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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

ZERO ZERO, ZERO UM, ZERO DOIS, ZERO TRÊS, ZERO QUATRO, E FALTAM 05 DIAS PARA 7 DE SETEMBRO

 

Na manhã da terça-feira 31, Bolsonaro participou da cerimônia de inauguração do Complexo de Captação e Tratamento de Água Deputado Luiz Humberto Carneiro, em Uberlândia (MG). No aeroporto do município mineiro, uma penca de apoiadores o aguardava e, a exemplo dele, quase ninguém usava máscara de proteção — afinal, é preciso enfrentar essa "gripezinha" como homem!

Nosso indômito capitão, que chegou ao local da cerimônia cavalgando um garboso corcel, discursou de improviso para a claque de apoiadores. Ao fundo, uma música na voz de César Menotti e Fabiano falava sobre a superação de obstáculos. Um espetáculo emocionante! 

À tarde, para, para não perder o hábito, o mandatário promoveu mais uma de suas motociatas. Na semana passada, ele já havia participado de um evento desse tipo em Goiânia, também durante o horário de expediente. Foi a nona motociata desde maio, mas a primeira em um dia de semana. Governar que é bom, néris de pitibiriba.

No discurso, nosso morubixaba asseverou que as manifestações do próximo dia 7 "ficarão dentro das quatro linhas da Constituição". Nossa Carta Magna tem 245 artigos e mais de 1,6 mil dispositivos, mas ele não deve saber disso: segundo o historiador e professor Marco Antonio Villa, Bolsonaro nunca leu um livro, quanto mais a Constituição.

Comenta-se que a expectativa de Bolsonaro, nas manifestações do dia da Independência, é reunir o maior número possível de apoiadores para ganhar fôlego em meio à maior queda de popularidade registrada desde o início de sua indigesta gestão. Talvez fosse melhor envidar esforços para mitigar a crise institucional criada por ele próprio para desviar a atenção das crises sanitária, econômica e social que não é capaz de resolver (talvez porque, como bem pontuou o poeta, escritor e jornalista paraibano José Nêumanne, antes de ser eleito presidente o presidente jamais administrou sequer um prosaico carrinho de pipoca em porta de cinema).

Bolsonaro vem colecionando revezes com a mesma rapidez que comete crimes de responsabilidade. E quanto mais acuado se sente, mais beligerante se torna. Não fosse a complacência cúmplice de Arthur Lira e a cumplicidade complacente de Augusto Aras, já estaria procurando outro emprego — Collor e Dilma caíram por muito menos.

Por falar em Aras, sua recondução foi útil ao capitão mas não se deu por obra e graça deste. Na irretocável definição de Josias de Souza, o que houve foi uma "momentânea e inusitada despolarização da política brasileira, que reuniu na mesma trincheira bolsonaristas e petistas, gente do centrão e da oposição, tucanos e troianos".

Tanto na sabatina na CCJ do Senado, que aprovou Aras por 21 votos a 6, quanto na sessão plenária do Senado (que chancelou sua indicação por 55 votos a 10), rivalidades político-partidárias e divergências ideológicas deram lugar a um conluio suprapartidário.

O nome de Aras foi sugerido a Bolsonaro, em 2019, pelo deputado e coronel da reserva Alberto Fraga, da bancada da bala, envolvido até os tampos em denúncias de corrupção.  A demora na nomeação foi entremeada por discursos e comentários do clã Bolsonaro (e de seu chefe) de que o ideal seria um Ministério Público que “não atrapalhasse” o governo. E os fatos falam por si.

Com mais dois anos pela frente da PGR, é possível que Aras roube de Geraldo Brindeiro — que ocupou o cargo durante os dois mandatos de FHC — o honorável título de "engavetador-geral da República" (que foi merecidamente conferido a Brindeiro graças a sua atuação escancaradamente parcial e protecionista, pela obviedade de não dar encaminhamento a nenhuma denúncia envolvendo os membros do governo e aliados, nem mesmo a da “pasta-rosa” e da compra de votos da PEC da reeleição — escândalos com todos os elementos passíveis de investigação e provas abundantes de crimes).

Em comum com Brindeiro, além da nomeação sem participação da categoria, Aras é de uma fidelidade a quem o nomeou para o cargo que beira a submissão de um vassalo a seu suserano. É a exata antítese do que afirmou o então decano Celso de Mello, do STF, sobre o "o Ministério Público não servir a governos, não servir a pessoas, não servir a grupos ideológicos, não se subordinar a partidos políticos, não se curvar à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República".

Senadores que frequentam o patíbulo do Judiciário ouviram as palavras do candidato à recondução como quem ouvia música. O sabatinado disse ter trabalhado "sem espetáculo midiático". Atacou a falecida Lava-Jato, os "vazamentos seletivos" e a "criminalização da política." Foi como se ele transformasse a forca num inofensivo instrumento de corda. Ficou entendido que o Senado continua sendo uma Casa majoritariamente feita de investigados, denunciados e cúmplices.

Ao compactuar com a insanidade sanitária de Bolsonaro, o uso de documento falso do TCU para reduzir a pilha de 580 mil cadáveres da pandemia, a demora na compra de vacinas, as suspeitas de corrupção, o menosprezo à devastação ambiental e o diabo a quatro, Aras como que cometeu uma pazuellada.

Ao depor na CPI, o ex-ministro da Saúde — que distribuía kits-covid enquanto a população de Manaus morria por falta de oxigênio hospitalar e chegou a enviar para o Amapá as doses de vacina que se destinavam ao Amazonas — classificou de "coisa de internet" a ordem que recebeu de Bolsonaro para revogar o compromisso de compra de 46 milhões de doses da Coronavac.

Aras adotou a mesma fórmula ao tentar explicar sua inércia diante das mentiras de Bolsonaro sobre o processo eleitoral, das ameaças às instituições e dos arroubos antidemocráticos. "Às vezes as bravatas da internet, as bravatas ditas numa live não têm nenhuma propensão ou aptidão para se transformar em realidade. E as vezes também temO desafio do Ministério Público é separar este joio do trigo." O sabatinado não foi contraditado.

Coube ao senador Eduardo Braga, líder do MDB e membro da CPI do Genocídio — ele integra o G7, grupo majoritário que imprime à investigação parlamentar um viés antigovernista — exercer o papel de relator da recondução do procurador de estimação de Bolsonaro na CCJ do Senado

A exemplo de outros senadores da CPI que pegaram em lanças por Aras entre os quais Renan Calheiros, cujo relatório final atribuirá ao presidente vários crimes, tanto comuns quanto de responsabilidade —, Braga soou francamente favorável à permanência do esbirro do capitão na PGR, embora seja grande a chance de o pedaço criminal do relatório de Renan ir parar no gavetão do procurador-geral.

Voltando ao clã dos Bolsonaro, o TJ-RJ determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do pitbull da famiglia no escopo da investigação que trata da contratação de funcionários "fantasmas". Pela primeira vez desde o início da investigação, há dois anos, o Ministério Público do Rio levanta a possibilidade de um esquema de "rachadinha" no gabinete de Zero Dois na Câmara Municipal carioca. Outras 26 pessoas e sete empresas também tiveram os sigilos quebrados.

