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terça-feira, 20 de setembro de 2022

NÃO É BEM POR AÍ...

 
Perde-se uma eleição por diversas razões. A principal é a falta de votos, e as demais não vêm ao caso. 
 
Depois de anos de desconversa, o dublê de ex-presidente e ex-presidiário se viu forçado pela conjuntura a admitir uma obviedade: houve desvios durante os governos petistas. Em entrevista à CNN, reconheceu os desvios na Petrobras, enalteceu medidas de controle adotadas nas administrações petistas e apontou as perversões da gestão Bolsonaro. Só não explicou como fará, caso retorne ao Planalto, para evitar que a roubalheira se repita.
 
Lula reiterou que acabará com o orçamento secreto — versão institucional do mensalão e do petrolão. Como fazer? "Política é a arte de conversar", disse. "Você conversa com quem está na cadeira, eleito como deputado, como senador, goste ou não goste. Você conversa com quem tem poder de decisão." (Hoje, "poder" é apenas um outro nome para Centrão).
 
Perguntou-se a Lula se sabia do loteamento político na Petrobras. E ele: Isso "acontece na democracia de qualquer país do mundo". Declarou que, eleito, os partidos que integram sua coligação "vão ter direito de indicar" pessoas para postos na engrenagem federal. Insistiu: "Isso faz parte da democracia." Disse a certa altura: "As pessoas que eu indiquei para a Petrobras eram pessoas com mais de 30 anos [na empresa]. Não era um corpo estranho."
 
Observação: Chama-se Paulo Roberto Costa (ou chamava-se, melhor dizendo, pois morreu há poucas semanas) o primeiro delator da roubalheira na Petrobras. Lula o chamava de "Paulinho". Em depoimento, Paulinho declarou ter trabalhado por 27 anos na estatal "sem nenhuma mácula". De repente, foi indicado para a diretoria de Abastecimento pelo PP de Arthur Lira e Ciro Nogueira, os reis do orçamento secreto da era Bolsonaro. Foi a partir do apadrinhamento político que Paulinho meteu-se em corrupção. Disse que passou a operar segundo a regra da oração de São Francisco: "É dando que se recebe".
 
Ao confundir o aparelhamento que levou ao assalto com "coisa da democracia", Lula revela que nada aprendeu. Ou nada esqueceu. Repetindo os métodos, chegará aos mesmos resultados. Nesse jogo, dão as cartas personagens como Lira, NogueiraValdemar Costa Neto — ex-sócios do petrolão ou do mensalão, que agora mamam nas tetas no orçamento secreto e são a favor de tudo ou contra qualquer outra coisa, desde que possam plantar bananeira dentro dos cofres estatais.

ObservaçãoAntes de iniciar a entrevista, William Waack lamentou a ausência de Bolsonaro — o único que não deu retorno às várias tentativas da emissora de agendar data e horário para que o candidato à reeleição apresentasse suas propostas de governo. Curiosamente, o presidente aceitou o convite do SBT para participar do quadro "Candidatos com Ratinho".

Em 2018, cavalgando um PSL nanico, Bolsonaro chegou ao Planalto numa campanha que declarou à Justiça Eleitoral gastos de míseros R$ 2,5 milhões. Hoje, reclama da penúria milionária, enquanto disputa o caixa do PL com uma legião de candidatos ao Legislativo.
 
A título de contextualização, Bolsonaro percorreu três décadas de vida pública a bordo de 9 partidos, todos do Centrão. Em 2019, devido a divergências sobre a distribuição das verbas milionárias dos fundos partidário e eleitoral, deixou o laranjal do PSL e tentou fundar o "Aliança pelo Brasil". Como não conseguiu reunir nem a metade das assinaturas necessárias, flertou com o PTB, o PRTB, o Patriota e o PP e finalmente se amancebou com o PL

O enlace com o mensaleiro e ex-presidiário Costa Neto aconteceu após um namoro turbulento, com direito a "intensa troca de mensagens" do mais alto nível — como "vá para a puta que pariu" e “vão tomar no cu você e seus filhos”. Mas, no discurso proferido durante a cerimônia de filiação, Bolsonaro disse sentir-se em casa

Observação: Na convenção partidária de 2018, o general-menestrel e futuro chefe do GSI cantarolou uma paródia do samba Reunião de Bacana e acrescentou: "Querem reunir todos aqueles que precisam escapar das barras da lei num só núcleo. Daí criou-se o Centrão. O centrão é a materialização da impunidade". Como se vê, o mundo gira e a Lusitana roda.
 
O PL de Costa Neto distribuiu a seus candidatos notáveis R$ 312 milhões em verbas públicas. Entre os presidenciáveis, Bolsonaro é um dos que mais arrecadaram doações de pessoas físicas — cerca de R$ 11 milhões até agora. Ainda assim, seu primogênito e articulador de campanha leva os lábios ao trombone para alardear que as doações "estão sendo realizadas de forma muito lenta" (e pede aos eleitores doações por Pix). Em outras palavras, o candidato que posou de antissistema e se jactou da campanha barata em 2018 agora atribui (por antecipação e pela boca do senador das rachadinha) sua possível derrota nas urnas a uma suposta falta de dinheiro.
 
Observação: O próprio Costa Neto também reclamou da hipotética pindaíba, mas é bom lembrar que sua prioridade não é reeleger Bolsonaro, e sim aumentar a bancada do PL na Câmara, de maneira a arrancar mais dinheiro dos cofres públicos a partir da próxima legislatura.
 
O senador das rachadinhas não notou, mas o principal problema da campanha do pai não é pecuniário. Nenhuma campanha à reeleição será rica o suficiente para comprar um passado de realizações para um administrador que não tem o que mostrar.
 
Com Josias de Souza 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE XIX)

 

Em maio de 2019, num ato falho que beirou o sincericídio, Bolsonaro disse a seus baba-ovos: “não nasci para ser presidente, mas sim para ser militar.” E completou: “Não tenho qualquer ambição. Não me sobe à cabeça o fato de ser presidente. Eu me pergunto, eu olho pra Deus e falo: o que eu fiz para merecer isso? É só problema, mas temos como ir em frente, temos como mudar o Brasil.”

Nem a finada Velhinha de Taubaté acreditaria que um presidente que sempre foi amigo de milicianos, partidário da baixa política, adepto das rachadinhas e que jamais havia administrado coisa alguma — nem mesmo carrinho de pipoca em porta de cinema, como registrou José Nêumanne em sua coluna no Estadão — faria um bom governo, mas poucos imaginavam que sua passagem pela Presidência seria tão nefasta.

