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segunda-feira, 17 de junho de 2024

AINDA SOBRE O MAQUIAVEL DE MARÍLIA

Em 2009, a morte do supremo togado Menezes Direito deu ao então presidente a oportunidade de retribuir com a suprema toga os bons serviços prestados por seu AGU como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil sob José DirceuSegundo o art. 101 da Constituição, aspirantes a togados supremos devem ter mais de 35 e menos de 65 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico; segundo Lula, que se ufanava de jamais ter lido um livro na vida, seu apadrinhado ter bombado duas vezes em concursos para Juiz de Direito não constituía impedimento — opinião compartilhada pelos 59 senadores que chancelaram a indicação presidencial. 

No novo habitat, Toffoli buscou apoio em Gilmar Mendes, de quem absorveu a arrogância e a grosseria,  julgamento da ação penal 470, ele votou pela absolvição de Dirceu (que foi apontado como "chefe da quadrilha do mensalão") e pediu transferência para a 2ª Turma do STF, que ficou responsável pela Lava-Jato, assim que a
 "primeira lista de Janot" foi divulgada. Foi ele quem sugeriu tirar de Curitiba os casos não relacionados diretamente à Petrobras, foi ele quem concedeu prisão domiciliar a Paulo Maluf (a foto do turco lalau se arrastando para o camburão apoiado numa bengala merecia integrar os arquivos de dramaturgia da Rede Globo) e foi dele o pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado quando já havia maioria a favor.
 
Léo Pinheiro revelou em sua proposta de delação que a OAS executou reformas na casa do eminente ministro, mas a informação vazou e o então procurador-geral Rodrigo Janot (notório admirador do lulopetismo) melou o acordo. A Lava-Jato descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras repassou R$ 300 mil ao escritório de advocacia da esposa do magistrado, mas investigação não foi adiante, a Lava-Jato morreu, e não é de bom-tom falar mal dos mortos.
 
Em 2018, pouco antes de o mais jovem ministro do STF se tornar o mais jovem presidente do Tribunal,  J.R. Guzzo, então colunista de Veja, anotou num texto magistral que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior passaria a presidir a mais alta corte de Justiça do país. Que ele não só era uma nulidade em matéria de direito, mas também um fenômeno de suspeição e parcialidade sem paradigma no mundo civilizado, e que quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de excelência, tratavam o Brasil como um país de idiotas. 
 
No finalzinho do mês passado, o doutor em direito e ciência política e professor da USP Conrado Hübner Mendes publicou um artigo sob o título "É isto um juiz?". Em seu discurso de posse, relembrou o articulista, o magistrado afirmou que queria "enxergar um porto seguro" nessa "era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas", mas sua falta de credenciais acadêmicas e profissionais e a atuação pouco conhecida como advogado de partido foram lembradas de modo recorrente durante sua sabatina no Senado. E não levou muito tempo para que ele revelasse seu estofo jurídico.

O eminente magistrado assumiu a presidência do STF pregando “harmonia” e invocando o papel de “mediador”, mas deixou como legado um inquérito sem fim que transformou o tribunal em polícia e censor. Ao longo de sua gestão, esmerou-se em impor travas à Lava-Jato e ao combate à corrupção. A virtude que mais confere unidade a sua trajetória não está em sua jurisprudência, mas em sua lealdade a Lula. Embora tenha negado um pedido da jornalista Mônica Bergamo para entrevistar seu padrinho na prisão, o apadrinhado mudou de posição no ano seguinte. 
 
Ao autorizar Lula a comparecer ao velório do irmão Vavá meia hora antes do enterro e determinar que ele se reunisse com os familiares numa base militar, longe da imprensa, de militantes e de celulares, sua excelência 
forneceu munição para o então presidiário mais famoso desta banânia capitalizar "a desumana decisão” que o impediu de dar o último adeus ao "irmão querido".
 
Observação: Aristides Inácio da Silva, pai de Lula, morreu de cirrose em 1978 e foi sepultado como indigente — nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo e uma lápide. Dois anos depois, durante uma breve passagem pela prisão da ditadura, o então sindicalista foi autorizado a comparecer ao velório da mãe. Durante sua primeira gestão, Lula perdeu os irmãos João InácioOdair Inácio, mas não compareceu ao enterro de nenhum dos dois (segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o petista jantava com ministros e assessores na Granja do Torto). Em 2017, já em pré-campanha, transformou o velório de Marisa Letícia em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos. 
 
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o ministro congelou o inquérito que investigava o primogênito do mandatário e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. No mesmo ano, quando ainda presidia o STFhospedou um general em seu gabinete como forma de estreitar relações, e anunciou uma nova interpretação do autoritarismo brasileiro em pleno Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco: " Hoje não me refiro mais a golpe nem a revolução, mas a movimento de 1964".
 
