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sexta-feira, 14 de agosto de 2020

DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — DUODÉCIMA PARTE

João Fernandes Café Filho — que era vice de Getúlio Vargas e figura em nossa lista de ex-presidentes que não concluíram seus mandatos (os anteriores foram abordados nos posts dos dias 21 e 22) — ascendeu ao cargo em agosto de 1954, quando o titular ”saiu da vida para entrar na história”, mas se afastou em novembro do ano seguinte, a pretexto de tratar um mal cardíaco, e jamais reassumiu o posto. Mas vamos por partes.

Em 3 de outubro de 1955, quando Juscelino Kubitschek se elegeu presidente, a ala conservadora (sobretudo ligada à UDN) e os militares, inconformados com o resultado das urnas, urdiram um golpe de Estado para impedir a posse de JK. Eles contavam com o apoio tanto de Café Filho quanto do presidente da Câmara, Carlos Luz, que assumiu interinamente quando do afastamento de Café — vale lembrar que, com o "suicídio" de Vargas e a promoção de Café a titular, os próximos na linha sucessória, segundo a Carta Magna de 1946, art.79, § 1º, eram os presidentes da Câmara Federal, do Senado e do STF (da mesma forma que acontece atualmente, à luz da CF de 1988).

Assim que subiu de posto, Luz substituiu o general Henrique Lott pelo também general Álvaro Fiúza de Castro no comando do Ministério da Guerra. Sentindo o cheiro do golpe, Lott depôs Luz (que ficou apenas 4 dias no cargo e foi impichado em 11 de novembro) e empossou Nereu Ramos, então presidente do Senado. E assim, pela primeira vez na história, o Brasil teve três presidentes numa única semana.

Visando evitar que Café Filho, àquela altura "miraculosamente restabelecido", reclamasse o posto e somasse forças com a ala que queria impedir a posse de JK, Lott mandou tanques de guerra cercarem a casa do desafeto, em Copacabana, e agilizou junto aos parlamentares o julgamento de seu impeachment, que foi aprovado em 22 de novembro. E para impedir novas tentativas de golpe, Nereu governou sob estado de sítio pelos dois meses seguintes, até entregar a faixa presidencial a JK, em 31 de janeiro de 1956.

Observação: Para que dois presidentes fossem impichados a toque de caixa no final de 1955, a Constituição precisou ser “rasgada” algumas vezes (a pretexto de salvar a democracia). Não fosse isso, JK não teria assumido a Presidência. Aliás, talvez fosse o caso de Maia e Alcolumbre relembrarem o que aprenderam (ou deveriam ter aprendido) nas aulas de história. Antes que o mal cresça, corta-se a cabeça.   

Ao final de sua gestão — em que prometeu realizar “cinquenta anos de progresso em cinco de governo” — JK, mui mineiramente, mudou a capital federal do Rio de Janeiro para o meio do nada, digo, para o centro do país, e transferiu a faixa para o presidente eleito Jânio Quadros, que tomou posse em 31 de janeiro de 1961 e renunciou 6 meses e 25 dias depois.

Como as consequências da renúncia de Jânio já foram esmiuçadas (e voltarão a sê-lo em momento oportuno), resta dizer apenas que depois de João Goulart — que foi vice de JK e de Jânio, acabou cassado pelo golpe de ’64, exilou-se no Uruguai e morreu na Argentina em 1976 —, o Brasil só voltou a ter um presidente civil em 1985, após um colégio eleitoral formado por deputados, senadores e governadores eleger Tancredo Neves, no apagar das luzes do governo Figueiredo

Quis o destino que a raposa mineira fosse internada 12 horas antes da posse e viesse a falecer 38 dias e sete cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência, levando para o túmulo as esperanças de milhões de brasileiros e deixando de herança — além de um neto que anos depois envergonharia o país — um oligarca maranhense, escritor, poeta e acadêmico chamado José Sarney.

