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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

BOLSONARO — O CANTO DO CISNE

AS CONSEQUÊNCIAS SEMPRE VÊM DEPOIS.

A Primeira Turma do STF deve selar nesta sexta-feira a sorte de Bolsonaro e outros sete réus do "núcleo crucial do golpe". Se forem condenados pelos cinco crimes imputados pela PGR, a soma das penas máximas pode ultrapassar 40 anos. 

Além da condenação, o julgamento definirá os recursos que a acusação e defesa poderão interpor. Se houver unanimidade, caberão apenas embargos de declaração, que são julgados pela própria Turma. Já dois votos pela absolvição abrem espaço para os assim chamados embargos infringentes — que permitem a reavaliação da decisão pelo plenário da Corte. Tanto num caso como no outro, a prisão só será efetivada após a análise dos recursos.

 

Na última terça-feira, Alexandre de Moraes deixou claro que houve tentativa de golpe e apontou o ex-presidente como líder das ações. Flávio Dino acompanhou o voto do relator, mas ressalvou que as participações de Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira foram menores, e, portanto, suas penas também devem ser menores. 


Na sessão de ontem, num voto cuja leitura durou quase 13 horas, Luiz Fux reiterou o que vinha dizendo desde antes do julgamento: a Primeira Turma é incompetente para julgar réus que não têm foro privilegiado, de modo que o processo deveria ir para o plenário da Corte ou descer para a primeira instância. 


Com o placar em 2 a 1 pela condenação de Bolsonaro, o julgamento foi retomado nesta tarde. Cármen Lúcia e Cristiano Zanin acompanharam integralmente o relator. O placar foi de 4 a 1 e a pena aplicada a Bolsonaro, de 27 anos e 3 meses em regime inicialmente fechado, mais 124 dias-multa no valor de 2 salários-mínimos o dia.

Além dos recursos regulamentares, a defesa de Bolsonaro se equipa para manter o cliente em prisão domiciliar, mesmo depois da condenação. Alegar “razões humanitárias” deu certo com Paulo Maluf e Fernando Collor, e nunca é demais lembrar que Lula, condenado a mais de 20 anos nos processos do triplex e do sítio, deixou sua cela VIP em Curitiba depois de míseros 580 dias. Graças a Sergio Moro — que trocou a magistratura pela política e agora está agarrado ao saco de Bolsonaro — e ao próprio Bolsonaro — que é um sério candidato a entrar para a história como o pior mandatário desde Tomé de Souza —, Lula foi “descondenado”, reabilitado politicamente e reconduzido à cena do crime.

Bolsonaro ingressou na AMAN em 1973 e deixou a caserna pela porta lateral em 1988, depois que a revista Veja revelou seu plano de explodir bombas em unidades militares caso o reajuste do soldo ficasse abaixo de 60%. Como deputado federal por sete legislaturas, apresentou 172 projetos, o ex-capitão relatou 73, aprovou dois e foi alvo de mais de 30 processos. Em 2017, quando disputou a presidência da Câmara, obteve apenas 4 votos. No ano seguinte, enquanto Lula ainda recorria de sua condição de inelegível, o "mito" dos anencéfalos aparecia em segundo lugar nas pesquisas. Mas o placar se inverteu depois que o TSE cassou a fantasiosa candidatura do então presidiário, e Jacques Wagner recusou o papel de “plano B”. 

 

A um mês do primeiro turno, já com Fernando Haddad como principal adversário, Bolsonaro foi esfaqueado por Adélio Bispo — um lunático que não come merda nem rasga dinheiro, mas que a Justiça considerou inimputável. Na campanha do segundo turno, mesmo debilitado por duas cirurgias e preso a uma bolsa de colostomia, continuou subindo nas pesquisas. Liberado pelos médicos, preferiu não participar dos debates televisivos — uma decisão inteligente, considerando que seus discursos encantam tanto quanto um burro peidando, e um debate com Ciro Gomes, mestre na arte da oratória, sepultaria sua candidatura.

 

Surfando na onda do antipetismo, Bolsonaro prometeu pegar em lanças contra a corrupção na políticaacabar com o “toma-lá-dá-cá e propor ao Congresso o fim da reeleição. Eleito com 55,1% dos votos válidos, prometeu governar para todos os brasileiros. Num raríssimo mea culpa, reconheceu que não nasceu para ser presidente, e sim para ser militar. No Planalto, aparelhou órgãos do Estado; enfraqueceu as instituições democráticas; insuflou manifestações e motociatas subversivas; atacou as urnas eletrônicas, o TSE e o STF; converteu as festividades de 7 de Setembro em palanque; xingou Luís Roberto Barroso de filho da puta, ameaçou não cumprir decisões judiciais de Alexandre de Moraes — a quem chamou de canalha — e acabou com a Lava-Jato porque, segundo ele não havia mais corrupção no governo”. 