Costuma-se dizer que "o futuro a Deus pertence", mas o clã Bolsonaro vive desde logo a síndrome do que está por vir. Tanto o pai dos filhos quanto os filhos do pai se tornaram clientes de caderneta do Judiciário. 

No mesmo dia em que a 2ª Turma do STF adiou o julgamento sobre o foro privilegiado do Zero Um no caso da rachadinha estadual, veio à luz a notícia de que a Justiça quebrou os sigilos bancário e fiscal de Zero Dois no inquérito que apura a rachadinha municipal.

A dupla segue um vício introduzido no seio familiar pelo próprio Bolsonaro. Numa evidência de que quem sai aos seus não endireita, os filhos imitam o pai na prática de embolsar parte do salário dos assessores. 

Os Bolsonaro consolidam-se como uma organização familiar cujo futuro está sub judice. Tomado pelas pendências que acumula no STF e no TSE, o pai de todos tem a aparência de um delinquente em série. Acumula pelo menos sete processos — quatro no Supremo, onde correm as investigações sobre aparelhamento da PF, prevaricação no caso da Covaxin, ataques às urnas eletrônicas e vazamento de inquérito sigiloso; três no TSE, onde tramitam o inquérito das mentiras sobre urnas eletrônicas, e um par de pedidos de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão.

A rachadinha no gabinete de Zero Um resultou numa denúncia em que o primogênito é acusado de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Zero Dois arrasta pela conjuntura um inquérito que prenuncia a repetição da trajetória do irmão. Zero Três é alvo de uma investigação preliminar sobre a utilização de R$ 150 mil em dinheiro vivo na compra de dois apartamentos no Rio. Zero Quatro é investigado pelo MPF em Brasília sob a suspeita de cometer o crime de tráfico de influência ao abrir a maçaneta de ministros para empresários.

Os Bolsonaro revelam-se uma família dura de roer. Dias atrás, Zero Zero previu três alternativas para seu futuro: "Estar preso, ser morto ou a vitória." Apressou-se em esclarecer que "a primeira alternativa, preso, não existe." 

Se o Judiciário fosse um Poder confiável no Brasil, pai e filhos talvez não abusassem tanto da sorte, confiando menos na Providência Divina.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Windows Live Messenger e humor de sexta-feira

Da mesma forma como muitos usuários do Outlook Express abusam do ponto de exclamação em vermelho (indicativo de mensagem prioritária), há quem abuse do botão “pedir atenção” do Messenger (um recurso útil, sem dúvida alguma, mas irritante se utilizado incorretamente, pois emite um som de alerta e faz janela de conversação do interlocutor tremer). E a despeito de o Windows Live Messenger inibir pedidos de atenção repetitivos, alguns plug-ins permitem contornar esse obstáculo, tornando o caso ainda mais grave.
Então, se seus contatos têm esse hábito irritante, veja como desativar a função e se livrar do inconveniente: Na janela do Messenger, clique em “Ferramentas” > “Opções”, selecione o menu “Mensagens” (no painel à esquerda), desmarque a opção “Permitir que eu envie e receba chamadas de atenção” e clique em OK para confirmar o processo. Feita essa reconfiguração, sempre que algum interlocutar clicar no botãozinho incomodativo, a única coisa que surgirá em sua tela será uma mensagem dando conta de que a pessoa está pedindo sua atenção.
Falando no Messenger, lembro de ter postado algumas dicas sobre esse programa em abril passado, e de alguém ter perguntado como modificar determinadas configurações (trocar a foto e a frase pessoal não tem segredo, mas alterar os sons de entrada, o tema, as cores e o plano de fundo, aí já é um pouco mais complicado, como veremos na postagem da próxima segunda-feira). Passemos agora à nossa tradicional piadinha de final de semana:

O Juvenal estava desempregado há meses, e com a persistência e a esperança que só os brasileiros têm, resolveu se submeter a mais uma entrevista. Ao chegar no escritório, notando que o candidato tinha exatamente o perfil desejado, o entrevistador perguntou:
- Qual foi seu último salário?
- Salário mínimo -, respondeu Juvenal.
- Pois se o senhor for contratado, ganhará 10 mil dólares por mês!
- Jura?
- Que carro o senhor tem?
- Na verdade, agora eu só tenho um carrinho de pipoca e um carrinho de mão!
- Se vier trabalhar conosco, ganhará um Audi para o senhor e uma BMW para sua esposa! Tudo zero!
- Jura?
- O senhor viaja muito para o exterior?
- O mais longe que já fui foi pra Belo Horizonte, visitar uns parentes...
- Se o senhor trabalhar aqui, irá viajar pelo menos 10 vezes por ano para Londres, Paris, Roma, Mônaco, Nova Iorque, etc.
- Jura?
- E lhe digo mais... O emprego é quase seu. Só não lhe confirmo agora porque tenho que falar com meu gerente. Mas é praticamente garantido. Se até amanhã (sexta-feira) à meia-noite o senhor NÃO receber um telegrama nosso cancelando, pode vir trabalhar já na próxima segunda-feira.
Juvenal saiu do escritório radiante; agora era só esperar até a meia-noite da sexta-feira e rezar para que não aparecesse o maldito telegrama. No dia seguinte, ele reuniu a família e convidou os vizinhos para uma churrascada comemorativa a base de muita música. No fim da tarde, a banda tocava, o povo dançava, a bebida rolava solta; às onze da noite, Juvenal era o rei do bairro, gastando horrores para o bairro encher a pança, tudo por conta do primeiro salário. E a mulher resignada, meio aflita, meio alegre, meio assustada.
Onze e cinqüenta e cinco, uma moto do correio vira a esquina... A banda cala, a festa pára, um cachorro uiva! Meu Deus, e agora?
Jogam água na churrasqueira, a moto pára na porta, a mulher do Juvenal desmaia!
- Senhor Juvenal Batista Romano Barbieri?
- S-s-sim... s-sou eu...
- Telegrama para o senhor...
Juvenal não acredita... Pega o telegrama, olha para todos, respira fundo, abre o envelope. Silêncio total, consternação geral. E agora, quem vai pagar essa festa toda?
Juvenal começa a ler, levanta os olhos mais uma vez para o povo que o encara... abre um largo sorriso e começa a gritar, eufórico:
- Mamãe morreeeeuuu, mamãe morreeeeuuu!!!!!!!

Bom final de semana a todos.

terça-feira, 6 de abril de 2021

BOLSONARO ENTRE ERROS E DESACERTOS


A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair
”, disse o oncologista Nelson Teich em seu pronunciamento de despedida do ministério cuja importância a pandemia sanitária elevou à enésima potência. 

Não é a primeira vez que faço essa citação, como sabem aqueles que seguem este humilde Blog. Mas há casos em que a profundidade dos ensinamentos que determinadas frases encerram justifica sua repetição sempre que a oportunidade se apresenta. 

Teich sucedeu a Mandetta, que foi demitido porque, na abalizada avaliação do presidente, "estava se achando uma estrela".

Observação: Mandetta foi defenestrado devido à popularidade que conquistou com sua desenvoltura no combate à Covid. Como é público e notório, Bolsonaro arranca qualquer plantinha que brota no quintal do vizinho se achar que ela tem potencial para fazer sombra em seu próprio quintal.