"Toffoli é nosso", disse o então presidente. "Muito bom termos aqui a Justiça ao nosso lado", enfatizou. Derrotado nas unas, o aspirante a tiranete foi aconselhado pelo togado a sumir: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar" (conforme relato de Recondo e Weber no livro "O Tribunal"). 

Sua lealdade a Augusto Aras foi inspiradora. Depois de organizar livro em homenagem ao PGR, apoiar sua recondução e indeferir pedido de investigação por crime de prevaricação contra ele, que se disse "estrategicamente discreto" por arquivar mais de 70 representações contra o ex-presidente, o togado discursou na despedida: "Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força do silêncio de sua Excelência [referindo-se a Aras], talvez não estivéssemos aqui, não teríamos, talvez, democracia."
 
Mas o mundo gira, a Lusitana roda e não há nada como o tempo para passar. Com a volta de Lula ao Planalto, o apadrinhado ingrato vem fazendo das tripas coração para se ajustar à nova conjuntura. Durante a cerimônia diplomação do xamã petista, sussurrou-lhe ao ouvido: "Me sinto mal com aquela decisão e queria dormir nesta noite com seu perdão". Fantasiado de madalena arrependida (Caravaggio deve ter se revirado na tumba), trombeteou que "a Lava-Jato foi o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia" e que "a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários da história do país". 

Não bastasse a vassalagem explícita, o nobre togado despejou uma enxurrada de decisões monocráticas que, entre outras coisas, suspenderam a bilionária multa do acordo de leniência da J&F, anularam todos os processos envolvendo o príncipe das empreiteiras Marcelo Odebrecht e liberaram para diferentes autoridades — inclusive do PT — o acervo completo de mensagens hackeadas de procuradores da Lava-Jato e do ex-juiz Sergio Moro.
 
Em 2016, o então senador Romero Jucá disse que "a sangria" precisava ser estancada". Enquanto se empenha no desmonte da Lava Jato, o STF faz sangrar sua credibilidade junto aos brasileiros, seja no exame colegiado de decisões monocráticas, seja no reparo ao comportamento de magistrados alheios aos autos e/ou aos ditames da ética. Que a Corte perde a majestade só parecem ter dúvidas seus integrantes, que, ao serem (de modo condenável) atacados nas ruas e nas redes, cobram respeito sem se mostrarem respeitáveis. Se a contestação ao papel supremo do Tribunal é danosa para a democracia, ruinosas são as atitudes que dão margem à confrontação. Passa da hora de se pôr um fim a tal embate, mas a iniciativa cabe a quem detém a prerrogativa constitucional de falar por último sobre o que é legal ou ilegal no país.
 
As togas não fazem um favor a si mesmas quando dão margem à interpretação de que estejam prestando favores a outrem ou obtendo vantagens de cunho pessoal. Oferecem, antes, um desserviço à coletividade aliando-se ao espírito do tempo da má educação cívica quando o ideal seria darem o exemplo oposto. Olham o panorama de cima, sem dar mostras de perceberem o tamanho da erosão sofrida na sociedade e do quanto esse desgaste por ser nocivo para a imprescindível confiança nas instituições. Na disseminação da descrença viceja o entusiasmo pela anormalidade barulhenta que confere ao autoritarismo a chance de sugerir aos incautos a pior das soluções.
 
Segundo Gilberto Freyre, o formalismo exacerbado leva os juristas a se isolarem da realidade brasileira. Mas o problema de certos ministros do STF não é o excesso de liturgia, mas, sim a falta dela. A julgar pela desfaçatez com que se dedicam a rega-bofes e encontros com o lobismo político e empresarial, algumas togas já deram alta aos psicanalistas, e o togado a quem me refiro nesta postagem é um dos que desafiam Freud e a própria sensatez. Dizer que os magistrados brasileiros perderam o contato com as pessoas que lhes pagam os salários é muito pouco para traduzir tamanha alienação. Na verdade, eles se desconectaram da realidade.
 
Houve um tempo em que eu me envergonhava de ser brasileiro. Agora, tenho nojo.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

O STF E A MALDITA POLARIZAÇÃO


Divergências de opinião e disputas pelo poder sempre fizeram parte da política, mas a polarização como a conhecemos hoje, com a divisão da sociedade em dois grupos opostos e antagônicos, é um fenômeno relativamente recente. Com o fim da ditadura militar e a volta do pluripartidarismo, Lula gestou e pariu seu abjeto "nós contra eles", mas os embates eram mais civilizados quando PSDBPT eram os adversários de turno. 

O advento do "bolsonarismo" e a ascensão das "mídias sociais" levaram água ao moinho das "fake news" e à criação de "bolhas" onde as pessoas, tomadas pelo fanatismo, só tomam em consideração as notícias e opiniões que confirmam suas convicções. E a desconfiança no governo, nos partidos políticos e na imprensa tradicional estimula essa récua a busca fontes alternativas de informação (nem sempre confiáveis) que reforcem sua visão deturpada de mundo. 