Covid não estava no programa, mas não é justo atribuir exclusivamente ao vírus maldito todas as agruras infligidas ao povo brasileiro nos últimos três anos, sobretudo porque o despreparo e o negacionismo do pajé da cloroquina foram determinantes para esse resultado.

Em 27 anos de vida pública, o ex-capitão que deixou a caserna pela porta de serviço (ou do desserviço) foi filiado a oito partidos, todos de aluguel. Mas na política o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã. E vice-versa.

Dois anos depois de se desfiliar do PSL — e de o projeto de criar um partido para chamar de seu dar com os burros n’água — Bolsonaro se amancebou com o PL do mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto. Detalhe: quando sua alteza ainda se esforçava para aparentar lisura e probidade, um de seus escudeiros cantarolava “se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão” (parodiando o pagode Reunião de Bacana).

Durante a campanha, o próprio Bolsonaro chamou o cacique do PL de “corrupto e condenado”. Em novembro passado, depois de ter flertado com um dúzia de legendas, chegou a mandar o dito-cujo à puta que o pariu — e ouviu em resposta um enfático “vá tomar no cu” (você e seus filhos).

Nos últimos três anos, Bolsonaro não desceu do palanque um dia sequer. Estimulou (e participou pessoalmente) de diversas manifestações antidemocráticas. Flertou incontáveis vezes com o autogolpe. Fomentou um sem-número de crises institucionais. Entre inúmeras motociatas (inclusive em dias úteis e horário do expediente) e uma blindadociata, chamou o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, de “filho da puta”, e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, de  “canalha”. Quando a situação ameaçou sair do controle, foi chorar as pitangas na barra da saia do Vampiro do Jaburu, que redigiu, a seu pedido, uma patética carta de retratação.

Continua...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

ATÉ QUANDO, CATILINA, ABUSARÁS DA NOSSA PACIÊNCIA? (CAPÍTULO III)

 

Bolsonaro já foi filiado a nove partidos — PDCPDCPP (duas vezes), PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL —, todos do "Centrão", daí ele “se sentir em casa” no PL, a despeito de já ter chamado o dono da casa de “corrupto e condenado”, de tê-lo mandado à puta que pariu e de ouvir dele um sonoro "vá tomar no cu" extensivo a seus ilustres rebentos. 

Quando se trata de política, o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã e vice-versa. Em novembro, depois de um noivado tão curto quanto conturbado, a DR do Sultão do Bolsonaristão com o partido do mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto foi superada e o casório, que havia sido suspenso, celebrado com pompa, circunstância, juras de amor eterno e votos de fidelidade imorredoura.

Resta saber se a lua de mel vai durar até março ou se o coração do “mito” mudará de dono pela 11ª vez, lembrando que ele precisa estar filiado a uma legenda para disputar a Presidência — ou uma cadeira no Senado ou na Câmara que lhe assegure foro privilegiado. Afinal, Bolsonaro é investigado em 6 inquéritos, e o relatório final da CPI do Genocídio lhe atribuiu pelo menos 9 delitos (entre crimes comuns, de responsabilidade e contra a humanidade).       

O então deputado federal que aprovou dois projetos e foi alvo de mais de 30 processos ao longo de sete mandatos cresceu o olho para o Planalto em 2014, ano da reeleição do Pacheco de terninho que sem jamais ter disparado um tiro virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado; sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante virou projeto de gerente competente; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010 virou presidenta do Brasil

Na época, o capetão disse ao jornal O GLOBO que pretendia disputar a Presidência e que a página "Jair Bolsonaro Presidente 2014", criada no Facebook por "militantes da direita e apoiadores", já contava com mais de 12 mil seguidores. Em 2015, ele já aparecia nas pesquisas com 4% das intenções de voto. Em 2016, subiu para 7%, e no ano seguinte, para 15%.

Em 2017, ao saber que o então pré-candidato à Presidência estaria num clube de golfe no Rio, o advogado Gustavo Bebianno correu para encontrá-lo, levando consigo cópias impressas de centenas de emails (que jamais foram respondidos) como prova da antiguidade de sua admiração. Mais adiante, o causídico defendeu seu ídolo em diversos processos — entre os quais a folclórica ação por incitação ao estupro movida pela deputada petista Maria do Rosário, que poderia ter inviabilizado a candidatura do capetão —, sem lhe cobrar um tostão de honorários.

Depois de trocar o PP pelo PSC, Bolsonaro teve um breve affair com o PEN (que virou Patriota para acolhê-lo). A lua de mel terminou quando ele descobriu que o partido havia patrocinado uma ação no STF questionando a prisão em segunda instância (tema que interessava sobretudo a Lula e ao PT e feria de morte seu discurso antipetista). 

Em março de 2018, o já pré-candidato foi aconselhado por Bebianno a juntar trapos com o nanico PSL. Foi Bebianno quem coordenou a campanha presidencial e quem presidiu o PSL durante as eleições. De acordo com o empresário Paulo Marinho, que abrigou na própria casa o comitê de campanha, houve três grandes responsáveis pela vitória do sociopata: Bebianno, o publicitário Marcos Carvalho e o esfaqueador inimputável Adélio Bispo de Oliveira, nessa ordem. O resto é folclore.

Bolsonaro explorou politicamente a facada que quase lhe custou a vida e, valendo-se da condição de convalescente, fugiu dos debates televisivos, que inevitavelmente exporiam seu acachapante despreparo. Impulsionado pelo antipetismo, acabou sendo eleito e levando a reboque 52 deputados federais, 4 senadores e 3 governadores.

Observação: Vale lembrar que em 2018 a parcela pensante do eleitorado votaria no demônio em pessoa para evitar que o país fosse presidido por um presidiário. Como o Tinhoso não se candidatou, o jeito foi apoiar seu preposto — um político tosco, polêmico, oportunista, populista, parlapatão, admirador confesso dos anos de chumbo da ditadura militar e defensor de opiniões peculiares, digamos assim, sobre tudo e todos. E deu no que deu.

Continua...

terça-feira, 30 de novembro de 2021

BOLSONARO DESPRESIDE E O CENTRÃO DESGOVERNA


Guindado à Presidência com a promessa demagógica, autoritária e irrealizável de livrar o Brasil dos grilhões do presidencialismo de coalizão, o protagonista do maior estelionato eleitoral da história desta banânia (sorry, Dilma) e pior presidente desde a democratização (sorry again, Dilma) acabou entregando ao Centrão "a alma de seu governo", o que, de certa modo, foi uma volta às origens: desde que ingressou na vida pública, Bolsonaro foi filiado ao PDC, PDC, PP (duas vezes), PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL, todos do assim chamado "Centrão" (faltam PCC e o PQP, mas isso é outra conversa).