Teich não se sujeitou ao humilhante papel de pau-mandado e foi empurrado porta afora do ministério. Dias antes de completar um mês no comando da pasta, o oncologista apresentou sua demissão, dando ao presidente a chance de promover o segundo no comando, general Eduardo Pazuello, que assumiu o posto na condição de interino.

General de divisão especializado em logística (?!), o estrelado colocou a Saúde sob intervenção militar, transformou-a num cabide de fardas e desempenhou com maestria o papel de vassalo, obedecendo cegamente as ordens do suserano. Na visão do taifeiro estrelado do capitão sem luz, os princípios nobres de hierarquia e disciplina dos militares se resumem a “um manda e o outro obedece”. Simples assim. 

Sob as ordens de quem manda, aquele que obedece — obedecia, melhor dizendo, porque foi substituído pelo cardiologista Marcelo Queiroga, segundo o qual “a política (de saúde) é do governo Bolsonaro; o ministro apenas a executa” — o Pesadelo protagonizou toda sorte de trapalhadas. Sua desastrosa gestão resultou na abertura de inquérito no STF e pode render a instalação de uma CPI no Congresso (recomendo ler o que escreveu a propósito a Senadora Simone Tebet).

Conforme comentei diversas vezes, de nada adianta trocar as rodas da carroça quando o problema é o burro. Mais de 70 pedidos de abertura de processo de impeachment contra o dublê de mau militar e parlamentar medíocre que as circunstâncias nos obrigaram eleger presidente da República dormitam sobre a mesa do dublê deputado e réu que sucedeu a Rodrigo Maia na presidência da Câmara graças à farta distribuição de cargos e verbas parlamentares pelo Messias que não miracula.

Não haveria como esperar postura diferente de quem jamais administrou coisa alguma, nem mesmo carrinho de pipoca em porta de cinema. De quem acha que governar é blindar a si e sua prole, evitar o impeachment e se reeleger. De quem sempre pôs a família acima de tudo — empregando parentes em gabinetes, elegendo os filhos vereador, deputado e senador — e cujo falacioso slogan de campanha “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” foi criado sob medida para tocar a alma dos eleitores — a dos evangélicos foi tocada pelo batismo do então deputado nas águas do Rio Jordão, e a facada em Juiz de Fora se encarregou do resto.

Bolsonaro nunca foi o candidato dos sonhos da ala pensante da população, mas tornou-se a única alternativa à volta da quadrilha petista. Ele próprio tem consciência de que chegou ao poder por uma confluência única de circunstâncias, e por isso busca manter sólido o apoio de uma parcela do eleitorado que não é maioria, mas é numerosa o bastante para resistir a um impeachment e levá-lo ao segundo turno no ano que vem. Mas sua “autenticidade”, outrora louvada pela massa de indignados que resolveram virar o país de ponta-cabeça, está se voltando contra ele.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco foram guindados, respectivamente, às presidências da Câmara e do Senado com o apoio do capitão, mas nem por isso continuarão a blindá-lo se a crescente insatisfação popular acompanhar a velocidade com que aumentam os números de infectados e mortos pela Covid — situação que, combinada com o debacle da economia, propiciou a realização de nove encontros entre a cúpula do Congresso com empresários, representantes de bancos e do mercado financeiro, e resultou num movimento político pela intervenção na calamidade que atende por “governo federal”.

Em discurso recente, Lira elevou o tom, chegando a falar em “remédios amargos e fatais”. A demissão de Ernesto Araújo ensejou uma reforma ministerial que criou ainda mais confusão, sobretudo na área militar. 

A substituição do general Fernando Azevedo e Silva pelo também general Walter Braga Netto deixou patente a intenção do presidente granjear o apoio das Forças Armadas a suas investidas autoritárias. A alta cúpula do militar entendeu que o “interventor do presidente” quebrou a hierarquia ao desrespeitar a posição de seu antecessor, que ascendeu ao cargo com um tempo inferior ao dos comandantes do Exército e da Marinha e que errou ao negar publicamente qualquer ameaça à democracia — o único posicionamento público de Braga Netto se resumiu a uma mensagem alusiva ao aniversário do golpe de 1964.

A troca promovida no Itamaraty foi vista mais como uma mudança de modos e menos como uma alteração no rumo da política externa, até porque faltou demitir Felipe Martins, autor do gesto obsceno/supremacista feito no Senado. 

Embora os senadores tenham aprovado na última quarta-feira, de forma simbólica, voto de censura ao assessor especial da Presidência da República, Martins não é parlamentar, de modo que "a punição não gera punição". Caso a apuração que Pacheco encomendou à Polícia Legislativa constate alguma infração, o Senado poderá enviar a investigação ao MPF (coisa de que eu duvido; depois que assunto esfriar, fica o dito pelo não dito e é vida que segue).

Observação: Após a polêmica, Bolsonaro chegou a afirmar a aliados que demitiria Martins, mas, como Ernesto Araújo foi exonerado dias depois, a saída do assessor poderá ser revista, tendo em vista que o principal alvo das críticas do Congresso em relação à política externa já deixou o governo.

A nomeação da deputada federal de primeiro mandato Flávia Arruda para a Secretaria de Governo foi um evidente aceno ao Centrão — e só fez algum sentido porque não fazia sentido algum o posto ser ocupado por um general —, mas não garante apoio incondicional das marafonas do Congresso às bizarrices e esquisitices do capitão-cloroquina, notadamente as que não se alinham às demandas da maioria da população no combate à pandemia. 

Como bem salientou a jornalista Dora Kramer, nesse aspecto continua valendo a regra segundo a qual político segue o funeral, mas não compartilha a cova na hora do enterro.

domingo, 1 de agosto de 2021

A CANOA FURADA

Tem governo que, para ser ruim, precisa melhorar muito. E pode-se dizer o mesmo de certos governantes. No entanto, políticos não brotam nos gabinetes por geração espontânea. Se estão lá, é porque foram eleitos; se foram eleitos, é porque alguém votou neles. Assim, permito-me parafrasear o general João Batista Figueiredo  que, entre outras idiossincrasias, preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo: "um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar".

O escritor e poeta José Nêumanne Pinto escreveu em O Globo que "Bolsonaro nunca foi inteligente nem razoável", e que "não era de esperar de quem sequer administrou carrinho de pipoca em porta de cinema a competência de gestão de um Carlos Lacerda". E mais: "Bolsonaro surpreende pela incapacidade de entender que, na gestão pública, deve haver limites para tudo, inclusive para a mais rematada burrice, como a que ele pratica e professa".

Peço vênia ao ilustre jornalista para discordar in partibus de suas ponderações. A meu ver, Bolsonaro pode ser — e é! — tosco, estúpido, ególatra, mitômano e lunático, mas, de burro, não tem nem o apelido: no Exército, de onde foi expelido por tentar explodir bombas em quartéis e academias, o capitão era chamado de "cavalão".

Bolsonaro sempre balizou sua atuação política em assuntos caros aos fardados, tanto como vereador — pelo PDC, de 1989 a 1991 — quanto como deputado federal — de 1991 a 2018. Nesse entretempo, foi filiado a 8 partidos — PDC, PP (duas vezes), PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL. Entretanto, a despeito de sua apagada atuação parlamentar, o futuro "mito dos bolsomínions" sonhava com o Palácio do Planalto.

