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sábado, 19 de agosto de 2017

GLEISI HOFFMANN E A CEGUEIRA MENTAL DA MILITÂNCIA SINISTRA


De acordo com José Saramago, Nobel de Literatura em 1998, “a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram; não há nada que se possa fazer a respeito”.

Trata-se de uma alusão a um tipo de cegueira mental, na qual o escritor português joga com a diferença entre as palavras ver e olhar. O olhar aparece como a própria visão, o ato de enxergar, ao passo que o ver aparece como a capacidade de observar, de analisar uma situação. Para ele, a dificuldade em conseguir enxergar além do superficial pode ser encarada como a alienação do homem em relação a si mesmo.

Dito isso, passemos a Gleisi Hoffmann ― codinome “coxa” na planilha de propinas da Odebrecht. Ícone do panteão petista, a lourinha vermelha se tornou ré por ter recebido R$ 1 milhão em propina para sua campanha em 2010, e é investigada por corrupção passiva e lavagem de dinheiro (segundo a PF, ela recebeu R$ 4 milhões em propina da Odebrecht, em 2014, disfarçada de doação eleitoral). No entanto, esse currículo exemplar não impediu sua escolha para substituir o insosso Rui Goethe da Costa Falcão na presidência do PT. Antes pelo contrário: ninguém melhor do que um criminoso para comandar uma quadrilha. Demais disso, o exemplo vem de cima: o eterno presidente de honra do PT e principal articulador da promoção de Gleisi foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão no processo que envolve o notório triplex no Guarujá e é investigado em mais cinco ações penais, duas das quais sob a pena do juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba.

Gleisi fez por merecer o posto. Durante o impeachment de Dilma, ela liderou a tropa de choque da imprestável, e após o desfecho norteou sua atividade parlamentar pela política do quanto pior melhor, além de vir promovendo uma oposição inconsequente que em nada contribui para o avanço do país. Semanas atrás, por orientação do ex-guerrilheiro de araque e ora presidiário José Dirceu e do mui suspeito presidente da CUT, ela e mais quatro “companheiras de ideologia” ocuparam por mais de 6 horas a mesa diretora do Senado, como forma de obstruir a votação da reforma trabalhista (que acabou sendo aprovada mesmo assim). Para um país que mal superou o trauma de ter como primeira presidente mulher uma besta teleguiada pelo padrinho, esse protesto feminista com controle remoto masculino foi algo lamentável.

Ao assumir a presidência do partido, Gleisi declarou que o PT não faria autocrítica de seus atos escabrosos para não fortalecer o discurso dos adversários: “não somos organização religiosa, não fazemos profissão de culpa, tampouco nos açoitamos. Não vamos ficar enumerando nossos erros para que a direita e a burguesia explorem nossa imagem”. Demais disso, vem enaltecendo a ditadura venezuelana. Ao abrir o 23º encontro do Foro de São Paulo, na Nicarágua, a senadora prestou solidariedade ao PSUV ― vítima, segundo o PT, de violenta ofensiva da direita pelo poder na Venezuela. “Temos a expectativa de que a Assembleia Constituinte possa contribuir para uma consolidação cada vez maior da revolução bolivariana e que as divergência políticas se resolvam de forma pacífica”, disse a desqualificada, a despeito de aquele país amargar a segunda maior taxa de homicídios do mundo, conviver com uma taxa de inflação de 2.200% e um índice de desnutrição infantil que já alcança 20% das crianças com menos de 5 anos, além de contabilizar mais de 100 mortos na “quase guerra civil” em que se encontra já há algumas semanas. E Gleisi, com a cara mais deslavada do mundo, atribui as denúncias contra o governo de Nicolás Maduro a uma campanha da CIA e da “imprensa golpista”.

O que mais me causa espécie é a “valorosa militância vermelha” continuar endeusando líderes imprestáveis e apoiando incondicionalmente gente da pior espécie. Talvez a tal cegueira mental impeça essa gente de ver o que salta aos olhos das pessoas normais. Por que, então, Gleisi não faz a trouxa, pega sua turma e se muda para a Venezuela ou para Cuba? Ou será que ela acredita mesmo que conseguir driblar eternamente a justiça escondendo-se debaixo do manto pútrido do foro privilegiado?

Vamos ver o que vai dar no próximo dia 28, quando Gleisi e o marido, o ex-ministro petralha Paulo Bernardo, deverão prestar depoimento no STF. Cadeia neles! E Lula Lá!

Confira minhas atualizações diárias sobre política em www.cenario-politico-tupiniquim.link.blog.br/

quarta-feira, 14 de julho de 2021

"SE PODES OLHAR, VÊ. SE PODES VER, REPARA."

 

De acordo com José Saramago, "as epígrafes muitas vezes são o melhor que os livros têm". Daí eu ter intitulado esta postagem com a epígrafe do livro Ensaio sobre a cegueira, que rendeu ao escritor português o Prêmio Nobel de Literatura em 1996.

"A pior cegueira é a mental, que faz que com que não reconheçamos o que temos a frente", anotou o escriba lusitano. E com efeito: a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que elas nasceram. Isso explica o fato de uma parcela considerável da população tupiniquim considerar "um mito" o pior presidente que este país amargou em 131 anos de história republicana e outra parcela ver como "salvador da pátria" um populista corrupto, duplamente condenado por 10 magistrados de três instâncias do Judiciário, mas que teve a ficha imunda lavada e os direitos políticos restabelecidos por uma sucessão de decisões teratológicas emanadas do STF em sua pior composição da história.

A cegueira mental produziu a polarização que hoje divide os brasileiros e faz com que a popularidade do ex-presidiário de Curitiba acompanhe pari passo o crescimento da rejeição ao inquilino de turno do Palácio do Planalto. Resta saber quando e se surgirá uma terceira via e quem será o "salvador da pátria" da vez, pois resgatar o lulopetismo corrupto para desbancar o bolsonarismo seria reencenar 2018 invertendo o papel dos protagonistas.