Em novembro de 2019, devido a desentendimentos com Luciano Bivar, o sultão do bananistão deixou o laranjal para plantar o Aliança pelo Brasil. Mas faltou estrume (a Justiça Eleitoral exige 492 mil assinaturas para a criação de um partido, e ele conseguiu somente 154 mil) e o projeto foi pra ponte que partiu. Desde então, sua alteza irreal flertou com uma dúzia de partidos (todas do Centrão), até se decidir finalmente a trocar alianças com o PL do mensaleiro e ex-presidiário — a quem ele chamava de “corrupto e condenado” e mandou pra puta que pariu no domingo 14, e de quem ouviu (leu, melhor dizendo) um retumbante "vá tomar no cu". Mas a DR acabou superada e o enlace, que havia sido suspenso, ficou para o final da tarde de hoje, com direito a juras de amor eterno e fidelidade imorredoura. Glória a Deus, como diria o folclórico Cabo Daciolo.  

Bolsonaro cresceu o olho para o Palácio do Planalto durante o desgoverno Dilma. Em 2014, o então deputado federal disse ao jornal O GLOBO que pretendia disputar a Presidência e que a página "Jair Bolsonaro Presidente 2014", criada no Facebook por "militantes da direita e apoiadores", já contava com mais de 12 mil seguidores (na época, o perfil oficial do então deputado tinha mais de 340 mil admiradores). Em 2015, ele já aparecia nas pesquisas com 4% das intenções de voto. Em 2016, subiu para 7% em 2016 e para 15% no ano seguinte.

Para minimizar os efeitos da pecha de sectário e da notória falta de conhecimento em relação a temas importantes para alguém que aspirava a comandar o país, o parlamentar passou a modular o discurso e terceirizar a elaboração de propostas em algumas áreas cruciais. Faltou combinar com Ciro Nogueira — presidente do PP —, que sempre fugia do assunto.

Após a reeleição de Dilma, o capitão trocou o PP pelo PSC, que também lhe negou legenda para disputar a Presidência. Em 2017, ele finalmente compreendeu que teria mais chances numa sigla menor, e, depois de flertar com o nanico PEN, acabou filiando-se ao PSL. O resto é história recente.

Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletavam do Estado havia décadas foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. Para obter o apoio das Forças Armadas, o ex-militar agressivo e falastrão, que foi enxotado da corporação por indisciplina e subordinação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada.

Uma vez eleito e empossado, Bolsonaro obrigou Moro a reverter uma nomeação, tomou-lhe o Coaf, forçou-o a substituir um superintendente da PF, esnobou seu projeto contra a corrupção e, vendo que o ex-juiz não cumpriria a missão de blindar sua prole (*), obrigou-o a engolir dúzias de sapos e beber toda a água da lagoa. O auxiliar fingia não ver, tentava negociar, mas acabou abandonando a canoa para salvar o prestígio que ainda lhe restava.

(*) Em três casamentos, o presidente que acabou com a Lava-Jato porque “não tem mais corrupção no governo teve quatro filhos e uma filha. Desses, somente Laura, que tem 11 anos, não é alvo de investigações. Afora o célebre caso de Zero Um e as rachadinhas, a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro, que incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como o Congresso e o Supremo.

Bolsonaro desautorizou Guedes incontáveis vezes, sabotou seus projetos e, com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. Em vez de aprender com MandettaMoro e Teich como sair da canoa antes de ela virar, o "superministro" espelhou-se em Pazuello e virou uma espécie de dublê de bonifrate e zero à esquerda.

Já as Forças Armadas, cujo comportamento irrepreensível ao longo das últimas três décadas desfez a imagem negativa associada aos 21 anos de ditadura, perdeu boa parte da admiração e do reconhecimento dos brasileiros. Alguns fardados de alta patente parecem ter desaprendido que, num governo civil, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica não devem obediência cega ao "comandante-em-chefe", e que tampouco é seu papel salvar o presidente de turno. Sua lealdade maior é com o país. Já passou da hora de os militares desembarcarem dessa canoa furada.

É inegável que a popularidade do mandatário e a aprovação de sua gestão venham afundando como martelo sem cabo. Mas seria leviano declará-lo carta fora do baralho. O sultão do bolsonaristão tem fichas próprias para jogar, com os instrumentos que lhe dão o cargo e a base de apoio que ainda o mantém com chances de passar ao segundo turno das eleições de 2022. Para além disso, é preciso ter clareza sobre a profundidade das mudanças sociais e políticas provocadas por sua gestão (calamitosa, mas enfim...) e pela emergência do bolsonarismo: o novo protagonismo das Forças Armadas, a politização de setores das polícias militares, a articulação de grupos e redes de extrema direita, tudo isso numa sociedade que se polariza e empobrece, com mais desigualdade.

Embora as características mais visíveis do presidencialismo multipartidário sejam aparentemente as mesmas, o terreno institucional e o ambiente sociopolítico nos quais o sistema opera sofreram alterações importantes nos últimos anos. Para pior. O Centrão e o bolsonarismo são formas distintas do proverbial atraso brasileiro. Não há dúvidas de que o bolsonarismo seja mais virulento e nocivo à democracia. É fato que a dominância do Centrão reduz os riscos no curto prazo, mas não se deve perder de vista a possibilidade de sua simbiose com o bolsonarismo — hipótese em que o Brasil estaria condenado a seguir, com maior velocidade, no plano inclinado de um gradual e inseguro declínio econômico e social, com muita instabilidade política. Presumir que a democracia poderá escapar sã e salva de um processo como esse é, no mínimo, imprudente.

Se vitoriosa, a fórmula "bolsonarismo atenuado + Centrão guloso" representaria o adeus — talvez definitivo — a qualquer aspiração maior de fazer do Brasil um país desenvolvido no sentido amplo do termo. Perderíamos o bonde da história, que se acelera puxado por uma nova onda de transformações tecnológicas, sob o acicate da mudança climática, que nos transformou em párias internacionais. Diante do que está em jogo, é hora de olhar de frente os enormes riscos que nos desafiam e evitar o autoengano com alívios de curto prazo.

O Brasil tem lideranças lúcidas e antenadas em diversos meios. O desafio é dar expressão política a essas forças. Primeiro, é preciso compor uma ampla frente política e social para evitar a reeleição de Bolsonaro e qualquer tentativa de desestabilização institucional. Depois, é preciso adotar uma prudente ousadia nas reformas do sistema político brasileiro. É sem dúvida relevante melhorar o seu funcionamento à luz da governabilidade. Nessa linha, importa reduzir a propensão à fragmentação partidária — no que vínhamos avançando com o fim das coligações proporcionais, agora ameaçado, e com a introdução da cláusula de desempenho —, bem como mitigar a tendência a crises institucionais de custosa resolução, para o que a eventual adoção do semipresidencialismo, em momento adequado, possa vir a ser um remédio.

