenda Dante de Oliveira

Em janeiro do ano seguinte, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf por 480x180 votos de um colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. A exemplo da Viúva Porcina (aquela que foi sem nunca ter sido), Tancredo entrou para a história como nosso primeiro presidente civil desde João "Jango" Goulart, mas baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois.

A raposa mineira levou para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixou de herança um neto que envergonharia o país e um mix de puxa-saco dos militares, oligarca da politica de cabresto nordestina, escritor, poeta e acadêmico que se chamava José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mas era conhecido como José Sarney

Sem o carisma e o traquejo administrativo do finado, Sarney tentou descascar o formidável abacaxi econômico (inflação, dívida externa e desemprego nas alturas) através de uma série de pacotes de medidas econômicas baseadas no congelamento de preços e salários. Ao final de sua aziaga gestão, a inflação estava em 4.853% ao ano, mas os prefeitos haviam voltado a ser eleitos diretamente, a Constituição Cidadã fora promulgada (aumentando de 4 para 5 a duração de seu mandato) e a primeira eleição presidencial direta desde 1960, realizada.   
 
Em 15 de novembro de 1989, o cardápio de postulantes ao Planalto oferecia 22 opões, incluindo Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola. E o que fez esclarecido eleitorado ao quebrar o jejum de urna de 29 de urna? Escalou Lula e Fernando Collor para disputar o 2º turno. O caçador de marajás de mentirinha venceu o desempregado que deu certo, mas o envolvimento no esquema PC lhe rendeu um impeachment.
 
Observação: Em maio do ano passado, o STF condenou Collor a 8 anos e 10 meses de reclusão, mas ele continua livre, leve e solto graças a um pedido de vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli na véspera do último carnaval. Em contrapartida, qualquer "reles mortal" que acessar o Xwitter durante a suspensão ordenada pelo ministro Alexandre de Moraes corre o risco de ser multado em R$ 50 mil. Dá para acreditar numa coisa dessas?
 
Com a deposição do Rei-Sol, o baianeiro e namorador Itamar Franco foi promovido a titular, nomeou Fernando Henrique ministro da Fazenda e editou o Plano Real, cujo sucesso pavimentou o caminho que levou o grão-duque tucano a vencer o pleito presidencial de 1994 no 1º turno. Em 1997, picado pela mosca azul, sua alteza comprou a PEC da reeleição

Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas disputou a reeleição em 1998 e foi eleito no 1º turno, mas em 2002, sem novos truques para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor.
 
Após três derrotas consecutivas, Lula venceu José Serra e deu início aos 13 anos, 4 meses de 12 dias de lulopetismo corrupto que só foi interrompidos em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff, a inolvidável gerentona de araque

Num primeiro momento, a troca de comando pareceu uma lufada de ar fresco numa catacumba: depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um ex-retirante semianalfabeto e frases desconexas de uma mandatária incapaz de juntar lé com cré numa frase que fizesse sentido, ter um presidente que sabia falar – e que até usava mesóclises – era um refrigério.
 
Temer conseguiu reduzir a inflação (que havia retornado firme e forte sob Dilma) e aprovar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas seu prometido "ministério de notáveis" se revelou uma notável agremiação de corruptos e sua "ponte para o futuro", uma patética pinguela. 

A conversa de alcova gravada à sorrelfa por Joesley Batista só não derrubou o vampiro do Jaburu porque sua tropa de choque – capitaneada pelo deputado Carlos Marun – comprou votos das marafonas da Câmara para escudá-lo das "flechadas de Janot". Apesar do desgaste, o nosferatu claudicou como "pato manco" até o final do mandato-tampão e transferiu a faixa para Jair Bolsonaro. 
 
Sem a proteção do manto presidencial, o vampiro que tinha medo de fantasma chegou a ser preso, mas foi socorrido pelo desembargador Ivan Athié, então presidente da 1ª Turma do TRF-2, que havia sido afastado do cargo durante 7 anos por suspeitas de corrupção e venda de sentenças, mas fora reintegrado em 2011, quando o STF trancou o processo contra ele. E viva a Justiça brasileira!
 
Ao acompanhar o golpe de Estado que levou Napoleão III ao poder, Karl Marx concluiu que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. O Barão de Itararé dizia que político brazuca é um sujeito que vive às claras, aproveita as gemas não despreza as cascas, e o saudoso maestro Tom Jobim (que era brasileiro até no nome), ensinou que o Brasil não é para principiantes. E com efeito. 
 
Em 2018, havia 13 postulantes ao Planalto. Nenhum deles empolgava, é verdade, mas por que se arriscar a acertar com Geraldo Alckmin, Álvaro Dias, Henrique Meirelles ou João Amoedo quando se podia pode errar com certeza escalando para o embate final um mau militar e parlamentar medíocre travestido de "outsider antissistema" e um patético bonifrate do então ex-presidiário mais famoso do Brasil?

Em 2022, as opções era ainda menos atraentes, sobretudo depois que o "establishment" eliminou Sergio MoroJoão Dória e Eduardo Leite da quimérica "terceira via". Mas, de novo, por que correr o risco de acertar votando em Simone Tebet, em Felipe D'ávilaou mesmo em Ciro Gomes (situações desesperadoras justificam medidas desesperadas) quando se podia errar com certeza despachando Lula e Bolsonaro para o 2º turno?
 
Tanto num caso como no outro a maldita polarização fez com que tanto a merda quanto as moscas fossem as mesmas. A diferença foi que em 2018 a parcela minimamente pensante do eleitorado se viu obrigada a apoiar o ex-capitão para evitar que o país fosse presidido pelo fantoche do presidiário, e em 2022, embarcar na falaciosa "Frente Democrática", capitaneada pelo então ex-presidiário "descondenado" para evitar mais 4 anos (ou sabe Deus quantos) sob a batuta do refugo da escoria da humanidade.
 
