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segunda-feira, 2 de abril de 2018

AINDA SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA (CONCLUSÃO)



A prisão após sentença condenatória de primeiro grau valeu entre 1940 até 1973, quando então a regra foi mudada para favorecer o delegado Sérgio Paranhos Fleury, chefe da repressão e notório torturador, que estava para ir a júri popular. Por conta disso, os militares pressionaram o Congresso para aprovar a lei 5.941, que estabeleceu a possibilidade de condenados na primeira instância apelarem em liberdade. Em 1988, nossa famigerada “Constituição Cidadã” completou o desserviço ao determinar que a presunção de inocência valesse até o trânsito em julgado da sentença (ou seja, até que todos os recurso em todas as instâncias fossem julgados).

Observação: Segundo a Constituição, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (Art. 5º, LVII). Esse é o fundamento do princípio da presunção de inocência (ou da não culpabilidade).

A presunção de inocência é elogiável, não resta dúvida. Mas, considerando as peculiaridades da Justiça brasileira ― sobretudo a existência de 4 instâncias, um sem-número de apelações possíveis e a notória morosidade do Judiciário ―, sua observância literal “oficializa” a impunidade, notadamente para réus endinheirados, que podem pagar os melhores criminalistas e aguardar em liberdade até que a prescrição impeça o Estado de puni-los (saiba mais sobre prescrição, decadência, preclusão e perempção na postagem anterior).

Na virada do século, a súmula 09 do STJ cristalizou o entendimento de que a prisão do condenado em segunda instância não ofende a presunção de inocência, e que, para apelar, era preciso iniciar o cumprimento provisório da pena. Em 2009, todavia, quando as investigações do escândalo do mensalão ameaçavam mandar para a prisão bandidos de colarinho branco poderosos, o então ministro Eros Grau (indicado por Lula para o Supremo) defendeu a volta ao status quo ante, e a maioria de seus pares seguiu seu voto. 

Observação: Ao longo de seus dois mandatos à frente da presidência da Banânia, Lula indicou para o STF os ministros Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Cezar Peluso, Joaquim Barbosa e Dias Toffoli. Da composição atual, apenas o decano Celso de Mello (indicado por Sarney), Marco Aurélio Mello (indicado pelo primo Fernando Collor), Gilmar Mendes (por FHC) e Alexandre de Moraes (por Michel Temer) não foram guindados à corte pelo demiurgo de Garanhuns ou por sua deplorável sucessora.

Em 2016, com Eros Grau já aposentado, o Supremo restabeleceu (por 6 votos a 5) o entendimento vigente até 2009 ― ou seja, de que a prisão após condenação em segunda instância é constitucional e não viola o princípio da presunção de inocência. Hoje, conforme registrou Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna no GLOBO, o ex-ministro se arrepende do que fez: "Neste exato momento, eu até fico pensando se não seria bom prender já na primeira instância esses bandidos que andam por aí", disse Grau ao jornalista.

Agora, quando chega a vez de Lula, o STF volta a se articular para restabelecer a norma vigente entre 2009 e 2016. Mas não é só por Lula, claro; a mudança livraria muita gente da cadeia e impediria que outros tantos fossem presos ― dentre os quais o presidente Temer, ministros e parlamentares hoje protegidos pelo foro privilegiado, mas que perderão o benefício ao final de seus mandatos.

É importante ter em mente que os recursos ao STJ e STF (especial e extraordinário, respectivamente) não se prestam ao reexame de provas, mas sim a questionar matéria de direito ― como eventual descumprimento de preceitos legais/constitucionais. Portanto, salvo melhor juízo, a presunção de inocência exaure-se após a confirmação da sentença penal pelo tribunal de segundo grau.

Em artigo publicado na Folha em fevereiro passado, Luís Roberto Barroso, do STF, e Rogério Eschietti, do STJ, ponderaram que um estudo considerando quase 69 mil decisões do STJ ― monocráticas e de colegiado ― ao longo de dois anos derruba o argumento de que recursos mudam os vereditos da segunda instância. A soma dos percentuais de absolvição e substituição de pena é de apenas 1,64%; portanto, seria “ilógico moldar o sistema em função da exceção, e não da regra (...) e o STF voltar atrás nessa matéria [execução provisória da pena após condenação em segunda instância] traria pouco benefício, já que a redução do risco de ser punido manteria a atratividade do crime, desestimularia a colaboração com a Justiça e, em vez de incentivar empreendedores honestos, continuaria a favorecer quem transgride as leis penais”.

