"Dividir para conquistar" é uma estratégia (utilizada por Júlio César, Felipe da Macedônia e Napoleão Bonaparte, entre outros) que consiste em fragmentar as forças inimigas para então derrotá-las. No Brasil contemporâneo, esse precioso ensinamento vem sendo desprezado pela assim chamada "terceira via", que parece incapaz (pelo menos até o presente momento) de se unir em torno de um nome que possa despachar para o quinto dos infernos as ambições da desprezível parelha Lula/Bolsonaro.
O PSDB ficou de ir "às urnas" neste domingo
(o fato de eu ter escrito esta postagem na manhã ontem explica o tempo verbal)
para decidir se será João Doria, Eduardo Leite ou Arthur
Virgílio o tucano que pegará em lanças para derrotar a execrável dupla
retromencionada. Para piorar, nada garante que os derrotados apoiarão o
vencedor, e um racha no partido dificultará ainda mais a missão do emplumado
que vencer disputa interna.
Os govenadores de SP e do RS se digladiaram numa campanha
acirrada e com alguns ensaios de golpes abaixo da cintura, ao passo que o
ex-senador, ex-prefeito de Manaus figurou como azarão — só o ego inflado e o
fato de ser um dos caciques da sigla explicam sua participação na disputa. Com
orçamento estimado em quase R$ 5 milhões — financiado pelo partido com recursos
do Fundo Partidário (dinheiro público, em última análise) — essas avis rara
percorreram todos os Estados em busca de apoio dos eleitores (pessoas que se
filiaram ao PSDB até maio deste ano e se cadastraram para a votação até
o último dia 15). Doria e Leite recorreram também a disparos em
massa de mensagens.
ATUALIZAÇÃO: Problemas de instabilidade no aplicativo levaram o PSDB a suspender a votação eletrônica. Ainda não foi definida uma nova data para reabertura do processo para que todos os filiados que não puderam votar no pleito de ontem possam fazê-lo oportunamente. Para o grupo de Doria, o ideal seria abandonar de vez o aplicativo e ampliar o uso das urnas eletrônicas (cedidas pela Justiça Eleitoral e instaladas em Brasília, neste domingo, para as demais capitais e cidades com, no mínimo, 200 mil habitantes. Aliados de Leite, por sua vez, pregam usar cédulas de papel. Como se vê, tomar decisões é um grave problema para o tucanato. Sempre que houver mais de um banheiro no imóvel, tucano que é tucano mija no corredor!
E inegável que a disputa interna exacerbe as divergências
pré-existentes na sigla, mas espera-se que os postulantes preteridos ponham de
lado suas diferenças e apoiem o vencedor em prol do objetivo em comum, que é derrotar
o verdugo do Planalto ou o pontífice da seita do inferno. Comenta-se à boca
pequena que Leite e Virgílio são mais maleáveis do que Doria, que não abrirá
mão de disputar a Presidência.
Oficialmente, o circo eleitoral começa em 16 de agosto do
ano que vem, dez dias antes do purgativo "horário político gratuito"
no rádio e na tv — gratuito no nome, pois quem
paga a fatura desse anacronismo somos nós. Bolsonaro e Lula
estão em campanha desde sempre. O capetão-cloroquina — que prometeu acabar
com o instituto da reeleição e afirmou que não nasceu para ser presidente, mas,
sim, para ser militar — fez da reeleição seu projeto de governo (ou de
poder, melhor dizendo; governar que é bom, néris de pitibiriba). Já o
ex-presidiário de Curitiba pulou do xilindró para o palanque, na certeza de que
a suprema banda podre lavaria sua ficha imunda e transformá-lo-ia em
"ex-corrupto", permitindo-lhe dispensar o bonifrate em 2022.
Não se sabe ao certo quantos serão os candidatos à
Presidência no ano que vem, mas sabe-se que o único sem partido é o atual
inquilino do Planalto. Nossa legislação eleitoral veda candidaturas avulsas,
mas não faltam siglas para todos os gostos (são 33 partidos
registrados no TSE e mais de 70 em "fase de formação").
Devido a de$entendimento$ com o laranjal de Luciano Bivar, Bolsonaro deixou o
PSL em novembro de 2019 e vem buscando desde então um
partido para chamar de seu. Depois que o "Aliança pelo Brasil"
foi
para a cucuia, o capitão passou a buscar uma quadrilha, digo, uma
agremiação que o aceite e lhe dê a chave do cofre. O senador Flávio Rachadinha, príncipe herdeiro do sultão do bananistão, e que já passou pelo PP (duas vezes), PFL, PSC,
PSL e Republicanos, migrou
para o Patriota em maio com o objetivo de organizar a mudança do papai — que
acabou não
acontecendo.