Por outro lado, talvez não tenhamos de escolher de que lado da terra plana pularemos para o fogo do inferno. O atual mandatário já deixou claro que não reconhecerá eventual derrota nas urnas se o voto impresso não for ressuscitado — isso se houver eleições.

Segundo a jornalista Vera Magalhães, âncora do Roda Viva (aliás, recomendo assistir à entrevista do deputado Luiz Miranda, que ao ar na última segunda-feira), ninguém poderá dizer que foi pego de surpresa quando e se o capetão passar da retórica golpista à ação golpista. Até porque os sinais são de uma obviedade ululante:

Arthur Lira — o mandachuva do Centrão que foi guindado à presidência da Câmara com o apoio do Planalto para blindar o inquilino de turno de eventuais ações de despejo — age como que se empanturra de carne para fazer valer o que pagou pelo rodízio, sustentando Bolsonaro à custa de generosas fatias da picanha sangrenta do Orçamento. Do seu ponto de vista, mais vale um genocida na mão do que 122 pedidos de impeachment voando.

Rodrigo Pacheco — como bom mineiro, o presidente do Senado relativizou a ameaça feita ao Legislativo pelo ministro da Defesa e os chefes militares, que, edulcorados pelo proselitismo palaciano, parecem acreditar que a Constituição os imbuiu do poder moderador em caso de impasse entre os Três Poderes. Cabe aos chefes do Judiciário e do Legislativo dizer isso em voz alta e clara, sob pena de terem de lidar com algo mais grave uma nota de repúdio eivada de saudosismo dos anos 1960.

Augusto Aras — Preterido por André Mendonça na disputa pela cadeira do ex-decano Marco Aurélio o procurador que nada acha porque não procura já não corteja Bolsonara como antes, mas tampouco cumpre o papel que lhe cabe, de olho na recondução ao cargo. como fazia quando esperava herdar a cadeira do ora ex-decano Marco Aurélio Mello, mas tampouco cumpre o papel que lhe cabe — de fiscalizar o Executivo —, quiçá porque tem esperanças de ser reconduzido ao cargo. Caso seja, a conferir como agirá a partir de então, uma vez desobrigado de lamber as botas do capetão.

Luiz Fux — O presidente do STF não vem respondendo à altura os vitupérios que o chefe do Executivo dirige à corte e seus membros. As insinuações criminosas de Bolsonaro em relação a Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Edson Fachin exigem mais que lamentos cheios de dedos e punhos de renda.

General Walter Braga Netto — Patrono da inédita troca simultânea de todos os comandantes militares por capricho do presidente, o interventor de Bolsonaro nas Forças Armadas vem seguindo fielmente as ordens do dono da caneta Bic que pode destituí-lo do cargo com mesma facilidade com que o nomeou. Se ele seguirá seu líder até o mais amargo fim, só o tempo dirá.

Por essas e outras, é imperativo que as alas das três armas comprometidas com a democracia cobrem sensatez e contenção de seus comandantes. E isso incluiu o vice-presidente: Até quando o general Mourão calará diante desse festival de descalabros?

Falando em descalabros, a sessão de ontem da CPI do Genocídio começou com duas horas de atraso, mas foi suspensa logo em seguida, porque a depoente da vez, Emanuela Medrades, recusou-se a respondera as perguntas dos senadores. Inconformado com mais essa palhaçada, o presidente da Comissão pediu ao STF que esclarecesse os limites do silencio da depoente. 

Quando eu concluí esta postagem (pouco depois das 17h de ontem), o ministro Luiz Fux ainda não havia dado resposta no processo, embora houvesse confirmado por telefone à cúpula da CPI os termos definidos em sua liminar: a diretora da Precisa só pode ficar em silêncio quando isso for necessário para não se incriminar, e que, sim, ela pode ser presa em flagrante caso não responda as demais questões.

Aziz disse estranhar o fato de a diretora da Precisa ter sido ouvida pela PF na segunda-feira, a exemplo do dono da empresa, Francisco Maximiano, que se tornou investigado na véspera da data em que deveria depor à Comissão (sua oitiva havia sido agendado para 23 de junho, mas o empresário informou à CPI que não poderia comparecer porque acabara de voltar da Índia e cumpria quarentena sanitária).

Segundo o senador Fabiano Contarato, a testemunha rebelde pode receber voz de prisão pelo crime de desobediência. Já o senador Humberto Costa disse que ficou claro que o papel da defesa não é proteger Emanuela, mas Maximiano, e que há uma "tentativa de sincronizar os movimentos da CPI com algumas decisões que a Polícia Federal está tomando em ouvir as pessoas".

Em meio a esse imbróglio, o presidente do Senado deve decidir hoje se prorroga a CPI e se o Senado entrará ou não em recesso no próximo dia 17. Até o final da tarde de ontem, ainda não havia sido definido quem será ouvido hoje pela Comissão, se Maximiano ou se o reverendo Amilton de Paula, que apresentou um atestado médico para escapar da convocação (após alegar sofrer de uma crise renal, o reverendo deverá passar por perícia na junta médica do Senado). 

Atualização: Em resposta aos embargos da Comissão, Fux esclareceu que "nenhum direito fundamental é absoluto, muito menos pode ser exercido para além de suas finalidades constitucionais" e que cabe à CPI decidir sobre "alegado abuso do exercício do direito de não-incriminação". Concluída a ordem do dia, os membros da Comissão voltaram a se reunir e a depoente, a ser inquirida, mas a sessão tornou a ser encerrada dali a poucos minutos. Emanuela, coitadinha, estava exausta e sem condições psicológicas para colaborar naquele momento, mas prometeu fazê-lo se lhe concedessem uma trégua de doze horas. Para não ouvir novamente uma sucessão de "eu me reservo o direito de permanecer calada", Aziz aquiesceu. A sessão será reiniciada às 9h de hoje. Após a oitiva da diretora da Precisa, a Comissão ouvirá o sócio da empresa, Francisco Maximiano. Também nesta terça-feria o presidente do Senado deve prorrogar a CPI por mais 90 dias e definir com Aziz como ficarão os trabalho durante o recesso do Legislativo.