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domingo, 1 de abril de 2018

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE A PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA




Esta semana promete ser movimentada em Brasília, não só pela retomada do julgamento do HC de Lula no STF, marcado para a próxima quarta-feira, mas também pelos desdobramentos da investigação envolvendo amigos próximos a Michel Temer no caso da Rodrimar ― basta lembrar que esse imbróglio já resultou na quebra do sigilo bancário do presidente e na prisão temporária de 6 suspeitos de envolvimento, entre os quais o célebre Coronel Lima, suposto laranja de Temer, e do advogado José Yunes, amigão do emedebista desde os bancos acadêmicos. 

Por isso, resolvi aproveitar este domingo de Páscoa para esclarecer alguns pontos sobre a prisão após condenação em segunda instância, tema que vem dividindo opiniões no plenário da nossa mais alta corte. A propósito, vale lembrar que o entendimento atual foi avalizado pelo STF em fevereiro de 2016, por 7 votos a 4, no julgamento do HC 126.292, que discutia a legitimidade de ato do TJ/SP, que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da execução da pena. Depois disso, a questão foi reexaminada outras duas vezes pelo plenário da Corte, mas o entendimento foi mantido, embora por um placar ainda mais apertado (de 6 votos a 5).

Com a condenação de Lula pelo TRF-4, petistas e outros defensores daquilo que menos presta nesta Banânia vêm pressionando a ministra Cármen Lúcia a levar novamente o assunto a plenário. E o pior é que essa caterva conta com o apoio de ministros da própria Corte, que parecem dispostos a tudo para proteger o criminoso de São Bernardo e, de quebra, restaurar a jurisprudência anterior, que permitia aos criminosos recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença condenatória (aliás, fala-se numa solução intermediária, que seria a prisão após se esgotarem os recursos na 3.ª instância, mas isso por enquanto é especulação).

O grande problema é que nossa Justiça tem quatro instâncias, e cada uma delas oferece um vasto cardápio de apelos, recursos, embargos e chicanas protelatórias. Assim, impedir o início do cumprimento da pena após decisão colegiada seria ferir de morte a Lava-Jato, cujo sucesso se deve em grande medida às delações premiadas, que dependem de conduções coercitivas, prisões preventivas e ameaça real de cumprimento da pena, sem o que os bandidos de colarinho branco dificilmente entregariam a rapadura. 

Mas não é só. Se o estapafúrdio salvo-conduto concedido a Lula no último dia 22 já estimulou Eduardo Cunha, Antonio Palocci, Geddel Vieira Lima e outros integrantes dessa “nobre confraria” a pleitear isonomia de tratamento, um tsunami de habeas corpus está por vir ― e não só de criminosos de colarinho branco, mas também de assassinos, estupradores, latrocidas, traficantes e outros pulhas que postulariam sua soltura e o direito a aguardar em liberdade o julgamento de seus recursos especiais/extraordinários.

Se a prisão em segunda instância voltar a ser debatida ― como vem insistindo o ministro Marco Aurélio, relator das ADCs 43 e 44 ―, se Gilmar Mendes mudar seu voto e se Rosa Weber não acompanhar o entendimento de Cármen Lúcia, Fachin, Barroso, Fux e Alexandre de Moraes, que são favoráveis à prisão em segunda instância, tudo voltará a ser como dantes no Quartel de Abrantes, quando a prescrição fulminava a expectativa de prisão dos apenados (especialmente dos que podiam contratar criminalistas de primeira linha). A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com nada menos de 120 recursos até seu cliente finalmente ser encarcerado, e o eterno deputado Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de empurrar o processo com a barriga por intermináveis 17 anos ― e agora está em prisão domiciliar, graças a uma decisão “humanitária” (e provisória, é bom lembrar), de Toffoli, que disputa com Mendes o epíteto de laxante togado.

