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domingo, 26 de julho de 2020

UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 2


Não fosse o fato de o primeiro presidente civil eleito (indiretamente, mas eleito mesmo assim) após a renúncia de Jânio Quadros ter sido hospitalizado horas antes da cerimônia de posse e morrido 38 dias e sete cirurgias depois, o Palácio do Planalto contabilizaria nove inquilinos desde o fim da ditadura militar. Dos oito mandatários que chegaram a ocupá-lo, três eram vices que foram promovidos a titular (Sarney, devido à morte de Tancredo, e Itamar e Temer, mercê os impeachments de Collor e Dilma, respectivamente). Outros três se reelegeram (FHC, Lula e Dilma), dois foram expelidos pela porta de serviço (Collor em 1992 e Dilma em 2016) e dois foram presos, ainda que em condições especiais.

O demiurgo de Garanhuns cumpriu — confortavelmente instalado numa cela VIP da Superintendência da PF do Paraná e cercado de mordomias — míseros 580 dias dos 26 anos e lá vai fumaça a que foi condenado em dois dos nove processos que tramitam contra ele na Justiça Federal em Curitiba, São Paulo e Brasília. Já o vampiro do Jaburu, que foi promovido de presidente pato-manco a heptarréu após transferir cargo e faixa para o atual, dormiu apenas 5 noites na PF do RJ (e hoje virou comentarista político da CNN Brasil, ou pelo menos é o que parece, pois dia sim, outro também, Temer é entrevistado por âncoras da emissora). 

Somente o pomposo grão tucano escapou incólume das garras da lei, a despeito de ter sido o principal interessado e o maior beneficiado pela compra de votos que garantiram a aprovação da PEC da reeleição, em 1997 (que não foi investigada como manda o figurino, conforme veremos numa próxima oportunidade).  

Águas passadas não movem moinhos”, diz um adágio popular. Mas será mesmo que não? Considerando que o presente nada mais é que uma somatória das consequências de escolhas feitas no passado, faz mais sentido (outra dessas pérolas de sabedoria) dizer que “a voz do povo é a voz de Deus”, mas que às vezes a ignorância também se manifesta pela boca da plebe ignara

A escolha irresponsável feita pela récua a que chamamos “eleitorado” — composta em sua maioria por desinformados e apedeutas de quatro costados — deixou-nos numa sinuca de bico no segundo turno das eleições passadas. Depois que 11 dos treze postulantes (não nego que quase todos estavam mais para figurante de filme de terror do que para candidato à Presidência, mas enfim...) forma limados no primeiro turno pelos iletrados e desinformados de plantão, restaram o extremista de direita e o pateta de esquerda — este um mero preposto do criminoso condenado que não pode disputar pessoalmente o pleito e não encontrou outro esbirro que se sujeitasse ao patético papel de bonifrate. E assim sagrou-se vencedor um ex-capitão cuja carreira militar foi abortada por indisciplina e insubordinação. Alguém que em outras circunstâncias conseguiria, no máximo, mais um mandato na Câmara Federal, onde, com alguma sorte, aprovaria mais um projeto de relevância duvidosa (que se somaria aos outros dois que conseguiu aprovar em 28 anos de deputância).

Sob a batuta bolsonarista, tornamo-nos párias aos olhos do mundo. Segundo o jornal americano Washington Post, o Brasil tem o pior líder do planeta no combate à Covid-19 — pior até mesmo que Donald Trump —, uma ameaça ambulante à vida humana e ambiental e à viabilidade comercial e econômica do país como parceiro. Um presidente que eu e mais um sem-número de imbecis classificamos como psicopata, mas que, a despeito de ser um ególatra mitômano e paranoico, valeu-se de cada minuto de seus 28 anos como parlamentar para aprender a jogar o jogo do poder. Um presidente eleito mediante a promessa (dentre muitas outras) de propor o fim da reeleição, mas que agora só pensa em se reeleger, ainda que tenha confessado sua total inaptidão para o cargo que ocupa (ao dizer com todas as letras que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar). 

Observação: Trata-se, evidentemente, de uma paráfrase ao último presidente-ditador dos anos de chumbo, que disse: "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel".

“Quem semeia ventos colhe tempestades”, ensina outro apotegma da sabedoria popular. E com efeito. Em um ano e 7 meses de governo, Bolsonaro foi alvo de mais de 30 pedidos de impeachment (clique aqui para ver a posição dos ex-presidentes no ranking). Mas só Deus e Rodrigo Maia sabem se algum deles vai seguir adiante.

Observação: Muitos analistas e palpiteiros de plantão argumentam que o impeachment foi banalizado (como quase tudo mais no Brasil), e que, por se tratar de uma medida extrema — porque abrevia o mandato de um presidente da República democraticamente eleito e blá, blá, blá —, deve ser usado somente em situações especialíssimas, e mais blá, blá, blá. No entanto, se a asquerosa gerentona de festim não tivesse sido afastada em maio de 2016, depois de 5 anos, 4 meses e 12 dias desmontando tijolo por tijolo a economia tupiniquim — e cuspida definitivamente do Planalto em agosto daquele ano (pelo conjunto de sua obra nefasta; as famosas “pedaladas fiscais” foram apenas o “arcabouço legal” que agregou legitimidade ao viés jurídico do processo) —, é provável que não teria sobrado Brasil para quem lhe sucedesse no cargo em 2019 administrar.