 

Bolsonaro sempre defendeu a ditadura, a censura e o fechamento do STF e do Congresso. Durante sua nefasta gestão, foi alvo de mais de 140 pedidos de impeachment — um recorde, considerando que Collor contabilizou 29; Itamar, 4, FHC, 24; Lula, 37; Dilma, 68; e Temer, 3. Por alguma razão incerta e não sabida, Rodrigo Maia viu erros, mas não crimes em seus atos espúrios. Já Arthur Lira só tinha olhos para "orçamento secreto". 


Para se blindar de denúncias por crimes comuns, Bolsonaro entregou o comando da PGR ao antiprocurador Augusto Aras e o manteve na rédea curta com a promessa (jamais cumprida) de indicá-lo para uma vaga no STF. E por falar em crimes comuns, o total de vítimas fatais da Covid em 31 de dezembro de 2022 chegou a 693.853. Boa parte dessas mortes se deveu à postura negacionista de Bolsonaro, que, no auge da pandemia, com cadáveres sendo produzidos em escala industrial, comparava a pandemia a “uma gripezinha”, chegando mesmo a associar o uso da vacina à Aids e a virar jacaré


Além de criticar o isolamento social e praticamente todas as medidas de contenção preconizadas por especialistas, o então presidente e seu grupo político apostaram no “tratamento precoce” — um kit de medicamentos sem eficácia comprovada, que incluía cloroquina, ivermectina e azitromicina. Quando o desenvolvimento de vacinas se consolidou, o mandatário não só atrasou a compra dos imunizantes como desincentivou sua a aplicação. 

 

O relatório de 1.300 páginas da CPI imputou a Bolsonaro e outras 77 pessoas — incluindo os ex-ministros da Saúde Eduardo Pazuello e Marcelo Queiroga — pelo menos uma dezena de crimes, entre os quais epidemia com resultado morte; infração de medida sanitária preventiva; charlatanismo; incitação ao crime; falsificação de documento particular; emprego irregular de verbas públicas; prevaricação, crimes contra a humanidade; violação de direito social; e incompatibilidade com dignidade, honra e decoro do cargo. Houve denúncia apenas em relação ao então presidente, mas o caso não avançou.

 

O material foi entregue no final de outubro de 2021 a Augusto Aras. Parte dos apontamentos foi encaminhada para o MPF nos estados e outra parte resultou em 10 petições apresentadas ao STF envolvendo 35 dos implicados pela CPI — a maioria deles com foro privilegiado. Aras alegou que a Comissão não havia entregado provas, e as petições foram ignoradas. A vice-procuradora Lindôra Araújo requereu o arquivamento de nove petições, sob o pretexto de “ausência de justa causa para a deflagração de ação penal”. 

 

Tínhamos, à época, um procurador que é um prevaricador e sabotou o relatório final da CPI de olho em uma vaga do STF que nunca veio. A promiscuidade de Aras com o governo anterior era tanta que o delator Mauro Cid informou que ele tinha agendas secretas com o ex-presidente e passava dados sigilosos aos investigados”, resumiu o senador Renan Calheiros.

Outras ações apresentadas perante o STF contra agentes com foro privilegiado também não resultaram em processo judicial. Segundo estudo baseado em dados de dezembro de 2023, das 58 petições do universo amostral, a PGR requereu o arquivamento de 46, e ninguém foi condenado nas demais. Também não ocorreram condenações nas ações movidas nos estados.

Em março do ano passado, senadores que aturam na CPI solicitaram ao sucessor de ArasPaulo Gonet, o desarquivamento dos pedidos de indiciamento contra Bolsonaro e outros agentes públicos e privados implicados pelo relatório. Nenhum crime contra a humanidade prescreve e, a todo momento, surgem fatos novos que podem reabrir as investigações e eliminar este cenário de impunidade”, mas até o momento não houve movimentação da PGR para desarquivar as petições. A Agência Pública questionou o órgão sobre o assunto, mas não recebeu resposta. Aras também foi procurado, mas não respondeu ao contato. 

 

Em outubro do ano passado, o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e o Conselho Nacional de Saúde (CNS) apresentaram uma nova representação criminal sobre o tema, demandando a denúncia de Bolsonaro, do ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto (que também é réu por tentativa de golpe) e dos ex-ministros da Saúde Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello. O caso está em segredo de Justiça e não há informações sobre avanços.


Bolsonaro não foi o único que escapou de qualquer responsabilização pelas ilegalidades cometidas durante a pandemia. O general da reserva e ex-ministro da Saúde Ricardo Pazuello não só se safou como se tornou o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro em 2022. Sua presença na Câmara passaria quase despercebida se seu gabinete não abrigasse o também general da reserva Mário Fernandes, ex-assessor de Bolsonaro e integrante dos “kids pretos”, que admitiu ter arquitetado o plano para matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Até a investigação da tentativa de golpe vir à tona, Fernandes ocupava “cargo de natureza especial” no gabinete de Pazuello.