As eleições presidenciais de 2018 foram as mais polarizadas da nossa história recente, mas perderam o posto para o pleito de 2022, em que Lula, "descondenado" e reabilitado politicamente por uma sequência de decisões teratológicas do STF, derrotou o "mito" dos descerebrados pela menor diferença de votos válidos desde a redemocratização. 

Com o eleitorado dividido entre "nhô-ruim" e "nhô-pior", não havia como a quimérica "terceira via" prosperar — a menos que, metaforicamente falando, um meteoro como o que extinguiu os dinossauros há 66 milhões de anos varresse do cenário político as duas seitas do inferno. 

Dizem que o sábio aprende com os erros dos outros e os tolos, com os próprios, mas o inigualável eleitorado tupiniquim os repete eleição após eleição, como se essa perseverança tivesse o condão de produzir um resultado diferente. Pelo andar da carruagem, teremos neste ano mais um pleito plebiscitário, com postulantes à prefeitura de quase 5.600 municípios apadrinhados pelo capitão-golpista e pelo aspirante a Matusalém. Parece até coisa de Superman x Lex Luthor ou Coringa x Batman! E ainda dizem que Deus é brasileiro!
 
Na desvaliosa opinião deste humilde articulista, J.R. Guzzo, Augusto Nunes, Dora Kramer, Josias de Souza e Reinaldo Azevedo são "monstros sagrados" do  jornalismo político. Mas o mundo gira, a Lusitana roda, a terra plana capota e, como ensinou o saudoso Vinicius de Moraes, "não há nada como o tempo para passar". 

Dora e Josias continuam produzindo textos isentos, mas Guzzo e Nunes se converteram em bolsonaristas convictos, e Azevedo, que cunhou o termo "petralha" quando o escândalo do Mensalão veio à tona, em lulista de carteirinha. De Rodrigo Constantino, então, nem se fala. Parafraseando um slogan do maior jornal paulista — "Folha: Não dá para não ler —, Constantino: "não dá mais para ler". 
 
Seria exagero dizer que nada se aproveita de tudo que esses "convertidos" escrevem. Afinal, até um relógio analógico parado marca a hora certa duas vezes por dia. Além disso, cabe ao leitor sensato diferenciar fatos das versões e "pesquisas de intenção de voto" das manifestação de torcidas organizadas em prol de seus corruptos de estimação. 
 
Após esta breve introdução, segue uma versão condensada do texto (magistral) que Augusto Nunes publicou na edição de 24 de maio da Revista Oeste:  
 
Que García Márquez, que nada. Muito mais assombroso que o universo fictício criado pelo grande escritor colombiano é o estranho país que vem sendo redesenhado desde o início de 2020 por 11 figuras que, em silêncio e vestindo trajes normais, parecem gente como a gente. As diferenças começam pelo dialeto que elas falam e se acentuam quando vestem a fantasia completa. Versão nativa da capa que promove a Superman o introvertido jornalista Clark Kent, a toga pendurada nos ombros do mais medíocre bacharel em Direito anuncia a entrada em cena de um Doutor em Tudo, um Eminente Superjuiz, uma sumidade a serviço do STF, uma alta patente da tropa que recriou o Poder Moderador — que só existiu na experiência constitucional brasileira na Constituição de 1824, e que era exercido pelo Imperador — para salvar a democracia em perigo com métodos que até um ditador parido pelo realismo fantástico acharia exagerados.
 
Que Cem Anos de Solidão, que nada. A esplêndida saga do clã que não terá uma segunda chance na face da Terra é coisa de amador se confrontada com o que fazem e desfazem as estrelas (e os roteiristas) do mais longo e intragável faroeste à brasileira. O coronel Aureliano Buendia meteu-se em dezenas de revoluções. Perdeu todas. Numa visita à cidade natal, o filho revolucionário foi impedido de abraçar a mãe pelos soldados designados para garantir-lhe a integridade física. No Brasil controlado pelo STF, o ministro Alexandre de Moraes não dispensa a companhia de oito brucutus, nem para zanzar pelo clube do qual é sócio. O esquema de segurança não permite que os brasileiros ao menos apertem as mãos do homem que os livrou da ressurreição do fascismo ao sufocar o primeiro golpe de Estado orientado por uma minuta, abastecido por um vendedor de algodão-doce e consumado por civis desarmados e sem comandantes com experiência militar. 
 
Se faltam autores brasileiros no ranking dos melhores do realismo fantástico, não é por falta de personagens prontos e acabados. Em O Outono do Patriarca, Márquez criou um ditador de idade indefinida (calcula-se que tem mais de 107 anos e menos de 232). Moraes terá de viver ao menos mais dois séculos, sem aposentar-se, para concluir o julgamento dos casos que o transformaram em gerente da maior e mais vagarosa Vara Criminal do planeta. O Primeiro Carcereiro disse recentemente que são mais de 2 mil. Não é pouca coisa. Mas o sorriso que acompanhou o cálculo avisou que está longe do fim o aumento da população carcerária embutido no recado que fez publicamente ao parceiro Dias Toffoli em outro comício sem plateia: “Tem muita gente pra prendê (sic), muita multa pra aplicá (sic)”, animou-se o carrasco de plurais, direitos e liberdades. 
 
