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sexta-feira, 5 de novembro de 2021

VEJAM A QUE PONTO CHEGAMOS

Reza um ditado que "pior do que ficar calado e dar às pessoas a impressão de que você é um idiota é abrir a boca e dar às pessoas a certeza de que você é um idiota". Sem ter nada de aproveitável para dizer sobre meio ambiente, Bolsonaro ausentou-se da COP26, abstendo-se de demonstrar seu despreparo pessoalmente. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

O ano passado deveria ter sido o ponto de inflexão na luta internacional contra a mudança climática, mas a Covid mijou no chope dos ambientalistas. Na avaliação do secretário-geral da ONU, o mundo caminha para uma catástrofe climática — o aquecimento global de 2,7°C até o final deste século potencializa o risco de fenômenos climáticos como secas, inundações e incêndios.

No célebre Acordo de Paris, firmado em 2015, os países assumiram o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global a pelo menos 2°C, podendo chegar à meta mais ambiciosa de 1,5ºC. Para evitar o pior, as nações terão de se comprometer com a proteção de florestas, acelerar a transição para o carro elétrico e implementar o mecanismo de financiamento de países ricos a nações em desenvolvimento.

O Brasil, que em outros tempos era respeitado em cúpulas climáticas, tornou-se, sob Bolsonaro, parte do problema. O mundo olha para a terra de palmeiras onde canta o sabiá com olhos de um São Tomé às avessas, que quer ver para não crer. 

A delegação canarinha — chefiada pelo ministro do Meio Ambiente Joaquim Pereira Leite, que não chega a empolgar, mas é menos tóxico do que seu antecessor — é a segunda maior da COP26, atrás apenas dos Estados Unidos, mas chegou a Glasgow como protagonista de um vexame.

Graças a uma "pedalada climática" produzida por Ricardo Salles antes de deixar o governo, o Brasil trafega na contramão do planeta. Em plena pandemia, a despeito da paralisia econômica, o país elevou em 2020 a emissão de gases em 9%, contra uma redução de 7% no resto do mundo. Para que o governo brasileiro cumpra os acordos climáticos, Bolsonaro terá de se converter numa espécie de ex-Bolsonaro.

Nosso indômito capitão virou símbolo da estupidez inimputável. Em algum momento de sua turnê pela Europa, o sultão do Bolsonaristão — que havia negligenciado a abertura dos trabalhos do último dia do encontro dos líderes das maiores economias do mundo e esnobado a foto de encerramento, que reunira os chefes de Estado na Fontana di Trevi — foi questionado pela imprensa sobre seu comportamento de turista incidental. Em resposta, sua equipe de guarda-costas, reforçada por agentes cedidos pelo estado italiano, acionou os músculos contra os jornalistas.

Quando seguranças percebem que a autoridade patrocina hostilidades, passam a crer que fazem parte de uma milícia onipotente. A insensatez de Bolsonaro é um estímulo à violência. Com sua retórica encrespada, o capetão empurra os agentes para a delinquência. 

Bolsonaro, que já havia exposto seu arcaísmo no discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU — depois de jantar pizza em pé, numa calçada de Nova Iorque, vestido como um indigente —, realizou o pesadelo que frequentava os sonhos do antichanceler Ernesto Araújo (o ex-chanceler troglodita que difundiu a tese segundo a qual se a atuação do governo bolsonarista faz do Brasil "um pária internacional, então que sejamos esse pária"). Sua participação no encontro do G20 revelou-se mais uma inutilidade a serviço da desmoralização do país, a exemplo de suas viagens internacionais, que não servem senão para reforçar a sensação de que a imagem do Brasil no estrangeiro tornou-se um borrão.

A truculência de Roma emoldura um problema maior: o apagão mental das autoridades que deveriam impor limites a Bolsonaro no Brasil. Como dito inúmeras vezes neste blog, a PGR o enxerga como inviolável e imune, e o Legislativo e o Judiciário tratam-no como intocável e impune. O brasileiro paga as viagens de seu presidente para que ele seja pária no estrangeiro. Só Bolsonaro não paga por nada. Todos os seus defeitos estão perdoados. Seus crimes foram preventivamente prescritos. É como se vigorasse um entendimento tácito de que "ser ele" já é castigo suficiente para qualquer um. O problema é que o personagem se esforça para demonstrar que não é qualquer um.