Então fica assim: se chover à tarde, o jogo vai ser de manhã.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

FATOS, MITOS, BOATOS E TEORIAS DA CONSPIRAÇÃO

ANTES DE FINGIR QUE É INTELIGENTE É PRECISO DEIXAR DE SER BURRO.


Todo fato tem pelo menos três versões: a sua, a minha e a verdadeira. Todos temos direito a nossas próprias versões, mas não a nosso próprios fatos. Qualquer coisa além disso é mito, boato, ou teoria da conspiração. 

 

Mitos são lendas surgidas nos tempos de antanho para explicar a origem do mundo e transmitir crenças sobre o desconhecido e repassadas de geração para geração. Algumas até têm fundamento histórico, mas quem conta um conto aumenta um ponto, donde a possibilidade de elas terem sido adornadas com elementos fantásticos ou exagerados. Cito como exemplo as histórias e tradições que compõem o Velho Testamento, que foram transmitidas oralmente até serem compiladas pelos judeus por volta de 1200 a.C. 

 

Boatos são narrativas criadas a partir de informações não verificadas e espalhados de boca em boca ou por aplicativos de mensagens e postagens nas redes sociais. Alguns até são escorados em fatos reais (como diz o ditado, onde há fumaça há fogo), mas a maioria é falsa, exagerada ou alarmista, e tem como objetivo precípuo denegrir a imagem de alguém ou chocar a opinião pública. 

 

Já as teorias da conspiração (detalhes nesta sequência) visam explicar eventos ou situações de cunho politico ou social por meio de "esquemas secretos" orquestrados por grupos poderosos, que se aproveitam da desconfiança no governo e nas instituições para alimentar a paranoia das pessoas, e o fato de essas narrativas não terem comprovação sustentável não as torna menos atraentes para aqueles que preferem atribuir a culpa pelos próprios fracassos ou sofrem de cegueira mental.

 

Observação: No livro Ensaio sobre a cegueira, que rendeu a José Saramago o Nobel de Literatura em 1998, o escritor português anotou que "a cegueira é uma questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu", e que "a pior cegueira é a mental", pois torna as pessoas incapazes de reconhecer o que está diante de seus olhos. Isso explica por que tanta gente acredita que Lula é a alma viva mais honesta do Brasil e outros tantos acham que Bolsonaro é um ex-presidente de mostruário perseguido injustamente pelo "Xandão" — e por que o próprio Lula insiste em dizer a Venezuela não é uma ditadura, apenas vive um 'regime desagradável".

 

Convém não confundir teorias da conspiração — que, como o nome indica, se baseiam em suposições ou interpretações subjetivas de evidências circunstanciais e carecem de provas concretas — com "conspirações" — que são tramas verificadas e comprovadas através de investigações, processos judiciais ou revelações públicas. 


Ainda que a Internet leve água ao moinho dos teóricos da conspiração, essas teorias remontam ao primórdios da humanidade e têm se mantido estáveis ao longo dos séculos, como aponta um estudo de mais de 100 mil cartas enviadas por leitores aos jornais The New York Times e The Chicago Tribune entre 1890 e 2010. 
 
Desde julho de 1969, quando a Apollo 11 alunissou e Neil Armstrong e "Buzz" Aldrin caminharam pela primeira vez na superfície lunar, que teóricos da conspiração acusam a agência espacial americana de encenar uma farsa na Area 51. Prova disso, segundo eles, e a suposta "tremulação" da bandeira que foi espetada no solo lunar, já que isso só seria possível se houvesse vento. Na verdade, uma haste metálica foi costurada na borda horizontal superior da bandeira para manter o pano estendido, e seu manuseio pelos astronautas deu a falsa impressão de "tremulação".
 
A ausência de estrelas nas fotos tiradas a partir da Lua deveu-se à configuração das câmeras, que foram ajustadas para capturar a superfície lunar iluminada pelo Sol. Já as "sombras inexplicáveis", atribuídas pelos contestadores ao uso de refletores, resultaram da combinação do solo acidentado com a perspectiva das fotos, e os supostos reflexos de "objetos estranhos" nos visores dos capacetes são consistentes com o equipamento que os astronautas estavam carregado.
 
As missões Apollo foram acompanhadas por observadores independentes que verificaram as transmissões ao vivo e os sinais de rádio vindos da Lua. Além disso, 382 kg de amostras de rochas lunares foram analisadas por cientistas de todo o mundo, e imagens de alta resolução feitas por sondas e telescópios modernos mostram claramente os locais de pouso, incluindo as marcas dos módulos lunares e equipamentos deixados para trás na superfície do satélite.
 
O físico David Grimes, da Universidade de Oxford (UK), concebeu uma equação levando em conta o número de conspiradores envolvidos (411 mil funcionários da NASA) e o tempo transcorrido desde o evento e concluiu que alguém fatalmente teria dado com a língua nos dentes depois de 3,7 anos.
 
Continua...

sábado, 7 de setembro de 2024

ELEIÇÕES 2024 — POLARIZAÇÃO, BAIXARIA E CEGUEIRA MENTAL DÃO O TOM


 
Faltando menos de um mês para as eleições municipais, Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e Pablo Marçal estão tecnicamente empatados, Tábata Amaral aparece em 4º lugar e José Luiz Datena carrega a lanterninha. 
Pelo que se pôde inferir dos debates e do anacrônico "horário eleitoral gratuito" — gratuito para os partidos e candidatos, já que quem paga a conta somos nós — nenhum deles tem condições de administrar nem carrinho de pipoca, quanto mais a maior metrópole da América Latina. A proposta de Tábata é a "menos pior", mas, a julgar pelas pesquisas, a moça precisa de um milagre para chegar ao segundo turno. 
 
No Brasil, presidente, governadores, prefeitos e senadores são eleitos com base no sistema majoritário, e deputados (federais e estaduais) e vereadores, pelas regras do sistema proporcional. Como eu comentei esses dois sistemas em outra postagem, vou resumir a ópera relembrando somente que, em municípios com mais de 200 mil eleitores inscritos, se nenhum candidato a prefeito obtiver 50% + 1 dos votos válidos no primeiro turno, os dois mais votados disputarão uma segunda eleição 
— conhecida como "segundo turno" — que é decidida por maioria simples, ou seja, vence o candidato mais votado.