Coube a Sarney pilotar a Nau dos Insensatos até 1989, quando, na primeira eleição direta para presidente da República em 29 anos, diante de um cardápio composto por 22 candidatos — teriam sido 23 se Jânio não desistisse de participar por motivos de saúde —, o eleitorado tupiniquim descartou Ulisses Guimarães, Mario Covas, Ronaldo Caiado (e mais 17 postulantes que, juntos, não valiam dois mirreis de mel coado) e escalou para o segundo turno um caçador de marajás de araque e um sindicalista picareta. 

No dia 17 de dezembro, o engomado almofadinha populista de direita derrotou o mal-ajambrado e semianalfabeto populista de esquerda (dono de um carisma que lhe rendeu o honroso apelido de “encantador de burros”), e assim Fernando Affonso Collor de Mello entrou para a História não só como o primeiro presidente da Nova República eleito pelo voto direto, mas também como o primeiro presidente da Nova República condenado num processo de impeachment.

Observação: Obviamente, nenhum dos cinco generais que presidiram o Brasil durante os anos de chumbo (Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo) foi deposto, renunciou ou morreu no exercício do cargo, mas isso é assunto para outra sequência.

Em 1992, Collor (clique aqui para acessar um breve resumo de seu atabalhoado governo), em meio a grandes manifestações populares pedindo sua cabeça, foi afastado do cargo e renunciou dois meses depois, às vésperas do julgamento de seu impeachment no Senado. Com a renúncia, a ação perderia o objeto (como cassar o mandato de alguém que já renunciou a ele?), mas o julgamento prosseguiu mesmo assim e o réu foi considerado culpado e condenado a oito anos de inelegibilidade (Collor recorreu, mas perdeu).

O segundo impeachment desde a redemocratização foi o de Dilma — a tragédia anunciada com que Lula empalou a brava gente brasileira em 2010 — que, mesmo sendo a pior presidente desde que Cabral aportou na costa da Bahia, conseguiu se reeleger em 2014, ser afastada em maio de 2016 e penabundada em 31 de agosto.

Discorrer sobre a trajetória política da gerentona de festim (que levou à falência duas lojinhas de badulaques importados) de seu tempo de guerrilheira de arque até o definitivo “tchau, querida”, passando pelo monumental estelionato eleitoral que resultou em sua reeleição (ela própria havia dito com todas as letras que “em ano eleitoral a gente faz o Diabo”) seria abusar da paciência do leitor. Mas basta retornar pelo blog até o ano de 2016 para encontrar posts sobre os detalhes sórdidos que abrilhantaram os 5 anos 4 meses e 12 dias em que essa senhora, verdadeiro rascunho do mapa do inferno em forma de gente, demoliu tijolo a tijolo a economia do país. Mesmo assim, não descarto a possibilidade de retomar esse assunto numa próxima oportunidade. De momento, limito-me a relembrar uma síntese inspirada, da lavra do jornalista Augusto Nunes:

Dilma, sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; sem ter sido vereadora virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado sem estagiar no Congresso virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante fez posse de administradora pública; sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque e sem ter tido um único voto na vida, virou candidata à Presidência, foi eleita em 2010 e reeleita em 2014 e só não destruiu totalmente a economia tupiniquim porque foi providencialmente apeada do cargo em 2016

Antes de concluir, vale relembrar o comportamento vergonhoso dos presidentes do Senado e do STF (Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski, respectivamente), que tramaram nos bastidores o fatiamento da votação — como se a perda do mandato e a inabilitação por oito anos para o exercício de cargos públicos fossem penas alternativas, quando na verdade a segunda é acessória da primeira — para preservar os direitos políticos da Bruxa Má do Oeste. Assim, ainda que a deposição da presidanta tenha sido confirmada por 61 votos a 20, somente 42 dos 81 senadores votaram pela cassação de seus direitos políticos (faltaram, portanto, 7 votos para que a maioria qualificada de 3/5 fosse alcançada). 