Há males que tempo cura e males que vêm para pior e com o passar do tempo. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2, e como como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio petista cogita disputar a reeleição em 2026 (que os deuses nos livrem tanto dessa desgraça quanto da volta do capetão-golpista).
 
As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentados todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males, mas isso só se justifica quando e se não há outra opção. E tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu porque sofre do pior tipo de cegueira que existe. 
 
Observação: Um levantamento feito pelo portal g1 apurou que 61 pessoas com mandados de prisão em aberto (leia-se fugitivos da polícia) se candidataram a prefeito ou a vereador nas eleições deste ano. A maioria dos casos envolve dívida de pensão alimentícia, mas há suspeitos de estelionato, roubo, homicídio e estupro. 
 
Reza uma velha (e filosófica anedota) que Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo que acabara de criar, quando um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: "Senhor, por que destinastes a essa porção de terra clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furações ou terremotos?" E Deus respondeu: "Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar aí."
 
Políticos incompetente e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se eles estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles. 
 
Einstein achava que o Universo e a estupidez humana eram infinitos, mas salientou que, quanto ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana merece ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta. 
 
Não há provas de que boas ações produzam bons resultados – a "lei do retorno" é mera cantilena para dormitar bovinos – mas sabe-se que más escolhas costumam gerar péssimas consequências, como prova e comprova a história desta republiqueta de bananas: nossa independência  foi comprada, a Proclamação da República foi um golpe militar (o primeiro de muitos), o voto é um "direito obrigatório", nossa democracia é uma piada e o sistema político está falido. 
 
Desde 1889, 35 brasileiros alcançaram a Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (o número depende de como alguns casos específicos, como presidências muito breves ou interinas, mas isso não vem ao caso neste momento). Oito integrantes dessa seleta confraria – começando pelo primeiro, Deodoro do Fonseca – deixaram o cargo prematuramente, e dos cinco que foram eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois acabaram impichados. 

Dos mais de 30 partidos políticos que mamam nas tetas dos fundos eleitoral e partidário (ou seja, são bancados pelo suado dinheiro dos "contribuintes"), nenhum representa os interesses da população, e alguns são verdadeiras organizações criminosas. 

O Brasil de hoje lembra aquelas fotos antigas de reis africanos, que imitavam os trajes e trejeitos dos governantes de nações mais evoluídas e recebiam aulas de civilização dos oficiais do Império Britânico, mas achavam que para se transformar em soberanos civilizados bastava copiar as vestes e adereços daqueles que lhes falavam das maravilhas da Rainha Vitória ou de Napoleão III. 

O resultado se vê nas fotografias. As mais clássicas mostram negros magros, ou gordíssimos, com uma cartola de segunda-mão na cabeça, calças rasgadas ou remendadas, pés descalços ou calçados com uma bota só, velha e sem graxa. Imaginavam-se nobres, esses coitados, iguais a seus pares europeus, mas, junto com as novas roupas e os acessórios, continuavam usando colares feitos de ossos, pulseiras de metal e argolas na orelha ou no nariz, enquanto eram roubados até o último papagaio pelos que supostamente vieram ensiná-los a ter valores cristãos, avançados e democráticos.
 
O Brasil aparece na foto como uma democracia de Primeiro Mundo, mas a realidade do dia a dia mostra pouco mais que uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Nossas eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, do voto obrigatório ao anacrônico horário eleitoral "gratuito", passando por deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm meia dúzia de eleitores. 

O resultado é um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Acordos políticos são urdidos na surdina por parlamentares que votam com base em seus interesses pessoais. Milícias e fações criminosas têm representantes no Congresso, nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras Municipais. Candidatos só entram em algumas regiões se tiverem proteção dos criminosos, e os moradores são "convidados" a votar na "turma da casa".
 
Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças com reis africanos. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. O Congresso não representa o povo que o elegeu para tal, e há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Com quase 50 mil assassinatos por ano, o Brasil é um dos países onde a vida humana tem menos valor. 
 
Se nossas instituições funcionassem – e suas excelências não se cansam de dizer que elas funcionam –, a Câmara teria aberto pelo menos um dos quase 150 pedidos de impeachment contra Bolsonaro, e o Centrão não teria transformado a ocupação do Orçamento num processo de bolsonarização das instituições. Pode passar pela cabeça de alguém que exista democracia num país como esse? 
 
Quando nossos nobres parlamentares perderam a credibilidade e o mais alto cargo do funcionalismo público federal passou a ser ocupado por uma sequência de mandatários que, noves fora Fernando Henrique — já foram presos ou respondem a processos criminais, o Judiciário se tornou nosso último bastião. Mas faz tempo que as opiniões e os vieses político-partidários dos eminentes togados (que deveriam ser isentos, imparciais e apartidários) se tornaram públicos e notórios.
 
O Supremo poderia nos ter livrado do aspirante a golpista em diversas oportunidades (motivos para tal não faltaram), mas as excelências que tudo decidem – do destino dos presidentes ao furto de codornas — acharam melhor dar tempo ao tempo, apostando na sapiência inigualável dos eleitores. 

É fato que Alexandre de Moraes impediu a consumação do golpe, mas também é fato que ele já deveria ter tirado de circulação o "mito" dos extremistas de direita, que mesmo inelegível até 2030 faz pose de cabo eleitoral de luxo e articula com seus comparsas no Congresso uma improvável (mas não impossível) anistia a si e aos golpistas do 8 de janeiro. 
 
Como o chanceler Charles De Gaulle não disse, mas a frase lhe é atribuída, "le Brésil n’est pas un pays serieux". 
 
Continua...