Neste país do futuro que nunca chega e onde até o passado é incerto, a prudência recomenda não cantar a bola enquanto ela não tiver sido encaçapada. Ainda assim eu diria que há chances reais (embora remotas) de o mandatário de turno receber cartão vermelho e ter de deixar o campo antes dos 45 minutos do segundo tempo. 

Mas isso é assunto para uma próxima postagem.

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PRIMEIRA PARTE


Oito anos são mais que suficientes para os brasileiros, conhecidos pela memória curta, esquecerem as cusparadas recebidas de políticos tão imprestáveis quanto os imprestáveis que os elegeram. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista não pode reclamar de não estar bem representado. Sobretudo em um país que não hesita em ficar de cócoras para apreciar o avesso das coisas, onde a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Mas Collor será sempre Collor, Lula será sempre Lula, Bolsonaro será sempre Bolsonaro e os débeis mentais que elegeram essa caterva serão sempre débeis mentais.

Após se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas e foi derrotado por Reinaldo Lessa. Em 2006, elegeu-se senador (meus respeitos ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano); em 2010, tornou a disputar e perder o governo estadual, mas logrou renovar seu mandato de senador em 2014. Em 2017, o "Rei Sol" (como Collor é chamado por seus puxa-sacos) foi denunciado por peculato e entrou para o rol dos investigados da Lava-Jato (alvo de pelo menos seis inquéritos, todos relacionados ao escândalo do Petrolão).

Vale destacar que o assassinato de PC Farias — coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada do caçador de marajás de araque — ainda suscita um sem-número de teorias conspiratórias em que o motivo do crime foi a assim chamada "queima de arquivo" (a exemplo dos assassinatos não esclarecidos de Celso Daniel e do Toninho do PT, nos quais a merda era a mesma, só mudaram as moscas).

Collor é freguês de carteirinha do Supremo e representativo da demora da Justiça que processa e julga parlamentares com foro privilegiado. Em 2014, durante sessão que o absolveu dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante a presidência desse senhor, a ministra Carmem Lúcia mencionou que ele já havia sido alvo de 14 inquéritos e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Observação: Considerando que Lula foi condenado a mais de 15 anos de cadeia por dez magistrados de três instâncias do Judiciário — isso sem mencionar os inúmeros pedidos de habeas corpus que foram rejeitados pelo próprio STF — e transformado em "ex-corrupto" por uma decisão teratológica de nossa suprema corte, que se valeu de uma tecnicidade para anular as condenações e jogar no lixo provas, depoimentos e demais atos processuais envolvendo os processos contra o petralha, só nos resta dizer que, como instituição, o STF merece nosso respeito, mas seus integrantes... bem, é melhor deixar pra lá.

Em entrevistas concedidas ao jornal O Globo e à revista Veja no ano passado, o ex-mandatário que inaugurou a lista dos presidentes impichados da Nova República acusou o mandatário de turno (que já deveria fazer parte dessa mui seleta confraria) de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos antes, e previu que o atual governo terá um final tão funesto quanto o dele. Mas sua profecia de botequim só terá chances reais de se realizar quando e se o capitão-negação (que de burro não tem nada) o vassalo passador-de-pano-geral da República e o deputado-réu que preside a Câmara deixarem de ser coniventes e de lhe darem cobertura. Mas isso é conversa para outra hora.

Depois que Collor foi devidamente penabundado (em dezembro de 1992), Itamar Franco, que havia assumido interinamente a Presidência três meses antes, quando o caçador de marajás de araque foi afastado, foi promovido de vice a titular. Vale a pena conferir alguns detalhes da história do ex-presidente que o professor e historiador Marco Antonio Villa considera o melhor de toda a Nova República.

Itamar nasceu no dia 28 de junho de 1930 a bordo de um navio de cabotagem que fazia a rota Salvador/Rio de Janeiro e foi registrado na capital baiana, de onde se mudou ainda criança para Juiz de Fora (MG), terra natal do pai que ele não chegou a conhecer. Depois de se formar engenheiro civil e eletrotécnico, o baianeiro ingressou na política pelo PTB, filiou-se ao MDB, prefeitou Juiz de Fora por dois mandatos e foi senador por MG de  1975 a 1990, quando então disputou a vice-presidente da República na chapa encabeçada por Collor.

Itamar é lembrado pelo gosto por carros ultrapassados — ele convenceu a Volkswagen do Brasil a retomar a fabricação do jurássico fusca — e mulheres ousadas. Depois de se divorciar da jornalista Anna Elisa Surerus, em 1978, ele passou a ser visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O clímax se deu no carnaval de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio de Janeiro ao lado da modelo Lilian Ramos, que não estava usando calcinha. Mas foi durante seu governo que FHC e sua equipe criaram o Plano Real — o único pacote de medidas econômicas que teve sucesso duradouro no combate à hiperinflação. Vale lembrar também que Itamar herdou de Collor um abacaxi difícil de descascar: quando assumiu a presidência, o Brasil vivia um período conturbado, com uma inflação de 80% ao mês. 