Marcelo Queiroga — outro ministro da Saúde de Bolsonaro que também escapou de responsabilização por sua conduta na pandemia — lançou-se candidato a prefeito de João Pessoa (PB) no ano passado, mas foi derrotado no segundo turno. Hoje ele é presidente estadual do PL na Paraíba e pré-candidato a senador. Já Wilson Lima — que era governador do Amazonas durante a crise em Manaus, quando pessoas morreram por falta de oxigênio — chegou a ser denunciado, mas uma das ações foi rejeitada e outra ainda aguarda julgamento de mérito. Como isto aqui é Brasil, Lima foi reeleito governador com 56,6% dos votos válidos.
  

Também buscaram carreira política as médicas Nise Yamaguchi — que fazia parte do “gabinete paralelo” que assessorava o governo do capetão durante a pandemia — e Mayra Pinheiro (a “capitã Cloroquina”) —, que teve cargo no Ministério da Saúde e era uma das mentes por trás do aplicativo oficial que estimulava o uso do “tratamento precoce. Ambas foram implicadas pela CPI. Yamaguchi tentou, mas não conseguiu se eleger deputada federal por São Paulo em 2022 nem vereadora em 2024. Mayra, que havia tentado se eleger deputada federal em 2014 e senadora em 2018, buscou uma cadeira na Câmara dos Deputados em 2022, recebeu mais de 71 mil votos e ficou com uma suplência, chegando a assumir o cargo por quatro meses, durante a licença do bolsonarista André Fernandes.

O deputado federal gaúcho Osmar Terra — um dos mais destacados membros do “gabinete paralelo” e disseminadores de desinformação durante a pandemia — não só escapou de qualquer responsabilização como conseguiu a reeleição para seu sexto mandato na Câmara, com mais de 103 mil votos. Ricardo Barros, citado no caso da vacina indiana Covaxin e alvo da CPI por conta de denúncias sobre pressões para liberar a transação, saiu ileso e conseguiu a reeleição para a Câmara com 107 mil votos.

 

Os 11 empresários e médicos ligados ao plano de saúde Prevent Senior também não sofreram condenações. A lista inclui o virologista Paolo Zanotto, o anestesista Luciano Dias Azevedo e o oftalmologista Antônio Jordão, do “Médicos pela Vida”. Segundo um dossiê, o plano teria forçado profissionais de saúde a utilizar o “kit covid” e feito testes sem autorização. A Prevent também foi alvo de CPI na cidade de São Paulo e de denúncia do MPF-SP, mas os processos não avançaram. Já o movimento pró-kit covid, coordenado por Jordãofoi condenado em primeira instância a pagar indenização de R$ 55 milhões por danos coletivos.
 

Presidente do Conselho Federal de Medicina à época da pandemia, Mauro Ribeiro foi implicado pela CPI por conta da postura do órgão, mas não foi levado à Justiça e se elegeu novamente para a diretoria do CFM, desta vez como tesoureiro. O relatório da Comissão também cita outro médico, Anthony Wong, como um dos membros do “gabinete paralelo”. Mas ele não foi implicado oficialmente porque morreu em janeiro de 2021 — de Covid, como revelado posteriormente pela revista Piauí.

 

Voltando à sessão de ontem, o voto teratológico de Luiz Fux — verdadeiro tratado de incoerência convertido em penitência em quase 13 horas de leitura — não retira a corda do pescoço de Bolsonaro e seus comparsas, que serão condenados pela maioria, mas inocula na ação sobre os crimes contra a democracia o vírus que matou a Lava-Jato


ObservaçãoA teratologia é uma especialidade médica que cuida das chamadas monstruosidades e malformações orgânicas do corpo humano. Na metáfora jurídica, uma decisão é chamada de teratológica quando é tão monstruosa que não tem pé nem cabeça.


Fux disse não haver comprovação da participação de Bolsonaro no 8 de Janeiro, desqualificou repetidos ataques ao processo eleitoral e às urnas — considerando-os apenas críticas de cunho político — e apontou o que seriam fragilidades de ligação do réu com provas materiais, como o plano de assassinar autoridades e as diferentes versões de minutas golpistas. Mesmo indicando adesão a contraditórios ao longo do processo, a contundência de seu voto e o grau da divergência apresentada foram recebidos com surpresa, sobretudo por absolver Bolsonaro e condenar Braga Netto e Mauro Cid por abolição do Estado Democrático de Direito.

A alturas tantas, Flávio Dino, disfarçando a ironia fazendo-se de desentendido, indagou a Fux se ele havia mesmo condenado Cid e inocentado Bolsonaro — considerando que um ajudante de ordens não faz senão cumprir ordens do chefe, supor que Cid tentou impedir a posse de Lula à revelia de Bolsonaro é teratologia em estado crônico, e condenar Braga Netto pelo mesmo crime de abolição do Estado Democrático de Direito potenciou a teratologia.  Em última análise, não é que Fux tenha divergido de Moraes e Dino, mas que ele virou a si mesmo do avesso para favorecer o ex-presidente.

