Cerca de 250 mil clientes da Enel na região metropolitana de São Paulo continuavam sem energia na manhã desta terça-feira, devido ao temporal da última sexta, quando ventos de até 108 km/h deixaram no escuro mais de 2,1 milhões de imóveis — número superior ao registrado na Flórida durante a passagem do Milton. De acordo com a ANEEL, a concessionária deixou de cumprir com o plano de contingência para eventos climáticos extremos e mobilizou menos funcionários que o esperado, mas atribuir a responsabilidade somente a ela é burrice, e culpar a privatização, burrice ao quadrado.
Na década de 1970, a Light São Paulo foi estatizada e passou a ser controlada pela Eletrobrás. Em 1981, o governo do estado criou a Eletropaulo Metropolitana, que começou a ser desestatizada em 1995 e foi adquirida em 1998 por um consórcio liderado pela AES Corporation, que se tornou a única controladora da empresa. Em 2018, a Enel Brasil adquiriu o controle acionário da AES Eletropaulo, que passou a se chamar Enel Distribuição São Paulo.
O serviço prestado pela AES Eletropaulo deixava a desejar, mas há males que vem para pior. Como dizia o saudoso Tom Jobim, "o Brasil não é para amadores". Por outro lado, fornecer um serviço de qualidade para quase 20 milhões de consumidores — que, por mal de seus pecados, não têm outra opção — é um desafio até mesmo os melhores "profissionais".
Em novembro do ano passado, 4 milhões de domicílios ficaram sem energia em 27 municípios do Estado de São Paulo — alguns por mais de 70 horas. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas disse que o grande vilão desse episódio foi a questão arbórea, e Nicola Cotugno, então presidente da Enel, identificou um segundo culpado: "Não é para nos desculparmos, não. O vento foi absurdo!" Em outras palavras, as árvores cometeram vários crimes. O crime de simplesmente existir poderia ser considerado simples contravenção se elas não tivessem se multiplicado e, em conluio com a ventania, tombado sobre a fiação elétrica.
No Brasil, nenhum problema é tão grande que não caiba no dia seguinte, mas a vileza arbórea forçou as autoridades a dizer alguma coisa. Ciente de que a melhor maneira de fugir do instinto criminoso das árvores seria enterrar os fios, o prefeito Ricardo Nunes aventou a criação de uma taxa para financiar o enterramento da fiação elétrica. A repercussão negativa foi tamanha que, menos de 24 horas depois, o prefeito declarou que jamais imporia semelhante suplício aos paulistanos; caso eles se cotizassem voluntariamente para enterrar os fios por conta própria, a prefeitura participaria da vaquinha.
Nunes esqueceu de lembrar, ou lembrou de esquecer, que a poda das árvores é uma responsabilidade do município financiada pelo contribuinte, e que, quando os galhos roçam a fiação, a concessionária de energia também pode realizar a poda, até porque o preço já está embutido na conta.
Observação: A falta de energia eletrificará os debates entre os candidatos à prefeitura de Sampa. Boulos já afirmou que o adversário é incapaz de podar as árvores, e Nunes, que o padrinho de seu oponente precisa "criar vergonha e rescindir o contrato" com a Enel. Ecoando o alcaide, o governador disse que cabe ao Ministério de Minas e Energia e à ANEEL fiscalizar a concessão privada, e o ministro do setor, que a Enel recebe proteção da agência reguladora porque esta é gerida por indicados no governo anterior. O que ninguém disse é que Alexandre Silveira virou ministro de Lula na cota do PSD de Gilberto Kassab, homem forte do secretariado do burgomestre que culpou "a questão arbórea" pelo apagão do ano passado. Em resumo, Boulos culpa Nunes, que responsabiliza Lula, que é defendido por Silveira, que foi indicado pelo partido do Kassab, que é homem forte de Tarcísio, que carrega a candidatura de Nunes sobre os ombros. Parece brincadeira de ciranda, cirandinha, mas quem não quiser cirandar no papel de bobo precisa notar que não há inocentes no escuro, apenas culpados e cúmplices.
O fornecimento de energia elétrica é uma concessão da União. Em 1996, criou-se a ANEEL — uma autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia que deveria fiscalizar os contratos de concessão, cobrando eficiência dos prestadores privados do serviço. Levada ao balcão, politizou-se. Sob Bolsonaro, foi terceirizada ao Centrão. Em São Paulo, delegou a fiscalização à Arsesp, sua congênere estadual.
No Brasil, a iniciativa privada e o Estado consideram-se isentos de falhas. Agências reguladoras exibem competência inexcedível. O único crime cometido por empresas como a Enel é o excesso de eficiência. Assim, o que desligou São Paulo da tomada em novembro de 202 foi um apagão fitossanitário decorrente da formação de uma quadrilha arbóreo-climática. Já o responsável pela reedição da tragédia que se iniciou na noite da última sexta-feira foi o maior pé de vento registrado na capital paulista desde sua fundação, em 1554.
Voltando à questão da privatização, reestatizar o serviço de energia elétrica não só seria um retrocesso como não resolveria o problema. Mas o que não falta nesta banânia é político populista que governa com um olho no retrovisor e o outro em 2026, e eleitor que insiste no erro esperando obter um acerto. O maior desafio, tanto na gestão estatal quanto na privatizada, é a manutenção e o investimento contínuo na infraestrutura. Por complexas, as redes elétricas precisam de atualizações regulares, o que nem sempre (ou quase nunca) é prioridade em nenhuma das duas formas de gestão.
Por serem cabides de emprego a serviço dos governantes, as estatais, mal administradas, malversam o dinheiro dos contribuintes. Isso sem falar na corrupção (basta lembrar o que aconteceu na Petrobras durante as gestões petistas). Na privatização, o maior problema é o monopólio: sem concorrência, as empresas priorizam o lucro em detrimento da qualidade do serviço. Em ambos os casos, o consumidor fica refém das empresas e é penalizado com aumentos de impostos e tarifas. Cada mudança vem acompanhada de promessas que não passam de cantilena para dormitar bovinos.
Sob o abominável Sistema Telebras, criado pelos militares em 1972, as linhas telefônicas custavam os olhos da cara e demoravam anos para ser instaladas. Em Cachoeira do Arari (PA), a espera chegava a 15 anos, e muitos adquirentes do famigerado "Plano de Expansão" da Telepará morreram antes de receber o serviço pelo qual pagaram. Quando a telefonia celular desembarcou no Brasil, habilitar uma terminal móvel custava caríssimo. A insuficiência de células (antenas) restringia o sinal às capitais e grandes centros urbanos, a profusão de "áreas de sombra" limitava ainda mais o uso dos aparelhos, o preço do minuto de ligação era exorbitante e o usuário era cobrado também pelas chamadas recebidas.
Graças à privatização das Teles (no final dos anos 1990, pelo então presidente
Fernando Henrique) uma linha fixa é instalada no dia seguinte ao da solicitação. A mensalidade varia conforme a operadora e o plano contratado, mas há opções a partir de R$ 35 mensais. E a ativar um celular exige apenas a compra de um SIM Card e a escolha do plano que mais adequado — lembrando que, na maioria dos casos, as ligações e o envio de SMS são ilimitados, mas o preço varia conforme a franquia de dados e a prestadora do serviço.