ObservaçãoNos últimos 24 anos, o segundo turno das eleições paulistanas foi disputado por um candidato da esquerda contra um da direita. Mesmo em 2016, quando Dória venceu no primeiro turno, Haddad ficou em segundo lugar. Seguido esse padrão, um embate final entre dois candidatos da direita — no caso, Marçal e Nunes — é no mínimo improvável. Nesse cenário, Boulos deve representar a esquerda. Resta saber quem será seu oponente. Datena parece não ter a menor chance, e Tábata tem menos de um mês para se consolidar na disputa.
 
Situações desesperadoras exigem medidas desesperadas, mas abster-se de votar, votar em branco, anular o voto ou recorrer ao "voto útil" no primeiro turno é estupidez, mas a nefasta polarização vem produzindo pleitos plebiscitários, e um eleitorado despreparado, mal-informado e eivado de apedeutas e idiotas de carteirinha tende a votar não no candidato com quem mais se identifica, mas naquele que supostamente tem mais chances de derrotar o candidato "deles", o que acaba falseando o resultado final do pleito.
 
Magalhães Pinto ensinou que "política é como as nuvens; a gente olha e elas estão de um jeito, olha de novo e elas já mudaram" e Ciro Gomes, que "eleição é filme, pesquisa é frame". Se admitirmos
 que a opinião de alguns milhares de entrevistados representa fielmente o que pensam 9,32 milhões paulistanos aptos a votar, o resultado das pesquisas constitui um "instantâneo" do humor do eleitorado no momento da abordagem. O bom senso recomenda analisar os números com a devida cautela, mas explicar isso a quem sofre de cegueira mental é como dar remédio a um defunto.
 
Uma das características da democracia brasileira é produzir "salvadores da Pátria". Vimos isso em 1989 com Collor, em 2002 e 2006 com Lula e em 2018 com Bolsonaro. Talvez a história se repita em 2026, tendo como protagonista o "coach motivacional" que teve a candidatura ao Planalto barrada pelo TSE, conseguiu se eleger deputado federal, foi impedido de assumir e agora mira a prefeitura paulistana com um olho e a Presidência com o outro. 

A exemplo de Bolsonaro em 2018, Marçal se vende como candidato "antissistema", mas já acena uma aproximação com o sistêmico União Brasil, que um dos principais partidos do Centrão. Se for eleito, cairá no colo do UB, exatamente como o "mito" caiu no colo do Centrão — e lhe deu o orçamento secreto em troca do engavetamento de 150 pedidos de impeachment. 
 
Campanha eleitoral movida a ódio não é novidade por estas bandas, mas terminou mal todas as vezes que a raiva foi industrializada com propósitos políticos: Jânio renunciou, Collor foi impichado, Bolsonaro perdeu a reeleição, está inelegível, vive sob a sombra de uma sentença criminal esperando para acontecer enquanto posa de cabo-eleitoral de luxo. 
A diferença entre ele e Marçal é que as redes sociais dão a este um alcance maior que o daquele

Com a repetição do fenômeno de forma mais turbinada na seara municipal paulistana, resta torcer para que o eleitor despache a aberração antes que ela se consolide como um fenômeno eleitoral. A despeito de estar claro que se trata de um produto estragado, quem tem que comprá-lo ou não é o eleitor.

domingo, 22 de agosto de 2021

O PIOR TIPO DE CEGUEIRA É A CEGUEIRA MENTAL

 

A CEGUEIRA É UMA QUESTÃO PRIVADA ENTRE A PESSOA E OS OLHOS COM QUE NASCEU

Com seu estilo característico de escrever e capacidade única para o uso de metáforas e simbolismos, José Saramago, Nobel de Literatura em 1998, descreveu em ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA a situação ocorrida em uma comunidade após o aparecimento de uma infecção com transmissão rápida, que provoca cegueira nas pessoas.

Na obra, além de retratar de forma genérica vários tipos de pessoas que compõem uma sociedade que progressivamente vai ficando cega a tudo que ocorre ao seu redor, o escritor português elencou diversas frases que poderiam descrever nosso surreal cotidiano. Para não me estender demais neste preâmbulo, cito apenas três: "Se queres ser cego, sê-lo-ás"; "A pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente"; "A cegueira é uma questão privada entre a pessoa e os olhos com que nasceu." não há nada que se possa fazer a respeito."

A cegueira pode ser congênita ou adquirida, reversível ou irreversível. Segundo o Censo de 2010, um quarto da população brasileira tem algum tipo de deficiência, sendo a visual a modalidade mais comum (cerca de 20%). Se considerados aqueles que não conseguem ver de forma alguma ou que têm grande dificuldade, o índice cai para 3,4%. De acordo com a OMS, 2,2 bilhões de pessoas têm algum tipo de deficiência visual, sendo 1 bilhão com uma condição que poderia ser prevenida ou tratada, como catarata, opacidade da córnea; tracoma e deslocamento da retina (os dados são de 2019).

Quanto ao cego que não quer enxergar — que o senso comum aponta como "o pior cego" —, trata-se de um problema fácil de solucionar. Considerando que os efeitos tendem a desaparecer quando se lhes suprime a causa, basta anular a motivação — ou substitui-la por outra mais atraente.

Segundo os historiadores, a expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Dito isso, dou o preâmbulo por encerrado e passo ao mote desta postagem, começando por dizer que a eleição de Bolsonaro é o exemplo pronto e acabado da emenda que ficou pior que o soneto, já que, para evitar a volta do lulopetismo corrupto, abrimos a Caixa de Pandora — na qual, segundo a mitologia grega, Zeus teria trancafiado todos os males do mundo —, e assim demos azo ao bolsonarismo boçal. Mas de nada adiante chorar o leite derramado, ou por outra, mais vale acender a vela do que amaldiçoar a escuridão.