"Os idiotas perderam o pudor e estão por toda parte”, constatou Nelson Rodrigues na década de 1970. Passados 50 anos, sobram imbecis também na cúpula dos Três Poderes. Alguns ajudam a piorar o Judiciário, mas no Supremo prevalece a tribo dos napoleões de hospício sem remédio. Daqui a muitos anos, diante das verdades preservadas por um punhado de jornalistas decentes, todo brasileiro com mais de dez neurônios se perguntará o que aconteceu com o Brasil na primeira metade da terceira década do século 21. 
 
Em cinco anos, o Supremo pariu o flagrante perpétuo, a presunção de culpa, a prisão sem julgamento, a multa com seis zeros, a verdade oficial, a prisão provisória sem prazo para terminar, o criminoso que não descumpriu nenhuma lei em vigor e outras obscenidades chicaneiras. Decidiu que o ônus da prova agora cabe ao acusado, revogou o devido processo local, aposentou o sistema acusatório e o direito de ampla defesa, tornou rotineira a condenação por decisão monocrática de quem não pode ser julgado pelo Supremo. Fora o resto.
 
Nesta semana, o Brasil que pensa e presta foi insultado por outra carga de cavalaria liderada pela mais insolente dupla de coveiros da Justiça, dos direitos democráticos e do Estado de Direito. Indignado com os brasileiros que rejeitaram a meia-liberdade, jogaram tornozeleiras no lixo e partiram para o exílio, Alexandre de Moraes anunciou que vai prender de novo homens e mulheres que soltou por falta de provas para condená-los. 

Perfeitamente afinado com o colega de toga, Dias Toffoli decidiu que o empreiteiro Marcelo Odebrecht não cometeu as ilegalidades que confessou em depoimento eternizado num vídeo. Coisa de doido? Não deixa de ser. Mas há uma lógica por trás dessas loucuras, como provará esta coluna na próxima edição. Mais importante ainda: é uma indignidade inútil. Mesmo enterrada, a verdade segue viva. E logo estará assombrando os que se julgam condenados à eterna impunidade.
 
Volto a frisar que, a meu ver, Nunes se converteu ao bolsonarismo e a destacar que não concordo com muito do que escreveu sobre Alexandre, mas a parte que toca ao Supremo — e a Toffoli em particular — me levou a publicar esta postagem. 
Cabe ao leitor tirar suas próprias conclusões. 

quinta-feira, 7 de março de 2024

NÃO HÁ NADA COMO O TEMPO PARA PASSAR E O VENTO PARA MUDAR

 

"Nada será como ontem amanhã" — título de uma série da Rede Globo baseada no romance "O Mundo Inimigo", de Luiz Ruffato, e verso da canção homônima composta por Milton Nascimento e Ronaldo Bastos — é um brocardo que não se aplica ao "país do futuro" que nunca chega e que tem um imenso passado sombrio pela frente. Para o Brasil começar a mudar (para melhor), o povo precisa aprender a votar (é mais fácil galinhas criarem dentes) e a fervura no caldeirão da polarização, baixar (é mais fácil porcos criarem asas). 

Em pleno século 21, a despeito da dissolução da União Soviética e da queda do Muro de Berlim, ainda se fala em "esquerda e direita" como se falava durante a Guerra Fria. Essa divisão político-ideológica surgiu na França, durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1789, quando os revolucionários que apoiavam mudanças radicais e igualdade social sentavam-se à esquerda no parlamento, e os conservadores que defendiam a monarquia e a ordem tradicional, à direita. 

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente de turno do STF, disse recentemente que "as instituições funcionam na mais plena normalidade, com convivência harmoniosa e pacífica de todos". Sua excelência pode dizer o que quiser e acreditar no que lhe aprouver, naturalmente. Em o ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA, o escritor português José Saramago (que foi laureado com o Nobel de Literatura em 1998) anotou que "a cegueira é uma questão privada entre as pessoas e os olhos com que nasceram", e que "a pior cegueira é a mental, que faz com que não reconheçamos o que temos pela frente". 
 
Nossa democracia lembra aquelas fotografias de antigos reis africanos, que copiavam os trajes e os trejeitos dos governantes de nações mais evoluídas, mas não aprendiam suas virtudes. Na foto, o que se tem no Brasil parece coisa de primeiro mundo, mas, na vida real, não passa de uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. Temos uma Constituição, uma Câmara de Deputados, um Senado e até um presidente do Congresso. 

