Mostrando postagens classificadas por data para a consulta queiroz preso wassef. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta queiroz preso wassef. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 14 de junho de 2023

DE VOLTA AO NEGÓCIO DO JAIR


Um pedido mui particular que Pero Vaz de Caminha incluiu na famosa carta a El-Rey plantou a semente do nepotismo em Pindorama. Séculos depois, a "rachadinha" se tornou tão comum para alguns parlamentares quanto o ato de respirar. 

Em "O Negócio do Jair — A História Proibida do Clã Bolsonaro", Juliana Dal Piva relata que o ex-presidente lançou mão dessa prática tão logo se elegeu deputado federal, fazendo escola para os filhos Flávio, na Alerj, e Carlos, na Câmara Municipal do Rio. Mas a maracutaia só ganhou destaque no final de 2018, quando o Estadão publicou que o Coaf havia identificado movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz.
 
Queiroz se tornou íntimo de Jair nos anos 1980 e prestou serviços ao clã até outubro de 2018, quando Zero Um, informado por um delegado da PF de que a Operação Furna da Onça seria "segurada" para não respingar na campanha presidencial, exonerou o assessor e recomendou ao pai que fizesse o mesmo com Natália Queiroz, filha de Fabrício, que figurava na folha de pagamento do gabinete de Jair na Câmara, mas trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro.
 
Em entrevista a Veja, "Jacaré" — outro velho amigo de Jair — revelou que 
Ana Cristina Valle, segunda esposa do então deputado e mãe de Jair Renan, era responsável pela contratação de "funcionários fantasmas" no gabinete do marido e dos filhos. A separação do casal produziu montes de dinheiro: entre 2019 e 2022, madame movimentou R$ 9,3 milhões e comprou uma mansão em Brasília avaliada em R$ 2,9 milhões, embora seu salário fosse de R$ 6,2 mil mensais.
 
A novela Flávio/Queiroz teve inúmeros desdobramentos e foi interrompida diversas vezes — tanto por intervenções diretas do então presidente quanto por decisões de magistrados camaradas. Entre os episódios mais emocionantes, vale relembrar as explicações estapafúrdias dos envolvidos, o vídeo em que Queiroz aparece dançando no quarto do Hospital Albert Einstein (onde estava internado para tratar de um câncer no intestino) e o pagamento em dinheiro vivo de R$ 133,6 mil (referentes aos honorários médicos e serviços de hotelaria) feito pelo sambista de enfermaria. 

Observação: Queiroz passou três semanas em Bangú, mas sua mulher nem chegou a ser presa. No capítulo em que a novela virou comédia, o casal teve a prisão preventiva convertida em domiciliar pelo então presidente do STJ (com quem Jair Bolsonaro disse ter um caso de amor à primeira vista). 
 
O inquérito que sobre as rachadinhas foi arquivado com base no "mandato cruzado" — quando o parlamentar deixa de ocupar um cargo eletivo para assumir outro em uma casa legislativa diferente (o
 STJ anulou as provas e o STF manteve a decisão). Consta que a investigação prossegue, mas em sigilo, e que o primogênito do ex-presidente tinha planos de disputar a prefeitura do Rio no ano que vem, mas foi demovido por seu papai.

Após receber alta, Queiroz foi visto novamente seis meses depois, quando uma equipe de Veja o flagrou na lanchonete do hospital onde fora operado, e descobriu que ele estava morando a poucas quadras dali. Mas o fantasminha tornou a desaparecer e ficou invisível até ser preso no simulacro de escritório de advocacia de Frederick Wassef — o mafioso de comédia que, pego com batom na cueca, insultou a inteligência alheia ajustando sua narrativa em tempo real, como quem troca um pneu com o carro em movimento.
 
A eclosão de escândalos por atacado — marca registrada do governo Bolsonaro — levou a mídia a perder o interesse por Queiroz, que disputou a uma cadeira na Alerj, mas não conseguiu se eleger — o que é surpreendente, considerando à vocação inata do eleitorado tupiniquim para fazer sempre as piores escolhas (vide Damares, Mourão, Pazuello, Tiririca etc.).