Bolsonaro já arrastou a asa para o PP do
senador Ciro Nogueira e do deputado-réu Arthur Lira e flertou com
o Republicanos, sempre com Valdemar Costa Neto, babalorixá do PL,
atuando nos bastidores. Ao final, o charme do mensaleiro e ex-presidiário conquistou
seu coração, mas a troca de gentilizas ocorrida durante o feriadão da
proclamação da República — com direito a "vá pra
puta que pariu" e "vá tomar no cu, você e seus filhos"
(gente fina é outra coisa) — resultou na suspensão do enlace.
Tudo indica que o casamento ocorrerá de um jeito ou de outro.
Segundo o Messias que não miracula, suas
chances de ingressar no PL eram de 99,9%. Trata-se não de uma paixão
avassaladora, mas de simples pragmatismo: o noivo precisa formalizar a união
para "governar" até 2022 e, eventualmente, evitar a cadeia, e
portanto deve engolir o
xingamento e aceitar as puladas de cerca de Valdemar com Lula — desde
que, para manter as aparências, seu consorte evite
traí-lo em público.
O affair de Bolsonaro com o Centrão soa
como uma velha canção aos nosso ouvidos. Desde que foi expelido do quartel, em
1987, o capitão insurreto perambulou por oito legendas, todas de aluguel. Meses
atrás, deu a chave do reino ao senador pepista Ciro Nogueira — que foi
nomeado ministro-chefe da Casa Civil — e colocou o próprio destino nas mãos do também
pepista deputado Artur Lira — o réu que preside a Câmara e mantém
trancados a sete chaves cerca de 140 pedidos de impeachment. Assim, a intenção
de se amancebar com a agremiação do mensaleiro
e ex-presidiário Costa Neto — um dos expoentes do Centrão,
com atuação fisiológica ao longo de vários governos — não causa estranheza;
pelo contrário: sua alteza irreal deve se sentir em casa entre as marafonas do PL.
Com a terceira maior bancada da Câmara, o partido do
ex-desafeto (a quem Bolsonaro chamou de corrupto e presidiário durante a
campanha de 2018) abocanha fatias consideráveis de fundo eleitoral e tempo de
TV, bem como tem razoável capilaridade: em 2020, elegeu 345 prefeitos, ficando
em 6° lugar no ranking das legendas que mais elegeram representantes nas
prefeituras. Assim, tudo leva a crer que o adiamento
do “casamento” não passou de mero acidente de percurso.
Na última quarta-feira, Costa Neto "recebeu
carta branca" de seus cupinchas para negociar a devolução do anel
de noivado ao dedo do nubente. O problema (ou um dos problemas) é que o
ingresso do capetão no partido impedirá (ou pelo menos dificultará) que
lideranças do PL apoiem adversários do governo nas próximas eleições, e
alguns caciques da sigla são unha-e-carne com Lula e administrações
petistas no nordeste.
A récua de muares descerebrados que por alguma razão ainda
levam fé na lisura do "mito" podem achar constrangedor ver seu amado
líder dividindo espaço na legenda com notórios investigados e suspeitos de
envolvimento em escândalos — como o próprio cacique da tribo, que foi condenado
e preso no mensalão. Mas Bolsonaro sempre foi adepto das práticas da
baixa política e amigo de milicianos. E ainda que assim não fosse, o que é um
peido para quem está cagado? Noves fora os inquéritos a que o mandatário de
fancaria responde (e que já o teriam apeado do cargo se esta banânia fosse um
país sério), quatro de seus cinco filhos (a exceção é a caçula, que tem apenas
11 anos) são
alvo de investigações.
A filiação ao PL não será um seguro contra traições,
já que o partido sempre se notabilizou pela atuação fisiológica no Congresso e por
gravitar no entorno de quem tem mais chances de vencer eleições. Suas
carpideiras acompanham o caixão até a beira da cova, mas não pulam dentro dela
junto com o defunto. Se Costa Netto resolver não lançar candidato
próprio à Presidência no ano que vem, e essa decisão for tomada a partir de
abril, quando o prazo de filiação partidária já tiver expirado, o verdugo do
Planalto estará fora do pleito.
Receber Bolsonaro interessa ao mensaleiro porque anaboliza
as chances do partido de aumentar a bancada no Congresso — que conta atualmente
com 43 deputados e 4 senadores. O tamanho da bancada na Câmara é determinante
na distribuição dos recursos dos fundos eleitoral e partidário, e se a
escumalha que segue o capetão acompanhá-lo na mudança de sigla, Costa Neto
será o morubixaba de uma das maiores tribos da nação tupiniquim. Mas é bom
lembrar que, se Bolsonaro for derrotado nas urnas — possibilidade que se
torna mais provável a cada dia —, o poder de negociação do partido com o futuro
inquilino do Planalto ficará fragilizado.
