PIOR QUE O BANDIDO TRAVESTIDO DE POLÍTICO É O IDIOTA TRAVESTIDO DE ELEITOR, QUE VOTA NESSE TIPO DE GENTE.
Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais — e foram duramente criticados. Mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos Collor, Lula, Dilma e Bolsonaro?
Nunca saberemos como estaria o Brasil se o golpe de Estado de 1889 não tivesse ocorrido. Ou se a renúncia de Jânio não tivesse levado ao golpe de 64. Ou se nosso primeiro presidente civil — eleito indiretamente após 21 anos de ditadura — não tivesse levado para o túmulo a esperança de milhões e deixado um neto que envergonharia o país e um vice que pavimentaria a vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na primeira eleição direta desde 1960.
Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, o último dos cinco generais presidentes da ditadura — que, entre outros dislates, disse preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — confidenciou a Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA, que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil, e a outra estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar.
No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes — mas só porque, a exemplo da Viúva Porcina (personagem da novela Roque Santeiro), "foi sem nunca ter sido". Por uma trapaça do destino, ele baixou ao hospital horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no feriado que homenageia o Mártir da Independência. Também não dá para saber o que aconteceria se ele tivesse governado, mas sabe-se que a posse de José Sarney ecoou como a gargalhada do diabo nos estertores da ditadura.
Sarney não tinha ideia do tamanho do "abacaxi" que seria assumir a presidência sem ter indicado seus ministros e herdando uma inflação de 220% ao ano. Cinco anos depois, entregou a Collor a faixa presidencial e uma superinflação de 1.800%, mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá e conseguiu se eleger senador. Conta-se que, depois que pendurou as chuteiras, ao ser informado pela filha Roseana — então governadora do Maranhão — de que um dilúvio deixara metade do estado debaixo d’água, ele perguntou: "A sua metade ou a minha?"
Ao lado de Ulysses Guimarães, Mário Covas, Franco Montoro e Fernando Henrique, Tancredo liderou a campanha pelas "Diretas Já". A despeito da maior adesão popular da história, a Câmara sepultou a emenda Dante de Oliveira, que estabelecia a volta das eleições diretas para presidente. Ainda assim, a comoção social foi tamanha forçou a convocação do colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. Em 15 de janeiro de 1985, Tancredo venceu Maluf — que era apoiado pelos militares — 480 a 180 votos.
Ulysses chegou a cogitar disputar mas foi preterido pela chapa mista formada com o PFL de José Sarney Sr. Diretas e entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento dos preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses. Se tivesse sido ele o escolhido pelo colégio eleitoral, talvez disputasse — e vencesse — a eleição solteira de 1989. Sem Collor no Planalto e Zélia no Ministério da Fazenda, não teria havido sequestro dos ativos financeiros, congelamento da poupança e a sequência de planos econômicos fracassados que precederam o Plano Real. Assim, talvez a redução da miséria brasileira tivesse começado muito antes e hoje houvesse mais gente com salário digno e casa para morar.
Nada garante que teria sido assim, mas, mesmo que fosse, o Brasil — esse eterno laboratório de desilusões políticas — ainda teria muito chão para tropeçar. A eleição direta de 1989, com 22 candidatos e uma população faminta por mudanças, virou palco de um espetáculo grotesco que consolidou a crença de que o próximo salvador da pátria viria embalado em promessas vazias, frases de efeito e, claro, uma bela embalagem televisiva. E assim seguimos, entre urnas e urros, tropeçando em nossas escolhas.
Continua...