E vamos que vamos!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

O NEGÓCIO DO JAIR



Não bastassem as rachadinhas, a mansão em Brasília e os 107 imóveis adquiridos pelo clã Bolsonaro (51 dos quais pagos em dinheiro vivo), o senador Flávio Bolsonaro vem advogando em parceria com um colega numa ação entre herdeiros de uma antiga fábrica de doces do Rio Grande do Norte, que desde 2008 disputam os R$ 18 milhões do capital da empresa. O detalhe é que esse colega é filho de um ministro aposentado do TST, denunciado pelo Ministério Público por venda de sentenças judiciais. Para além disso, o primogênito do capetão figura como testemunha numa causa patrocinada pelo amigo e também advogado Willer Tomaz, envolvendo uma mansão de R$ 10 milhões no município de Angra dos Reis (RJ). 

Em "O Negócio do Jair: A história proibida do clã Bolsonaro", a jornalista Juliana Dal Piva, colunista do UOL, reconstitui o método pelo qual o presidente e seus parentes acumularam milhões de reais e construíram um projeto político à sombra das legendas partidárias — que teve início em 1988, quando Jair iniciou sua carreira política e passou a empregar familiares em Brasília, no esquema coordenado pela ex-mulher, Ana Cristina Siqueira Valle. O livro mostra que a teia da famiglia está ligada a figuras que transitam por outras modalidades de crimes, como Adriano da Nóbrega, o capitão da PM que se tornou chefe da milícia de Rio das Pedras e integrante do Escritório do Crime — grupo suspeito de assassinar a vereadora Marielle Franco e seu motorista em março de 2018. A mãe e a mulher de Nóbrega estavam na engrenagem da rachadinha, e ele acabou executado na Bahia em 2020, por policiais baianos e fluminenses.
 
Outro personagem peculiar é o advogado Frederick Wassef, que ficou conhecido quando Fabrício Queiroz foi preso num imóvel de sua propriedade. Mas Fred cumpriu missões mais nobres; em dezembro de 2018, por exemplo, ele esteve em um jantar com o então Kássio Nunes Marques — o que demonstra que a relação dos dois era antiga e que já existiam planos ambiciosos para o desembargador piauiense com a chegada de Bolsonaro à presidência.
 
O livro discorre ainda sobre conflitos familiares, traições e rompantes presidenciais. Ao fim da leitura, tem-se a nítida impressão de que o "negócio" de Jair Bolsonaro obedece a um plano minuciosamente executado, que a cada passo envolve novos personagens de peso. Ao contrário do que parece, nada é aleatório. Em contraposição ao versículo que exalta a verdade que liberta, o capetão fez o possível para manter tudo às escondidas, mas Juliana Dal Piva juntou as peças do quebra-cabeças para informar o leitor.
 
Com Chico Alves 

terça-feira, 5 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS

 

Em 1º de novembro de 2018, quando aceitou o convite para ser “superministro” da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro embarcou numa canoa que deveria saber furadaNo encontro que teve com o então presidente eleito, o então juiz da Lava-Jato disse que aceitava o cargo "com certo pesar”, pois teria que pedir a exoneração da Justiça Federal. Mas a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado e a promessa de uma cadeira no STF levaram-no a abandonar 22 anos de magistratura para integrar aquele que viria a ser o pior governo da história desta banânia.

 

Como juiz linha-dura, Moro enquadrou poderosos. Trabalhou em casos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. Também assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão. Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado, como o ex-ministro José Dirceu, o ex-governador Sérgio Cabral e o empreiteiro Marcelo OdebrechtEm 16 de março de 2016, derrubou o sigilo do áudio em que Dilma dizia a Lula que lhe enviaria o termo de posse como ministro, na tentativa de evitar sua prisão — a nomeação foi impedida pelo ministro Gilmar Mendes, que viu desvio de finalidade na nomeação por causa do áudio.


No governo, Moro foi traído pelo presidente. Na política, filiou-se ao Podemosmigrou para o União Brasilfoi sabotado e teve a pré-candidatura à Presidência sepultada por Luciano Bivar (aquele do laranjal, lembram-se?), que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo depois de o ter tirado do Podemos. 


A falaciosa candidatura do dono do UB visava: 1) favorecer a polarização Lula x Bolsonaro; 2) criar um biombo para deixar os filiados livres, em suas regiões, para apoiar qualquer um dos dois; 3) investir o dinheiro do fundão na eleição de volumosa bancada de deputados federais — lembrando que a participação das legendas nos fundos partidário e eleitoral é diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas, e o sistema proporcional transformaria Moro em puxador de votos. 