Observação: Quando o real passou a valer, sua paridade com o dólar era de 1 para 1, e a partir daí a abertura comercial e a manutenção do câmbio valorizado mantiveram a inflação sob controle. Como efeito colateral, as importações foram muito estimuladas e impediram que as empresas nacionais aumentassem seus preços, até porque isso tornaria a concorrência impossível. O Plano sofreu com crises posteriores, especialmente externas, mas o fato é que a inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o Banco Central criou o regime de metas para a inflação, a Selic passou a ser a âncora monetária e o câmbio, flutuante. Em alguns momentos, temeu-se a volta da inflação, mas a estabilidade da moeda resistiu e o país nunca mais passou perto do índice hiperinflacionário de 2708%, alcançado em 1993.

Como o bom mineiro que não era, o político baianeiro buscou apoio nos partidos políticos e procurou atender aos anseios da população. Sua equipe de governo era composta majoritariamente por mineiros — daí a alcunha de "República do Pão de Queijo". Apesar das inúmeras dificuldades, o PIB cresceu 10% e a renda per capita, 6,78%. Quando Itamar assumiu a Presidência, a inflação anual era de 1191,09%; quando transferiu a faixa para seu sucessor, o índice havia recuado para 916,43%. Mas há quem diga que ele só escapou da degola porque nomeou FHC ministro da Fazenda (e primeiro-ministro informal), transformando a si mesmo numa patética figura decorativa.

Após deixar a Presidência, Itamar foi embaixador em Portugal e em Washington (na OEA). Retornou ao Brasil em 1988 para disputar o governo de Minas Gerais. Eleito, governou o Estado até 2002. No ano seguinte, ganhou o posto de embaixador na Itália, onde permaneceu até 2005. De volta ao Brasil, presidiu o Conselho de Administração do BDMG de 2007 a 2010. No ano seguinte, assumiu seu terceiro mandato de Senador, mas se afastou do cargo em maio, devido a uma leucemia, e morreu menos de dois meses depois, vítima de um AVC. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Juiz de Fora e no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Após a cremação, as cinzas foram depositadas no jazido da família no Cemitério Municipal de Juiz de Fora.

Continua...

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA



Antes de retomar o assunto do post anterior (encerrar é maneira de dizer, pois outros desdobramentos estão por vir), achei por bem publicar que o ministro Sérgio Moro criou um grupo de trabalho para reavaliar normas do Banco Central sobre o combate à lavagem de dinheiro. A determinação está na Portaria 82, e visa fazer alterações na comunicação entre os bancos e o Coaf sobre suspeitas de lavagem de dinheiro. O ministro tomou essa decisão diante da estapafúrdia proposta do BC de excluir parentes de políticos da lista de monitoramento obrigatório das instituições financeiras e derrubar a exigência de que todas as transações bancárias acima de R$ 10 mil sejam notificadas ao Coaf.

Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.

Mudando de um ponto a outro, a expectativa de que a mídia focaria Brumadinho nos dias subsequentes à tragédia se confirmou plenamente, e com isso a situação cada vez mais complicada do primogênito do Presidente Bolsonaro saiu de cena (ao menos temporariamente). Volto a dizer que os rolos do Zero Um despertam mais atenção do que os de outros 26 deputados estaduais que também serão investigados pela Receita porque respingam no Presidente — que se declarava amigo de Queiroz e até admite ter emprestado dinheiro ao factótum do Clã —, dando dimensão nacional ao que, de outra forma, seria apenas um escândalo local. Mas isso não muda o fato de que há muitas perguntas sem respostas. E quem votou em Jair Bolsonaro o fez para evitar que o Brasil voltasse a ser governado por um criminoso condenado e sua quadrilha, e portanto tem o direito de saber a verdade.

A cirurgia a que restabeleceu o trânsito intestinal do Presidente demorou mais do que o previsto devido a problemas de aderência, mas, para o desgosto de seus detratores e opositores, tudo correu bem. Bolsonaro deverá despachar do hospital assim que deixar a UTI, e, se não houver complicações, ter alta em até 10 dias. Mas é no mínimo curioso que a mídia, a despeito de acompanhar de perto a internação do Presidente e divulgar os boletins médicos quase que em tempo real, não disse uma única palavra sobre o atentado, sobre quem estaria por trás do ajudante de pedreiro Adélio Bispo de Souza e sobre quem está pagando seus advogados. Nem a Velhinha de Taubaté acreditaria na balela de que Bispo era um "lobo solitário" e que agiu de moto próprio por inconformismo político, como apontou o primeiro inquérito — um segundo inquérito foi instaurado para dar continuidade às apurações, e investiga uma possível participação de terceiros ou grupos criminosos ligados a partidos de esquerda.

Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas". 

Tomara que a investigação do atentado não tenha o mesmo desfecho dos assassinatos de Toninho do PT, em setembro de 2001, e de Celso Daniel, em janeiro de 2002. Ou ainda o de Paulo César Siqueira Cavalcante Farias  — mais conhecido como PC Farias — , em junho de 1996. Os dois primeiros casos, se bem investigados, certamente revelariam as digitais de próceres do próprio PT. Já o do ex-tesoureiro da campanha de Collor cheira a queima de arquivo, pois PC conhecia melhor que ninguém os malfeitos praticados durante a gestão do caçador de marajás de festim — como diz um velho ditado, antes que o mal cresça, corta-se a cabeça

Para quem não se lembra, PC Farias se tornou uma espécie de factótum de Collor (mais ou menos como Palocci durante a campanha e no início do primeiro governo de Lula). Collor derrotou Lula no pleito presidencial de 1989 e três meses depois da posse já surgiam denúncias de corrupção, primeiro envolvendo apenas o segundo escalão, mas, quatro meses mais tarde, alcançando pessoas próximas ao Presidente. Foi então que nome de Paulo César Farias apareceu como intermediário de negócios entre o empresariado e o governo.

Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.

Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.

Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.

Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.

A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.

Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.

Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

AINDA SOBRE O CIRCO DAS ELEIÇÕES 2018


A imagem acima é uma alusão à intervenção federal na Segurança do Estado do Rio de Janeiro (assunto que será abordado oportunamente). Dito isso, vamos ao que interessa.

Dentre os quase 20 postulantes à presidência da Banânia (num universo surreal de 35 partidos oficialmente registrados e outros 73 aguardando a vez), são bem poucos os que têm chances reais de chegar ao segundo turno. Por ironia do destino ― ou pela ignorância atávica do nosso povo ―, os que mais se destacam são justamente aqueles que mais preocupam.

Lula, ao que tudo indica, ficará fora do páreo. Claro que estamos no Brasil, onde interpretar as leis ao sabor de conveniências e especificidades não é incomum. Mas é consenso entre os juristas ― aí incluídos ministros do TSE e do STF ― que a Lei da Ficha-Limpa sepulta as pretensões eleitorais do criminoso condenado (se o PT chegar a pedir o registro de sua candidatura, o TSE deverá negá-lo). Quando, porém, é que são elas. E enquanto dura essa agonia, Bolsonaro continua colhendo frutos de sua alardeada postura anti-Lula e antipetista (que a mim parece ser seu único predicado).

Alckmin empacou nos 5%, mas pode cair se e quando forem comprovadas as denúncias de corrupção feitas por delatores contra ele. No final do ano passado, a PGR pediu ao STJ (instância em que tramitam processos contra governadores, que também têm direito a foro especial por prerrogativa de função) a abertura de um inquérito (que corre em segredo de justiça). Seja como for, pelo que se pode inferir da história pregressa do PSDB, a candidatura do “picolé de chuchu” será mais um voo de galinha ― isso se ele chegar politicamente vivo às eleições. Uma pena, porque, a julgar pelos concorrentes, Alckmin ― se realmente não estiver envolvido nas maracutaias ―, é uma das poucas alternativas dignas de consideração.   

Observação: O governador tucano afirma que “nunca nossa vida pública precisou tanto de transparência e verdade; confio que a apuração das informações pela Justiça encerrará todas as dúvidas”. Mas foi isso mesmo que Temer disse quando sua conversa pecaminosa com Joesley Batista veio a público  e depois vendeu a alma ao Diabo para impedir que as investigações avançassem no STF). E Lula, que jura inocência a despeito de responder a 7 ações criminais (por enquanto), ter sido condenado em uma delas (em duas instâncias do Judiciário) e está com um pé no Complexo Médico-Penal de Pinhais, em Curitiba. Se alguma vez ― uma única vez ―, qualquer figurão da nossa política, investigado, indiciado ou processado, assumir publicamente sua culpa, vai chover merda no Ceará!

Luciano Huck nega ser candidato, mas vem se equilibrando nas pesquisas de opinião pública ― depois de Lula (que, como dito, deverá ser impedido de concorrer) e de Bolsonaro (cuja candidatura tende a se esvaziar sem Lula no páreo). O apresentador compartilha com outros pretendentes o honroso terceiro lugar, o que demonstra a vantagem do “novo” sobre os representantes da velha política tupiniquim. Aliás, quanto mais a candidatura de Alckmin patina, mais cresce entre os políticos de centro a vontade de lançar a candidatura de Huck, que já confirmou que desistiu de concorrer. Lembro que ele disse isso em novembro, mas pediu que seu nome não fosse retirado das pesquisas. Por essas e outras, podemos ter novidades até abril.

Joaquim Barbosa teria dado trabalho a Dilma e Aécio se tivesse concorrido em 2014, quando sua popularidade ― advinda do julgamento do mensalão ― estava nos píncaros, mas perdeu o bonde da história: mesmo empatado com Alckmin e Huck, o ex-ministro enfrenta resistência até mesmo dentro do PSB, onde velhas raposas como Aldo Rebelo e Beto Albuquerque também disputam o posto de candidato. Claro que Barbosa pode se filiar a outro partido até o dia 7 de abril, e já conversou com vários. Só acho estranho que seu “ponto forte” seja a suposta intolerância com a corrupção e, mesmo assim, ele não descarta uma aliança com o próprio PT, embora refute composições com PSDB, MDB e DEM.

Rodrigo Maia e Henrique Meirelles ora são e ora não são candidatos a candidato. Ambos gostariam de disputar, naturalmente, mas eu gostaria que chovesse champanhe francês, e até até hoje isso não aconteceu. Temer também sonha com a reeleição, mas isso é tão improvável que não merece sequer uma análise mais detalhada (até porque o medebista ocupa a "honrosa posição" de presidente mais impopular desde a redemocratização do Brasil).

Propostas excêntricas não faltam entre outros virtuais candidatos: repleto de menções a Deus, o deputado evangélico Cabo Daciolo, que pretende concorrer pelo Avante depois que foi expulso do PSOL, vê na intervenção militar a solução para o país. Ele já chegou a defender o fechamento do Congresso Nacional, onde “só tem corruptos”, e a anunciar que daria sete voltas no prédio da Câmara e do Senado paraexpulsar o demônio da corrupção”. De napoleões de hospício, já nos basta Collor, que se diz candidatíssimo (segundo as más-línguas, está de olho é no governo de Alagoas). Ou a ex-apresentadora Valéria Monteiro, que quer cativar o eleitorado prometendo ― dentre outras sandices ― licença-maternidade de três anos e isenção de Imposto de Renda para quem ganha menos de R$ 3.700.