Temos uma Corte Suprema, onde os juízes são chamados de ministros, usam togas pretas como os reis africanos usavam cartolas, e às vezes escrevem até uma frase inteira em latim). Temos eleições a cada dois anos, e mais de 30 partidos políticos — que custam bilhões de reais aos contribuintes. Temos até uma Justiça Eleitoral  um exemplo único no mundo, na avaliação do eminente ministro Dias Toffoli). Temos políticos que, salvo raríssimas exceções, se elegem para roubar e roubam para se reeleger. Temos um Parlamento onde as leis são criadas para favorecer criminosos, e parlamentares que são a favor de tudo e contra qualquer outra coisa, desde que sua impunidade não seja comprometida. Enfim, não falta nada, exceto a democracia.
 
Temos muitas leis, mas pouca vergonha na cara. Dias atrás, a "direita bolsonarista" e a "esquerda lulopetista" se uniram para aprovar a admissibilidade da PEC da blindagem. Com o apoio do Centrão de Arthur Lira, a admissibilidade da proposta indecente foi aprovada com 304 votos a favor, 154 contra e duas abstenções. Se conseguir o apoio de pelo menos 3/5 dos 513 deputados em dois turnos de votação na Câmara e 49 votos favoráveis dos 81 senadores (também em 2 turnos de votação), a aberração será promulgada pelas Mesas das duas Casas Legislativas 
— lembrando que propostas de emenda à Constituição são elaboradas pelo Legislativo sem qualquer ingerência do Executivo. 
 
Atual presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco disse que a PEC é inconstitucional e que a mandará para o "porão do esquecimento" do Congresso se ela for aprovada na Câmara. Em resposta, o imperador da Câmara e condestável do Centrão afirmou que ainda não existe uma proposta de medidas para blindar parlamentares de operações da PF; o que se tem é apenas uma "discussão sobre procedimentos". A boa notícia é que caberá ao STF decidir se esse desatino parlamentar contraria ou não os ditames da Constituição; a má é que os ministros são rápidos como o raio quando se trata de conceder habeas corpus a bandidos de estimação, aumentar os próprios salários e autorizar despesas com mordomias, mas lerdos como lesmas ao julgar corruptos de alto coturno. 

Observação: O julgamento da AP 1025, que resultou na condenação de Collor a 8 anos e 10 meses de reclusão, demorou quase 8 anos, e mais um ano se passou até que os ministros começassem a apreciar os embargos de declaração impetrados pela defesa. Na véspera do feriadão de Carnaval, assim que Alexandre de Moraes abriu placar pelo indeferimento do recurso, Dias Toffoli vestiu a fantasia de paladino e emperrou o julgamento com um pedido de vista.
 
Com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro (1808), o príncipe regente criou a Casa da Suplicação do Brasil, que é considerada a versão 1.0 do STF. A função de corte constitucional foi adicionada nas pegadas da Declaração da Independência, com a criação do Supremo Tribunal de Justiça (que foi rebatizado mais adiante como Supremo Tribunal Federal). Passados mais de 200 anos, os paramentos, rapapés, salamaleques, linguagem empolada, votos repletos de citações em latim e outras papagaiadas supremas ainda exalam o bolor dos tempos do Império. 
 
Nas sessões plenárias, os ministros trazem os votos prontos, mas fingem prestar atenção às sustentações orais de procuradores, advogados, amici curiae e quem mais subir à tribuna para fazer solilóquios. Depois que o relator lê seu voto, os demais se p
ronunciam na ordem inversa ao tempo de casa (ou seja, do novato ao decano). Em havendo empate, cabe ao presidente do Tribunal dar o voto de Minerva. Pelo regimento interno, suas excelências podem usar o tempo que desejarem para expor e fundamentar as decisões. Em vez de dizer simplesmente se acompanha ou não o voto relator e, em caso divergência, expor em poucas palavras os motivos da discordância, a maioria se delicia com cada minuto de protagonismo oferecido pelas câmaras da TV Justiça. Ricardo Lewandowski levou 10 horas e 27 minutos para ler seu voto na ADPF 5; Eros Grau, 8 horas e 45 minutos na ADPF 153; Marco Aurélio, 7 horas e 30 minutos no HC 84.078; e Celso de Mello, 7 horas cravadas no RE 574.706. 
 
Voltando à questão da inconstitucionalidade da PEC da blindagem, o que esperar desse arquipélago de 11 ilhas (na definição do ex-ministro Sepúlveda Pertence) que muda a própria jurisprudência ao sabor dos ventos político-partidários? Ou não foi isso que aconteceu em 2019, com o sepultamento da prisão em segunda instância, ou em 2021, com o "descondenamento" de Lula e sua subsequente reinserção no no tabuleiro da sucessão presidencial? Ou, também em 20121, quando 
Gilmar MendesNunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski tiram da suprema cartola a suspeição do ex-juiz Sergio Moro? 
 