Moro condenou Lula a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Somente depois que a decisão foi confirmada por unanimidade no TRF-4 — e a pena, aumentada para 12 anos e um mês — que ele determinou, a mando do tribunal, a prisão do condenado. Lula se encastelou por dois dias na sede do Sindicato do Metalúrgicos do ABC, onde discursou a apoiadores contra decisões do Judiciário e de onde finalmente foi levado para uma cela VIP na Superintendência da PF em Curitiba, na qual gozou férias compulsórias por míseros 580 dias.


Em 13 de fevereiro de 2019, já como “superministro”, Moro montou uma operação de guerra que culminou com a transferência de Marcola e outros 21 presos ligados ao PCC da penitenciária de Presidente Venceslau para penitenciárias federais (só no primeiro semestre daquele ano, 113 chefes de facções criminosas de quatro estados diferentes foram transferidos para presídios de segurança máxima). 


Uma de suas primeiras derrotas no governo foi a transferência do Coaf do Ministério da Justiça para a Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro. Depois de tomar chá de sumiço e ficar desaparecido por mais de um ano, Queiroz foi localizado e preso numa propriedade do mafioso de comédia Frederick Wassef, que acontece de ser um dos causídicos que atendem o clã presidencial (ou Famiglia Bolsonaro, como queiram).  

 

Observação: Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas do factótum, o presidente e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) quando era questionado sobre o paradeiro do “espírito que anda”. Queiroz se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha, que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas. No dia 16 do mês passado, o TJ-RJ rejeitou a denúncia envolvendo Zero Um no caso das chamadas “rachadinhas”, depois que boa parte das provas de acusação foram invalidadas pelo STJ e pelo STF. Triste Brasil!

 

Acabou que Moro viu sua principal bandeira — o pacote anticrime — ser desfigurada pelo Congresso e sancionada pelo chefe do Executivo sem os vetos recomendados (isso aconteceu entre 9 de maio e 25 de dezembro de 2019). Em 24 de abril de 2020, depois de 14 meses engolindo sapos e sorvendo água pútrida da lagoa, desembarcou do governo e disse à imprensa que havia tomado tal decisão devido às diuturnas tentativas de Bolsonaro de interferir politicamente na PF


Na folclórica reunião ministerial de 22 de abril, o mandatário disse (litteris): "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estruturaVai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira(a quem interessar possa, segue o vídeo da tal reunião).

 

O desembarque de Moro criou uma crise no governo e levou à abertura de um inquérito a pedido da Procuradoria-Geral (com um “empurrãozinho” dado pelo então decano do STF). Este ano, no entanto, a PF concluiu que não houve crime na conduta de Bolsonaro.


Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na toga e outro no Planalto, uma mulher chamada Rosângela e a vida a lhe sorrir. Desde que rompeu com Bolsonaro e ensaiou uma pré-candidatura presidencial, passou a acumular derrotas. Depois de ser moído politicamente e de ter sua transferência de domicílio eleitoral negada pelo TRE-SPRosângela é tudo que lhe restouNo último dia 14, ele anunciou que seu futuro político está no Paraná e será decidido “mais adiante” (antes tarde do que nunca).

 

Continua...

domingo, 3 de julho de 2022

HOJE É O AMANHÃ DE ONTEM E O ONTEM DE AMANHÃ

 

No apagar das luzes de junho de 2018, eu escrevi que a libertação do delinquente José Dirceu, condenado em segunda instância a 30 anos e 9 meses de prisão, escancarou uma verdade inverossímil: a sala ocupada pela 2ª Turma do Supremo se transformara numa gigantesca porta de saída da cadeia. 

 

Essa bofetada na cara do país que presta foi desferida a seis mãos — por Gilmar MendesRicardo Lewandowski e Dias ToffoliGilmar inaugurou (e comanda) a primeira usina de habeas corpus do planeta, Lewandowski ganhou a toga porque era filho de uma vizinha da ex-primeira-dama Marisa Letícia, e Toffoli, por ser uma alma subalterna a serviço de Dirceu. Disfarçados de juízes, os três agem como cúmplices de bandidos de estimação — e enxergam no povo brasileiro um bando de otários que só explodem de indignação quando a seleção vai mal numa Copa do Mundo.