Em vista do tamanho e da profundidade da crise da representação política, é preciso ir além. Trata-se de romper com os mecanismos que se autoalimentam e vêm fechando os partidos e a representação parlamentar para as "forças vivas" da sociedade. Por que um número cada vez maior de pessoas com vocação para a vida pública opta por ingressar em uma carreira da área jurídica ou econômica do Estado, ou se engajar em uma ONG, em lugar de se arriscar no ofício da política parlamentar? Não há resposta simples a essa pergunta, mas ela passa necessariamente pelo rompimento com o virtual monopólio das oligarquias partidárias sobre os polpudos recursos reservados ao financiamento eleitoral. Ou, quem sabe, quebrar o próprio monopólio dos partidos sobre a representação parlamentar, permitindo o lançamento de listas cívicas, mas desde que os eleitos tenham de seguir regras que os obriguem a funcionar como um grupo parlamentar no Congresso.

Essa ideia implica riscos para a "governabilidade", mas tem o mérito de deslocar a ênfase do debate para a dimensão da "representatividade" do sistema político e alargar o campo da discussão sobre as reformas políticas. Sem abrir mão da prudência, é preciso devolver algum encanto à política. Para isso não é preciso derrubar muros na nossa arquitetura institucional, mas é indispensável reformá-la para abrir mais o sistema político a novas formas de organização, expressão e participação da sociedade, seja pela desobstrução dos canais existentes, democratizando os partidos, seja pela criação de novos canais. Para fortalecer a democracia representativa, é preciso renová-la. E esse objetivo não será alcançado com a reeleição de Bolsonaro nem com a volta do lulopetismo corrupto ao poder.

Seria preferível ver Bolsonaro afastado da Presidência e julgado pelos crimes que cometeu durante seu mandato. Em outras palavras, a única saída realmente democrática para o Brasil seria o impeachment do sociopata. O problema é que ela é impedida pelos cleptocratas do Centrão. Se Bolsonaro realmente presidisse alguma coisa, poder-se-ia dizer que, nos moldes do acerto vigente, "o capetão preside e o Centrão governa e dita as regras da reeleição", como escreveu Jose Casado em sua coluna em Veja.

 Bolsonaro preside, o Centrão governa. É regra não escrita, mas confirmada por dois fatos relevantes nos últimos 80 dias. Em setembro, sob forte pressão do agrupamento que é seu esteio parlamentar, o mandatário recuou do confronto aberto com o Supremo e foi chorar as pitangas na barra da saia do ex-presidente Michel Temer, numa carta de rendição que, provavelmente, nem o próprio vampiro do Jaburu assinaria.

Na manhã da última sexta-feira, o capitão anunciou que não haveria restrições em aeroportos ao turismo antivacina. À tarde, ouviu líderes do Centrão. Ao anoitecer estava decidida a exigência do “passaporte vacinal”, como já recomendara a Avisa. Ciro Nogueira, chefe da Casa Civil e presidente licenciado do PP, foi quem fez o anúncio — via redes sociais. Ontem, a lista de restrições a viajantes foi ampliada.

Bolsonaro se esforça para desmentir os críticos que o acusam de agir como um demente. Ao ignorar recomendações da Anvisa para proteger o Brasil contra o Ômicron, o presidente comprovou que não sofre de insanidade, mas, sim, aproveita cada segundo dela. Há duas semanas, a Anvisa fez circular pela cúpula do governo um par de ofícios sobre a conveniência de reforçar o controle de fronteiras e aeroportos em reação ao aumento de casos de Covid no exterior. Aconselhou, entre outras medidas, a exigência de comprovante de vacinação. Bolsonaro deu de ombros.

Diante da confirmação de que uma nova cepa surgida na África do Sul circula pela atmosfera à procura de encrenca, a Anvisa recomendou, dessa vez em nota técnica trombeteada em público, o controle rigoroso do desembarque de passageiros procedentes de seis países africanos. E nada! Na véspera, por ordem do capetão, o ministro da Justiça afastou a hipótese de exigir prova de imunização dos estrangeiros. "Vacina não impede a transmissão da doença", declarou a sumidade. Dia seguinte, discursando para a récua de descerebrados que se apinha defronte ao Alvorada, o "mito" comentou o surgimento de "uma nova onda" de Covid. Chamou de "loucura" a ideia de restringir voos internacionais. "Tem que aprender a conviver com o vírus", disse.

Um detalhe encurta a distância que separa a teimosia de Bolsonaro da estupidez. As recomendações da Anvisa estão baseadas na Lei 13.979 — sancionada pelo próprio Bolsonaro em 6 de fevereiro de 2020 —, que prevê, no artigo 3º, que o governo pode adotar medidas excepcionais para o "enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus". Estão enumeradas nesse artigo oito providências. No item de número sete, lê-se o seguinte: "Restrição excepcional e temporária de entrada e saída do país, conforme recomendação técnica e fundamentada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por rodovias, portos ou aeroportos." Quer dizer: Bolsonaro ignora recomendações sanitárias inspiradas numa lei sancionada por ele.

Repetindo: em vez de cumprir a lei que surgiu para supostamente proteger os brasileiros durante a pandemia, o capitão prefere ignorar o que assinou para manter sua aliança preferencial com o vírus. O partido Rede Sustentabilidade pedirá ao STF que obrigue o mandatário a seguir as recomendações da Anvisa. A exemplo do que vem ocorrendo desde o início da pandemia, a corte o obrigará a fazer por imposição o que deixa de realizar por opção.

Israel, Bélgica e Hong Kong já detectaram a nova variante. Países da União Europeia, o Reino Unido e a Índia reforçaram o controle de fronteiras e de viagens. A OMS realizou reunião de emergência. As dúvidas quando à resistência da nova cepa às vacinas existentes derrubou os mercados ao redor do mundo. No Brasil, o Ibovespa chegou a cair 4%. E Bolsonaro, que costuma esgrimir uma hipotética preocupação com os efeitos da pandemia na atividade econômica, continua ruminando o seu negacionismo.

Aos poucos, o brasileiro vai descobrindo, afinal, a serventia da passagem de Bolsonaro pelo Planalto. Ele se consolida como um extraordinário protagonista de tríades: o nascer do Sol, a morte e a próxima estupidez do presidente. Descobre-se agora que há também no universo três coisas irrecuperáveis: a pedra atirada, a denúncia adiada pelo Augusto Aras e o prejuízo imposto ao Brasil por um presidente insano.