Observação: O artigo 52 da Constituição de 1988 reza que “Nos casos previstos nos incisos I (processo contra presidente da República) e II (processo contra STF), funcionará como Presidente o do STF, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis(o grifo é meu). Em outras palavras, a Lei não separa a inabilitação da perda do cargo.

Coube ao eleitorado mineiro terminar nas urnas o que o Congresso começou (isso comprova a teoria de que até um burro cego consegue eventualmente encontrar a cenoura). A despeito das expectativas da mídia “cumpanhêra” e dos institutos de pesquisa, que tinham como líquida e certa a vitória do egun mal despachado na disputa por uma vaga no Senado, a petista amargou um vergonhoso quarto lugar.  

quinta-feira, 8 de maio de 2025

PARA O BEM OU PARA O MAL...

... NÃO HÁ NADA COMO O TEMPO PARA PASSAR.

Até onde se sabe, tudo que existe no Universo (incluindo o próprio Universo) tem começo, meio e fim. Em última análise, a morte é a única certeza que temos na vida. E começamos a morrer no exato instante em que nascemos.


Lula nasceu no agreste pernambucano, conheceu o pai aos cinco anos, veio para São Paulo num caminhão pau de arara com a mãe e uma penca de irmãos, foi engraxate, vendeu laranjas, amendoim, trabalhou numa tinturaria, diplomou-se torneiro mecânico pelo Senai, foi dirigente sindical, fundou o PT e, após três tentativas inexitosas, elegeu-se presidente da República por dois mandatos. Depois que deixou o Planalto, colecionou duas dúzias de processos criminais, foi condenado duas vezes por corrupção e lavagem de dinheiro, “descondenado” por uma decisão teratológica do STF e, graças ao antibolsonarismo, tornou a ser eleito presidente desta banânia. Agora, aos 79 anos, a despeito de ter prometido pendurar as chuteiras no final do atual mandato e de estar amargando os maiores índices de rejeição de sua trajetória política, o macróbio quer porque quer disputar a reeleição no ano que vem, mesmo .


Carioca de nascimento, Fernando Collor construiu sua carreira política em Alagoas, derrotou Lula na eleição solteira de 1989 e se tornou o primeiro presidente eleito pelo voto popular da “Nova República”. Seu envolvimento no famigerado “Esquema PC” resultou no processo de impeachment que o levou a renunciar horas antes do julgamento. Mas o Senado o condenou mesmo assim, e ele ficou inelegível por oito anos. Mais adiante, já como senador por Alagoas, rapinou os cofres da BR Distribuidora e foi sentenciado a oito anos e dez meses de reclusão. Por ter 75 anos, sofrer de Parkinson, apneia grave e transtorno bipolar, ganhou o direito de cumprir a pena em prisão domiciliar depois de passar menos de uma semana numa "hospedaria especial" em Maceió.


Bolsonaro nasceu no município paulista de Campinas, ingressou na AMAN, formou-se em Educação Física e tornou-se mestre em saltos pela Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro. Em 1986, ganhou projeção nacional ao publicar na revista Veja o artigo “O salário está baixo”, que lhe rendeu 15 dias de prisão administrativa. No ano seguinte, a mesma revista noticiou que ele e o também capitão Fábio Passos da Silva pretendiam “explodir bombas em várias unidades da Vila Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (...) e em vários quartéis”. Uma sindicância autorizada pelo então ministro do Exército concluiu que os insurretos deveriam ser expulsos, mas o STM acolheu a tese da defesa e a expulsão não aconteceu. 