Bolsonaro deixou de ser qualquer um quando transformou a Presidência na única repartição pública privatizada durante sua gestão, e a si próprio num símbolo de todos os privilégios que o déficit público pode pagar. Graças à inércia das instituições nacionais, esse símbolo não precisa responder pelo que simboliza. Livre de todos os incômodos, o capitão entrou para a galeria dos seres inimputáveis, ao lado dos menores de idade e dos índios isolados.

Vejam a que ponto chegamos: sob Bolsonaro, o Brasil é presidido pelo símbolo da estupidez inimputável.

Com Josias de Souza

domingo, 14 de novembro de 2021

MORO LÁ - SERÁ?

 
"Moro não sabe o que é ser presidente nem ministro. Vocês gostaram do discurso lido pelo cara ontem?", perguntou o mestre, doutor e pós-doutor em má governança a sua récua de muares amestrados, sempre dispostos a beber as palavras daquele que, segundo o senador Omar Aziz, por onde passa vai lançando fezes

"Eu assisti porque foi meu ministro, né. Leu o discurso, com dois teleprompters lá", debochou o Demóstenes de fancaria, o pior mandatário que nossa republiqueta de bananas produziu desde a redemocratização. E olha que não faltaram concorrentes de peso.

Ao debochar do discurso de seu ex-ministro, Bolsonaro faz como o roto que troça do remendado. Moro não se destaca pela oratória. Tem voz de pato. Ele próprio reconhece: "Se eventualmente eu não sou a melhor pessoa para discursar, posso assegurar que sou alguém em que vocês podem confiar. (...) O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita; o Brasil precisa de líderes que ouçam a voz do povo brasileiro", disse, em seu discurso de filiação ao Podemos.

Moro foi acusado de "traíra". De sair atirando contra o governo do qual fez parte durante 1 ano e 4 meses. De ambicionar uma vaga no STF... Mas a pergunta que se coloca é: qual militante do Direito, seja advogado, promotor, juiz ou desembargador, não aspira à suprema toga?

Ivan Lessa dizia que o brasileiro esquece a cada 15 meses o que aconteceu nos últimos 15 anos. Com a pandemia, esse período parece ter encolhido para 15 meses. Ou 15 semanas. Ou 15 dias. Em atenção aos desmemoriados, relembro que numa entrevista transmitida ao vivo pela Rede Globo, em 29 de outubro de 2018, o então presidente eleito (maldita hora!) declarou que "convidaria Moro para ser o futuro ministro da Justiça ou para uma vaga de ministro do Supremo".

A acusação feita por Bolsonaro em depoimento à Polícia Federal — de que "Moro concordou com a troca no comando da PF, desde que ocorresse após sua indicação à vaga no STF” — é falaciosa e oportunista. Quem fez a "proposta indecente" foi a deputada bolsonarista Carla Zambelli. E Moro respondeu: “Prezada, não estou à venda”. Ainda que assim não fosse, o argumento do ex-ministro me parece mais crível que a versão oportunista de seu ex-chefe: "Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa".

Passados cinco meses da demissão de Moro, o general da banda afirmou candidamente que acabara com a Lava-Jato porque não havia mais corrupção no governo. Leda pretensão: corrupção é o que mais há em seu entorno. Aliás, dos cinco filhos que ele teve em três casamentos, apenas Laura, de 11 anos, não é alvo de investigações.

Foi lamentável a decisão do então juiz de abandonar 22 anos de carreira na magistratura para mergulhar na fossa negra que se tornou o governo do capitão-tinhoso. Tivesse ele continuado na 13ª Vara de Curitiba, o mensaleiro Lula possivelmente estaria na cadeia e a "prisão em segunda instância" provavelmente continuaria vigendo.