Como dito alhures, Bolsonaro marcou para esta terça, Dia do Evangélico, seu casamento com o partido de Valdemar Costa Neto. PL e PP são sócios no Centrão, que governa e, agora, também comanda a campanha de reeleição.

Triste Brasil.

Com Josias de Souza

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

SÓ BOA NOTÍCIA


A OMS já fala em quarta onda de Covid na Europa. "Enquanto não vacinar todo mundo, se abrir mão do uso de máscaras, liberarmos aglomerações e não pedirmos o passaporte da vacina, é esperado que ocorram novas ondas. A doença é cíclica e novos ciclos serão evitados vacinando a população", diz a epidemiologista Carla Domingues

No Brasil, que registra 22.030.182 contaminados e 613.066 mortos, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, autoridades de alguns estados brasileiros já confirmaram a retomada do carnaval no ano que vem

No estado de São Paulo, ao mais de 70 dos 645 municípios decidiram cancelar a festa dos foliões em 2022 — embora as taxas de ocupação estejam baixas e os índices da doença registrem melhoras no comparativo com os piores meses da pandemia, na avaliação de alguns gestores municipais o momento é de cautela

Como diz o ditado, quem procura acha (e quem insiste acha mais depressa).

Entrementes, a novela das prévias tucanas continua dando o que falar. Com Eduardo Leite no papel de vilão. Mas cada qual tem direito de escolher a corda com a qual quer se enforcar, e o governador do Rio Grande do Sul exerceu esse direito. Seu posicionamento "vai e vem" e algumas acusações, digamos, levianas, serviram de munição para seus adversários e alargaram ainda mais a cizânia intramuros no Tucanistão. O PSDB anunciou nesta terça-feira (23) que contratou um novo aplicativo e espera concluir votação até o próximo domingo. Até o presente momento (são 12h30 de quarta), o troço não funcionou.

Em entrevista à CNN na noite de terça-feira, Sergio Moro criticou "falsas narrativas" sobre suas decisões, disse que condenação de Lula "era o que determinavam as provas" e que é “forçoso reconhecer” que o STF cometeu um “gritante erro judiciário” ao anular a condenação do molusco. Disse ainda que uma das motivações para aceitar o convite de Bolsonaro para assumir o ministério da Justiça foi evitar que a Lava-Jato tivesse mesmo destino da Operação Mãos Limpas. Pena que faltou combinar com os russos, digo, com os corruptos.

Falando em corruptos, a CCJ da Câmara (detalhe: CCJ significa "comissão de constituição e 'JUSTIÇA'". Pausa para as gargalhadas) aprovou na última terça-feira, por 35 votos a 24, a admissibilidade de uma PEC que revoga a PEC da Bengala e reduz em 5 anos a idade para a aposentadoria compulsória de servidores públicos (aí incluídos os semideuses da toga). 

Se o projeto for aprovado, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (ambos nascidos em 1948) terão de trocar a suprema toga pelo supremo pijama. O não seria ruim se não desse ao despirocado do Planalto a oportunidade de nomear mais dois vassalos, "abrilhantando", assim, um plenário que já conta com Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, enfim, a pior composição de toda a história do Tribunal.

Falando em "pior composição", o casamento do capitão-negação com o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto, que estava previsto para ocorrer no último dia 22, mas foi suspenso após os noivos trocarem elogios (o capitão mandou o mensaleiro à puta que o pariu, e o mensaleiro mandou o capitão tomar no cu), foi remarcado para o próximo dia 30. E já que falamos no capetão, seu ex-factótum ressurgiu das brumas para conceder uma entrevista ao SBT News.

Acusado de ser o articulador das rachadinhas do primogênito do Sultão do Bolsonaristão, Queiroz disse à repórter Débora Bergamasco que "rachadinha nunca existiu" e que não conhece o mafioso de comédia Frederick Wassef — em casa de quem se escondeu durante cerca de um ano até ser capturado. E mais adiante: O pessoal queriam [sic] me matar, tem que ficar bem enfatizado isso. Eu ia ser queima de arquivo para cair na conta do presidente [Jair Bolsonaro], como aconteceu com o capitão Adriano [da Nóbrega, miliciano morto na Bahia em fevereiro de 2020”. Faltou explicar por que ele seria "queima de arquivo" no caso de uma rachadinha que "nunca existiu", mas enfim...

Ao comentar a disputa de 2022, Bolsonaro disse que não está preocupado com o demiurgo de Garanhuns nem com o ex-juiz da Lava-Jato, e que "Lula 'não tem mais futuro' e que o tempo do PT 'passou'". Bom seria se fosse verdade. Como bem observou o senador Omar Aziz, referindo-se à qualidade, digamos, discutível de tudo que sai da boca do "mito", por onde passa, Bolsonaro espalha fezes.

Falando no ex-presidiário — convertido "ex-corrupto" pela graça suprema —, em entrevista ao jornal El País o parteiro do Brasil Maravilha minimizou a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua e teve o desplante de comparar o tempo em que o ditador e a chanceler alemã Angela Merkel estão no poder: "Por que que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não?”. E mais: “Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. No Brasil eu fui preso”. Como se não bastasse, O PT divulgou uma nota nesta chamando de falso e de má-fé afirmar que Lula teria apoiado ditaduras de esquerda. É a prova provada de que falar merda não é prerrogativa exclusiva do atual inquilino do Planalto. 

Para concluir (em respeito aos leitores que, como eu, ficam com o estômago virado diante de tanta desfaçatez), Paulo Guedes, que é sócio de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, havia dito em outubro que “perdeu muito dinheiro” ao aceitar entrar para o governo. O pronunciamento foi feito depois que documentos mostram que tanto Posto Ipiranga quanto o atual presidente do Banco Central são donos de empresas em paraísos fiscais. 

Em 2014, o superministro tinha cerca de US$ 8 milhões investidos em uma shelf company — empresas fundadas em paraísos fiscais, mas que podem permanecer anos sem atividade à espera de que alguém lhes dê função. Nesta terça-feira, em audiência na Câmara, ele afirmou que foi orientado por advogados a usar a offshore para fazer investimentos e não ter metade de seu dinheiro "apropriado pelo governo americano".

Guedes esqueceu de mencionar que a tal "apropriação" só aconteceria se ele investisse diretamente em empresas norte-americanas como pessoa física — nos EUA, heranças são tributadas em quase 50% (no Brasil, herdeiros pagam entre 3% e 8% sobre o bem transmitido após a morte, a depender do Estado).