Nessa bando de doidos destaca-se também cirurgião plástico Roberto Miguel Ray Júnior, mais conhecido como Dr. Hollywood, famoso por recauchutar estrelas de cinema e exibir seus prodígios pela TV. Dentre outras asnices, ele defende a execução do Hino Nacional todas as manhãs ― quando as pessoas deverão ficar em pé e colocar a mão direita no lado esquerdo do peito, como se faz nos EUA ―, diz que não precisa de coligações com outros partidos nem de tempo na TV, e que, se for eleito, reduzirá o número de ministérios a 15, dobrará o salário dos policiais e o efetivo da polícia, e por aí vai. Segundo o médico, “em 2018, o Brasil vai ter uma escolha: a mesma merda de sempre ou o Dr. Rey”.

Outra figura bizarra é Guilherme Boulos, líder do MTST, que estuda concorrer pelo PSOL. É certo que com Lula fora do páreo o chefe dos arruaceiros até pode dividir votos da patuleia com a deputada estadual gaúcha Manuela D’ávila, do PCdoB. Ou com Marina Silva, a eterna candidata, mas acho que não dá para o cheiro.

Junta-se a esse séquito de desvairados o pseudo cearense Ciro Gomes, que concorreu e perdeu em 1998 e 2002; Cristovam Buarque, que disputou em 2006; Eymael ― do jingle chiclete “Ey-Ey-Eymael, um democrata cristão” ― e Levy Fidelix ― do “aero trem”. Se fosse de internar todos esses napoleões de hospício, faltariam vagas nos manicômios como faltam celas nas penitenciárias para trancafiar todos os criminosos engravatados deste país

As eleições presidenciais de 2018 se assemelham às de 1989 na quantidade estapafúrdia de candidatos, mas as similaridades não vão além disso, pois a conjuntura atual é muito diferente. No final dos anos 1980, havia esperança; hoje, o que existe é um pessimismo generalizado das pessoas com com o sistema político. Isso foi comprovado pelo número de abstenções, votos nulos e em branco nas eleições de 2016, e tudo indica que em outubro a coisa será ainda pior (voltarei a esse assunto oportunamente).

Para Mauro Paulino, diretor-geral do Datafolha, terá chances de se eleger quem conseguir transmitir soluções para as principais aflições da população (segurança pública, saúde e estabilidade econômica) e que melhor fizer frente ao ambiente de rejeição aos políticos em geral, cujo plano de fundo é a corrupção.

Resta-nos votar com consciência e ver que bicho dá.

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terça-feira, 2 de janeiro de 2018

O REI ESTÁ MORTO. VIVA O REI! ― OU: FOI-SE 2017; QUE 2018 SEJA MELHOR, E COM LULA LÁ (EM CANA)!


O ano que se encerrou anteontem não correspondeu às expectativas de quem achava que teríamos calmaria depois das tormentas de dois mil e dezechega. Já nas primeiras horas de 2017 o sistema prisional tupiniquim exibiu seu descontrole, com centenas de detentos mortos em diferentes rebeliões e outros tantos foragidos de casas prisionais em diversos Estados. Viriam em seguida o trágico acidente que matou Teori Zavascki (às vésperas de o ministro homologar a delação dos 77 da Odebrecht) e a greve dos policiais do Espírito Santo, que resultou na morte de centenas de inocentes. E, como agora sabemos, isso seria apenas o começo. Para Michel Miguel Elias Temer Lulia, no entanto, o inferno astral começaria em abril, com a divulgação de trechos de sua conversa nada republicana com o açougueiro bilionário e criminoso Joesley Batista, justamente quando a economia dava os primeiros sinais de recuperação.

Abatido em seu voo de galinha, o peemedebista viu o sonho de entrar para a história como o “o cara que recolocou o país nos trilhos do crescimento” transformar-se no pesadelo de ser o primeiro presidente do Brasil denunciado ― no exercício do cargo ― por crimes de corrupção, formação de quadrilha e obstrução da Justiça.

Pego com as calças, mas demovido da ideia de renunciar pelos puxa-sacos de plantão ― que perderiam o cargo e a prerrogativa de foro se o chefe deixasse o Planalto ―, Temer, num pronunciamento inflamado à nação, afirmou que a investigação no STF seria o território onde aflorariam as provas de sua inocência”. Mas a máscara de bom moço caiu quando Janot desfechou sua primeira flechada, expondo a verdadeira face do político da velha escola, que presidiu o PMDB por 15 anos e foi vice decorativo (mas conivente com os desmandos) da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno de 2011 a maio de 2016. E a coisa ficou ainda pior com a segunda denuncia, que, além do presidente, atingiu os ex-deputados Eduardo Cunha, Rodrigo Rocha Loures e Henrique Alves, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos do PMDB.