Conhecido pelo perfil punitivista consolidado nos casos do mensalão, do petrolão e no julgamento das sardinhas dos atos antidemocráticos do 8 de janeiro, Fux não só reconheceu a legitimidade do STF para receber 1.692 denúncias contra participantes do quebra-quebra nas sedes dos Três Poderes, mas também seguiu o voto do relator para condenar mais de 400 "peixes miúdos". De repente e inopinadamente, torna-se ferozmente garantista ao julgar os tubarões do golpe. 

Cristiano Zanin deve seguir MoraesDino e Cármen, mas o voto divergente de Fux fornece material para que Bolsonaro — que chegará a 2026 preso; falta definir onde e por quanto tempo — mantenha a pose de perseguição e reivindique no futuro a anulação do processo. Vale lembrar que o próximo presidente indicará substitutos para pelo menos três dos 11 ministros do Supremo — o próprio Fux, que se aposenta em 2028, Cármen Lúcia, que troca a suprema toga pela suprema camisola em 2029, e Gilmar Mendes, que veste o supremo pijama em 2030. Isso sem falar em Luís Roberto Barroso, que cogita pendurar as chuteiras antes do prazo regulamentar. 

Se as reviravoltas judiciais ensinam alguma coisa, é que “sempre” e “nunca” são palavras que todos sempre devem lembrar e nunca usar. O advogado de um dos generais que acompanham Bolsonaro no banco dos réus disse: "quando Lula deixou o Sindicato dos Metalúrgicos de SBC para entregar à PF, quem dissesse que ele subiria a rampa do Planalto pela terceira vez seria chamado de maluco".


E viva o povo brasileiro...

sábado, 8 de março de 2025

EXPRESSÕES LATINAS

ABYSSUS ABYSSUM INVOCAT.

"Última flor do lácio, inculta e bela" foi como o poeta Olavo Bilac se referiu à nossa língua no soneto homônimo (pelo fato de ela ser a última língua neolatina formada a partir do latim vulgar, falado pelos soldados da região italiana do Lácio).
 
Observação"Língua" e "idioma" não são exatamente sinônimos; a língua é um instrumento de comunicação que pertence aos falantes, enquanto o idioma é uma língua própria de um povo e está relacionado com a existência de um Estado político. Mas é comum essas duas palavras serem usadas indistintamente, e como a língua é dinâmica e o uso consagra a regra...

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Depois de chegar à presidência com o primogênito investigado por “rachadinhas” na Alerj, Bolsonaro não só costurou um acordo de engajamento com o ministro Dias Toffoli — que resultou em quatro meses de paralisação da investigação com uma só canetada em 2019 — como distribuiu cargos a uma série de pessoas ligadas ao ministro Gilmar Mendes. 

Juntamente com Ricardo Lewandowski e Nunes Marques, a herança maldita de FHC votou por blindar o filho do pai das decisões do juiz de 1ª instância Flávio Itabaiana, ao arrepio de decisão anterior do STF no sentido de levar casos de parlamentares federais à primeira instância após o fim do mandato durante o qual os alegados crimes ocorreram. 

Ninguém deu muito bola para a notícia de que o governo Bolsonaro havia empregado o primo de Gilmar no ministério da Justiça e Segurança Pública, além de ter-se empenhado, por meio do Itamaraty, na vitoriosa campanha do advogado do ministro para ocupar uma cadeira de juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Meses antes, em 29 de abril de 2020, durante a posse de André Mendonça como ministro da Justiça, o então presidente já havia exaltado Gilmar, " que jamais se furtou de dar seu voto em prol do Brasil". 

Mesmo encrencado com a Justiça em razão dos inquéritos sobre o golpe e as invasões de 8 de janeiro, Bolsonaro fez campanha presencial para o irmão de Gilmar, Chico Mendes, eleito prefeito de Diamantino, no Mato Grosso. Semanas atrás, Gilmar blindou Flávio mais uma vez, negando dois recursos do MPRJ para reabrir o caso das “rachadinhas”, esvaziado graças a decisões de anulação de quebras de sigilo tomadas no STJ pelo desembargador João Otávio de Noronha, que Bolsonaro prometia indicar ao STF caso abrissem novas vagas com ele no poder. O próprio Gilmar atuou para manter decisões de Noronha, como no caso do relaxamento da prisão do operador Fabrício Queiroz e de sua esposa, Márcia Aguiar. 

Depois que o inquérito da trama golpista foi enviado para julgamento na 1ª Turma do STF, a defesa de Bolsonaro tenta levar o caso a plenário, onde Nunes Marques e André Mendonça podem pedir vista, atrasar o julgamento e dar votos contrários, e Gilmar e Toffoli, serem mais complacentes que Cristiano Zanin e Flávio Dino. 