Bolsonaro passou para a reserva, elegeu-se vereador e, na sequência, foi deputado federal por sete mandatos e perambulou por oito partidos antes de se amancebar com o ex-presidiário do mensalão Valdemar Costa Neto. Ao longo de 27 anos como deputado do baixo clero, aprovou míseros dois projetos e recebeu míseros quatro votos quando disputou a presidência da Câmara. Em 2018, foi guindado ao Planalto graças a uma extraordinária conjunção de fatores (que eu detalhei em outras oportunidades). Mas seu projeto de governo nunca foi além de blindar a si e a seus rebentos, evitar o impeachment e se reeleger em 2022. Quando não conseguiu, partiu para o "plano B" golpista que havia urdido com seus cúmplices... e deu com os burros n'água porque não conseguiu o apoio incondicional das FFAA


Hoje, aos 70 anos, inelegível até 2030, réu por tentativa de golpe e alvo de outras investigações, o "mito" dos anencéfalos insiste em dizer que voltará a disputar a Presidência em 2026. Mas tudo indica que ele será julgado e condenado muito antes disso, ainda que confiar na Justiça tupiniquim seja como acreditar em horóscopo.


Resumo da ópera


Lula foi “descondenado” sob o pretexto de uma estranha incompetência territorial da 13ª Vara de Curitiba (tese que o próprio ministro Fachin havia rejeitado anteriormente em pelo menos dez oportunidades), e a prescrição impediu que os processos fossem reiniciados na JF de Brasília. 


Collor foi impichado, condenado em 2023, preso no final do mês passado e mandado para casa (uma mansão de R$ 9 milhões na orla de Maceió) por motivo de saúde, embora tenha dito na audiência de custódia, com um sorriso irônico nos lábios, que não tomava nenhum medicamento de uso contínuo. 


Maluf respondeu a mais de 50 processos e foi condenado diversas vezes. Depois de empurrar a prisão com a barriga por mais de 20 anos, foi trancafiado na Papuda em dezembro de 2017, mandado para casa poucos meses depois (por “razões humanitárias”) e cumpriu prisão domiciliar até maio de 2023, quando então sua pena foi extinta com base no indulto natalino concedido por Bolsonaro. Aos 93 anos, deve estar morrendo de rir dos idiotas que ainda acreditam na Justiça desta banânia.


Quanto a Bolsonaro, fazer qualquer prognóstico à luz do que foi dito até aqui seria arriscado. A aversão do diabo à concorrência explica por que, para algumas pessoas, velhice não significa estar com um pé na cova. A exemplo de Maluf e do ex-presidente José Sarney, também nonagenário (e que já se retirou da vida pública), o "trio assombro" sairá de cena, cada um a seu modo, ainda que não a seu gosto.


Lula escapou de um câncer na laringe e se recuperou de uma hemorragia intracraniana (decorrente de um prosaico tombo no banheiro, enquanto supostamente aparava as unhas dos pés). A saúde de Collor supostamente inspira cuidados que o sistema prisional tupiniquim não tem condições de prover. Bolsonaro foi vítima de um atentado a faca em 2018 e desde então passou por sete cirurgias (nenhuma delas no SUS). Visando a uma eventual prisão domiciliar, o malacafento tem dito que a próxima operação pode ser fatal, mas também diz que disputará o Planalto no ano que vem.


A carreira política de Collor acabou, não importa quantos anos ele permaneça encastelado em sua mansão. Bolsonaro somará mais alguns anos (ou décadas) de inelegibilidade quando — e se — for condenado pelo STF. Quanto a Lula, talvez o inesperado faça uma surpresa. Até o momento, tudo indica que o macróbio não tenciona largar o osso, mas nada indica que eventual reeleição sejam favas contadas. No feriado do Dia do Trabalhador de 2024, discursando para os gatos pingados que apareceram para prestigiá-lo, a autoproclamada alma viva mais honesta do Brasil disse que a atual gestão está sendo ainda melhor que as anteriores. As pesquisas de opinião discordam, mas o ególatra acha que suas mazelas, da volta da corrupção à escalada da inflação, não passam de um "problema de comunicação". 