Continua...

sábado, 20 de janeiro de 2024

SERGIO MORO E OS NOVE CÍRCULOS DO INFERNO

 

Não bastasse a provável cassação de seu mandato, o senador Sergio Moro se tornou alvo de um inquérito que visa apurar supostas irregularidades num acordo de delação premiada firmado em 2004 por Antonio Celso Garcia, que o acusa de obrigá-lo a gravar autoridades com foro privilegiadoA denúncia teria sido relatada à juíza substituta Gabriela Hardt em 2021, mas só foi encaminhada ao STF dois anos depois, durante a passagem relâmpago do juiz antilavajatista Eduardo Appio pela 13ª Vara Federal de Curitiba. 

Observação: Vale lembrar que Hardt assumiu os processos do braço paranaense da Lava-Jato em 2018, quando o Moro aceitou ser ministro de Bolsonaro, e tornou a assumi-los em março do ano passado, quando Appio foi afastado pelo TRF-4 por suspeitas de ter ameaçado o filho do desembargador Marcelo Malucelli.
 
Moro embarcou numa canoa que deveria saber furada (e iniciou seu périplo pelos nove círculos do inferno) quando trocou a magistratura por um efêmero ministério no desgoverno Bolsonaro. Talvez achasse realmente que poderia implementar uma forte agenda anticorrupção, e que sua indicação para o STF era pra valer. Mas acusá-lo de condenar Lula movido por "ambições políticas" me parece leviano. Até porque a sentença foi dada em julho de 2017, quando as chances de Bolsonaro ser eleito presidente eram as mesmas de eu ser ungido papa. E prisão do xamã do PT foi determinada pela 8ª Turma do TRF-4, que confirmou a condenação e aumentou a pena de 9 anos e 6 meses de reclusão para 12 anos e 1 mês.
 
Mas a terra plana não dá voltas, capota, e Moro deu com os burros n'água. As coisas poderiam ter tomado outro rumo se ele continuasse a engolir sapos e beber a água da lagoa (como fez durante 1 ano e 4 meses), mas a reunião interministerial de 22 de abril de 2020 foi a gota que transbordou o copo. Na coletiva de imprensa em que anunciou a demissão, o ainda herói nacional atribuiu sua decisão às frequentes interferências de Bolsonaro na PF

Observação: Sobre as alegadas ingerências, o chefe do clã das rachadinhas assim se pronunciou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”. Fato é que o desembarque criou uma crise no governo e originou um inquérito que acabou em pizza devido à aposentadoria do decano Celso de Mello e à subserviência do antiprocurador-geral Augusto Aras. 
 
Como juiz, Moro enquadrou poderosos em processos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. No auge da (hoje moribunda) maior operação anticorrupção da história desta banânia, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado tupiniquim, como Lula, José Dirceu, Sérgio Cabral e Marcel OdebrechtÀ frente dos casos da Lava-Jato em Curitiba, tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego e a vida a lhe sorrir. 

No governo, Moro foi traído por Bolsonaro. Como aspirante à Presidência, filiou-se ao Podemos, migrou para o União Brasil e foi sabotado por Luciano Bivar, que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo — como já o havia tirado do Podemos. Como senador, vê aumentarem dia após dia as chances de sua poltrona acomodar novas nádegas. E como desgraça pouca é bobagem, o mesmo pode acontecer com a mulher, Rosângela, que enfrentou diversos obstáculos para se eleger deputada federal.
 
Voltando as acusações feitas pelo mix de empresário, estelionatário e ex-deputado Tony Garcia, o pedido de abertura de inquérito partiu da PGR e a autorização foi dada prontamente pelo nobre ministro Dias Toffoli, responsável pelo plantão do STF durante este recesso. 

Observação: Lula presenteou Toffoli com a suprema toga em 2009 em retribuição aos bons serviços prestados como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e de José Dirceu e advogado-geral da União. Segundo a CF, indicados para o STF devem ter reputação ilibada e notório saber jurídico; para Lula, o fato de o apadrinhado ter bombado não uma, mas duas vezes em concursos para juiz de primeira instância fizeram tanta diferença quanto o currículo anabolizado de Nunes Marques, o desembargador piauiense cujos ombros Bolsonaro cobriu com a suprema toga porque "tomaram muita tubaína juntos".

Questionado pela imprensa sobre o inquérito, Moro ressaltou que: 1) Garcia foi condenado por estelionato em decisão transitada em julgado; 2) o acordo de delação envolveu a devolução de valores roubados do Consórcio Garibaldi; 3) as escutas ambientais foram autorizadas judicialmente e acompanhadas pela PF e pelo MPF; 4) a jurisprudência da época (2004) não obrigava o juiz a remeter processos para tribunais superior em casos de mera menção de autoridades com foro privilegiado; 5) gravações de conversas, quando de conhecimento de um dos interlocutores, dispensava autorização judicial; 6) se houve crime (coisa que ele nega), a punição estaria prescrita.
 