A declaração do grande economista chocou alguns parlamentares. “O senhor dizer que coloca o seu dinheiro em offshore para não pagar imposto é quase um tapa na cara do povo brasileiro, que paga tributos, os pequenos e micro que são sobretaxados, enquanto temos um paraíso para acionistas de offshore e especuladores”, disse a deputada psolista Fernanda Melchionna.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe investimentos em bens cujo valor ou cotação possam ser afetadas por medidas sobre as quais a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função. Em ao menos duas ocasiões, os deputados apontam que decisões de Guedes podem ter impactado seus próprios investimentos, como no caso do projeto de reforma tributária encaminhado ao Congresso e na decisão do Conselho Monetário Nacional de dispensar contribuintes de declararem seus ativos no exterior em valores inferiores a um milhão de dólares.

Por último, mas não menos importante, fala-se em dividir o Estado do Pará para criar o Estado do Tapajós. Mais um governador e respectiva assessoria (com carros oficiais e toda a mordomia de estilho), mas uma Assembleia Legislativa (idem, idem) e por aí afora. Isso quando o país está falido e o povo não tem merda no cu para cagar, se me perdoam o linguajar.

E viva o eleitor brasileiro.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

DIVIDIR PARA NÃO CONQUISTAR

 

"Dividir para conquistar" é uma estratégia (utilizada por Júlio César, Felipe da Macedônia e Napoleão Bonaparte, entre outros) que consiste em fragmentar as forças inimigas para então derrotá-las. No Brasil contemporâneo, esse precioso ensinamento vem sendo desprezado pela assim chamada "terceira via", que parece incapaz (pelo menos até o presente momento) de se unir em torno de um nome que possa despachar para o quinto dos infernos as ambições da desprezível parelha Lula/Bolsonaro.

O PSDB ficou de ir "às urnas" neste domingo (o fato de eu ter escrito esta postagem na manhã ontem explica o tempo verbal) para decidir se será João Doria, Eduardo Leite ou Arthur Virgílio o tucano que pegará em lanças para derrotar a execrável dupla retromencionada. Para piorar, nada garante que os derrotados apoiarão o vencedor, e um racha no partido dificultará ainda mais a missão do emplumado que vencer disputa interna.

Os govenadores de SP e do RS se digladiaram numa campanha acirrada e com alguns ensaios de golpes abaixo da cintura, ao passo que o ex-senador, ex-prefeito de Manaus figurou como azarão — só o ego inflado e o fato de ser um dos caciques da sigla explicam sua participação na disputa. Com orçamento estimado em quase R$ 5 milhões — financiado pelo partido com recursos do Fundo Partidário (dinheiro público, em última análise) — essas avis rara percorreram todos os Estados em busca de apoio dos eleitores (pessoas que se filiaram ao PSDB até maio deste ano e se cadastraram para a votação até o último dia 15). Doria e Leite recorreram também a disparos em massa de mensagens.

ATUALIZAÇÃO: Problemas de instabilidade no aplicativo levaram o PSDB a suspender a votação eletrônica. Ainda não foi definida uma nova data para reabertura do processo para que todos os filiados que não puderam votar no pleito de ontem possam fazê-lo oportunamente. Para o grupo de Doria, o ideal seria abandonar de vez o aplicativo e ampliar o uso das urnas eletrônicas (cedidas pela Justiça Eleitoral e instaladas em Brasília, neste domingo, para as demais capitais e cidades com, no mínimo, 200 mil habitantes. Aliados de Leite, por sua vez, pregam usar cédulas de papel. Como se vê, tomar decisões é um grave problema para o tucanato. Sempre que houver mais de um banheiro no imóvel, tucano que é tucano mija no corredor!

Segundo a revista Veja, é a primeira vez que um partido faz prévias nacionais para a escolha do candidato. Tradicionalmente, as legendas escolhem a chapa por aclamação, em uma decisão dos presidentes e demais dirigentes de cada sigla. O PSDB, sempre em cima do muro (dizem que os tucanos são tão indecisos que mijam no corredor casa haja mais de um banheiro na casa) optou por um modelo em que todos os filiados puderam se inscrever para a votação, mas com votos tendo um peso diferente na apuração final. A adesão foi baixa: dos mais de 1,3 milhão de filiadas, apenas 39 mil fizeram o cadastramento.

E inegável que a disputa interna exacerbe as divergências pré-existentes na sigla, mas espera-se que os postulantes preteridos ponham de lado suas diferenças e apoiem o vencedor em prol do objetivo em comum, que é derrotar o verdugo do Planalto ou o pontífice da seita do inferno. Comenta-se à boca pequena que Leite e Virgílio são mais maleáveis do que Doria, que não abrirá mão de disputar a Presidência.

Oficialmente, o circo eleitoral começa em 16 de agosto do ano que vem, dez dias antes do purgativo "horário político gratuito" no rádio e na tv — gratuito no nome, pois quem paga a fatura desse anacronismo somos nós. Bolsonaro e Lula estão em campanha desde sempre. O capetão-cloroquina — que prometeu acabar com o instituto da reeleição e afirmou que não nasceu para ser presidente, mas, sim, para ser militar — fez da reeleição seu projeto de governo (ou de poder, melhor dizendo; governar que é bom, néris de pitibiriba). Já o ex-presidiário de Curitiba pulou do xilindró para o palanque, na certeza de que a suprema banda podre lavaria sua ficha imunda e transformá-lo-ia em "ex-corrupto", permitindo-lhe dispensar o bonifrate em 2022.

Não se sabe ao certo quantos serão os candidatos à Presidência no ano que vem, mas sabe-se que o único sem partido é o atual inquilino do Planalto. Nossa legislação eleitoral veda candidaturas avulsas, mas não faltam siglas para todos os gostos (são 33 partidos registrados no TSE e mais de 70 em "fase de formação").

Devido a de$entendimento$ com o laranjal de Luciano Bivar, Bolsonaro deixou o PSL em novembro de 2019 e vem buscando desde então um partido para chamar de seu. Depois que o "Aliança pelo Brasil" foi para a cucuia, o capitão passou a buscar uma quadrilha, digo, uma agremiação que o aceite e lhe dê a chave do cofre. O senador Flávio Rachadinha, príncipe herdeiro do sultão do bananistão, e que já passou pelo PP (duas vezes), PFL, PSC, PSL e Republicanos, migrou para o Patriota em maio com o objetivo de organizar a mudança do papai — que acabou não acontecendo.

Bolsonaro já arrastou a asa para o PP do senador Ciro Nogueira e do deputado-réu Arthur Lira e flertou com o Republicanos, sempre com Valdemar Costa Neto, babalorixá do PL, atuando nos bastidores. Ao final, o charme do mensaleiro e ex-presidiário conquistou seu coração, mas a troca de gentilizas ocorrida durante o feriadão da proclamação da República — com direito a "vá pra puta que pariu" e "vá tomar no cu, você e seus filhos" (gente fina é outra coisa) — resultou na suspensão do enlace.