Ainda que Gilmar tenha criticado publicamente o golpismo, Toffoli tenha se reaproximado de Lula e Bolsonaro não tenha mais a caneta na mão, a esperança de quem já agradou e foi agradado por pessoas poderosas é a última que morre na República do Escambo (leia mais em Gilmar barra reabertura do caso das ‘rachadinhas’ de Flávio). 
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente de turno do STF, negou os pedidos de suspeição de Moraes, Zanin e Dino. Pelo regimento interno da Corte, cabe às duas turmas julgar ações penais, e como o relator faz parte da 1ª Turma, a acusação será julgada por ela. .

O latim é considerado uma língua morta, mas ainda usado no Vaticano e, em menor escala, no âmbito do Direito. Até os anos 1960, padres católicos celebravam as missas em latim, de costas para os fiéis (que assim podiam cochilar impunemente); no STF, ministros encantados com o som da própria voz e estimulados pelos refletores da TV Justiça se arriscam a dizer frases inteiras em latim — quase sempre macarrônico, mas enfim...
 
O significado de algumas expressões latinas pode ser útil. Circa (abreviado como c. ou Ca.), por exemplo, não é o feminino de circo, mas outra maneira de dizer "cerca de" ou "por volta de" para indicar a data aproximada que um determinado evento ocorreu quando não se pode estabelecê-la com precisão. Por exemplo, quando não se sabe exatamente a data em que um artista pintou um determinado quadro, mas sabe-se que foi no início da segunda metade do século 16, anota-se "circa 1560" ao lado do título da obra, tanto nos museus quanto em publicações.
 
Id est (abreviado como i.e.) pode ser traduzido como "isto é" e tem o significado de "em outras palavras", "a saber" ou "ou seja", mas vale desatacar que o uso de "i.e." antes de uma lista, como em "animais de estimação populares, i.e., cães, gatos e pássaros etc." deve ser evitado. 
 
Post scriptum (o famoso P.S.) significa, literalmente, "escrito depois" e era usado na correspondência formal quando o autor acrescentava uma nota ou observação após ter assinado a missiva (como "P.S. Votos de pronto restabelecimento a Mariquinha." ou "P.S. Parabéns ao Joãozinho por ter passado de ano.").
 
Sic significa "assim", e é usado (geralmente em itálico e entre colchetes) para indicar que algo escrito incorretamente foi deixado como estava no original. Exemplo: "O presidente disse: 'A gente vamos [sic] mudar o Brasil'." 
 
Ad hoc significa "para isso", e é usado para informar que determinado acontecimento tem caráter temporário e se destina a um fim específico. Exemplo: "Ela foi nomeada secretária ad hoc na reunião do condomínio."
 
N.b. (Note bene) em uma nota de rodapé equivale ao P.S. no final de uma carta, mas não exprime uma reflexão tardia ou observação sobre um assunto não relacionado, e sim algo como "preste atenção!". Por exemplo: "N.b. Esta substância é altamente inflamável." 
 
Et alia (et al.) é semelhante a et coetera (que significa "e outras coisas") mas só se aplica a pessoas. Por exemplo: Em "A teoria psicodinâmica (Freud et al.) afirma que essas defesas são uma forma de...", et al foi usado em vez de "Freud e outros".
 
Donec iterum convenimus. (Até a próxima.)

sábado, 8 de fevereiro de 2025

SOBRE PAPAS E ESCÂNDALOS (FINAL)

TALVEZ EXISTA UM DEUS, MAS EU DUVIDO QUE SEJA O DEUS QUE MOISÉS DESCREVEU NO VELHO TESTAMENTO E QUE AS RELIGIÕES PERPETUARAM POR INTERESSES ESCUSOS.

Durante o Renascimento, Inocêncio VIII (r. 1484-1492) e Leão X (r. 1513-1521) abusaram de indulgências para financiar seus luxos e campanhas militares, mas o caso mais notório foi o de Rodrigo Bórgia, nomeado cardeal pelo tio Calisto III e eleito papa no conclave de 1492, quando passou a atender por Alexandre VI

Seus filhos Cesare Lucrécia foram a personificação do nepotismo e da corrupção — ele abandonou o cardinalato para se tornar um líder militar implacável (inspirando Maquiavel a escrever O Príncipe), enquanto ela foi usada como peça de barganha nas alianças do clã, mediante conspirações e casamentos políticos. 

Apesar da fama de cruel e manipuladora, Lucrécia era uma administradora habilidosa e mecenas das artes. Seus atributos negativos podem ter sido exagerados por desafetos e pela propaganda anticlerical da época. Como peça fundamental nas alianças políticas dos Bórgia, ela foi casada três vezes, sempre de acordo com os interesses de sua família. Seu primeiro marido, Giovanni Sforza, foi descartado quando deixou de ser útil; o segundo, Alfonso de Aragão, assassinado em circunstâncias suspeitas (supõe-se que a mando de seu irmão, Cesare Bórgia); o terceiro, Alfonso d’Este, garantiu-lhe uma vida mais estável e respeitável. Apesar das acusações de envenenamento e incesto, sua fama de femme fatale parece ter sido mais fruto da lenda do que da realidade.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Há situações em que virar a página não basta. É preciso arrancá-la. O terceiro mandato de Lula é uma delas, pois prova que eguns mal despachados sempre voltam para nos assombrar. 