Falando em escuridão, quais seriam os motivos da cegueira do presidente da Câmara e do Procurador-Geral da República? Seria estupidez atribuir à estupidez o fato de um político experiente como o deputado-réu Arthur Lira manter sob o respeitável buzanfã 133 pedidos de impeachment do chefe do Executivo enquanto este último continua cometendo crimes de responsabilidade em escala industrial. Da mesma forma, seria ingenuidade atribuir à ingenuidade o fato de uma raposa velha como o jurista soteropolitano que comanda o Ministério Público Federal não se dar conta dos crimes comuns cometidos por Bolsonaro ao longo dos últimos 32 meses.

O problema, a meu ver, é que a Constituição Cidadã concentrou nas mãos de uma única pessoa — no caso o PGR — o poder de definir o destino de um presidente da República que viesse a cometer crimes comuns. E fez o mesmo no caso de crimes de responsabilidade, já cabe exclusivamente ao presidente da Câmara dos Deputados decidir se dá andamento ou manda para o arquivo eventuais pedidos de impeachment do chefe do Executivo (mais detalhes nesta postagem).

Por alguma razão, os constituintes não estabeleceram um prazo para os ocupantes dos cargos em questão se desincumbirem da missão que lhes seria conferida — o que, mais adiante, se revelaria um erro crasso. Aliás, ao discursar durante a promulgação da nova Carta, o próprio Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, assim se pronunciou: "A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma."

Reza o artigo 5º da Constituição Federal que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes(...)". Mas nenhum de seus parágrafos, incisos ou alíneas dispõe o que se vê na prática, ou seja, alguns serem "mais iguais" que os outros.

Num passado não muito remoto, quando éramos felizes e não sabíamos, o parágrafo único do artigo 1º da Carta Magna estabelecia que "Todo o poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido". Ao rascunharem a versão promulgada em 1988, os constituintes promoveram uma alteração sutil na redação do texto, que passou a ser "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição."

Assim, passamos de suseranos a vassalos de nossos "representantes", que, em tese, exercem o poder em nosso nome, mas, na prática, fazem o que querem, como querem e quando querem, sem prestar contas a ninguém e, não raro, em benefício próprio, seja para aumentar a burocracia que os mantém, para angariar votos para a próxima eleição, para proteger os seus "companheiros representantes", e por aí segue a procissão.

Também em tese, cabe ao povo decidir, nas urnas, o destino dos políticos que mijam fora do penico. Na prática, no entanto, a teoria é outra. A pretexto de tornar as eleições "democráticas", o "direito de voto" é estendido a todos os brasileiros, o que seria louvável se a maioria do eleitorado tupiniquim não fosse composta por analfabetos, ignorantes, apedeutas e desinformados. E um título de eleitor, nas mãos de um descerebrado, é tão perigoso quanto uma caixa de fósforos nas mãos de um chimpanzé num paiol de pólvora.

Num país do futuro que nunca chega, onde até o passado é incerto, é o poste que mija no cachorro. Nesse "samba do crioulo doido", as leis são criadas por políticos que se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Quando um "representante do povo" quebra o decoro parlamentar ou comete algum ato reprovável aos olhos de seus "representados", seus pares se apressam em mudar a lei para "transformar o errado em certo". Em suma: demos à chave do galinheiro a raposas que encarregam suas "irmãs" de investigar o sumiço das galinhas. Reclamar com quem?

A única maneira de despertar o "gigante adormecido" e evitar que ele tenha uma síncope ao tomar pé da situação seria devolver o Brasil aos silvícolas, pedir desculpas pelo estrago e começar tudo outra vez. Para limar do Executivo, do Legislativo e do Judiciário os usurpadores travestidos de representantes do povo, só mesmo uma nova Carta Magna, "menos cidadã e mais pé no chão". A que temos há 32 anos foi remendada mais de uma centena de vezes (em comparação, a Constituição dos EUA, promulgada dois séculos antes da nossa, tem apenas 7 artigos e recebeu 27 emendas ao longo das últimas 23 décadas).

Os constituintes de 1988 distribuíram diretos a rodo, mas jamais apontaram de onde viriam os recursos para bancá-los. No texto promulgado, a palavra "direito" é mencionada 76 vezes; "dever", em quatro oportunidades; "produtividade" e "eficiência" aparecem duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, quatro deveres, duas produtividades e uma eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.

A atual pandemia sanitária e suas consequências deletérias em nossa já combalida economia, somadas à constante disputa entre os Poderes, à desmoralização do mundo político, à crise de representação e à disfuncionalidade crônica do Estado nascido dos sonhos dos constituintes de 1988, apontam para uma única solução: repensar os alicerces de nosso Estado Democrático de Direito, em especial no que concerne ao sistema político vigente, e adotar as medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade e da pacificação institucional pelas quais anseia a sociedade (ou a parcela pensante da sociedade).

Pode-se argumentar que momento atual não seja o mais propício, e não há como discordar desse argumento. Mas é inevitável reconhecer que já passou da hora de considerarmos seriamente a possibilidade de reescrever a Constituição, visto que a atual, por sua ânsia de a tudo regular e prover, trava o desenvolvimento pleno da vida nacional.

Não há país que cresça quando a quase totalidade do Orçamento é consumida pela folha de pagamento do funcionalismo e benefícios e vinculações de toda sorte, e as crises fiscais são contornadas via aumento da carga tributária — o que atualmente é impensável e impraticável — ou por remédios institucionais cada vez menos eficazes. Para além disso, o atual sistema representativo está falido, com partidos políticos representam-se a si mesmos e mecanismos que favorecem o fisiologismo, o paternalismo e o patrimonialismo, mas nada dizem aos eleitores. O poder econômico quase sempre prevalece sobre o interesse dos cidadãos em geral, atrelando perigosamente a corrupção ao sistema político.

É certo que contexto atual não guarda a menor semelhança com o futuro imaginado pelos constituintes de 1988, que pretenderam assegurar o bem-estar e o desenvolvimento da nação por força de "cláusulas pétreas" que exaurem o Estado a pretexto de garantir direitos sociais. Direitos de quem, cara pálida? Só se for daqueles que "são mais iguais perante a lei que os outros".