Tudo indica que o casamento ocorrerá de um jeito ou de outro. Segundo o Messias que não miracula, suas chances de ingressar no PL eram de 99,9%. Trata-se não de uma paixão avassaladora, mas de simples pragmatismo: o noivo precisa formalizar a união para "governar" até 2022 e, eventualmente, evitar a cadeia, e portanto deve engolir o xingamento e aceitar as puladas de cerca de Valdemar com Lula — desde que, para manter as aparências, seu consorte evite traí-lo em público.

O affair de Bolsonaro com o Centrão soa como uma velha canção aos nosso ouvidos. Desde que foi expelido do quartel, em 1987, o capitão insurreto perambulou por oito legendas, todas de aluguel. Meses atrás, deu a chave do reino ao senador pepista Ciro Nogueira — que foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil — e colocou o próprio destino nas mãos do também pepista deputado Artur Lira — o réu que preside a Câmara e mantém trancados a sete chaves cerca de 140 pedidos de impeachment. Assim, a intenção de se amancebar com a agremiação do mensaleiro e ex-presidiário Costa Neto um dos expoentes do Centrão, com atuação fisiológica ao longo de vários governos — não causa estranheza; pelo contrário: sua alteza irreal deve se sentir em casa entre as marafonas do PL

Com a terceira maior bancada da Câmara, o partido do ex-desafeto (a quem Bolsonaro chamou de corrupto e presidiário durante a campanha de 2018) abocanha fatias consideráveis de fundo eleitoral e tempo de TV, bem como tem razoável capilaridade: em 2020, elegeu 345 prefeitos, ficando em 6° lugar no ranking das legendas que mais elegeram representantes nas prefeituras. Assim, tudo leva a crer que o adiamento do “casamento” não passou de mero acidente de percurso.

Na última quarta-feira, Costa Neto "recebeu carta branca" de seus cupinchas para negociar a devolução do anel de noivado ao dedo do nubente. O problema (ou um dos problemas) é que o ingresso do capetão no partido impedirá (ou pelo menos dificultará) que lideranças do PL apoiem adversários do governo nas próximas eleições, e alguns caciques da sigla são unha-e-carne com Lula e administrações petistas no nordeste.

A récua de muares descerebrados que por alguma razão ainda levam fé na lisura do "mito" podem achar constrangedor ver seu amado líder dividindo espaço na legenda com notórios investigados e suspeitos de envolvimento em escândalos — como o próprio cacique da tribo, que foi condenado e preso no mensalão. Mas Bolsonaro sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos. E ainda que assim não fosse, o que é um peido para quem está cagado? Noves fora os inquéritos a que o mandatário de fancaria responde (e que já o teriam apeado do cargo se esta banânia fosse um país sério), quatro de seus cinco filhos (a exceção é a caçula, que tem apenas 11 anos) são alvo de investigações.

A filiação ao PL não será um seguro contra traições, já que o partido sempre se notabilizou pela atuação fisiológica no Congresso e por gravitar no entorno de quem tem mais chances de vencer eleições. Suas carpideiras acompanham o caixão até a beira da cova, mas não pulam dentro dela junto com o defunto. Se Costa Netto resolver não lançar candidato próprio à Presidência no ano que vem, e essa decisão for tomada a partir de abril, quando o prazo de filiação partidária já tiver expirado, o verdugo do Planalto estará fora do pleito.

Receber Bolsonaro interessa ao mensaleiro porque anaboliza as chances do partido de aumentar a bancada no Congresso — que conta atualmente com 43 deputados e 4 senadores. O tamanho da bancada na Câmara é determinante na distribuição dos recursos dos fundos eleitoral e partidário, e se a escumalha que segue o capetão acompanhá-lo na mudança de sigla, Costa Neto será o morubixaba de uma das maiores tribos da nação tupiniquim. Mas é bom lembrar que, se Bolsonaro for derrotado nas urnas — possibilidade que se torna mais provável a cada dia —, o poder de negociação do partido com o futuro inquilino do Planalto ficará fragilizado.

Eleições presidenciais no Brasil costumam guardar semelhanças com os pleitos anteriores, mas, paradoxalmente, são as diferenças que acabam pautando os resultados. Para além disso, o imprevisto sempre pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Cito como exemplo a facada que o então candidato do PSL à Presidência levou em Juiz de Fora, a um mês do primeiro turno do pleito de 2018. Não fosse esse lamentável incidente, Bolsonaro não teria escapado de ser feito picadinho pela grandiloquência de Ciro Gomes nos debates televisivos (pode-se simpatizar ou não com o cearense de Pindamonhangaba, mas jamais menosprezar sua oratória.

Segundo o cientista político Murillo de Aragão, desde a volta das eleições diretas que algum grande tema vem prevalecendo, ora vindo do establishment político, ora como uma surpresa. Collor e Bolsonaro, ainda que solidamente incrustados no sistema, surgiram como surpresas para o eleitorado. FHC se viabilizou com o sucesso do Plano Real e foi eleito em 1994 e 1998, ambas as vezes no primeiro turno, graças ao poder que conquistou com o desempenho econômico e a fragilidade da narrativa de Lula, então seu maior adversário.

Em 2002, o picareta dos picaretas se firmou como “surpresa”, mesmo tendo mais de vinte anos de vida pública, e se elegeu na esteira dos equívocos dos barões do Tucanistão e de sua maneira desgastada de fazer política. A era lulopetista se estendeu por mais de 13 anos graças a uma combinação de fatores — entre os quais o desempenho econômico, que então avançava por águas mansas, com as velas enfunadas pelos ventos benfazejos soporados do exterior — que dificilmente se repetirá no médio prazo.

O capital político acumulado pelo petralha lhe assegurou a reeleição em 2006, a despeito do mensalão, e a eleição de sua nefasta sucessora em 2010 e 2014, a despeito da notável incompetência da desinfeliz. Mas então Bolsonaro surgiu do nada, como um rebento bastardo da Lava-Jato e da "descorrupção" que a força-tarefa de Curitiba produziu no establishment político. E a adesão do juiz Sergio Moro à campanha fez com que uma parcela considerável dos brasileiros apoiasse o "mito" — que, como não tardariam a descobrir, tinha pés de barro, calcanhares de vidro e culpa no cartório.

A incompatibilidade chapada entre bolsonarismo e o lavajatismo favorece o ex-presidiário convertido a "ex-corrupto", mas diz um velho ditado que toda araruta tem seu dia de mingau. As denúncias de corrupção endêmica que marcaram as gestões petistas certamente voltarão à baila durante a campanha, e poderão atrapalhar os planos do demiurgo eneadáctilo.