Diz um velho ditado que a justiça tarda, mas não falha, No Brasil, ela nem sempre chega, e, quando chega, pode pode mudar de ideia. Foi o que aconteceu com a condenação de Lula, depois que uma epifania revelou ao ministro Fachin, com cinco anos de atraso, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era a vara competente para processar, julgar e condenar o xamã petista. 

Bolsonaro é outro egun mal despachado. Ele fala como se não estivesse inelegível e já fosse candidato à presidência em 2026. Por mal dos nossos pecados, o PL definiu como prioridade a aprovação do Projeto de Lei Complementar 141/2023, que esvazia a Lei da Ficha Limpa e reduz de 8 para 2 anos o período de inelegibilidade dos condenados por abuso de poder político, como é o caso do refugo da escória da humanidade.

Bolsonaro e outros 39 aspirantes a golpistas estão na bica se tornarem réus no STF. Se for condenado pela 1ª turma por abolição do estado democrático de direito, roubo e venda de joias do acervo da União e falsificação de cartões de vacina contra Covid, o ex-mandatário pode ser agraciado com até 28 anos de prisão. 

As chances de votos divergentes seriam maiores no plenário, já que André Mendonça e Nunes Marques devem suas togas ao capetão. Mas o ministro Luís Roberto Barroso, presidente de turno da Corte, deixou claro que o caso só irá a plenário se o relator (Alexandre de Moraes) assim o desejar. 


Liderada por Martinho Lutero em 1517, a revolta protestante resultou na fragmentação do cristianismo ocidental. O Concílio de Trento (1545-1563) tentou reformar a Igreja, mas a estrutura de poder permaneceu intacta. Com a Revolução Francesa (1789) e a unificação da Itália (1870), o poder político dos pontífices foi reduzido, e o fim dos Estados Papais limitou a Igreja às questões espirituais. Mesmo assim, sua influência persistiu, apesar dos escândalos financeiros e de abusos sexuais que abalaram sua credibilidade do Vaticano.
 
Atualmente, a Igreja Católica tende ao conservadorismo, mas sua história de corrupção e ingerência política continua a influenciar o mundo ocidental — com a omissão de Pio XII diante do avanço do nazismo durante a 2ª Guerra Mundial. A renúncia de Bento XVI, em 2013, foi a primeira desde 1415, quando Gregório XII abdicou ao Trono de Pedro o Concílio de Constança. O primeiro papa a abdicar foi Ponciano (r. 230-235), que foi exilado na Sardenha e morreu em decorrência dos maus-tratos impostos pelo imperador Máximo, e o penúltimo foi Gregório XII (r. 1406-1415), que renunciou para pôr fim à crise que levou a Igreja a ter até três papas disputando a autoridade máxima simultaneamente. 
 
Voltando agora à morte de João Paulo I, o Vaticano informou que sua santidade sofreu um ataque cardíaco enquanto dormia, que seu corpo foi encontrado pela manhã pelo bispo irlandês John Magee, seu secretário pessoal, e que a família se opôs à autópsia. Mais adiante, soube-se que quem encontrou o cadáver foi uma das freiras que cuidavam de afazeres domésticos (e que fez voto de silêncio), que o papa morreu no escritório e que o laudo da autópsia não foi divulgado porque acusou envenenamento. Somada ao breve pontificado (33 dias), essa sequencia de contradições, erros e imprecisões deram azo a diversas teorias conspiratórias. 
 
Passados mais de 40 anos, o mafioso Antoni Raimondi, sobrinho de Lucky Luciano, revelou em seu livro de memórias que envenenou o papa a mando do arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, seu primo e então presidente do Banco do Vaticano, para evitar que um fraude financeira bilionária viesse a público. Em In God's Name, o escritor britânico David Yallop anota que plano era drogar o chá que o pontífice tomava antes de dormir, entrar em seus aposentos e lhe administrar uma dose letal de cianeto (versão foi dramatizada por Mario Puzzo e Francis Ford Copolla no terceiro capítulo da imperdível trilogia "The Godfather"), e que o Marcinkus se encarregou pessoalmente dessa tarefa.
 
Marcinkus começou sua carreira como secretário de Estado em Roma e presidiu o Banco do Vaticano de 1971 até 1989. Foi investigado por envolvimento com ações falsas avaliadas em mais de 13 milhões de euros, por participação no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e pelo assassinato do banqueiro Roberto Calvi e do jornalista Mino Pecorelli. Mas as investigações não seguiram adiante por falta de provas de provas, e ele morreu aos 84 anos, no Arizona, sem jamais ter sido formalmente acusado. 
 