Voltando mundo real, temos um presidente da Câmara mancomunado com o chefe do Executivo, que usa os pedidos de impeachment engavetados como a mitológica Espada de Dâmocles. E um procurador-geral que, de olho numa vaga no STF ou, no pior dos cenários, na recondução ao cargo para um segundo mandato, disputa com o antecessor que ocupou sua cadeira de 1995 a 2003 o título maior "engavetador-geral da República".

Diferentemente do têm dito alguns jornalistas e analistas políticos, não há limite para o número de reconduções do PGR ao cargo. Segundo o art. 128 § 1º, "O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução." (O grifo é meu).

Não existe pressuposto legal que obrigue o presidente da República a indicar o PGR a partir da "lista tríplice" do MPF, mas essa "praxe" vinha sendo observada desde 2002 — Bolsonaro ignorou-a em 2019, quando indicou Aras para o cargo, e tornou a ignorá-la este ano, ao indica-lo para um segundo mandato.

Outro absurdo: Pelas regras atuais, as vagas abertas no STF (por morte ou aposentadoria dos ministros) são preenchidas pelo inquilino de turno do Palácio do Planalto. Os requisitos constitucionais são: 1) ser brasileiro nato; 2) ter idade entre 35 e 65 anos; 3) possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. O cargo não é exatamente vitalício, já que a aposentadoria dos membros da corte torna-se compulsória aos 75 anos de idade. Uma vez indicado pelo presidente, o felizardo é sabatinado pela CCJ do Senado e, caso seja aprovado (nunca houve reprovação desde a redemocratização), terá de obter pelo menos 41 votos favoráveis (dos 81 possíveis) no plenário do Senado. Após a aprovação, o Presidente da República assina um decreto de nomeação (que é publicado no Diário Oficial da União), habilitando seu protegido a tomar posse no cargo.

Tramitam na Câmara propostas de emenda à Constituição que mudam esses critérios (PEC 259/16 e apensados). Uma delas (PEC 225/19) prevê que os poderes Legislativo e Judiciário também indiquem ministros, em sistema de rodízio; e que o indicado seja juiz de segunda instância ou advogado com pelo menos 10 anos de prática, com mestrado na área jurídica. Além disso, o mandato, que hoje vai até a aposentadoria compulsória aos 75 anos de vida, passaria a durar 12 anos. Resta saber se e quando isso vai ser votado.

Para encerrar, resta dizer que Bolsonaro cumpriu parcialmente, na última sexta-feira (20). a promessa feita no sábado anterior. Parcialmente porque poupou o ministro Luís Roberto Barroso e limitou o escopo de seu pedido de impeachment ao também ministro Alexandre de Moraes, que o incluiu no rol de investigados do inquérito das fake news, mandou prender Roberto Jefferson e foi, digamos assim, o "mentor intelectual" da operação em que a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula, ambos aliados do capitão. Isso sem mencionar que Moraes será o presidente do TSE por ocasião das eleições de 2022.

Ao longo de toda a semana passada, nosso glorioso mandatário ruminou seu ramerrão de que "o povo brasileiro não aceitará passivamente que direitos e garantias fundamentais [art. 5° da CF], como o da liberdade de expressão, continuem a ser violados e punidos com prisões arbitrárias, justamente por quem deveria defendê-los", deixou no ar a possibilidade de um "bastante provável e necessário contragolpe", falou diversas vezem em "ruptura institucional" e aludiu ao que chama de "poder moderador" das Forças Armadas — respaldando-se numa leitura arrevesada do artigo 142 da Constituição.

Num presidencialismo como o nosso, em que chefe de Estado e chefe de Governo coincidem, não existe poder moderador (já numa República parlamentarista, o chefe de Estado é moderador, e o primeiro-ministro governa). Ocorre que a redação do retrocitado artigo dá margem a mal-entendidos quando diz que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Numa ação impetrada pelo PDT, o ministro Luiz Fux decidiu que "a missão institucional das Forças Armadas (...) não acomoda o exercício do poder moderador entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário". Nessa mesma decisão, Fux disse que o poder das Forças Armadas é "limitado", excluindo "qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes".

Em entrevista concedida à Folha em janeiro, o jurista Ayres Britto, ex-ministro e ex-presidente do STF, disse que "basta ser uma força armada para não ter direito de falar por último; o Judiciário fala por último por seu poder ser proveniente da fundamentação técnica de suas decisões, da sua imparcialidade", mas defendeu a discussão da questão do tal "poder moderador": "Se não houver essa discussão, as próprias Forças Armadas vão pensar que estão autorizadas a fazer o que Bolsonaro tem dito".

Até a última sexta-feira, Bolsonaro não havia confirmado presença na "manifestação gigante em defesa da democracia, liberdade e contra a interferência de alguns ministros na seara de outro Poder" marcada para o próximo dia 7. Todavia, em conversa com apoiadores, disse que discursará em Brasília, pela manhã, e em São Paulo, à tarde. Mas afirmou que "não serão palavras de ameaça a ninguém" e que a manifestação será "fotografia para o mundo".

Não é o que pensa Merval Pereira. Para o escritor, jornalista e analista político da Globo News que desde setembro de 2011 ocupa a cadeira nº 31 da Academia Brasileira de Letras —, Bolsonaro, diante de uma multidão pedindo a saída de ministros do STF, voto impresso e outras coisas, dificilmente conseguirá se controlar. Sobretudo depois da ação da PF contra Sergio Reis e Ottoni de Paula. Seria o cúmulo alguém incentivar revolução, invasão ao STF e quebra-quebra no Congresso sem arcar com as consequências, mas mais inconcebível ainda é o presidente tomar essa atitude, demonstrando total inconsequência, sem avaliar o que pode vir daí (ou avalie e ache que a arruaça irá favorecê-lo).