Sempre se soube que impedir o início do cumprimento da pena após decisão colegiada seria ferir de morte a Lava-Jato, cujo sucesso deveu-se em grande medida às delações premiadas, que dependiam de conduções coercitivas, prisões preventivas e ameaça real de cumprimento da pena, sem o que os bandidos de colarinho branco dificilmente entregariam a rapadura. 

Há projetos no Congresso visando o restabelecimento do status quo ante, mas a pandemia foi a desculpa perfeita para que eles emperrassem. No Senado, esperava-se votar a proposta ainda em 2019; na Câmara, a PEC dormita numa gaveta há mais de 2 anos. Moro defende a retomada da tramitação das propostas, e seu ingresso na política partidária pode favorecer a aprovação.

No discurso de filiação ao Podemos, o ex-juiz defendeu o legado da Lava-Jato e lançou farpas contra o "ex-corrupto" que ele condenou a 9 anos e 6 meses de prisão em julho de 2017 — decisão não só ratificada unanimemente pela 8ª Turma do TRF-4 e pela 5ª Turma do STJ, mas que teve a pena aumentada pelos desembargadores. Aliás, foi o TRF-4 que determinou à 13ª Vara de Curitiba a expedição do competente mandado de prisão. Para quem ainda não entendeu, Lula não foi preso a mando de Moro, mas da Justiça — o magistrado apenas mandou a PF cumprir a determinação da instância superior e, como isto é Brasil, a prisão da "alma viva mais honesta do Brasil" transformou-se num espetáculo midiático lamentável.

Voltando à sinuca de bico prevista para outubro do ano que vem, líderes partidários que monitoravam as reações à filiação de Moro ao Podemos se surpreenderam com o crescimento das menções ao nome do provável candidato, sendo a maioria delas com citações positivas. Mas muita água ainda vai rolar até a hora "H" do dia "D".

Dizem que a política é a arte do possível. Moro não é o candidato dos meus sonhos, como também não eram a trupe de feira de horror do primeiro turno do pleito de 2018 e os dois remanescentes que o esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim escalou para o segundo turno, forçando-nos a apoiar o bolsonarismo boçal para impedira a volta do lulopetismo corrupto. Como disse o general Figueiredo em abril de 1978, "um povo que não sabe escovar os dentes não está preparado para votar".

Dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, o primeiro e a penúltima foram impichados, e se esta banânia fosse um país sério, o atual já teria sido despejado e internado. Collor colecionou 29 pedidos de abertura de processo de impeachment; Fernando Henrique, 27; Lula, 37; Dilma, 68; e Bolsonaro, cerca de 140 — e ainda sonha com a reeleição!

Puxa-sacos do capetão dizem acreditar que a entrada de Moro na corrida eleitoral terá impacto na terceira via, mas não veem força política suficiente para romper a polarização. Acham que o ex-juiz tem pouco espaço para crescer nas pesquisas, e que dificilmente conseguirá construir uma aliança partidária com congressistas e prefeitos que lhe dê sustentação para avançar na disputa.

Bolsonaro, agora centrista declarado e formalmente amancebado com as marafonas do Congresso, resolveu concorrer à reeleição pelo PL de Valdemar Costa Neto, ex-aliado de Lula e preso no mensalão. É a nona (ou décima?) vez que o sultão do Bolsonaristão troca de partido em 3 décadas de vida pública.

Atualização: O PL anunciou nesta manhã o cancelamento do evento para a filiação de Bolsonaro, que estava marcado para o próximo dia 22. Segundo o mensaleiro Valdemar Costa Neto, dono da legenda, a decisão foi tomada "em comum acordo e após intensa troca de mensagens na madrugada", e que a sigla “ainda estuda outras datas para a realização do evento, a ser anunciada oportunamente”. O capetão, que está em Dubai, disse que “tem muita coisa a conversar”, e que pode "atrasar um pouco esse casamento para que ele não comece sendo muito igual os outros". "Pelo pouco que conheço o Presidente, penso que o casamento com o PL não dará certo! Não descarto haver abandono no altar", escreveu a deputada Janaína Paschoal no Twitter. A ver.