A postura beligerante e a vocação inata para criar e explorar polêmicas garantiram ao inexpressivo deputado do baixo clero um sem-número de admiradores e detratores país afora. Suas falas, postagens e vídeos fidelizaram os desalentados antipetistas, e com o recrudescimento da crise econômica e o avanço da Lava-Jato, seu número de eleitores saltou de 120 mil, em 2010, para 464 mil, em 2014, quando Bolsonaro foi reeleito para o sétimo mandato consecutivo e se tornou o terceiro deputado federal mais votado do país (só para constar: Tiririca teve 1,3 milhão de votos em 2010 e cerca de 1 milhão em 2014). Foi então que ele resolveu pôr em prática seu ambicioso projeto de poder.

Em abril de 2014, o capitão disse ao jornal O GLOBO que pretendia disputar a Presidência e que a página "Jair Bolsonaro Presidente 2014", criada no Facebook por "militantes da direita e apoiadores", já contava com mais de 12 mil seguidores (na época, o perfil oficial do deputado na rede social tinha mais de 340 mil admiradores). 

Bolsonaro começou a aparecer nas pesquisas com 4% das intenções de voto em 2015, subiu para 7% em 2016 e para 15% no ano seguinte, a despeito da pecha de sectário e sua notória falta de conhecimento em relação a temas importantes para alguém que aspirava a comandar o país levou-o a modular o discurso e terceirizar a elaboração de propostas em algumas áreas cruciais. Faltou combinar com Ciro Nogueira — presidente do PP —, que sempre fugia do assunto.

Após a reeleição de Dilma, a inolvidável, Bolsonaro trocou o PP pelo PSC, que também lhe negou legenda para disputar a Presidência. Em 2017, ele finalmente compreendeu que teria mais chances numa sigla menor, e depois de flertar com o nanico PEN, acabou filiando-se ao PSL. E o resto é história recente.

Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletavam do Estado havia décadas foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 

Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 

Para obter o apoio das Forças Armadas, o ex-militar agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e subordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

Uma vez eleito e empossado, Bolsonaro obrigou Moro a reverter uma nomeação, tomou-lhe o Coaf, forçou-o a substituir um superintendente da PF, esnobou seu projeto contra a corrupção e, vendo que o ex-juiz não cumpriria a missão de blindar sua prole (*), fê-lo engolir dúzias de sapos e beber toda a água da lagoa. O auxiliar fingia que não via, tentava negociar, mas acabou abandonando a canoa para salvar o prestígio que ainda lhe restava.

(*) Em três casamentos, o presidente que acabou com a Lava-Jato porque “não tem mais corrupção no governo teve quatro filhos e uma filha. Desses, somente Laura, que tem 11 anos, não é alvo de investigações. Afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro, que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo.

Bolsonaro desautorizou Guedes incontáveis vezes, interferiu em seu ministério, sabotou seus projetos e, com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. Em vez de aprender com Mandetta, Moro e Teich como sair da canoa antes de ela virar, o superministro de fancaria espelhou-se em Pazuello e virou uma espécie de dublê de bonifrate e zero à esquerda.

Já as Forças Armadas, cujo comportamento irrepreensível ao longo das últimas três décadas desfez a imagem negativa associada aos 21 anos de ditadura, corre o risco de tornar a perder a admiração e o reconhecimento dos brasileiros. Alguns fardados de alta patente parecem ter desaprendido que, num governo civil, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não devem obediência cega ao "comandante-em-chefe" e tampouco é seu papel salvar o presidente de turno. Sua lealdade maior é com o país. É já passou da hora de os militares desembarcarem dessa canoa furada.

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

BASTA DE FAKE NEWS

FOI-SE O TEMPO EM QUE AS PESSOAS ME DECEPCIONAVAM; HOJE ELAS APENAS CONFIRMAM MINHAS TEORIAS.


Comemora-se no dia 2 de abril o Dia Internacional da Checagem de Fatos, mas as eleições municipais estão aí, e com as fake news potencializadas pela Inteligência Artificial, fica ainda mais difícil separar o joio do trigo. 

Adubada pela popularização das redes sociais a polarização semeada por Lula com seu "nós contra eles" transformou as campanhas políticas num campo mais fértil para o joio das fake news do que para o trigo dos debates — debates esses que eram mais ou menos civilizados quando os tucanos, e não os trogloditas, eram os adversários de turno do PT e seus satélites. 
 
O uso de fake news, perfis-robôjunk news e outros mecanismos não é uma exclusividade da política tupiniquim entre outras coisas, essa prática ensejou o desembarque do Reino Unido da União Européia e levou Trump à presidência dos EUA em 2106 (o Facebook admitiu que a Internet Research Agency comprou mais de US$ 100 mil em anúncios políticos na plataforma durante a campanha eleitoral).  

No Brasil, a moda surgiu no pleito de 2014 e se consolidou nos subsequentes, tanto gerais como presidenciais. Este ano, a julgar pelo festival de acusações e xingamentos trocados entre os 5 primeiros colocados na disputa pela prefeitura de São Paulo, os eleitores minimamente pensantes que não baixarem o sarrafo terão de escolher entre anular o voto, votar em branco ou dar uma banana pra essa gentalha e se abster de votar. 

Observação: A capital paulista lidera o ranking mundial de poluição do ar pelo quarto dia consecutivo por causa das queimadas, mas, segundo algumas fontes, o problema se agrava significativamente sempre que os aspirantes a alcaide abrem a boca

O voto em branco indica que o eleitor não se identifica com nenhum dos candidatos ou propostas, mas não é considerado na contagem e, portanto, não afeta o resultado diretamente. O voto nulo é uma forma de protesto mais explícito, mas também não interfere no resultado (é mito que 50% + 1 votos nulos anulam a eleição). Já a abstenção (não votar), sobretudo em países em que "o exercício do direito de voto é obrigatório", como é o caso desta banânia, é uma forma de protesto contra o sistema como um todo (embora possa resultar de desinteresse ou alienação política). 

PAUSA PARA MAIS DESGRAÇA

A estiagem vem causando uma queda acentuada no nível dos mananciais que abastecem a capital paulista e outras cidades do estado. A situação não é tão crítica como a de 2020/21, mas pode se agravar se as previsões de estiagem para 2025 e 2026 se confirmarem.
Bauru, Piracicaba e outros municípios do interior enfrentam racionamentos há mais de três meses, e os focos de incêndio registrados em todo o estado continuam aumentado. Para piorar o que já é ruim, a seca na represa Guarapiranga (que abastece boa parte da zona sul da capital) tem contribuído para aumentar a poluição da água e do ambiente ao redor do reservatório.
Capitaneado pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas, o governo do estado iniciou a perfuração de poços artesianos e retomou as obras de reservatórios próximos a Campinas como forma de minimizar os efeitos da falta de chuva. Se ainda se ouve falar em "rodízio" e "racionamento", é porque isso não orna com eleições, mas a conscientização da população e uma "mãozinha" de São Pedro são cruciais para o restabelecimento dos níveis dos reservatórios.
Quem for pedir ajuda ao santo deve frisar que a precipitação deve ser significativa, ocorrer por um período prolongado e se concentrar nas bacias hidrográficas que alimentam os reservatórios. As célebres "tempestades de verão" servem apenas para aumentar o caos na sempre caótica Sampa, mas mais caótica ainda em meio a uma eleitoral travada por aspirantes a alcaide que não reúnem condições sequer para dirigir um carrinho de pipoca.
 