 

Como bem pontuou J.R. Guzzo em Veja, os eminentes togados têm o poder de aplicar ou não as leis e, para além disso, de decidir quais leis são válidas. Dizem, é claro, que suas sentenças estão de acordo com a legislação — mas são eles, e só eles, que decidem o que as normas jurídicas querem dizer. 


Não existe em lugar nenhum do mundo, e nunca existiu, uma democracia em que a última instância do Poder Judiciário faz uso da lei para impedir a prestação de justiça. Se as atuais leis brasileiras, como garantem os nobres ministros sempre que soltam um ladrão de dinheiro público, os obrigam a transformar o direito de defesa em impunidade, então todo o sistema de justiça está em colapso, e o que existe é um Estado de exceção, onde as pessoas que mandam valem mais que todas as outras. 

 

Faz sentido um negócio desses? Claro que não. Mas a questão, à esta altura, já não é o que os corruptos fizeram ou foram acusados de fazer, mas os julgadores estão fazendo ao abrir as celas de quem roubou o erário neste país. Pelo que escrevem em suas sentenças, os magistrados decidiram na prática que ninguém mais pode ser preso no Brasil por cometer crimes de corrupção. É possível existir democracia num país onde os membros da mais alta cúpula do Judiciário, com a ajuda de algumas nulidades assustadas e capazes de tudo para remar a favor da corrente, decidem o que é permitido e o que é proibido para 219 milhões de pessoas?

 

Quando ainda comemorávamos a derrota do bonifrate do presidiário mais famoso do Brasil pelo presidente eleito em 2018 — e que viria a ser o pior mandatário desta banânia desde Tomé de Souza —, surgiram os primeiros indícios das "movimentações financeiras atípicas" de Fabrício Queiroz, amigo de longa data de Jair Bolsonaro e factótum do clã do ex-capitão. A primeira notícia foi publicada em 6 de dezembro de 2018 no Estadão. A partir daí, Jair Flávio Bolsonaro tentaram se manter a uma distância segura do amigo de três décadas do primeiro e dublê de motorista e assessor parlamentar do segundo.

 

Corrupção, como se sabe, é uma doença que demanda cuidados médicos intensivos. Tanto que uma "inesperada crise de saúde" impediu Queiroz de prestar esclarecimentos ao MP-RJ em duas oportunidades. Perguntado sobre as suspeitas que recaíam sobre se ex-assessor, o ex-deputado estadual e então senador eleito Flávio Bolsonaro disse que era ele (Queiroz) quem deveria esclarecer os fatos. "Pela enésima vez, não posso ser responsabilizado por atos de terceiros e não cometi nenhuma ilegalidade. O ex-assessor é quem deve dar explicações. Todos da minha equipe trabalham e a prova de que o gabinete funciona bem são minhas crescentes votações", postou Zero Um no Twitter. 

 

Quando há justificativa, os fatos falam. Quando não há, as versões sussurram e as suspeitas prosperam. Queiroz — que, segundo Flávio, teria uma “história plausível”, foi submetido a uma cirurgia no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e virou fumaça tão logo teve alta médica. No dia seguinte ao do Natal de 2081, Queiroz reapareceu tão misteriosamente quanto havia sumido e falou em público pela primeira vez. Em entrevista ao SBT, negou ser laranja e atribuiu o dinheiro a negócios com venda de carros, mas não explicou os depósitos feitos em sua conta por funcionários do gabinete e familiares empregados por Flávio Bolsonaro e pelo presidente eleito. E então desapareceu de vez.

 

Em setembro de 2019, uma reportagem de Veja revelou o paradeiro de Queiroz, mas o espírito que anda voltou a tomar chá de sumiço e permaneceu desaparecido até meados do ano seguinte, quando foi localizado e preso em Atibaia (SP) — não no famoso sítio Santa Bárbara, que Lula frequentava amiúde e que lhe rendeu uma pena de 12 anos e 11 meses de prisão (posteriormente anulada pelo ministro Edson Fachin), mas num imóvel pertencente a Frederick Wassef, o folclórico dublê de mafioso de comédia e "consiglieri" da Famiglia Bolsonaro. 