Quando a democracia está em perigo, é preciso agir. A polarização que tomou conta de uma parte da população brasileira tem sido alimentada por um presidente irresponsável, que se vale do cargo para testar os limitas da nossa democracia. Oxalá a coisa não saia de controle no dia 7 de setembro.

sexta-feira, 28 de março de 2025

A SEGUIR, CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS

A MONARQUIA DEGENERA EM TIRANIA, A ARISTOCRACIA, EM OLIGARQUIA, E A DEMOCRACIA, EM ANARQUIA.

 

A péssima governança do Brasil no período pós-ditadura militar — não que as coisas fossem melhores antes do golpe de 64 — deve-se principalmente ao tipo de gente que o Criador, acusado de nepotismo e protecionismo, escalou para povoar o futuro país do futuro que nunca chega. 


Em Ensaio sobre a cegueira, o Nobel de Literatura José Saramago anotou que "a cegueira é um assunto particular entre as pessoas e os olhos com que nasceram; não há nada que se possa fazer a respeito". E com efeito: algumas pessoas não enxergam o óbvio nem que ele lhes morda a bunda, e outras parecem viver no mundo da Lua. 


No universo paralelo onde vivem Lula, Alckmin e Gleisi, o culpado pela inflação dos alimentos é um ladrão de ovos imaginário, e a solução é a população "não comprar produtos quando desconfiar que eles estão caros". Mais brilhante que essa ideia, só mesmo o Plano Cruzado, que Sarney pôs em marcha em fevereiro de 1986, acreditando que fosse possível zerar a hiperinflação por decreto.


Recém-promovida a ministra-chefe da Secretaria das Relações Institucionais, Gleisi acusou o "mercado especulativo" de conspirar contra o Brasil". Alckmin — que em passado recente comparou a reeleição de Lula à "recondução do criminoso à cena do crime” — assumiu a patética liderança do “cordão dos puxa-sacos" do chefe. Dias atrás, após dizer que luta sindical deu ao Brasil seu maior líder popular, o vice-presidente bradou: "Viva Lula, viva os trabalhadores do Brasil!"


Talvez uma troca de ideias com o Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry tenha revelado ao ex-tucano que, para baixar a inflação, bastaria retirar da conta o que está caro. Assim, com um simples estalar de dedos, o dinheiro do trabalhador, que hoje não dá para nada, continuaria não dando para nada. Mas o mais espantoso é que nenhum economista desvairado tenha pensado nisso antes. 


Lula é uma caricatura de si mesmo, uma foto amarelada que permanece pendurada na parede do PT porque ele e o PT são uma coisa só. Tirado da cadeia e reabilitado politicamente para impedir que o verdugo do Planalto de continuasse no comando da Nau dos Insensatos, o "descondenado" conquistou seu terceiro mandato graças a um eleitorado que insiste em fazer a cada dois anos, por ignorância, o que Pandora fez uma única vez por curiosidade. 


Sem plano de governo, política de Estado ou metas para o país, Lula 3 se resume a um punhado de medidas paliativas, populistas e eleitoreiras que visam pavimentar a reeleição que, durante a campanha de 2022, ele prometeu que não iria disputar.

 

Bolsonaro iniciou sua trajetória militar em 1973. Treze anos depois, um artigo publicado pela revista Veja lhe rendeu 15 dias de prisão. No ano seguinte, depois que Veja revelou seu plano de explodir bombas em instalações militares como forma de pressionar o comando por melhores salários e condições, ele e seu comparsa foram condenados por unanimidade, mas o STM os absolveu por 9 votos a 4 (a quem interessar possa, a carreira militar do “mito” é detalhada no livro O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel, do jornalista Luiz Maklouf Carvalho).

Depois de deixar a caserna pela porta lateral, Bolsonaro foi eleito vereador e sete vezes deputado federal. Ao longo de sua obscura trajetória política, passou por nove partidos (todos do Centrão) e acabou no PL do ex-mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto, onde disse “estar se sentindo em casa”. 


Cavalgando o antipetismo e prometendo sepultar a "velha política do toma lá, dá cá", o mix de mau militar e parlamentar medíocre conquistou a Presidência porque a alternativa era o bonifrate do então presidiário mais famoso desta banânia. Mas a emenda saiu pior que o soneto. Para se escudar de mais de 140 pedidos de impeachment — um recorde, considerando que Collor foi alvo de 29; Itamar, de 4, FHC, de 24; Lula, de 37; Dilma, de 68; e Temer, de 31 —, ele implementou o "orçamento secreto", que lhe assegurou a conivência de dois presidentes da Câmara (Rodrigo Maia e Arthur Lira); para se imunizar contra investigações por crimes comuns, entregou o comando da PGR ao antiprocurador Augusto Aras, que manteve sob rédea curta com a promessa (jamais cumprida) de indicá-lo para uma poltrona no STF.


Como a fruta não cai muito longo do pé, os filhos seguiram os passos do pai na política: 01, o devoto das rachadinhas, se elegeu deputado estadual pelo Rio de Janeiro em 2002 e foi reeleito três vezes antes de conquistar uma cadeira de senador; 02, o pitbull da Famiglia, se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro em 2020 e continua abrilhantando a Câmara Municipal carioca; 03, o fritador de hambúrguer que quase virou embaixador e hoje conspira contra o STF homiziado na cueca de Donald Trump, se elegeu deputado estadual por São Paulo em 2014 e foi reeleito nos dois pleitos seguintes; 04, o caçula entre dos varões, foi o vereador mais votado em Balneário Camboriú (SC) em 2024.


Vários bolsonaristas de primeira hora que abandonaram o barco — como Alexandre Frota, Joice Hasselmann, Gustavo Bebianno, General Santos Cruz e Sergio Moro — foram prontamente rifados, atacados e tratados como comunistas, antipatriotas e traidores por milhões de convertidos que, acometidos de cegueira mental, rezam pela cartilha do Messias que não miracula e acreditam piamente que "Xandão" persegue injustamente um ex-presidente de vitrine, talvez o melhor mandatário desde Tomé de Souza.