Disse alguém mais sábio que "só existem 'influencers' porque existem 'idioters'", mas mesmo que não fazem integra a confraria de anencéfalos que endeusam políticos corruptos e têm bandidos de estimação corre o risco de "levar gato por lebre" se não puser as barbichas de molho.

Para checar a veracidade dos posts, você pode usar a ferramenta disponível na SERP do Google — basta clicar (ou tocar) nos três pontinhos verticais que ficam ao lado dos títulos nos resultados das pesquisas para ter acesso a informações como origem do domínio, idade do registro do site e certificado de segurança — recorrer à coluna Me engana que eu posto, hospedada no site da revista Veja
 
O E-Farsas é o site de checagem de fatos mais antigo do Brasil (para checar um tema específico, encaminhe  o pedido através da aba "Contato"), mas a Agência Lupa, ligada à Folha de S.Paulo, também é pioneira nesse ramo. Para entrar em contato, basta mandar uma mensagem no Facebook que o bot irá avaliar se as informações são verdadeiras ou falsas.
 
O Boatos.org vem desmentindo boatos sobre doenças raras, notícias de morte de pessoas públicas, tentativas de golpes ou outros tipos de fake news desde 2013. Para sugerir a checagem de uma notícia, envie uma mensagem pelo site ou pelo Facebook; se preferir usar o WhatsApp, o telefone é 61 99275-5610

O Fato ou Fake, do g1, está ativo desde julho de 2018. A apuração de notícias falsas é feita por uma equipe de jornalistas de diversos veículos — como Época, Extra, G1, CBN, Extra, TV Globo, GloboNews, Jornal O Globo e Valor Econômico. Para enviar sugestões pelo WhatsApp, o número é 21 97305-9827. 
 
detector de fake news do FakeCheck consegue analisar um texto de pelo menos 100 palavras usando usando Processamento de Linguagem Natural e Aprendizado de Máquina. Para enviar o material pelo WhatsApp, o número é 16 98112-8986

Criado por uma ex-engenheira da Nasa e um desenvolvedor de apps premiado, o site Ground News ajuda a entender o viés da mídia, verificar a credibilidade da fonte e visualizar dados de propriedade de agências de notícias em todo o mundo, e está disponível no formato aplicativo para Android e para iOS.

O buscador de imagens reversas Duplichecker permite fazer pesquisas a partir de uma imagem, colando um URL ou digitando as palavras-chave correspondentes. Outra opção a considerar é a coluna Me engana que eu posto, que fica hospedada no site da revista Veja

O Aos Fatos é uma agência especializada na checagem de fatos que classifica as notícias em sete categorias — verdadeiro, impreciso, exagerado, distorcido, contraditório, insustentável e falso — e aceita denúncias no Facebook mediante posts marcados com a hashtag #vamosaosfatos e no WhatsApp pelo número 21 99956-5882.

O Comprova dispõe de uma equipe de jornalistas de 24 veículos  entre os quais Exame, Folha/UOL, Nexo, Estadão e Veja — e recebe denúncias via Facebook pelo ou WhatsApp através do número 11 97795-0022

sábado, 13 de novembro de 2021

CONTANDO, NINGUÉM ACREDITARIA


Houve tempos em que tive vergonha de ser brasileiro. Agora, passei da fase do nojo. Faltam-me adjetivos para definir o que sinto em relação ao cenário político tupiniquim e o quanto sinto pelo fato de o país estar sob a égide de uma caterva de fisiologistas ladrões, eleita por uma récua de incompetentes. Mas mais revoltante ainda é ouvir de um mandatário de fancaria — que nunca teve envergadura sequer para presidir carrinho de pipoca em porta de cinema — que a indicação do ex-desembargador piauiense Kassio Nunes Marques significa que, hoje, ele (o mandatário de fancaria, não o ministro-tubaína) tem 10% dele (do mandatário de fancaria, não do ministro-tubaína) dentro do STF.

"Vamos considerar o presidente [do Supremo], que só em caso extremo tem participação mais ativa dele. São dez que decidem lá. Hoje eu tenho 10% de mim dentro do Supremo", disse o capetão, em ao portal bolsonarista Jornal Cidade Online. E que seu esbirro pede vista em muitas pautas ligadas ao conservadorismo. "Não é que eu mande no voto dele (...) A gente quer ganhar o jogo ou empatar, ele está empatando esse jogo.

A estratégia de Kassio para empatar, segundo Bolsonaro, seria pedir vista em pautas que poderiam ser derrotadas no plenário do STF. No final de setembro, por exemplo, o ministro-tubaína suspendeu o julgamento virtual que tratava de decretos do presidente para facilitar o acesso a armas quando três magistrados já haviam votado para barrar a flexibilização das regras.

Bolsonaro disse ainda que há ministros de esquerda na Corte, mas que, se reeleito (vá sonhando!), poderá indicar mais dois nomes em 2023. "Vou ter quatro [ministros] lá dentro. Aí você mudou a linha do Supremo Tribunal Federal. Muitos ministros são de esquerda, a gente sabe disso. A gente sabe, individualmente, quem indicou quem, ideologicamente o que ele representa", afirmou ao canal no YouTube de apoiadores. 

No chiqueirinho defronte ao Alvorada, o "mito" dos trouxas queixou-se da demora do Senado em analisar a indicação do duble de pastor e ex-advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga aberta com a aposentadoria do "ministro das causas perdidas".

A escolha de um ministro do STF não é uma decisão qualquer, como escolher uma gravata. E Bolsonaro escolheu Nunes por “afinidade”. "Não vou botar uma pessoa só por causa do currículo", disse o capitão-coerência sobre o currículo anabolizado do apadrinhado, a despeito de reputação ilibada ser conditio sine qua non para alguém se candidatar a uma cadeira no Supremo

Consta no currículo do primeiro indicado pela capetão que ele é "pós-doutor" em Direito Constitucional pela Universidade de Messina, na Itália, e que dispõe de "postgrado" em contratação pública pela Universidad de La Coruña, na Espanha. Na verdade, o curso italiano não passou de um ciclo de palestras e o espanhol foi um curso de extensão de cinco dias.

Kássio não viu problemas em seu currículo. Faz sentido. Pode-se desconfiar de uma verdade, mas a mentira, como tal, será sempre rigorosamente verdadeira. Melhor não discutir com especialistas nem tampouco criticar Bolsonaro. O presidente avisou: embora dispusesse de uns dez bons currículos, preferia selecionar alguém com quem já tomou muita tubaína. E foi o que ele fez.

Há algumas esquisitices em nossa Suprema Corte — de ministro reprovado em concurso para juiz a magistrado que mantém negócio privado. Com a mais recente aquisição, a supremacia do tribunal foi tisnada pelo currículo-tubaína do substituto do decano libertador de traficantes. Agora, mais que um ministro terrivelmente evangélico, o capitão-carola quer um pastor: "Imaginemos as sessões daquele Supremo Tribunal Federal começarem com uma oração". 