 

Após passar três semanas no Complexo Penitenciário de Gericinó, na Zona Oeste do Rio, Queiroz foi beneficiado por um habeas corpus deferido pelo ministro João Otávio Noronha, do STJ, e seguiu para prisão domiciliar. Dizendo-se "grande admirador de Roberto Jefferson" (cujo nome dispensa apresentações), o ex-fantasminha tenciona se candidatar a deputado federal nas eleições deste ano. 

 

Observação: Durante a cerimônia de posse de André Mendonça como ministro da Justiça e de José Levi como AGU, o capitão disse a Noronha, então presidente do STJ, que sua relação com ele era um caso de amor à primeira vista. E não é para menos. Além de conceder a Queiroz o mimo da prisão domiciliar, o magistrado estendeu o benefício à esposa do ex-Gasparzinho — que estava foragida e, segundo as más-línguas, flertava com a delação. Detalhe: Assim como Augusto Aras, o procurador-geral que não procura, o ministro do STJ acalenta o sonho de ter os ombros recobertos por uma suprema toga. Foi preterido nas duas indicações feitas por Bolsonaro, mas quem sabe se numa próxima... 

 

Bolsonaro faz no governo o que ele e seus filhos sempre fizeram na vida pública: explorar mecanismos de liberação de dinheiro do povo para atender a interesses privados. Zero Um e Zero Três tiveram cargos remunerados em Brasília enquanto faziam faculdade no Rio de Janeiro. A caseira do imóvel de veraneio da família também tinha. E o próprio presidente, como confirmou o Ministério Público em ação contra ele por improbidade administrativa, fez os brasileiros pagarem durante 15 anos por uma "assessora parlamentar" fantasma (Wal do Açaí), registrada em seu gabinete de deputado federal, enquanto ela dava água para o cachorro em Angra dos Reis (RJ).

 

Depois de comprar o apoio do Congresso com o orçamento secreto, de emissoras de rádio e TV com a liberação obscura de verbas de publicidade federal, de parte da população de baixa renda com o que ele próprio chamava de "Bolsa Farelo", e de pastores aliados com o perdão da dívida de igrejas com o Estado, Bolsonaro mandou o ministro-pastor Milton Ribeironas palavras do próprio Ribeiro — atender aos interesses específicos de Gilmar Santos e Arilton Moura, dois pastores mui suspeitos. De acordo com Felipe Moura Brasil, o sacrilégio bolsonarista chegou ao cúmulo da aparente lavagem de dinheiro sujo em livros bíblicos. É a imagem mais emblemática até hoje da exploração da religião por interesses escusos e para fins criminosos, ambos condenados pela doutrina cristã. A propaganda do "governo sem corrupção" apenas encobre a corrupção sem governo.

 

Um dia depois de quatro ministros do STJ indicados pelo PT terem condenado Deltan Dallagnol a indenizar Lula pelo powerpoint da denúncia contra o petista, o outro Gilmar — o Mendes, aliado de Lula e Bolsonaro na vingança do sistema — revelou ter dito ao capitão que seu legado é "nomear Sergio Moro e devolvê-lo ao nada". Moro, ao contrário de Ribeiro, se recusou a compactuar com a perversão privada do Estado, de modo que ele próprio se devolveu a um "nada" de cargos em troca de princípios, muito mais digno que o "tudo" por poder e impunidade. 


Mas o legado real de Bolsonaro vai além da blindagem geral. Ao transformar o debate público em guerra de gangues, onde, em nome de Deus, os crimes de um lado — e em benefício deste lado — são relativizados e legitimados pela comparação com os crimes do outro, o presidente, seus filhos e sua claque — para a qual o problema é ser pego — corrompem não só as tradições liberal e conservadora, como também a moral cristã, anestesiando a população com o conformismo em ser roubada. Em outubro, os eleitores vão decidir se querem ser assim "a vida toda". 

 

Infelizmente, a alternativa que se coloca a Bolsonaro é a pior possível. Rezemos para que o imponderável tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, pois, sem Lula no páreo, Simone Tebet tem chance de derrotar o capetão no segundo turno (como também teriam Moro e Doria se não tivessem sido elididos da disputa). 