Eleições presidenciais no Brasil costumam guardar
semelhanças com os pleitos anteriores, mas, paradoxalmente, são as diferenças
que acabam pautando os resultados. Para além disso, o imprevisto sempre pode
ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Cito como exemplo a facada
que o então candidato do PSL à Presidência levou em Juiz de Fora,
a um mês do primeiro turno do pleito de 2018. Não fosse esse lamentável
incidente, Bolsonaro não teria escapado de ser feito picadinho pela
grandiloquência de Ciro Gomes nos debates televisivos (pode-se
simpatizar ou não com o cearense de Pindamonhangaba, mas jamais menosprezar sua
oratória.
Segundo o cientista político Murillo de Aragão, desde
a volta das eleições diretas que algum grande tema vem prevalecendo, ora vindo
do establishment político, ora como uma surpresa. Collor e Bolsonaro,
ainda que solidamente incrustados no sistema, surgiram como surpresas para o
eleitorado. FHC se viabilizou com o sucesso do Plano Real e foi
eleito em 1994 e 1998, ambas as vezes no primeiro turno, graças ao poder que
conquistou com o desempenho econômico e a fragilidade da narrativa de Lula,
então seu maior adversário.
Em 2002, o picareta dos picaretas se firmou como “surpresa”,
mesmo tendo mais de vinte anos de vida pública, e se elegeu na esteira dos
equívocos dos barões do Tucanistão e de sua maneira desgastada de fazer
política. A era lulopetista se estendeu por mais de 13 anos graças a uma
combinação de fatores — entre os quais o desempenho econômico, que então
avançava por águas mansas, com as velas enfunadas pelos ventos benfazejos
soporados do exterior — que dificilmente se repetirá no médio prazo.
O capital político acumulado pelo petralha lhe assegurou a
reeleição em 2006, a despeito do mensalão, e a eleição de sua nefasta sucessora
em 2010 e 2014, a despeito da notável incompetência da desinfeliz. Mas então Bolsonaro
surgiu do nada, como um rebento bastardo da Lava-Jato e da "descorrupção"
que a força-tarefa de Curitiba produziu no establishment político. E a adesão
do juiz Sergio Moro à campanha fez com que uma parcela considerável dos
brasileiros apoiasse o "mito" — que, como não tardariam a descobrir, tinha
pés de barro, calcanhares de vidro e culpa no cartório.
A incompatibilidade chapada entre bolsonarismo e o
lavajatismo favorece o ex-presidiário convertido a "ex-corrupto", mas
diz um velho ditado que toda araruta tem seu dia de mingau. As denúncias
de corrupção endêmica que marcaram as gestões petistas certamente voltarão à
baila durante a campanha, e poderão atrapalhar os planos do demiurgo
eneadáctilo.
Como dito, todos os pleitos presidenciais desde a redemocratização
foram abrilhantados por algum evento inesperado, que acabou afetando as
campanhas. A pergunta que se coloca é: o que nos reserva a próxima eleição? The answer, my friend, is blowing in the
wind. Mas isso não nos impede de fazer algumas conjecturas.
Até onde a vista alcança, o que se vislumbra é um
"trisal" formado pela conjuntura econômica, pela pandemia e pelos
índices de rejeição (repulsa?) aos dois primeiros colocados nas pesquisas de
intenção de voto, mas a questão do combate à corrução poderá ser relevante para
certos setores do eleitorado, podendo converter esse trisal num "ménage
a quatre".
A economia estará atrelada ao consumo, renda, retomada das
atividades e comportamento da inflação; a pandemia terá seu papel reforçado
pelos "equívocos" do governo e o espantoso número cadáveres —
potencializado pelo negacionismo de um mandatário psicopata.
Um cálculo mostra que, para cada vítima do vírus maldito
(falo do SARS-CoV-2, não do negacionista), pelo menos 100 pessoas são
afetadas emocionalmente, o que perfaz mais de 60 milhões de eleitores passíveis
de ser influenciados por essa tragédia na hora de votar, ainda que a vacinação
continue avançando e o número de mortes diminuindo.
A julgar pelas pesquisas, a substantiva rejeição reduziria a
pó as chances de o atual inquilino do Planalto ter o contrato renovado, mas há
que levar em conta que no Brasil até o passado é incerto. Por enquanto, o sumo
pontífice da seita do inferno é beneficiado pelo recall positivo, mas, quando a
campanha esquentar, todos os equívocos e as denúncias que marcaram as gestões
do PT aflorarão como a merda que transborda de uma privada entupida
quando um incauto aciona a descarga.
Ao fim e ao cabo, os três temas poderão servir de ponte para
que um candidato alternativo transite com sucesso em meio à polarização, sobretudo
se ele trouxer uma boa abordagem para o quarto tópico: o combate à corrupção. O
que nos leva a Sergio Moro, cuja pré-candidatura já foi objeto de
postagens recentes e voltará a sê-lo em meus próximos textos, já que este se
estendeu mais do que eu pretendia.