Observação: Curiosamente, não houve panelaço, buzinaço ou manifestações populares nas ruas. Como vaquinhas de presépio, os brasileiros aceitaram tudo pacificamente, talvez intuindo que a emenda seria pior que o soneto ― tanto no caso de um novo presidente tampão ser escolhido através de eleições diretas realizadas a toque de caixa quanto de nosso Congresso apodrecido pinçar de suas fileiras o felizardo da vez. Aliás, falando em eleições diretas, dos 4 presidentes eleitos pelo voto popular desde o final da ditadura militar, o único que escapou ileso (até agora) foi FHC. Collor e Dilma foram depostos, e Lula, embora tenha concluído seus dois mandatos, coleciona 7 processos, é investigado em outros tantos inquéritos e já foi condenado a 9 anos e 6 meses de prisão (Lula lá!).

Temer passou a maior parte de 2017 articulando manobras espúrias para se manter no cargo. Com o auxílio dos comparsas Romero JucáEliseu PadilhaMoreira Franco. Isso sem mencionar os inestimáveis serviços prestados pelo pitbull Carlos Marun, principal responsável por garantir o apoio necessário, na Câmara, ao sepultamento de ambas as denúncias de Janot. Aliás, Marun, que já havia se notabilizado por defender caninamente o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, chegou mesmo a ensaiar ridículos passinhos de dança quando, pela segunda vez, as marafonas do Congresso livraram o rabo sujo de seu amado chefe. Sua fidelidade e absoluta falta de escrúpulos lhe renderam a Secretaria de Governo da Presidência da República e, ao que parece, a missão de oficializar o toma-lá-dá-cá no vergonhoso “parlamentarismo informal”, onde ministros negociam diretamente com o Congresso a favor do presidente e reassumem seus mandatos na Câmara para votar projetos de interesse do Executivo.

O derradeiro ano de Temer na presidência da Banânia começa com índices de rejeição ao peemedebista que rivalizam com os de Collor e Dilma durante os respectivos processos de impeachment. Mesmo procurando aparentar tranquilidade e afirmando que o governo não parou um instante sequer, o presidente é desmentido por uma sucessão de gafes, sobretudo em viagens e encontros internacionais.

Ao receber o presidente do Paraguai, por exemplo, Temer brindou a Portugal; na passagem pela Rússia e pela Noruega, colecionou uma lista de momentos esquecíveis: da partida, ao colocar em sua agenda que iria para a União Soviética, extinta há mais de vinte anos, até a volta, de mãos abanando, passando por uma menção a Harald V como o rei da Suécia, quando o monarca é norueguês. Para sua sorte, os depoimentos dos delatores da JBS/J&F caírem em descrédito depois que informações omitidas por eles no acordo de colaboração vieram à tona, mas isso não lhe permite avançar em seu projeto de legado reformista sem emplacar a reforma da Previdência, que se tornou seu “samba de uma nota só”.

Fato é que, em meio a tudo isso, Temer mudou de vez seu comportamento diante das investigações e dos órgãos de Justiça. Embora Nicolao Dino tenha sido mais votado que Raquel Dodge na eleição interna do MPF, seu nome foi preterido na sucessão do padrinho Rodrigo Janot. Em novembro, foi a vez da Polícia FederalLeandro Daiello, que ficou sete anos no cargo e viu a Lava-Jato nascer, foi substituído por Fernando Segovia, que começou mal ao tentar minimizar, em seu discurso de posse, a importância dos fatos que respaldaram a primeira denúncia contra o presidente ― dizendo, dentre outras coisas, que “uma mala de dinheiro não prova nada”.

Aos 77 anos idade, Temer tornou-se frequentador assíduo do Hospital Sírio-Libanês ― onde já foi submetendo a procedimentos cirúrgicos para solucionar problemas urológicos e desobstruir artérias do coração. Some-se ao peso dos anos a tensão provocada pela turbulência política, que impõe pesados tributos a um presidente já enfraquecido e carente de respaldo popular. Mesmo que os indicadores econômicos continuem emitindo sinais positivos, sua incapacidade de reunir os 308 votos necessários à aprovação das tão necessárias reformas escancaram a fragilidade do seu governo.

Conforme combinado com Rodrigo Maia, a votação da PEC da Previdência só seria pautada quando houvesse certeza de aprovação, mas mesmo depois de dois meses de articulações intensas, mudanças no ministério e o perdão de dívidas dos deputados da base que se posicionaram contra o governo na segunda denúncia, esse número não foi alcançado e nada indica que virá a sê-lo em fevereiro, já que as dificuldades aumentam conforme as eleições se aproximam ― em anos eleitorais, os políticos fazem o possível e o impossível para não desagradar seus eleitores.

Mesmo assim, sua insolência se diz pronta para o que vier em seu derradeiro ano no cargo. É bom seja assim: a batalha pelas mudanças na Previdência promete, e dela dependem o futuro do governo e o objetivo do governante de entrar para a história como um presidente reformista.

Mais uma vez, desejo a todos um feliz 2018.

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domingo, 22 de outubro de 2023

O IMPEACHMENT E UM POUCO DE HISTÓRIA


Velhos vícios são inimigos acastelados que só a morte pode expurgar. O Partido dos Trabalhadores — fundado em 1980 com o fito de fazer política sem roubar nem deixar roubar — começou a chamar o impeachment de Dilma de "golpe" antes mesmo de o deputado Eduardo Cunha, então presidente da Câmara Federal, dar seguimento ao pedido. Passados sete anos, Lula e seus acólitos voltaram à carga

No final de agosto, o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-condenado) trombeteou que é preciso buscar uma forma de reparar a injustiça sofrida por sua pupila em 2016. A ideia — que ganhou coro com a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann — é fazer uma devolução simbólica do mandato a Dilma, a inigualável, como o Congresso fez em 2013 com João Goulart (que foi destituído pelo golpe de 64). 