Ao longo da história, o nepotismo tem sido uma prática tão comum quanto condenável. Desde os tempos antigos, líderes políticos, religiosos e monarcas favoreceram parentes com cargos, títulos e privilégios, frequentemente à revelia da competência ou do interesse público. O termo, aliás, tem raízes na Igreja Católica, onde papas concediam benesses a sobrinhos ("nipoti"), consolidando um sistema que perduraria por séculos. Mais recentemente, o termo "nepobaby" passou a ser usado para aludir a filhos/parentes de pessoas famosas, que prosperam na carreira graças ao vínculo familiar.
 
Os papas transformaram o nepotismo em arte — caso mais notório foi o de Alexandre VI, mas Júlio IIPaulo III e tantos outros seguiram o mesmo roteiro, distribuindo bispados e fortunas a parentes, muitas vezes sem o menor escrúpulo —, mas muitas monarquias seguiram suas pegadas, garantindo que o sangue valesse mais do que a capacidade. No absolutismo francês, a nobreza se perpetuava com privilégios herdados, enquanto o povo arcava com os custos da corte. No Império Otomano, o sistema de sucessão frequentemente envolvia intrigas e assassinatos dentro da própria família real para garantir que o poder ficasse em mãos "seguras".
 
Com a ascensão das democracias, esperava-se que o mérito finalmente superasse os laços de sangue, mas o nepotismo se adaptou, e dinastias familiares continuam garantindo que o poder permaneça entre os seus — como bem sabe quem acompanha a abjeta política tupiniquim. Nos setores privado e público, filhos de empresários e apadrinhados políticos recebem vantagens que não raro os colocam à frente de candidatos mais qualificados. 
Afinal, vícios e velhos hábitos são difíceis de erradicar.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

PONTOS A PONDERAR...

DE PENSAR MORREU UM BURRO.

Quem leu O Príncipe sabe que o bem deve ser feito aos poucos e mal, de uma só vez. Mas a récua de muares que atende por "eleitorado" certamente não leu, e repete a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez.
 
Churchill ensinou que a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras já tentadas, mas ressaltou que o melhor argumento contra ela é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano. Se tivesse conhecido o eleitor brasileiro, o estadista britânico certamente reduziria esse tempo para 30 segundos.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em entrevista publicada pelo The New York Times, Bolsonaro disse que estava tão animado com o convite do Trump que nem ia mais tomar Viagra. Mas tomou na tarraqueta: horas depois, alegando que em diversas ocasiões o indiciado manifestou-se favoravelmente à fuga de condenados no caso do 8 de janeiro e admitiu em entrevista a UOL a hipótese de ele próprio "evadir-se e solicitar asilo político para evitar eventual responsabilização penal no Brasil", Moraes indeferiu o pedido de liberação de seu passaporte
O ministro anotou ainda que Zero Três, intermediário do convite da família Trump ao pai, também endossou a defesa da fuga de condenados. Na véspera, a PGR havia se manifestado contra a ida do capetão à posse de seu ídolo, sustentando que a viagem serve ao "interesse privado" do ex-presidente, em contraposição ao "interesse público", que "se opõe à saída do requerente do país". A defesa de Bolsonaro recorreu, mas Moraes manteve sua decisão
A manifestação de Gonet e as decisões de Xandão são prenúncios do que vem pela frente na excursão do refugo da escória da humanidade pelos nove círculos do inferno. Em outras palavras, o que o PGR e o supremo togado disseram foi que não convém fornecer material para a fuga de um ex-presidente da República que frequenta o inquérito do golpe como uma condenação criminal esperando na fila par acontecer. Nesse entretempoBolsonaro escalou Celso Vilardi, um dos criminalistas mais experientes do país, reforçar o time de defensores do indefensável.
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los se lutamos tanto pelo direito de votar para Presidente e elegemos gente como Lula, Dilma, Bolsonaro?
 
Não se sabe como o Brasil estaria hoje se golpe de Estado de 1889 não acontecesse, Ou se a renúncia de Jânio Quadros não levasse ao golpe de 64 e subsequentes 21 anos de ditadura militar. Ou se Tancredo Neves não fosse internado horas antes de tomar posse e batesse as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixando de herança um neto que envergonharia o país e um vice que promoveu a anarquia econômica e administrativa que levou à vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na eleição solteira de 1989.
 
Usamos o tempo verbal "futuro do pretérito" (chamado de "condicional" até 1959) para falar de eventos cuja concretização depende de uma condição ou para fazer pedidos de forma educada. Embora usemos as palavras "pretérito" e "passado" de forma intercambiável no dia a dia, elas possuem nuances diferentes. Assim, o futuro do pretérito é um futuro que poderia ter acontecido, mas não aconteceu porque estava condicionado a algo que não se concretizou. 
 
No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes, já que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim Roque Santeiro, "foi sem nunca ter sido" — mutatis mutandis, é como nos discursos fúnebres, onde virtudes que o falecido nunca teve são exaltadas. Conta-se que um padre recém-ordenado assumiu sua paróquia um dia antes da morte do prefeito, que era corrupto, rabugento e malquisto pelos locais. Sem elementos para embasar a homília fúnebre, o batina exortou os presentes a relembrar as qualidades do "nosso querido alcaide". Como ninguém se manifestou, a viúva, constrangida, ponderou: "O pai dele era ainda pior."
 
Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, numa conversa com Henry Kissinger, o ainda presidente João Figueiredo confidenciou que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil e a outra parte estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar. 
 
Como estaríamos hoje se Tancredo tivesse presidido o Brasil? The answer, my friends, is blowing in the wind. De 15 de janeiro de 1985 — quando a raposa mineira derrotou o turco lalau, que era apoiado pelos militares, por 480 a 180 votos de um Colégio Eleitoral composto por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados — até 14 de março, quando baixou ao hospital, ecoaram rumores de que os militares não deixariam o presidente eleito tomar posse, e os boatos ganharam força depois o general Newton Cruz revelou que, a três meses da votação, Maluf o havia procurado para propor um golpe 
 
Alguns conspirólogos alardearam que Tancredo havia sido baleado enquanto assistia a uma missa na Catedral de Brasília (faltou luz durante a cerimônia, e alguns presentes disseram ter ouvido um tiro), outros, que ele havia sido envenenado por militares apoiados pela CIA (por uma estranha coincidência, seu mordomo morreu dias depois, vítima de complicações gastrointestinais). A alteração da causa mortis de "infecção generalizada" para "síndrome da resposta inflamatória sistêmica" deixou muita gente com a pulga atrás da orelha — lembrando que alguns anos antes o papa João Paulo I, com apenas 33 dias de pontificado, foi encontrado morto em seus aposentos (após tomar uma mui suspeita xícara de chá0.
 
Observação: No livro "In God's Name", David Yallop popularizou a tese de envenenamento, mas as evidências em que ele se escorou não foram confirmadas pelas investigações, que apontaram "infarto fulminante" como causa mortis. Outras teorias sugerem que o assassinato foi orquestrado por grupos maçônicos ou resultou de uma conspiração envolvendo cardeais que se opunham a suas ideias e às reformas que ele pretendia implementar no Banco do Vaticano. A falta de autópsia e de uma investigação transparente alimentou as teorias conspiratórias, mas a maioria delas se baseia em especulações, rumores e testemunhos duvidosos.
 
A posse de Sarney ecoou como a "gargalhada do diabo" nos estertores da ditadura — que só terminou três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã, que distribuiu diretos a rodo sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los (e que foi remendada mais de uma centena de vezes em 136 anos, enquanto a constituição norte-americana, que tem apenas 7 artigos, recebeu 27 emendas em 237 anos).
 
Observação: A palavra "direito" é mencionada 76 vezes na Carta, enquanto "dever" aparece apenas quatro e "produtividade" e "eficiência". duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.
 
O último dos 5 generais-presidentes da ditadura — que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que daria um tiro no coco se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a transferir a faixa para Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor), lembrando que o obelisco da política de cabresto nordestina trocou a ARENA pelo MDB para integrar a chapa de oposição.

Sarney nem imaginava o tamanho da encrenca que seria assumir a presidência sem ter indicado os ministros nem participado da elaboração do plano de governo, mas herdado dos militares uma inflação de 220% a.a. Durante sua aziaga gestão, ele enfrentou mais de 12 mil greves e foi vítima de pelo menos um atentado. Em março de 1990, além da faixa presidencial, ele entregou a Collor uma superinflação de 1.800% a.a. e mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá, onde conseguiu se eleger senador. Em 2014, aos 83 anos, deixou a vida pública para se dedicar à literatura em tempo integral — conta-se que um belo dia a governadora Roseana Sarney telefonou para informar que um dilúvio havia deixado metade do Maranhão debaixo d’água, e ouviu do pai a singela pergunta: "Sua metade ou a minha?
 
Tancredo, Ulysses e Covas lideraram a campanha pelas "Diretas Já", que reuniu mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú em 1984. O movimento fracassou, mas o político mineiro foi escolhido pelo Colégio Eleitoral. Se ele, e não Sarney, tivesse presidido o Brasil de abril de 1985 a março de 1990, talvez a estabilidade econômica alcançada em 1994 com o Plano Real (conquista que Lula 3 vem tentando reverter) tivesse chegado mais cedo, livrando-nos dos nefastos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

Talvez Collor não se elegesse presidente e Lula assistisse à visita de Obama ao Brasil pela TV — sem à oposição ao "Rei-Sol", é possível que xamã da petralhada continuasse como deputado federal (cargo para o qual ele foi eleito em 1986) ou se aboletasse no Senado. Sem Collor, sem Zélia nem sequestro dos ativos financeiros e o congelamento da poupança, que derrubou quase à metade a venda de imóveis residenciais. 
Sem essas medidas heterodoxas e a sucessão de planos econômicos escorados no congelamento de preços e salários, a redução da miséria brasileira poderia ter começado muito antes, e hoje mais gente teria casa para morar.

Nada garante que seria assim, mas poderia ter sido. Só que não foi. 

Triste Brasil.