Modesto quando lhe convém, o general da banda não reivindica para si todos os méritos. "Tenham certeza de uma coisa: isso não é mérito meu. É a mão de Deus." Sua sorte é que o Todo-Poderoso-Onipresente não dá expediente em tempo integral. Se desse, advertiria nosso cacique de que ele ainda não sabe do que o Centrão é capaz."

Dizia o Barão de Itararé, um dos pais do humorismo nacional, que político brasileiro é um sujeito que vive às claras, aproveitando as gemas e sem desprezar as cascas. A julgar pelos primeiros movimentos, os candidatos que ocupam o topo das pesquisas presidenciais vão à sucessão de 2022 dispostos a demonstrar que o impossível é apenas uma palavra que contém o possível dentro de si. 

Na campanha de 2018, Bolsonaro cogitou compor uma chapa com o então senador Magno Malta, do PL. Dono da legenda, o ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto preferiu entregar o seu tempo de TV à coligação de Geraldo Alckmin. Exagerando na teatralidade, Bolsonaro agradeceu ao então rival tucano por ter abrigado em sua coligação a fina flor do centrão: "Obrigado, Alckmin, por ter unido a escória da política brasileira."

Embora dispusesse de vasta vitrine televisiva, Alckmin não decolou. No desespero, autorizou que fosse levada ao ar uma peça com mensagem sincericida. Dizia o comercial: "Pra vencer o PT e a sua turma no segundo turno, o candidato é Geraldo Alckmin, mesmo que você não simpatize tanto com ele." O que a mensagem dizia, com outras palavras, era mais ou menos o seguinte: "Se você detesta o PT e quer evitar a vitória de Fernando Haddad, outro poste do preso Lula, vote em Alckmin, mesmo que o considere uma porcaria".

Hoje, Bolsonaro está de volta ao colo do centrão. Prepara sua filiação no PL do ex-presidiário da quadrilha do mensalão. E articula com o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, estrelas do petrolão, a indicação do vice de sua futura chapa. Alckmin, por sua vez, com os dois pés fora do PSDB, é cortejado por Lula como um potencial parceiro de chapa. Age como se estimulasse o flerte.

Nesse balé em que sujos se misturam a mal lavados, quem olha de longe fica com dificuldade para distinguir quem é quem. Prevalece a impressão de que em política nada se cria, nada se transforma, tudo se corrompe.

Para concluir: Não haverá motociata neste feriadão. O motoqueiro-frantasma foi ao Catar. Deveria ir se catar. E nunca mais voltar.

Com Josias de Souza

sábado, 1 de janeiro de 2022

O PRESIDENTE DO DOLCE FAR NIENTE


HAY GOBIERNO? SOI CONTRA!

Na manhã de quinta-feira, 30, enquanto a Bahia contabilizava 24 mortes e 132 cidades em situação de emergência, Bolsonaro, que gozava férias em Santa Catarina desde o dia 27, disse que esperava “não ter de retornar antes”. 

Até aí, nenhuma surpresa: em abril do ano passado, enquanto milhares de brasileiros morriam de Covid todos os dias, o presidente da negação, da discórdia nacional, dos tratamentos falsos, das aglomerações, da inoperância, das mentiras e das omissões disse a apoiadores: "E daí? Não sou coveiro!”.

Nas redes sociais, o mandatário de fancaria foi brindado com o epíteto de "presidente vagabundo":

"O presidente em férias em Santa Catarina. O vice-presidente em férias na parte não alagada da Bahia. E o país à deriva em toda a velocidade, na direção dos rochedos. Só faltam os violinistas do Titanic. #BolsonaroVagabundo", publicou uma internauta no Twitter. Outros logo lhe fizeram eco: “Bahia pedindo ajuda e esse merda de férias. Tem que ser muito fdp para ainda apoiar esse bosta e não adianta usar a desculpa do PT porque não cola mais (nunca colou)”. “Não temos presidente, temos um parasita vagabundo mamando dinheiro público e destruindo nosso país”. 

Bolsonaro deu início ao recesso de fim de ano em 17 de dezembro, quando viajou para a região do Guarujá, e embarcou no último dia 27 para São Francisco do Sul, no litoral catarinense, para passar o feriado de Ano-Novo acompanhado da primeira-dama e da filha do casal. No litoral paulista, andou de lancha, foi a um culto evangélico e pescou perto d Ilha das Cobras (onde deve ter se sentido em casa, como disse se sentir quando finalmente se filiou ao PL do mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto).

A pergunta que não quer calar é: por que Jair Mefistófeles Bolsonaro mantém a obsessão em combater o combate à pandemia, voltando suas baterias no finalzinho do ano contra o passaporte de vacina e a imunização das crianças? Todo mundo sabe o quanto o Brasil perde com isso, mas ninguém — ou ninguém em sã consciência — consegue entender o que ele ganha com isso.

Enquanto a ciência, a medicina e a opinião pública andam para um lado, o pajé da cloroquina anda para o outro com sua legião de negacionistas e o cardiologista Marcelo Antonio Cartaxo Queiroga Lopes, que não passa de uma versão de jaleco do general Eduardo Pesadelo. Em todo o mundo civilizado foram retomadas medidas da fase aguda e implementadas novas, como a terceira dose, o passaporte de vacinas e a imunização de crianças, para protegê-las e conter o ciclo de contaminação. Aqui, a guerra é para driblar Bolsonaro, que nem tomou a primeira dose e está obcecado em impedir o comprovante de vacinas e que as crianças se protejam.

Como achar normal que o presidente exija a lista dos técnicos da Anvisa que autorizaram a vacinação para os pequenos e seu ministro inventar consulta pública e exigência de receita médica?  É inconcebível exigir dos pais, a quem já não faltam problemas de toda natureza, uma receita pediátrica que lhes permita levar os filhos à fila da vacina. 

Enquanto a Bahia vive uma tragédia e 45 mil passageiros ficam a ver navios e voos ao longe, vítimas de uma companhia aérea mequetrefe (autorizada pela Anac e recebida em festa pelo governo), o presidente da República está na praia dançando funk, parecendo fazer questão de acrescentar novas bizarrices a sua lista interminável de horrores. 

Presidentes devem liderar, mostrar empatia. As declarações de um mandatário reverberam, ainda que esse o dito-cujo seja Bolsonaro, que jamais teve envergadura para ocupar o cargo ou capacidade de presidir o que quer que fosse — nem carrinho de pipoca em porta de cinema, como salientou o escritor, poeta e jornalista José Nêumanne.

Segundo Nêumanne, na véspera do Natal, Bolsonaro exibiu à nação toda a desfaçatez que aprendeu em sua formação na caserna, da qual saiu pela portinhola dos fundos, bem como a arte de mentir, descarada e desmedida, aperfeiçoada em 33 anos no baixíssimo clero da política e da preguiça em público. Aterrorizado com a possibilidade de acrescentar mais sustos à sua vertiginosa queda de popularidade e, com ela, perder mais competitividade na disputa eleitoral em 2022, o capetão encarregou a própria mulher de substituí-lo na função de pregador das redes sociais, com a pusilânime caradura de hábito. 