Moro desagradou a gregos e troianos. Sua imagem de herói nacional — que ajudou o mau militar e parlamentar medíocre a se passar por inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média — se esvaneceu aos olhos dos bolsomínions quando ele abandou o barco atirando contra o capitão. Para a patuleia ignara, o ex-ministro continuou sendo "o algoz de Lula" e o "perseguidor da petralhada". 

Após a aprovação de Flávio Dino no Senado, Moro trocou mensagens com uma pessoa próxima — apelidada de "Mestrão" — que o alertou para não revelar seu voto (favorável ou contrário à indicação). A notícia pegou mal nas redes sociais (aliás, conversas vazadas sempre foram um problema para ele, vide a série de denúncias da Vaza Jato no The Intercept Brasil). 

Na noite seguinte, o Ministério Público se manifestou pela cassação do mandato de Moro por "abuso de poder econômico" na pré-campanha à Presidência. Detalhe: o processo eleitoral que ensejou esse furdunço foi movido pelas campanhas do PT e do PL. 
 
Observação: Em 2017, o então presidente do TSE Gilmar Mendes articulou uma impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o deu o voto que livrou a pele do vampiro do Jaburu 
— por "excesso de provas", como ironizou o ministro Herman Benjamim, relator do imbróglio. Mas os tempos eram outros, e outros eram os interesses dos envolvidos e os protagonistas da patética tragicomédia.

Moro tornou-se refém do personagem que criou na Lava-Jato e do político pouco habilidoso que demonstrou. Execrado pela esquerda, abandonado pela extrema-direita (e por boa parte de direita) e antipático aos olhos da alta cúpula do Judiciário, colhe os frutos do que plantou em 2018, quando trocou o certo pelo duvidoso (ou pelo errado, como ele descobriu mais adiante). Agora, vive sob a espada de Dâmocles e pode acabar pendurado — como o amigo Dallagnol — de ponta-cabeça sob manchetes de "CASSADO E COM O PLENÁRIO VAZIO". 

Na Divina Comédia, Dante Alighieri percorre o Inferno e o Purgatório guiado pelo poeta Virgílio, e o Paraíso, pela amada Beatriz. Na política, cada um precisa fazer seu caminho. Moro trocou sua carreira (22 anos) na magistratura pela política e deu com os costados no vestíbulo dos nove círculos do inferno, encimado pelos dizeres: "Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!Ao contrário de Dante, ele entrou nessa sem guia, sozinho. Enquanto isso, Flávio Dino orbita as esferas do Paraíso até tomar posse no STF.

Atualização: Na última sexta-feira o advogado Rodrigo Gaião anunciou seu desembarque da defesa de Moro — não sem reforçar seu “direito a eventual verba honorária de sucumbência ou êxito, proporcionais ao período de atuação no feito". Mas uma mudança na composição do TRE pode embaralhar o cenário, já que o regimento interno estabelece que as decisões em ações que podem levar à cassação de registro ou à perda de diplomas somente poderão ser tomadas com a presença de todos os membros do tribunal. O mandato de Thiago Paiva dos Santos, representante da classe dos advogados, termina no próximo dia 23 e, quatro dias depois, chega ao fim a participação de José Rodrigo Sade e Roberto Aurichio Junior, dois substitutos da mesma classe. Entre os dias 22 (reinício dos trabalhos) e 27 (saída dos substitutos da classe de advogados) há duas sessões presenciais e três virtuais previstas, mas o caso contra Moro não consta da pauta (ao menos por enquanto). Seja qual for o resultado do julgamento, a parte derrotada acionará o TSE para reverter a decisão.


Hoje é dia de São Sebastião e aniversário do Rio de Janeiro. Okê Arô, Oxóssi!

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

ADEUS AOS COOKIES  

SEGUINDO TODAS AS REGRAS NÃO SE CHEGA A LUGAR NENHUM.

 

Minha admiração por J.R. Guzzo era maior quando ele, Augusto Nunes, Alexandre GarciaCláudio Dantas e outros monstros sagrados do jornalismo ainda não se haviam tornado reféns da polarização. Como até mesmo um relógio parado marca a hora certa duas vezes por dia, vale a pena ler o texto que Guzzo publicou dias atrás na Gazeta do Povo e que eu resumo a seguir:

"Se o governo Lula tivesse alguma preocupação em manter as aparências com decoro, integridade e respeito à população em geral, Lewandowski seria mantido em quarentena perpétua diante de qualquer cargo da administração pública. Como não tem, nunca teve e não dá sinais de que venha a ter um dia, o ex-togado foi  guindado por Lula ao Ministério da Justiça. Seria o chamado "fundo do poço" se houvesse algum fundo no poço deste governo.
Tão logo se aposentou da Suprema Corte, Lewandowski se tornou advogado da J&F — empresa que controla a JBS, a maior produtora de carne do mundo, cujos donos ,Joesley e Wesley Batista, são frequentadores contumazes da justiça penal brasileira. Como é possível, que, antes mesmo de a poltrona esfriar, um ex-ministro do STF se torne patrono numa ação judicial bilionária com honorários advocatícios fixados em R$ 600 milhões? 
Em 2017, obrigados a pagar R$ 11 bi ao Tesouro Nacional para se livrar de processos  por corrupção ativa, os irmãos Batista venderam a Indústria de Celulose Eldorado à empresa indonésia Paper Excellence e viram sua situação penal e econômica melhorar. Hoje, inclusive, estão no céu: o ministro Dias Toffoli anulou a multa prevista no acordo de leniência com uma das mais assombrosas justificativas da história judicial do Brasil: a J&F, segundo o nobre ministro, "não tinha certeza de que queria realmente assinar o acordo com o MP". 
Cientes de que, com os advogados, juízes e os políticos certos, deitariam e rolariam na justiça contra um adversário estrangeiro, os Batista melaram o negócio, e até hoje a Eldorado não foi entregue aos compradores. A pergunta é: qual a imparcialidade que se pode esperar do Supremo num caso desses, se 17 anos de toga e intimidade com colegas que continuam ministros permitiam ao"advogado dos Batista" circular nas  dependências do órgão como se estivesse em casa? E a partir do mês que vem, à frente do Ministério da Justiça e íntimo do presidente do República (sem o qual ele nunca teria sido nada na vida)? Some-se a isso o ministro Toffoli e a coisa se fecha pelos 7 lados. 
Essa é a democracia que o STF e Lula salvam todos os dias nesta banânia".

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Não bastassem as letrinhas miúdas e a linguagem indecifrável do EULA (que 11 de cada 10 usuários aceitam sem ler), nossa privacidade é "atacada" pelos cookies — que não são biscoitos, mas porções de código destinados a monitorar nossa navegação e cujo uso vem sendo questionado há muito tempo.


A maioria dos websites compartilha os dados capturados com empresas de marketing, que os utilizam para ajustar a exibição de propagandas ao público-alvo de seus clientes. Se, por exemplo, os sites AB, e C usam a mesma rede de publicidade, ela pode cruzar as informações para direcionar os anúncios com base nesse histórico de navegação. 

 

Várias medidas já foram adotadas para manter a bisbilhotice digital sob controle. Em 2020, o Google foi pressionado a trocar os cookies de terceiros pela FLoC — que foi substituída 2 anos depois pelo Topics. Mas não é só. Além da invasão de privacidade, há ainda a questão da segurança.  

 

Segundo a CloudSEK, malwares se aproveitam da saída "MultiLogin" do Google OAuth (protocolo de autorização utilizado para sincronizar o login em diversos serviços do Google) para restaurar cookies expirados e fazer login em contas. A falha foi divulgada pela primeira vez em meados de novembro do ano passado, de modo que já deve haver malwares circulando por aí. Como não está claro se eles conseguem superar métodos de autenticação de dois fatores, a dica para evitar invasões é e manter o antivírus atualizado e não baixar aplicativos de fontes desconhecidas. Mas tudo seria bem mais simples e transparente se os sites não nos obrigassem a autorizar a coleta dos dados mediante banners com letrinhas miúdas e o famigerado botão de "aceite" — que só libera a navegação na página quando é clicado. 


Relatório de Engajamento do Cliente 2023 apontou que os consumidores querem uma transição mais rápida para um futuro sem cookies. No Brasil, em 2023, 46% dos internautas preferiram deixar de acessar um site a aceitar os cookies (a média global é de 50%), 72% disseram desejar mais controle sobre seus dados de identidade e 47% sobre seus dados de comportamento. Mas o problema não está na cessão das informações, e sim em cedê-las de forma consciente. 


Com o pós-cookies batendo à porta, os dados primários serão uma maneira mais segura e transparente de interagir com os consumidores. O Google criou um recurso que impede os sites de acessar cookies de terceiros (ele chegará inicialmente a 1% dos usuários e será estendido a toda a base no segundo semestre). A ferramenta é ativada por padrão; se houver problemas na hora de abrir algum site, o navegador perguntará ao usuário se ele quer reativar os cookies de terceiros temporariamente para aquele endereço.


Bloquear cookies de terceiros não é uma novidade. Edge, Firefox e Safari já fazem isso há tempos. O Chrome demorou a aderir porque, como o Google ganha muito dinheiro com publicidade, o jeito foi criar uma solução que colete menos informações, mas continue a direcionar anúncios. Com o fiasco da FloC — que a Mozilla criticou e a Microsoft desativou em seu browser —, a gigante de Mountain View apostou sua fichas na Privacy Sandbox. Mas anunciantes e empresas de tecnologia e publicidade ouvidos pelo Wall Street Journal manifestaram sua insatisfação, seja porque o lançamento do bloqueio se deu durante o período do ano em que o setor mais ganha dinheiro, seja porque o Google fez pouco para preparar o mercado.


Como se costuma dizer, "no fim dá tudo certo; se ainda não deu é porque não chegou no fim".