Como Steve Jobs — versão revista e atualizada do Flautista de Hamelin —, Lula tenta criar um campo de distorção da realidade para iludir o eleitorado. Mas ele está velho, e seu pífaro, desafinado. Temendo um novo fiasco de público e de crítica neste 1º de maio (sobretudo em meio ao escândalo do INSS), escusou-se de participar ao vivo e em cores das festividades sindicais em São Bernardo do Campo (município da Grande São Paulo que é considerado “berço do PT”).


Crer na "justiça divina" talvez mitigasse o sentimento de revolta que acomete os cidadãos que pagam impostos escorchantes e veem seu dinheiro descer pelo ralo da corrupção. Todavia, à luz de como a humanidade vem se comportando ultimamente, a impressão que se tem é a de que o Criador (supondo que exista um Criador) jogou a toalha e deixar o barco correr.


A única certeza que nos resta — além da morte e dos impostos — é a de que, para o bem ou para o mal, não há nada como o tempo para passar.

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O CAÇADOR DE MARAJÁS E O MAQUIAVEL DE MARÍLIA


Themis de pedra que decora a entrada do STF tem os olhos e os ouvidos cobertos por uma venda, talvez para ser poupada do constrangimento produzido pelo ministro Dias Toffoli. Depois de anular provas e suspender o pagamento das multas bilionárias impostas à Odebrecht e à J&F, o nobre magistrado (que, nunca é demais lembrar, bombou em dois concursos para juiz de primeira instância) volta a atacar em pleno Carnaval, agora para acudir o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor, que foi condenado em maio de 2023 a 8 anos e 10 meses de reclusão

Quase 8 anos separa a denúncia da condenação, e mais um transcorreu até os embargos de declaração do caçador de marajás de festim começarem a ser apreciados no escurinho do plenário virtual, longe dos refletores da TV Justiça. 

Observação: Embargos declaratórios destinam-se a esclarecer pontos obscuros, contraditórios ou omissos numa decisão judicial, mas não têm o condão de reabrir a discussão do mérito. Alegando problemas na dosimetria e a prescrição de delitos, a defesa de Collor pediu a redução da pena pela metade e contestou o pagamento de R$ 20 milhões por danos morais coletivos, que foge do escopo de uma ação penal. 

Na última sexta-feira, assim que o ministro Alexandre de Moraes votou pelo indeferimento dos embargos, Toffoli vestiu a fantasia de paladino e emperrou o julgamento com um pedido de vista. 

Observação: Os ministros pedem vista a pretexto de precisarem de mais tempo para formar seu entendimento, mas na prática eles utilizam esse instrumento para empurrar o julgamento com a barriga até que a maioria formada não faça mais sentido, ou que alguns de seus pares sinalizem a intenção de mudar o voto. 

Até 2022, o ministro que pedisse vista devolver os autos na segunda sessão subsequente à do pedido, ms essa regra era solenemente ignorada — basta lembrar que o ministro Nelson Jobim (aposentado em 2014) levou quase mil dias para devolver uma ação de reintegração posse. Em 2022, a Emenda Regimental nº 58 fixou o prazo de 90 dias úteis para a devolução dos autos, sob pena de o caso retornar à pauta do plenário ou da turma automaticamente, mesmo sem o voto do ministro que pediu vista.

Em maio do ano passado, oito dos dez ministros (Lewandowski se aposentou um mês antes e Zanin só foi empossado três meses depois) votaram a favor da condenação de Collor. As excessões foram Gilmar Mendes e Nunes Marques. Fachin propôs 33 anos, 10 meses e 10 dias de prisão em regime inicialmente fechado, mas a proposta de Moraes prevaleceu. Quatro dos oito ministros que votaram pela condenação converteram a acusação de organização criminosa em associação criminosa (crime que prevê pena menor), e o empate resultou na pena mais branda. O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que o prazo prescricional corre pela metade quando o réu é septuagenário. E Collor tinha 73 anos à época de sua condenação. 