 

Argumentar com esse tipo de gente é tão inútil quanto dar remédio a um defunto, mas o mundo é a melhor escola e a vida, a melhor professora. Que o diga Carla Zambelli, a deputada cassada e recém-promovida a ré pelo STF (por ter sacado uma pistola e perseguido um homem negro pelas ruas de São Paulo às vésperas das eleições de 2022). Mesmo acusada por seu "Bolsodeus" pela perda de mais de 2 milhões de votos em São Paulo, pela derrocada bolsonarista e pela persecução penal em curso contra os golpistas aloprados, ela disse em entrevista à CNN que "enfrentar o julgamento dos inimigos é até suportável, difícil é aguentar o julgamento das pessoas que sempre defendi e continuarei defendendo". 


Como a esperança é a última que morre e falta de amor-próprio é uma questão de foro íntimo, Zambelli aposta que o pedido de vista do ministro bolsonarista Nunes Marques mude os votos de Moraes, Cármen Lúcia, Dino, Zanin e Toffoli, que acompanharam o volto do relator. 


Na última terça-feira, Bolsonaro entrou empertigado no STF e assistiu da primeira fila o início da definição de seu destino. Impossível não traçar um paralelo com Fernando Collor, que, impichado em 1992, deixou o Planalto de nariz empinado rumo ao ostracismo. Por outro lado, para surpresa geral, o "mito" resolveu acompanhar do gabinete do filho senador o prosseguimento da sessão, quando então ele e sete comparsas foram promovidos a réus por 5 votos a 0.


Findo o julgamento, Bolsonaro convocou os repórteres e transformou a entrevista em monólogo, numa reedição dos piores momentos do cercadinho e das lives do Alvorada, com direito à ressurreição do fantasma das urnas fraudadas, defesa do voto impresso e o lero-lero segundo o qual a Justiça Eleitoral "jogou pesado contra ele e a favor do Lula". Disse ainda que se limitou a "discutir hipóteses de dispositivos constitucionais", como a decretação do estado de sítio — o que, em sua visão, não é crime. Mas o voto de Moraes conferiu importância capital a sua manifestação: "Não é normal um presidente que acabou de perder uma eleição se reunir com o comandante do Exército, o comandante da Marinha e ministro da Defesa para tratar de uma minuta de golpe". 


Quanto mais se firma a evidência de uma condenação que acrescente anos de inelegibilidade aos oito aplicados pelo TSE e sabe-se lá quantos de prisão em regime inicialmente fechado, maior é a desenvoltura dos ainda aliados no engajamento da substituição do capetão. No espaço de dois dias, Gilberto Kassab, Ricardo Nunes e André do Prado, três fidelíssimos integrantes do entorno de Tarcísio de Freitas, admitiram concorrer ao Palácio dos Bandeirantes em 2026, caso o governador decida disputar a Presidência.


Em via de desidratação desde o fim do mandato e na bica de ver seus malfeitos esmiuçados ao longo da instrução processual penal, Bolsonaro já não tem o mesmo valor como pontifex maximus da extrema-direita, e valerá ainda menos no final do ano se sua condenação, tida como líquida e certa, realmente se concretizar. E de nada adianta querer repetir a estratégia de Lula em 2018, até porque, solto ou preso, ele não tem o mesmo capital político do ex-presidiário, não domina sozinho o campo da direita emergente e tampouco conta com a contrapartida da lealdade, na medida em que jogava os seus ao mar sempre que pressentia a aproximação dos tubarões.


A denuncia aceita na última quarta-feira é um verdadeiro manual de traição à reconstrução de uma democracia que completa 40 anos. Se comprovadas as acusações que constam do libelo acusatório, não há falar em punições excessivas e muito menos em anistia. O cunho jurídico, o sentido político, a natureza simbólica, o caráter histórico, o contexto tenebroso, tudo é inédito: um ex-presidente e um magote de civis e militares da alta cúpula de seu governo passarão pelo escrutínio de um tribunal cuja casa eles e outros acusados pretenderam destruir, juntamente com as sedes dos outros Poderes. 


Enquanto começam a ser julgados os mentores e organizadores do golpe, seguem em exame as ações dos executores, cujas penas suscitam debates sobre excessos e desproporcionalidades como se ali houvesse inocentes e todos tivessem sido condenados a 17 anos de prisão. Houve modulações, sentenças muito menores, absolvições, fugas em descumprimento da lei e centenas de acordos de não persecução penal aos quais não aderiu quem não quis. 


Consumada a condenação e esgotados todos os recursos possíveis e imagináveis, não se pode correr o risco de que súplicas por abrandamento de penas estimulem a repetição de atos que tornem o Brasil vulnerável à volta de um autoritarismo que custou muitas vidas anos de atraso institucional.


Moído pela unanimidade da 1ª Turma, Bolsonaro prioriza a anistia. Atentos aos sinais de fumaça, os ministros se equipam para apagar o fogo do réu: quem admite ou não a anistia é a Constituição, e quem interpreta a Constituição é o Supremo. Nos bastidores, dá-se de barato que uma lei para perdoar condenados por crimes contra a democracia seria declarada inconstitucional por 9 votos a 2, vencidos os ministros bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça. 


Ciente de que a condenação pode sair em seis meses, o presidiário-to-be planeja corrigir o fiasco de Copacabana lotando a Paulista em 6 de abril, às vésperas do julgamento da denúncia contra o núcleo tático da trama golpista, que inclui 11 militares e um policial federal. Em sua prancheta, a hipotética pressão das ruas ganhará as redes sociais, dividirá o noticiário e forçará Hugo Motta a pautar a votação do projeto de anistia. Entrementes, aliados tentam fazê-lo considerar a hipótese de apoiar antes do Natal um presidenciável que se disponha a lhe conceder um indulto. Mas a estratégia subestima as dificuldades. 


Inseridos na comitiva de Lula ao Japão, os chefes e ex-chefes do Congresso parecem ter outras prioridades. Sem falar que, assim como a anistia, a recuperação dos direitos políticos e um eventual indulto também seriam submetidos ao filtro do STF, e ainda está fresca na memória das togas a decisão que derrubou, por inconstitucional, o indulto concedido por Bolsonaro ao condenado Daniel Silveira.

Enfim, quem viver verá.