A patuleia diz que a gerentona de araque foi inocentada pelo TRF-1 das "pedaladas fiscais", mas o que o tribunal fez foi manter (por 3 votos a 0) o arquivamento da ação de improbidade administrativa sem resolução de mérito. A despeito as alegações de Lula et caterva de que a "companheira" foi julgada por "uma coisa que não aconteceu", sua deposição foi bem fundamentada juridicamente e chancelada pelo STF. Golpe foi a maracutaia urdida pelo PT e apoiada por Renan Calheiros e Ricardo Lewandowski  que então presidiam, respectivamente, o Senado e d Supremo  para evitar a cassação dos direitos políticos da ré. 

O processo de responsabilização e destituição de um Presidente da República por crime de responsabilidade é previsto na Constituição Cidadã, que, em seu artigo 52, dispõe que "cabe ao Senado Federal processar e julgar o presidente e o vice-presidente da República por crimes de responsabilidade", e que a condenação resulta na "perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública". 

Mesmo assim, Dilma não perdeu os direitos políticos — ao contrário de Collor, impichado em 1992. que ficou inelegível por 8 anos a despeito de ter apresentado sua carta-renúncia horas antes do julgamento, como se fosse possível condenar alguém à perda do cargo depois de esse alguém ter renunciado.

ObservaçãoO sequestro das poupanças e o envolvimento no esquema PC minaram o relacionamento de Collor com todas as classes braseiras. Eleito pelo minúsculo PRN, o "Rei Sol" dependia vitalmente do apoio de outros partidos para governar, e nunca conquistou uma base sólida. Já o vampiro do Jaburu, que foi às cordas quando veio à tona suas conversas nada republicanas com Joesley Batista, comprou no atacado os votos das marafonas doa Câmara e chegou ao final de seu mandato, ainda que como um patético pato manco.
 
Dilma negou os desvios ocorridos na Petrobras, mesmo tendo presidido o Conselho de Administração da estatal e atuado como ministra-chefe da Casa Civil e ministra de Minas e Energia antes de ser alçada ao Planalto. E ainda manteve Graça Foster no comando da petrolífera de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015. “Foi sob a gestão de Graça que parte do 'saque' à Petrobras foi realizado", ressaltou o jurista Ives Gandra da Silva Martins. 
Os juristas que protocolaram o pedido de impedimento em desfavor da petista argumentaram que ela agiu como se não soubesse das irregularidades na Petrobras. 

Dilma foi penabundada mediante um processo constitucional e teve amplo direito de defesa. Foi condenada porque os parlamentares entenderam houve crimes de responsabilidade. Afirmar que ela não tinha ciência do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários e das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é fazer pouco caso da inteligência de quem tem ao menos dois neurônios funcionais.
 
Dilma nunca foi política nem demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que quebrou duas lojinhas de badulaques importados do Panamá em apenas 17 meses — e isso quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Só foi escolhida por Lula para manter aquecida a poltrona presidencial até ele poder voltar a ocupá-la porque José Dirceu e outras estrelas do alto escalão do PT estavam no xadrez — e porque o palanque ambulante convertido em camelô de empreiteiro não teve peito para levar adiante o "golpe via emenda constitucional" que lhe garantiria um terceiro mandato. 

Mas a criatura tomou gosto pelo poder e "fez o diabo" para se reeleger, destruindo o pouco que se aproveitava da obra do criador. Ela contou com os serviços de marqueteiros de primeiríssimo time, como João Santana e sua mulher, Mônica Moura — presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento da fiança de R$ 31,4 milhões — e dispôs de recursos milionários oriundos do propinoduto da Petrobras, que lhe permitiram tirar Marina Silva do páreo no primeiro turno e derrotar o José Serra no segundo. 

Observação: Marina voltou a disputar a Presidência em 2014, primeiro como vice de Eduardo Campos (o partido que ela havia fundado no ano anterior não conseguiu registro junto à Justiça Eleitoral a tempo de disputar o pleito) e depois como titular, devido à morte de Campos num acidente que continua alimentando teorias conspiratórias. Com essa reviravolta, a ex-doméstica, ex-seringueira e ex-ministra chegou a ser cotada para disputar o segundo turno contra Aécio Neves, mas foi tirada do páreo por Dilma, embora tenha obtido 2 milhões de votos a mais que em 2010.
 
Após derrotar Aécio por uma vantagem de 3.46 milhões de votos válidos, o "poste" de Lula pariu a maior crise econômica da história deste país. Em sua fase mais delirante, desfilava com bolsas das grifes Hermès e Vuitton e degustava pratos sofisticadas, vinhos caríssimos, bombons ChocopologieUS$ 250 a unidade de 42 g — e chocolates Delafee recobertos de fios de ouro 24K. Quando estava de dieta, ela mordia um pedacinho do chocolate e descartava o resto na lixeira

Em viagens ao exterior, a versão tupiniquim da Rainha Má se hospedava nos melhores hotéis e frequentava os mais finos restaurantes. Durante uma visita à Califórnia, torrou US$ 100 mil só com aluguel de carros — foram contratados 25 motoristas para levar a comitiva brasileira de lá para cá a bordo de limusines, vans, ônibus e até um caminhão. A visita durou apenas único dia, mas o contribuinte brasileiro arcou com o custo da circulação da frota inteira durante duas semanas. Para completar a comédia, o governo só pagou a locadora porque depois de ser ameaçado de cobrança judicial nos EUA.
 