No outro extremo, o ex-governador de São Paulo e ex-tucano Geraldo Alckmin — o eterno "picolé de chuchu" — flerta com a ideia (pasmem!) de concorrer à vice-presidência na chapa de... Lula!

Depois de comer pizza em pé na calçada, mais parecendo um indigente que um presidente, o capitão-cloroquina tornou a envergonhar o país em seu périplo turístico pela Europa. Neste feriadão do Dia da Bandeira não houve motociata. O motoqueiro fantasma estava em meio a outro périplo turístico, desta vez pelas Arábias, começando pelos Emirados e terminando pelo Catar. 

Deveria ir se catar. E nunca mais voltar.

sexta-feira, 10 de março de 2023

DE ONDE VIEMOS E PARA ONDE VAMOS...


Criado em 1980 para fazer política sem roubar nem deixar roubar, o Partido dos Trabalhadores não inventou a corrupção, mas institucionalizou-a com o mensalão e o petrolão. O julgamento da ação penal 470 encarcerou petistas de alto coturno, mas passou longe do "chefe", que, segundo Antonio Palocci revelou em delação premida, "não só sabia de tudo como se empenhou em abastecer o caixa do partido para bancar as campanhas faraônicas de Dilma".
 
O impeachment da nefelibata da mandioca pôs termo a 13 anos e fumaça de lulopetismo, mas o ministério de notáveis prometido por Temer revelou-se uma notável confraria de corruptos, transformando sua "ponte para o futuro" numa patética pinguela
A prisão de Lula exacerbou o sentimento antipetista, o que deu azo à vitória do mau militar e parlamentar medíocre que transformou a Presidência num misto de parque de diversões e palanque para a reeleição.
 
Ao longo de seu nefasto mandato, Bolsonaro flertou com o golpe 24/7; cercou-se de negacionistas tão incompetentes quanto ele; transformou ministérios em cabides de farda; jantou pizza na calçada como um indigente; contribuiu para a morte de centenas de milhares de infectados pelo Sars-Cov-2, fez do Brasil um pária internacional; aparelhou PF para evitar que "fodessem sua família e seus amigos"; nomeou (e reconduziu) Augusto Aras para a PGR; acabou com a Lava-Jato — porque, segundo ele, "não tinha mais corrupção no governo" —, transformou a Presidência na única repartição pública privatizada durante sua gestão, e a si próprio num símbolo de todos os privilégios abjetos que o déficit público pode pagar.
 
Como que para comprovar que o mundo dá muitas voltas (ou que a história sempre se repete, seja como tragédia, seja como farsa), o pior governo desde Tomé de Souza fez com Lula o que Jesus fez com Lázaro. Nem o descomunal exército de lunáticos fantasiados de militantes e comandados por um sociopata fantasiado de presidente conseguiu impedir a volta dos que não foram. Sem apoio das FFAA para o tão sonhado autogolpe, Bolsonaro se tornou o único presidente da nova república que chegou até o final do mandato, tentou se reeleger e não conseguiu. 
 
Diante do resultado das urnas, o "mito" se encastelou no Alvorada até a antevéspera da transferência do cargo, quando então viajou para Flórida (a expensas do dinheiro dos contribuintes), onde permanece homiziado na cueca do Pateta. Aliás, ele tem ao menos 160 bons motivos para ficar lá por mais algum tempo, e o episódio das joias pode ser um estímulo adicional. 

O inquérito instaurado pela PF pode acrescentar à capivara (jargão policial para folha corrida) de Bolsonaro os crimes de descaminho, peculato e lavagem de dinheiro. Mas não é só. De acordo com o ex-ministro Bento Albuquerque, um segundo pacote entregue pelo governo saudita, que incluía relógio, caneta, abotoaduras, anel e um tipo de rosário — todos da marca suíça de diamantes Chopard —, não foi interceptado pela Receita Federal

Os itens foram entregues no Palácio do Planalto um mês antes de Bolsonaro encerrar o mandato (a demora seria decorrente de uma série de tratativas para definir qual seria o destino desse material).
 
Continua...