Triste Brasil.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

SE TEM COURO DE JACARÉ, BOCA DE JACARÉ E RABO DE JACARÉ, ENTÃO NÃO PODE SER UM COELHINHO BRANCO

 

Segundo a revista Veja, o aposentado da Marinha Mercante Waldir Ferraz, vulgo Jacaré e autointitulado o amigo “Zero Zero” do presidente da República, já era bolsonarista antes de o bolsonarismo ter virado uma ideologia para 20% dos brasileiros e dos filhos e ex-mulheres do capetão terem se tornado um motivo frequente de dor de cabeça para o presidente.

A amizade entre Cavalão e Jacaré começou há mais de três décadas, a partir da insatisfação que ambos compartilhavam com os baixos soldos pagos aos militares, e desde então só se fortaleceu. Pelas mãos de Bolsonaro, o réptil de boca grande e cheia de dentes foi contratado para trabalhar nos gabinetes do então deputado, na Câmara Federal, de Zero Um, na Alerj, e de Zero Dois, na Câmara Municipal do Rio, e recebeu duas condecorações do governo federal, uma delas das mãos do próprio presidente, por “serviços meritórios e virtudes cívicas”.

Sem cargo público, Jacaré integra o grupo de inteligência particular de Bolsonaro. Diariamente, encaminha, quase sempre antes das 6 horas da manhã, toda sorte de denúncias e suspeitas ao número pessoal do presidente, salvo em sua lista de contatos como JB BR 4. Os dois têm até um código específico para tratar de conspirações e movimentações políticas. “Como tá o clima aí?” é a senha disparada por Bolsonaro, que em seguida recebe informes sobre possíveis apoios para a campanha.

Desde a época da transição de governo, Jacaré é frequentador assíduo dos palácios. No último dia 18 ele se reuniu com o presidente no Planalto para “colocar os assuntos em dia”. Em encontros no Rio de Janeiro e em Brasília, nos quais as conversas foram gravadas, declarou que houve rachadinha nos gabinetes de Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro e afirmou que a advogada Ana Cristina Valle, ex-mulher do capetão, foi quem organizou e comandou a arrecadação irregular de parte dos salários dos servidores.

Jacaré disse ainda que o presidente foi traído e não sabia dos rolos da ex-esposa, que ainda hoje pede dinheiro em troca de seu silêncio. “Ela fez nos três gabinetes. Em Brasília, aqui no Flávio e no Carlos. O Bolsonaro deixou tudo na mão dela para ela resolver. Ela fez a festa. Infelizmente é isso. Ela que fazia, mas quem é que assinava? Quem assinava era ele. Ele vai dizer que não sabe? É batom na cueca. Como é que você vai explicar? Ele está administrando. Não tem muito o que fazer”, afirma o amigo de fé, irmão e camarada do presidente (clique aqui para ouvir as gravações).

Segundo Jacaré, a rachadinha entrou nos gabinetes do clã ainda na década de 90, quando Bolsonaro era deputado federal. Naquela época, Ana Cristina, então casada com um sargento, aproximou-se do capitão durante um movimento de mulheres de militares que reivindicava aumento no soldo dos maridos. Ela foi se “infiltrando” e rapidamente ganhou a confiança de Bolsonaro, com quem iniciou um relacionamento amoroso e de quem logo recebeu carta branca para administrar seu gabinete na Câmara dos Deputados.

Ainda segundo Jacaré, o esquema funcionava da seguinte maneira: responsável por uma cota de contratações, Ana Cristina recolhia documentos de algumas pessoas, abria contas bancárias em nome delas e embolsava grande parte de seus salários. Em muitos casos o funcionário era fantasma e sequer tinha conhecimento de que estava oficialmente empregado no gabinete do deputado.

Jacaré alega que ele em que mais trabalhava com o ex-capitão antes da chegada de Ana Cristina não participava do esquema. “Ela é muito perigosa. É uma mulher que quer dinheiro a todo custo. Às vezes, ela vai ao cercadinho, frequenta o cercadinho. É uma forma de chantagem. A gente nem toca nesse assunto pra não deixar o cara de cabeça quente.” Waldir Ferraz “A jogada dela era a seguinte: ‘Quer ganhar um dinheiro? Te dou 1000 reais por mês. Me empresta seu documento aí’. Pegava a carteira do cara que estava entrando na Câmara, recebia 8000, 10000, e dava 1000 (reais) pro cara.