Observação: No jargão jurídico, o termo prescrição designa a perda de uma pretensão pelo decurso do tempo, como a perda da pretensão punitiva estatal em razão do decurso do lapso temporal previsto em lei. Daí os criminalistas chicaneiro "empurrarem com a barriga" o andamento processual mediante a interposição de recursos eminentemente procrastinatórios. 

PGR sustentou que Collor tenta "reabrir a discussão da causa, promover rediscussão de premissas fáticas e provas, além de atacar, por meio de via indevida, os fundamentos do acórdão condenatório". Em seu voto, Moraes anotou que a defesa tenta "rediscutir pontos já decididos" durante o julgamento da ação penal. Já o pedido de vista de Toffoli obstruiu a manifestação dos colegas, retardando o encarceramento do condenado. E mesmo que o ministro respeite o regimento interno e devolva os autos em até 90 dias úteis, ainda será preciso reagendar o julgamento e, na sequência, esperar publicação do acórdão para só então dar início à execução da pena. 

O contribuinte, que paga os régios salários dos togados e banca suas mordomias, não tem os olhos e ouvidos cobertos pela grossa venda que o escultor Alfredo Ceschiatti grudou em sua versão da Deusa da Justiça. Assim, a desmoralização da Corte é testemunhada por uma sociedade estupefata. 

Impune, Collor frequenta os salões de Brasília como se nada tivesse sido decidido sobre o seu passado criminal, chegando mesmo a dar as caras no Planalto, por ocasião da posse de Lewandowski no ministério da Justiça, e agora ameaça transformar o inusitado em escárnio desfilando sua face brilhante de óleo de peroba e sua ficha corrida quilométrica na cerimônia de posse de Flávio Dino no Supremo, que deve ocorrer no dia 22.

Com sua intervenção ofensiva, vergonhosa e inútil, Toffoli insultou a sociedade ao subverter o brocardo, reforçando a sensação de que a Justiça no Brasil tarda, mas não chega, e envergonhou o STF ao associaR o Tribunal à percepção de que depois da impunidade vem a bonança. A inutilidade de sua decisão monocrática decorreu do fato da pretensão de Collor não ter a mais remota chance de prosperar. 

Em outras palavras, o Maquiavel de Marília apenas favoreceu o propósito protelatório de um criminoso condenado que, pelo andar da carruagem, pode estar livre, leve e solto para comparecer à canonização de São Lula (em data ainda não fixada pelo Vaticano).

Triste Brasil.

terça-feira, 4 de julho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 5


Frases:
 
"Tentaram me matar em Juiz de Fora há pouco tempo com uma facada na barriga, e hoje levei uma facada nas costas com a inelegibilidade por abuso de poder político" — Jair Messias Bolsonaro.

"Não querem calar um homem, querem calar um povo" — Flávio Bolsonaro, o filho do pai.

"Preciso continuar viajando para 'passar a ideia' de que o governo está trabalhando e realizando" — Luiz Inácio Lula da Silva.

É o fim da picada!

***

Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente da nova república eleito pelo voto popular. Após ser acusado de envolvimento no famigerado "esquema PC" pelo irmão caçula, ele se tornou o primeiro presidente impichado, e, três décadas depois, o primeiro ex-presidente condenado pelo STF. Um currículo e tanto. 

Em entrevista a Veja em maio de 1992, Pedro Collor afirmou que seu relacionamento com o irmão azedou porque Paulo César Farias vinha "tentando destruir" a Gazeta de Alagoas, que foi ameado de morte pelos irmãos de PC e que achava que o mandante era o presidente: "É típico do Fernando usar instrumentos; ele não ataca."