Como dito, todos os pleitos presidenciais desde a redemocratização foram abrilhantados por algum evento inesperado, que acabou afetando as campanhas. A pergunta que se coloca é: o que nos reserva a próxima eleição? The answer, my friend, is blowing in the wind. Mas isso não nos impede de fazer algumas conjecturas.

Até onde a vista alcança, o que se vislumbra é um "trisal" formado pela conjuntura econômica, pela pandemia e pelos índices de rejeição (repulsa?) aos dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto, mas a questão do combate à corrução poderá ser relevante para certos setores do eleitorado, podendo converter esse trisal num "ménage a quatre".

A economia estará atrelada ao consumo, renda, retomada das atividades e comportamento da inflação; a pandemia terá seu papel reforçado pelos "equívocos" do governo e o espantoso número cadáveres — potencializado pelo negacionismo de um mandatário psicopata.

Um cálculo mostra que, para cada vítima do vírus maldito (falo do SARS-CoV-2, não do negacionista), pelo menos 100 pessoas são afetadas emocionalmente, o que perfaz mais de 60 milhões de eleitores passíveis de ser influenciados por essa tragédia na hora de votar, ainda que a vacinação continue avançando e o número de mortes diminuindo.

A julgar pelas pesquisas, a substantiva rejeição reduziria a pó as chances de o atual inquilino do Planalto ter o contrato renovado, mas há que levar em conta que no Brasil até o passado é incerto. Por enquanto, o sumo pontífice da seita do inferno é beneficiado pelo recall positivo, mas, quando a campanha esquentar, todos os equívocos e as denúncias que marcaram as gestões do PT aflorarão como a merda que transborda de uma privada entupida quando um incauto aciona a descarga.

Ao fim e ao cabo, os três temas poderão servir de ponte para que um candidato alternativo transite com sucesso em meio à polarização, sobretudo se ele trouxer uma boa abordagem para o quarto tópico: o combate à corrupção. O que nos leva a Sergio Moro, cuja pré-candidatura já foi objeto de postagens recentes e voltará a sê-lo em meus próximos textos, já que este se estendeu mais do que eu pretendia.

terça-feira, 16 de novembro de 2021

BOLSONARO DE PARTIDA DO PARTIDO AO QUAL NÃO SE FILIOU


Quem se casa vincula-se ao cônjuge e à família do dito-cujo. Bolsonaro descobriu isso no último domingo, durante seu périplo pelas arábias. Consta que ele e o pajé do PLValdemar Costa Neto, rechearam uma "troca intensa de mensagens" com expressões do mais alto nível — tais como "vá para a puta que pariu" e “vão tomar no cu você e seus filhos” —, e que o motivo do entrevero foi o diretório do partido em São Paulo (reduto de Doria), que Bolsonaro quer deixar sob comando do Bananinha.

Costa Neto disse ao capetão que ele pode ser o presidente da República, mas quem manda no partido é o presidente do partido. Segundo a versão oficial da esbórnia, a cerimônia de filiação, que estava marcada para o próximo dia 22, foi adiada sine die. Mas até as emas do Alvorada sabem que não se trata apenas de um adiamento, e que a implicância do "mito" não é com o apoio do PL a Lula ou a Ciro, mas a João Doria.

Bolsonaro está sem partido há cerca de dois anos, desde sua ruptura com o PSL. Trocar de sigla não é problema para ele, que desde 1987, quando foi expelido da caserna e ingressou na política, sempre balizou sua atuação em assuntos caros aos fardados, tanto como vereador pelo PDC — de 1989 a 1991 — quanto como deputado federal — de 1991 a 2018 — e passou por nada menos que oito legendas — PDC, PP (duas vezes), PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e PSL.

Após deixar o PSL em meio a "divergências orçamentárias", o presidente tentou fundar o "Aliança pelo Brasil", mas não conseguiu granjear nem metade das assinaturas necessárias. Desde então, flertou com o PTB, o PRTB, o Patriota e o PP e acabou noivando com o PL. No entanto, divergências sobre o controle do dote e a definição dos palanques estaduais resultaram no rompimento (se irreversível ou não, só o tempo dirá).  

Outro problema que se coloca: se realmente quiser disputar a reeleição, Bolsonaro tem até março do ano que vem para se filiar ao PL ou outro partido qualquer. Se, a partir de então, esse partido desistir de lançar candidato próprio à Presidência, nosso indômito mandatário ficará a ver navios. E pelo binóculo.

Costa Neto já teve alianças díspares (para dizer o mínimo) em sua longa trajetória na política. Em 2002, por exemplo, ele apoiou a primeira eleição de Lula — indicando, inclusive, o então senador mineiro José Alencar para vice na chapa do petista. Agora, a inusitada (para não dizer esdrúxula) aproximação entre o petralha e o picolé de chuchu (que está em via de se tornar ex-tucano) estraga os planos dos bolsonaristas, que viam em Alckmin um dos possíveis aliados no maior colégio eleitoral do país.

Filiar-se ao PL, ao PSC, ao PDC, ao PCC, ao PQP ou a qualquer outro partido não deixará Bolsonaro diferente. Ao se aliar ao rebotalho, à escumalha, à escória político partidária, ele estará apenas voltando a ser quem sempre foi antes do teatro de 2018.

Para quem já estava "de caso" com o PP — de prontuários notórios como Paulo MalufArthur Lira e Ciro Nogueira —, trocar alianças com o PL é mais do mesmo. Mas vale lembrar que em 2018, quando o pajé do PL o preteriu por Alckmin, Bolsonaro postou nas redes sociais: "Agora [a imprensa] diz que aceno para corruptos e condenados; é a velha imprensa de sempre, não sabem fazer outra coisa a não ser mentir e mentir”. E se referiu a Costa Neto como “corrupto e condenado” (preso no mensalão, quando foi condenado a sete anos de reclusão, o ex-deputado foi um dos nomes mais cortejados em 2018 para alianças políticas).

Atualização: De acordo com o blog da Andréia Sadi, a filiação de Bolsonaro ao PL na mesma semana em que Sérgio Moro defendeu o combate à corrupção em seu discurso de filiação ao Podemos repercutiu mal nas redes sociais. E o capetão não pode se dar ao luxo de desagradar a récua de lunáticos que ainda o apoia. Nunca é demais lembrar que o dono do partido-noivo foi condenado no julgamento do mensalão a 7 anos e 10 meses de prisão e preso em 2013. Como isto aqui é Brasil, o mensaleiro passou a cumprir prisão domiciliar em 2014 e foi perdoado em 2016 pelo ministro Luís Roberto Barroso, que acolheu um parecer da então PGR Raquel Dodge.

Coisas da política tupiniquim.