Mas a coisa nem sempre foi assim. No começo era o Caos (ou pelo menos é o que diz o Velho Testamento), mas mesmo antes já devia haver políticos, pois ninguém melhor que eles para criar o caos... a não ser, talvez, certos ministros tendenciosos, que colocam a ideologia partidária acima da Lei e prestam vassalagem a quem os indicou para o cargo que ora ocupam. A propósito, eu já comentei que considero a atual composição do STF a pior de todos os tempos, e não apenas porque 7 dos 11 membros da Corte foram indicados pelo criminoso de São Bernardo e pela anta sacripanta que ele conseguiu emplacar como sua sucessora. Mas isso é conversa para outra hora.

Passando ao que interessa, de 1941 a 1973 a regra no Brasil era a prisão após a condenação em primeira instância. Naquele ano (e sob a égide da ditadura militar), a Lei nº 5.941 ― que acabou ficando conhecida como como Lei Fleury, porque foi criada de encomenda para favorecer o delegado do DOPS e notório torturador Sérgio Paranhos Fleury ― alterou o Código de Processo Penal e garantiu a réus primários e com bons antecedentes o direito de responder ao processo em liberdade até o julgamento em segunda instância. A partir de 2009, talvez como consequência serôdia da nossa fantasiosa “Constituição Cidadã”, os condenados só eram presos após o trânsito em julgado da sentença condenatória, ou seja, depois de esgotados todos os recursos até a última instância do Judiciário (o que na prática é no "dia de São Nunca). Até que, em 2016, o STF restabeleceu a norma da execução da pena após a condenação em segunda instância.

Assim, em 70 dos últimos 77 anos os criminosos eram presos após a condenação em primeira ou segunda instâncias ― como acontece na maioria das democracias do Planeta. A prisão após trânsito em julgado vigeu por míseros 7 anos, mas favoreceu uma miríade de condenados bem situados social e economicamente, capazes de arcar como honorários milionários de criminalistas estrelados e assim postergar sua prisão até o advento da prescrição. Portanto, salta aos olhos que ressuscitar essa norma de exceção não só beneficiaria o ex-presidente Lula, mas também um sem-número de empresários, executivos, altos funcionários e políticos que foram apanhados pela Lava-Jato ou estão a caminho de sê-lo.

Noto agora que este texto ficou mais longo do que eu gostaria, de modo que vou deixar a conclusão para a próxima postagem. Ainda assim, tomo mais alguns minutos do leitor para explicar melhor o que é prescrição e, de passagem, abordar outros termos correlacionados. Acompanhe:

No jargão jurídico, prescrição designa a perda de uma pretensão pelo decurso do tempo, e pode ser conceituada como a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei. Criminalistas chicaneiros são especialistas em retardar o andamento processual mediante a interposição de recursos meramente protelatórios. Assim, uma vez operada a prescrição, seus clientes, mesmo reconhecidamente culpados, não poderão ser devidamente punidos. Já decadência remete à perda de um direito potestativo pelo decurso de um prazo fixado em lei ou convencionado entre as partes. Em seu sentido mais estrito, ela traduz o perecimento do direito da ação penal pelo decurso do prazo ― ou seja, se alguém tem um direito violado, mas demora a buscar a devida reparação, deixará de poder fazê-lo depois de transcorrido determinado lapso de tempo. Vale salientar que o objeto da decadência é o direito, diferentemente da prescrição, que atinge a pretensão. A perempção, por sua vez, é definida como um fenômeno processual extintivo da punibilidade em ações penais de iniciativa privada, caracterizado pela inatividade, omissão ou negligência do autor na realização de atos processuais específicos. Em outras palavras, trata-se da perda do direito do autor de renovar a propositura da mesma ação ― e ainda que cause a perda do direito de ação, nada impede que a parte invoque seu eventual direito material em defesa, quando sobre ele vier a se abrir processo por iniciativa da outra parte. Há ainda a preclusão, que decorre do fato de o autor ou réu não ter praticado um ato processual no prazo em que ele deveria ser realizado (diferentemente das demais hipóteses, ela não atinge o direito de punir), e a perempção, que remete à perda do direito de ação do autor que abandonou a causa.

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