No cenário emprestado do espaço público, que ocupa como se fosse a própria casa, abriu a baboseira para logo ceder lugar à farsa de Michelle. Para felicidade geral da Nação, o óbvio relambório foi curto. Além da reprodução literal do lema integralista (“Deus, pátria, família”), nenhuma palavra de verdadeira solidariedade do casal aos entes queridos das quase 700 mil pessoas assassinadas pela cruel indiferença de uma gestão federal negacionista e negociante em proveito próprio, durante o enfrentamento da pandemia. Nenhum anúncio de socorro aos 470 mil baianos, dos quais 16 mil ficaram sem casa, simplesmente porque o Estado é governado por um político do PT

Não faltou outro dado mortal da falsidade natalina do casal de presepeiros, que se situa no lado errado do próprio presépio armado. Na cega, estúpida e boçal negação da imunização para ajudar a reduzir o número de vítimas mortais da Covid, a convocação de uma consulta pública para autorizar a aplicação de vacinas da Pfizer, usada com sucesso no mundo inteiro, em crianças de 5 a 11 anos, veio de um sabujo impiedoso travestido de ministro da Saúde, que chegou a exigir prescrição médica para o uso da vacina

Em plena celebração do aniversário do Deus que o capitão mandrião diz venerar, não faltou quem recorresse à Bíblia para achar novo apelido para o médico-monstro. Antes, era Marcelo Queiroga. Com a nova presepada, passou a ser chamado de Queirodes Antipático, referência ao maior vilão da História da civilização: Herodes Antipas, o rei da Judeia que mandou assassinar todos os bebês nascidos na data hoje santificada, quando soube que ele poderia vir a ser o novo rei dos judeus.

Herodes Antipas não passava de um reizinho fantoche do poderio romano, que, 33 anos depois, transformaria o hábito higiênico de lavar as mãos na suprema renúncia covarde, que o chefe do desgoverno atual não tem coragem de anunciar para livrar os adultos de sua preguiça contagiosa, e as crianças de seu ódio brutal à vida, à inocência e à felicidade. Um ser humano digno dessa qualificação, que há decênios o falso Messias desonra e enxovalha, mostra que, felizmente, ainda há servidores decentes que sobrevivem aos beócios que dão ordens assassinas em pleno templo da saúde pública.

Comandada por intendentes incompetentes e charlatães com dragonas desonradas por um dublê de capitão-terrorista e diplomas mal-empregados, a secretária extraordinária de enfrentamento à Covid ao STF afirmou, através de nota técnica simples, direta e corajosa, que a vacina para crianças é segura. Subordinada ao ministro da Saúde, a servidora ousou ir na contramão dos questionamentos do sultão do bananistão, que diz haver "desconfiança" e uma "interrogação enorme" em relação aos supostos efeitos colaterais da vacinação de crianças.

Nenhum dos importantes legados do ogro negacionista o favorece no pleito de outubro próximo, e alguns serão dor de cabeça para quem lhe suceder. Bolsonaro conseguiu o prodígio de estilhaçar internamente diversos segmentos que o apoiaram em 2018, e agora não sabe como colar os cacos. Talvez o legado mais significativo de Bolsonaro para 2022 seja ter ajudado a recuperar as chances eleitorais do lulopetismo. Como Lula trabalhará esse ganho é outra história, mas é ele o favorito que todos terão de derrotar, ao passo que Bolsonaro é cada vez menos visto como alternativa ao ex-presidiário promovido a ex-corrupto.

De acordo com Willian Waack, ganha corpo uma noção ainda vaga, em boa parte criada pelo fracasso bolsonarista, de que mesmo forças políticas antagônicas têm condições de pensar um país para além do destino de excrescências como Bolsonaro e Lula. Há um eixo de debate democrático capaz de unir e pacificar contrários, centrado em como nos fazer sair da pobreza, da desigualdade, da injustiça e da ignorância. Mas o jornalista reconhece tratar-se apenas da esperança de um 2022 melhor para todos nós.

Há muito tempo que eu desisti de compreender o despirocado do Planalto. Às vezes, vejo-o como uma criança mimada, que ganhou um passaporte válido por um dia (um dia que dura longos quatro anos) para explorar, sem limitação nem supervisão, todas as atrações de um parque de diversões. E é justamente isso que ele vem fazendo desde janeiro de 2019. Para encerrar, reproduzo um trecho do editorial do Estadão da última quinta-feira:

O governo Bolsonaro se ausentou do enfrentamento de quase todos os problemas que afligiram os brasileiros ao longo deste ano particularmente difícil. Não raras vezes, o próprio presidente foi a fonte das atribulações. Há duas razões para esse comportamento: a baixa estatura moral e intelectual de Bolsonaro para exercer a Presidência e sua notória inapetência para o trabalho. O resultado de três décadas de irrelevante vida pública revela que Bolsonaro nunca gostou do batente. E a ascensão à Presidência não parece tê-lo feito mudar de ideia.

Mas, por paradoxal que possa parecer, a ausência de um governo digno do nome em momentos tão críticos teve o efeito positivo de lançar luz sobre a solidariedade entre os cidadãos. Em 2021, os brasileiros deram mostras inequívocas de que os laços de fraternidade que os unem estão mais fortes do que nunca. É como se os cidadãos percebessem que, diante de um governo tão ruim, tivessem de contar apenas uns com os outros. Evidentemente, por mais valorosa que seja, a solidariedade não dá conta de tudo. O apagão governamental produziu desastres. Mas foi graças ao altruísmo de muitos cidadãos que alguns problemas puderam ser ao menos mitigados.

Tome-se como exemplo mais recente a tragédia das chuvas que mataram dezenas e desabrigaram milhares de baianos neste fim de ano. Como se fosse um burocrata qualquer, que assina meia dúzia de papéis e dá seu trabalho como concluído, Bolsonaro se limitou a despachar para a Bahia o ministro da Cidadania, e a editar uma medida provisória que cria um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para reconstrução da infraestrutura rodoviária destruída pelas chuvas no Estado. Depois, partiu para uma semana de ócio nas praias de Santa Catarina — a imagem do dolce far niente do presidente em contraste com o terrível padecimento dos baianos é de causar engulhos. 

A ajuda concreta aos baianos que perderam tudo o que tinham tem vindo, principalmente, da solidariedade de seus concidadãos em todo o País e de ações pontuais de empresas privadas, principalmente supermercados, que têm enviado alimentos aos desabrigados.

Não houve em 2021 exemplo maior de união entre os brasileiros em prol do bem comum do que a que se viu no curso da pandemia. Os brasileiros, em sua grande maioria, ignoraram olimpicamente a sabotagem do governo federal às medidas sanitárias para evitar a disseminação do vírus. 

Fazendo ouvidos moucos para a campanha de Bolsonaro contra a vacinação, os cidadãos acorreram em massa aos postos de saúde para receber o imunizante tão logo foi possível. Não foi trivial o sacrifício individual que muitos fizeram em nome do bem-estar coletivo.

Na raiz desse contraste entre governo e sociedade está a incompreensão de Bolsonaro sobre o valor simbólico da Presidência da República. Sabe-se que ele não é talhado para exercer a liderança do País, mas nem sequer se esforça para interpretar o papel. Resgatar o simbolismo de dignidade e espírito público que a Presidência encerra, pois, será uma das muitas missões de quem vier a suceder-lhe.

Feliz ano-novo. 