Leal a Bolsonaro, Jacaré faz questão de ressaltar que nem o presidente nem seus filhos sabiam das traficâncias da ex-mulher. Em sua tese de defesa, argumenta que os parlamentares se preocupam apenas com a atividade política, deixando a rotina do gabinete para pessoas de confiança. “Ele, quando soube, ficou desesperado, era uma fria. O cara foi traído. Ela que começou tudo. Bolsonaro nunca esteve ligado em nada dessas coisas. O cara não tinha visão do que estava acontecendo por trás no gabinete. Às vezes o chefe de gabinete faz merda, e o próprio deputado não sabe. Mesmo o deputado vagabundo não sabe, só vem a saber depois.

Pelo relato do ex-assessor, Bolsonaro só veio a saber muito tempo depois. Na verdade, décadas depois — mais precisamente em novembro de 2018, após conquistar a Presidência da República. Confrontado com a gravidade da história, o amigo diz que o ex-capitão teria entrado em contato com o esquema de rachadinhas nos gabinetes da família só depois da revelação pelo jornal O Estado de S. Paulo do relatório do Coaf que registrava movimentações milionárias de Fabrício Queiroz. Apenas ali ele teria puxado o fio de toda a meada. Como todo marido enganado, Bolsonaro teria sido o último a saber.

Queiroz — que também é amigo do presidente há mais de trinta anos — substituiu Ana Cristina como responsável pela arrecadação dos salários dos servidores e o esquema continuou sem o chefão saber. Detalhe: a ex-mulher de Bolsonaro nunca trabalhou oficialmente para o Zero Um, mas teve parentes empregados no gabinete dele na Alerj até 2018 e que hoje estão sob investigação do MP do Rio.

Depois da passagem pela Câmara dos Deputados com Jair, Ana Cristina foi chefe de gabinete do vereador Carlos Bolsonaro por sete anos. Ela e Zero Dois também são investigados pelo MP pela prática de rachadinha. Antes de o STF praticamente reverter à estaca zero a apuração sobre o esquema no gabinete de Flávio, este foi denunciado por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e organização criminosa. Queiroz chegou a ser preso preventivamente enquanto se refugiava num imóvel de Frederick Wassef, advogado de Jair e Flávio Bolsonaro.

Jacaré conta que, ainda no governo de transição, Bolsonaro ouviu de um auxiliar que Zero Um poderia ser condenado a vinte anos de cadeia e ficou entre preocupado e emocionalmente fragilizado diante da previsão. Desde então o caso paira como uma sombra ameaçadora sobre o presidente, seu governo e sua família. Nas palavras do amigo, “Bolsonaro vive na corda bamba” e tem convicção de que ninguém acreditará que ele e os filhos não sabiam de nada do que ocorria dentro de seus respectivos gabinetes. “Não tem como reagir. Vai fazer o que para desmanchar isso aí? É como um beco sem saída. Ela fez uma merda, eles assinaram sem saber, e agora vão pagar caro por isso. Acho que ele vai ter problema se não for reeleito. Vai tudo cair, vai perder o foro privilegiado e tal.”

Jacaré diz ainda que Ana Cristina chantageia o presidente. Exige dinheiro e outras vantagens para não contar o que sabe. Ela teria, inclusive, ido algumas vezes ao cercadinho do Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro interage com apoiadores, para ser vista e percebida pelo mandatário. Só para lembrá-lo, de acordo com Jacaré, dos segredos que unem os dois até hoje e podem complicar a vida do ex-marido. “Ela é muito perigosa. É uma mulher que quer dinheiro a todo custo. Às vezes, ela vai ao cercadinho, frequenta o cercadinho. É uma forma de chantagem, lógico que é chantagem. A gente nem toca nesse assunto pra não deixar o cara de cabeça quente”.

A relação de Bolsonaro com a ex-mulher não é das mais tranquilas. Os dois se envolveram num divórcio litigioso em que, conforme revelado por VEJA em 2018, Ana Cristina acusou o marido de, entre joias e outras coisas, ter um patrimônio incompatível com a própria renda. No processo, ela anexou uma relação de bens e a declaração do imposto de renda de Bolsonaro, demostrando que o patrimônio do casal incluía três casas, um apartamento, uma sala comercial e cinco lotes de terra que o deputado havia “esquecido” de relatar à Justiça Eleitoral. Sua remuneração mensal, por exemplo, seria de R$ 100mil — quase três vezes mais do que ele recebia, na época, como parlamentar e aposentado do Exército.