Tesoureiro de campanha e achacador-mor da república durante o governo CollorPC foi indiciado em 41 inquéritos e teve a prisão decretada (em junho de 1993), mas fugiu em seu learjet Morcego Negro — que, segundo os serviços antidroga da Itália, era usado por traficantes de drogas durante o governo Collor. Depois de passar 152 dias despistando seguidamente a Polícia Federal e a Interpol, o testa de ferro de Collor foi reconhecido em Buenos Aires, mas escapou da polícia. Foi visto em Londres meses depois, 11 kg mais magro, sem os indefectíveis bifocais e disfarçado de príncipe árabe), mas tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. Acabou sendo capturado na Tailândia, graças à denúncia de um brasileiro que o viu caminhando pelas ruas de Bangkok.
 
Em 1994, PC foi condenado a quatro anos de prisão por sonegação de impostos e a sete anos, em regime semiaberto, por falsidade ideológica. Um ano depois, passou a cumprir a pena em regime aberto e engatou um namoro com Suzana Marcolino, a quem mimava com joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. Apesar da resistência das famílias, o idílio foi intenso, mas breve: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a noite de 22 de junho de 1996, quando ele e a namorada foram na casa de veraneio na praia de Guaxuma, a 10 km do centro de Maceió. 

Os corpos foram encontrados na manhã seguinte, com um tiro no peito de cada um. Embora a propriedade fosse vigiada por quatro seguranças, ninguém ouviu os tiros "porque era época de festas juninas" (!?). O grupo peritos liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas, concluiu que PC foi morto pela namorada enquanto dormia, e que a moça se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os seguranças disseram que ouviram o casal discutir depois do jantar, assim que os convidados (o irmão Augusto Farias e respectiva namorada) foram embora. 
 
Quem assiste a séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, que é baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia-os todos: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Segundo as investigações, a arma encontrada junto aos corpos fora comprada semanas antes pela própria Suzana, e havia resíduos de pólvora nas mãos da moça quando os corpos foram encontrados. 

Pessoas próximas ao casal disseram que a "Morsa do Amor" vinha traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano. Mas é bom lembrar que PC deveria depor dali a alguns dias numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo, e que a possibilidade de ele revelar os nomes dos empresários que alimentaram os esquemas corruptos de Collor ensejou a hipótese de "queima de arquivo".
 
Contrariando o laudo de Badan Palhares (que foi acusado pelo ex-governador Geraldo Bulhões de ter recebido R$ 400 mil para apresentar um laudo falso), o legista George Sanguinetti disse que, considerando a localização do ferimento, a posição do corpo de PC 
— que teria sido "arrumado na cama" , a estatura de Suzana — ela era 10 cm. mais baixa que o namorado, que tinha 1,63 m  e o ângulo do disparo, a moça "só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando". Nas palavras de Sanguinetti, "passional não foi o crime, e sim o inquérito". Suzana foi morta porque estava no lugar errado na hora errada". 

Observação: Os legistas recalcularam a trajetória do projétil e concluíram que, se Suzana estivesse sentada na cama (como indicou a primeira reconstituição), o tiro que a atingiu no pulmão teria passado à altura da cabeça. Mesmo assim, o caso seguiu arquivado. Sanguinetti foi condenado a dois anos de prisão por acusar Palhares de fraude processual, mas cumpriu a pena em liberdade e recebeu proteção policial até 2008. 
 
O verdadeiro autor dos disparos permanece desconhecido. Augusto Farias e mais oito foram indiciados. Na condição de deputado, o irmão de PC tinha foro privilegiado. Seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado. Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto Farias para defendê-los alegou falta de provas, e todos foram absolvidos. 
 
O júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, alegando que "não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora".

Termina no próximo capítulo.

domingo, 3 de maio de 2020

DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 5


ATUALIZAÇÃO SOBRE DEPOIMENTO DE SERGIO MORO À PF:

Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.


Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).

Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.

Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.

Duas perguntas que não querem calar:

1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.

2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?

Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.

O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.

Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento). 

Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.

Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.

Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.