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA — TERCEIRA PARTE

Sarney sempre foi um cacique da velha da política de cabresto nordestina, e só sobreviveu à ditadura porque se resignou a lamber as botas dos militares. A despeito dessa vassalagem, o último presidente-general da ditadura — que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a lhe transferir a faixa: faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor.

Observação: Anos depois, referindo-se ao político maranhense numa entrevista concedida à revista IstoÉ, also sprach Zaratustra, digo, assim disse Figueiredo: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A despeito de o "milagre econômico brasileiro" ser cantado em prosa e verso pelos saudosistas de plantão, Sarney herdou dos militares um país arrasado, com recessão, inflação, desemprego e dívida externa nas alturas. Todos os "pacotes de medidas econômicas" elucubrados durante sua gestão (por Dílson Funaro, Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega) fizeram água numa questão de meses. 

Aos trancos e barrancos, o oligarca nordestino terminou o mandato (de 5 anos, sem direito a reeleição), mas deixou de herança a seu sucessor uma inflação que beirava 2000% ao ano. Tamanha era sua impopularidade ao deixar o governo que, para disputar uma cadeira de senador, Sarney teve de mudar o domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá. 

Observação: O literato, acadêmico e político maranhense se aposentou da vida pública em 2014, aos 83 anos. Conta-se que certa vez, depois que um dilúvio assolou seu Estado natal, a então governadora Roseana Sarney telefonou ao pai para dizer que "metade do Maranhão estava debaixo d’água", e Sarney teria perguntado: "A sua ou a minha?

No apagar das luzes da desditosa gestão de Sarney, a récua de muares a que se convencionou chamar de "eleitorado", já então sob a égide de uma Constituição estalando de nova, foi às urnas pela primeira vez desde 1960 para escolher seu presidente. 

Disputaram a chamada "eleição solteira de 1989" nada menos que  22 candidatos, entre os quais figuravam monstros sagrados da política tupiniquim, como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Graças ao dedo podre dos apedeutas votantes, o segundo turno reuniu o que havia (e continua havendo) de pior em termos de populismo e demagogia sórdida. Ao fim e ao cabo, o sacripanta de direita venceu o salafrário de esquerda.

Como dito linhas acima, naquela época o mandato presidencial era de 5 anos, sem direito a reeleição. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: em 1997, um FHC picado pela mosca azul usou e abusou de meios não exatamente ilibados — embora não inusitados à luz de como funciona a política no Brasil — para alterar a Constituição de maneira a implementar a reeleição de presidente e vice-presidente (apenas uma vez para um mandato subsequente, mas sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas fruiu do desserviço que ele e seus cupinchas prestaram à Nação, mas também abriu espaço para o projeto de poder lulopetista, que durou exatos 13 anos, 4 meses e 11 dias (considerando os dois mandatos do ex-presidiário e os 5 anos e fumaça durante os quais sua sucessora incompetenta "fez o diabo" para destruir a economia nacional).

O Brasil daria um grande passo se aprovasse o fim da reeleição. A proposta de emenda constitucional está pronta para ser votada pelo Senado, mas é difícil construir esse tipo de ajuste quando todos os adversários do sultão do bananistão querem vencer a disputa em 2022. Como a política permite todos os tipos de sonhos, alguns já se enxergam eleitos e fazem planos para 2026, parecendo não se dar conta de que, por pior que seja o atual governo, o general da banda, aboletado na cadeira da Presidência, goza de uma situação mais confortável que a dos adversários.

Com a chave do cofre nas mãos e dois mandachuvas do Centrão lhe dando respaldo (por motivos que não vem ao caso discutir neste momento), o inferno é o limite para o capetão-negação exacerbar seu populismo eleitoreiro. E como desgraça pouca é bobagem, o leque de a janela de oportunidade para o impeachment do lunático despirocado fica mais estreita à medida que a eleição se aproxima.

Observação: Vale destacar que todos os presidentes que concluíram seus mandatos e disputaram a reeleição (FHC, Lula e Dilma) foram reeleitos. Isso não significa que esse "dogma" não possa ser quebrado, mas, sim, que, se a terceira via não se consolidar, teremos em 2022 uma reedição do pleito plebiscitário de 2018, com a diferença de que em 2018 não faltaram a Bolsonaro cabos eleitorais de peso, como Lula na cadeia, Haddad de bonifrate, a facada do maluco (que livrou o psicopata de participar dos debates), o estelionato eleitoral, o impulsionamento espúrio nas redes sociais, a confiança representada por Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça.

Sabíamos que Bolsonaro carecia de competência, preparo e envergadura para presidir o que quer que fosse, inclusive carrinho de pipoca em porta de cinema. Mas a perspectiva de ver o país ser governado por um criminoso condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas e torcemos para a emenda não saísse pior que o soneto, mas diz um ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo.

Observação: A expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção, e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Parafraseando o "enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários", nunca antes na história deste país o Palácio do Governo amargou um inquilino tão indiferente à dor alheia, que tanto despreza a Democracia e o Estado Democrático de Direito e odeia a liberdade de expressão, a imprensa e qualquer um que ouse discordar de sua elevada opinião. 

Do cruel “e daí?” ao “cale a boca”, passando pelo churrasco da morte (que depois fomos instados a acreditar que não passava de uma pilhéria), o Mefistófeles de botequim deixou de ser o palhaço negacionista da “gripezinha” para concorrer como franco-favorito ao título de Monstruosidade Pública Número 1 — embora estufe o peito e se jacte de ter sido eleito "personalidade do ano" pela revista Time.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar, Pelé avisou: "os brasileiros não sabem votar". E o tempo demonstrou que ele estava coberto de razão. Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se está lá, foi enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se está lá, é porque votaram nele). 

É impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem se recuse a ver o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas, sim, de acuidade visual. Para um um cego, tanto faz se a luz estiver acesa ou apagada. E não é preciso ser cientista político para ver que a agenda nacional ocupa, mal e parcamente, o primeiro ano e meio de mandato — no segundo ano, o presidente de turno se preocupa com os pleitos municipais, que servem de ensaio para a disputa presidencial que ocorrerá dois anos depois, e quando se vai ver, os quatro anos se foram e o mandato terminou.

Esperar demais das pessoas é carimbar o passaporte rumo à decepção, e achar que a liturgia do cargo transformaria em estadista um dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi ignorar os ensinamentos da fábula do sapo e o escorpião. Governar vai muito além de ganhar eleições, notadamente em tempos de guerra. Parafraseando FHC — que não foi um estadista como manda o figurino, mas, noves fora o episódio lamentável da PEC da Reeleição, foi o presidente "menos pior" que tivemos desde a redemocratização —, “você não lidera dando ordens ao povo, mas fazendo com que o povo siga junto com você”.

Se a maioria apedeuta aprendesse a votar, a minoria pensante não seria obrigada a escolher, a cada eleição, de qual borda da Terra (plana) pular para o inferno. Infelizmente, esse tipo de situação se tornou regra na "Nova República" e, pelo visto, a próxima eleição não será exceção. Com base no que se vê até onde a alcança, a menos que a terceira via se consolide continuaremos navegando rumo a uma borrasca que tem tudo para se tornar a tempestade perfeita.

Continua no próximo capítulo.