Acusada agora por Jacaré de chefiar a rachadinha em três gabinetes da família, Ana Cristina não disse à Justiça de onde vinha a diferença de valores e recuou dessa história, dizendo que estava brava com o ex-marido. Nos últimos tempos, embora distantes, Bolsonaro e Ana Cristina não se atacam. Após a separação, ela viveu um tempo no exterior, casou-se outra vez e, em 2018, utilizando o sobrenome Bolsonaro, tentou uma vaga na Câmara dos Deputados (obteve apenas 4.555 votos).

Em agosto do ano passado, VEJA revelou que Ana Cristina vive em uma confortável mansão no Lago Sul, bairro nobre de Brasília, com o filho Jair Renan, o Zero Quatro, também investigado por receber vantagens de empresários com interesses no governo federal. “Ela também usa o menino para fazer dinheiro”, dispara Jacaré.

Na terça-feira 18, durante uma conversa por telefone com VEJA, Ana Cristina negou que tenha comandado esquemas de rachadinha, que chantageie Bolsonaro e disse que as acusações partem de inimigos que querem atingir os “meninos” Flávio e Carlos. “Se eu tiver que falar com o presidente, acha que eu vou para o cercadinho para todo mundo ficar vendo, para jornalista ficar vendo? Sou discreta”, declarou. Apesar de alegar inocência e entoar um discurso em defesa do ex-marido e dos enteados, ela fez questão de arrematar sua defesa com a seguinte ponderação: “Não sou mentora da rachadinha. Ele (Bolsonaro) me chamava de sargentona, mas quem mandava no gabinete era ele. Quem assina as nomeações e exonerações é o parlamentar. Não faz sentido assinar sem ler porque todos eles são bem instruídos”.

Jacaré, que nada tem de inimigo do presidente, mantém-se vigilante. Municiar Bolsonaro com informações de coxia sempre foi uma de suas missões. Não raro, o ex-capitão recebe os dados e as ideias de Jacaré e sai repetindo por aí. Numa tentativa de demonstrar quão zeloso ele é, o amigo do presidente diz ter sido decisivo para convencê-lo de que o ex-ministro Gustavo Bebianno, morto em março de 2020, estava por trás de um plano para assassinar Bolsonaro, que seria executado por Adélio Bispo, o esfaqueador que não rasga dinheiro nem come merda, mas foi declarado inimputável.

Segundo a tese de Jacaré, Bebianno queria, com a morte do então candidato, ser ungido seu substituto na corrida presidencial. Ao descobrir o plano, ele teria contado detalhes da trama para o presidente e seu filho Carlos. Bolsonaro realmente ouviu essa história, tanto que mencionou a existência de uma conspirata para matá-lo em entrevista concedida a VEJA em 2019 — e falava explicitamente na participação de “quem estava do meu lado”.

Bolsonaro espera explorar politicamente na próxima campanha o atentado a faca que sofreu. Ele quer usar o episódio para requentar a tese de que Adélio agiu a mando de alguém e vender a versão de que ele, Bolsonaro, enfrenta uma oposição sem limites de forças ocultas a serviço do sistema. O problema dessa tese é que a própria PF concluiu que o napoleão de hospício agiu sozinho e deu a questão da autoria por encerrada. Já o caso das rachadinhas continua em aberto e caiu no gosto popular, especialmente a informação de que Queiroz, o operador do esquema, depositou R$ 89 mil para a primeira-dama. Bolsonaro disse que esse dinheiro era parte do pagamento de uma dívida que o amigo tinha com ele.

Até aqui, a Famiglia Bolsonaro alega que as denúncias são infundadas, visam desestabilizar o governo e partem de adversários. As declarações de Jacaré põem em xeque essa versão. Não é um inimigo falando. Ele pode ser acusado de um monte de coisas, menos de não compartilhar da intimidade, da amizade e da história de vida de Bolsonaro

Procurado, o presidente não se manifestou até o fechamento da edição 2773 da revista Veja.