POSTAGEM DO DIA:

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República tanto por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) quanto por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes do julgamento final de seu impeachment, em 29 de dezembro de 1992, o caçador de marajás de araque apresentou sua carta-renúncia, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos (a deposição do cargo era inevitável, e Collor sabia disso, daí dar os anéis para evitar a perda dos dedos). Mas a estratégia não funcionou: por 76 votos a 3, ele foi condenado e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade.

Observação: A observância dos ditames constitucionais não seria tão rígida 24 anos depois, mais exatamente em 31 de agosto de 2016. No julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a gerentona de araque do cargo, mas preservando seus direitos políticos, a despeito de o artigo 52 da Constituição determinar “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Enfim, como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

A eleição de 1989 foi convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 candidatos obteve mais de 50% dos votos em 15 de novembro, e os dois mais votados, Collor e Lula, disputaram o segundo turno em 17 de dezembro, que resultou na vitória do populista de centro direita sobre o demiurgo petista de centro-esquerdaCollor foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês). Na véspera, solicitara a Sarney que decretasse feriado bancário, de modo que o mercado financeiro tivesse mais tempo para se adequar às novas medidas econômicas — que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardariam a fazer água, a exemplo de todas as anteriores.

Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro como unidade monetária, o “Plano Collor” incluiu ações de impacto, tais como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e — agora a cereja do bolo — o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses (a partir de quando seriam devolvidos em suaves parcelas mensais), a pretexto de “enxugar” a liquidez do mercado e conter a escalada dos preços. Entraram na dança cadernetas de poupança, aplicações de overnight e contas correntes com saldo superior a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos). 

A responsável pelo pacote de maldades foi a economista Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Collor, que mais adiante teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio, que passaria a ser jocosamente chamado de “o humorista que casou com a piada”.

Observação: Quando o dinheiro confiscado começou a ser devolvido (em suaves prestações mensais), circulou uma piada segundo a qual um cidadão, irritado com o tamanho da fila do banco, disse que ia matar o presidente. Voltou minutos depois. Perguntado por que havia mudado de ideia, respondeu que a fila deferente ao Palácio do Planalto estava maior que a do banco.

Em janeiro de 1991, ainda sob a batuta de Zélia, o Plano Collor II substituiu seu predecessor, mas foi substituído cinco meses depois pelo Plano Marcílio — ao mesmo tempo em que Zélia deixava o Ministério da Fazenda e o economista Marcílio Marques Moreira era nomeado para chefiar a pasta. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio passou o bastão para Gustavo Krause. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real, já em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, a inflação, após ficar bastante volátil ao longo do governo Collor, alcançou o patamar de 48% ao mês em junho de 1994.

Como dito no início desta postagem, Collor teve seu impeachment julgado no final de 1992. Ao longo do processo (que levou cerca de quatro meses), o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja.

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Oito anos passam depressa, e são mais que suficientes para o eleitor brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer os tapas e cusparada que recebeu nas fuças de políticos tão imprestáveis como quem os elege. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista jamais poderá reclamar de não ser bem representado. Cada povo tem o governo que merece, e num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, Lula sempre será Lula e os idiotas que votaram (e ainda votarão) neles sempre serão idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de se ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Em 2006, conseguiu se eleger senador. Em 2010, tornou a disputar o governo estadual e perdeu. Em 2014, reelegeu-se senador e, em março de 2015, entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Em abril de 2017, foi denunciado por peculato; em agosto, virou réu no STF (Collor é investigado em pelo menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão).

Collor é um político emblemático, um personagem frequente no Supremo e representativo da demora da Justiça, em especial da que envolve os parlamentares com foro privilegiado. Pelas últimas contas, o senador por Alagoas é investigado em ao menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão. Isso sem mencionar o assassinato mal explicado de seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada Paulo César Cavalcante Farias, o PC, do qual o ex-presidente é suspeito de ter tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia citou que Collor já havia sido objeto de 14 inquéritos no STF e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Semanas atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista VejaCollor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos atrás e prever que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua no próximo capítulo.