No Brasil, o presidente da República é um gigante de pés de barro, já que depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias e do dinheiro das empresas para governar. Em vez de mandar no sentido absolutista, nosso mandatário é mandado. Os que tiveram capacidade política e diplomática terminaram seus mandatos, mas Dilma nunca teve essas qualidades e, pior, sempre se cercou de assessores tão ou mais mal preparados do que ela própria (caso de Erenice GuerraGleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante, para ficar somente nos mais notórios). 

Tanto Fernando Henrique quanto o proprio Lula semearam alianças com grandes legendas, mas Dilma e seus ineptos negociadores as deixaram morrer  não à toa, a debacle da gestão da gerentona de araque ganhou força quando a aliança com o PMDB definhou.

O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. Negociações entre Executivo e Legislativo acontecem na maioria das democracias, mas a maneira como são feitas no Brasil é absolutamente delirante. Nossa Constituição é claramente parlamentarista, mas a adoção do parlamentarismo foi rejeitada pelo esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim no plebiscito de 1993, o que enfunou as velas do presidencialismo de cooptação. E deu no que está dando. 

Inexiste nesta republiqueta de bananas o princípio da responsabilidade. Quando não chantageia o Executivo, o Congresso Nacional é subserviente a ele. E isso vem acontecendo desde o "suicídio" de Getúlio Vargas.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (DÉCIMA TERCEIRA PARTE)

 

O inferno astral que atormentou Dilma na Presidência foi gestado pela própria Dilma, não com as pedaladas fiscais — operações orçamentárias não previstas na legislação, que consistem em atrasar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar momentaneamente a situação fiscal do governo — e os decretos de suplementação orçamentária — autorizações de aumento de gastos sem prévio aval do Congresso —, mas pelo "conjunto de sua obra", que deu azo à maior crise econômica e política da história recente deste país — e que o atual chefe do Executivo se esmerou em acentuar, mas isso é outra conversa.


Na avaliação dos esquerdopatas, Dilma não cometeu crime nenhum, apenas fez o que outros haviam feito antes dela 
 e nem por isso foram cassados, apedrejados ou crucificados. Assim, a "chefa" teria sido vítima de um "golpe" orquestrado por adversários não se conformaram com o resultado das urnas e, entre outras supostas e absurdas razões, pelo fato de ela ser mulher. Tudo isso é ridículo, naturalmente, e chamar esse episódio de "golpe" significa chamar de "golpistas" os deputados, os senadores, o então vice-presidente Michel Temer e o ministro Ricardo Lewandowski (que participou do julgamento de impeachment na qualidade de presidente do STF). 


Uma parcela substantiva dessa falácia é verdadeira. Temer atuou como "eminência parda", os parlamentares foram oportunistas e Lewandowski rasgou a Constituição ao fatiar o julgamento para evitar que a anta sacripanta fosse inabilitada politicamente, como veremos melhor mais adiante. Fato é que, para a militância petista, useira e vezeira em distorcer os fatos, Dilma não foi responsável pela encrenca em que se meteu. A culpa foi do vampiro do Jaburu, que estava de olho no trono, e de Eduardo Cunha, que deu andamento ao processo de impedimento (coisa que nem Rodrigo Maia nem Arthur Lira fizeram com os pedidos de impeachment em desfavor de Jair Bolsonaro, mas isso é outra história). 

 

Temer nega, mas os fatos o desmentem. Foram ele e o então presidente da Câmara que articularam a deposição da nefelibata da mandioca. No livro "Tchau, Querida: O Diário do Impeachment", o ex-deputado ex-presidiário cita o fim de agosto de 2015 como marco da entrada de Temer nas negociações do impeachment e afirma que o vice se tornou "líder do processo" quando deixou o posto de articulador político do governo, no dia 24 daquele mês. 


Cunha relata ainda que discutia, em nome do Nosferatu da Esplanada, a distribuição de cargos no futuro governo antes mesmo do início do processo. "Temer se colocou como presidente, fazendo campanha para uma eleição congressual, em que todos sabiam o que ganhariam antes de votar; nada foi de graça", afirmou o ex-deputado que, segundo ele próprio, discutiu o impeachment em agosto com dirigentes do PP e do PL — partidos do Centrão que faziam parte da base aliada de Dilma e que só desembarcaram do governo no ano seguinte. Mas isso também é assunto para uma próxima vez.

 

Tramoias à parte, Temer subiu de posto em obediência aos ditames da Constituição, num trâmite acompanhado e avalizado pelo STF. É evidente que ele premeditou sua ascensão, mas isso faz do jogo da política — e política raramente combina com lealdade.


Observação: O impeachment é um processo eminentemente político, pois o julgamento fica a cargo dos deputados federais, numa primeira instância, e dos senadores da República na etapa final. Ao presidente do Supremo, que participa do julgamento, compete somente garantir que os trâmites legais sejam seguidos. 


Lewandowski, então presidente do STF, urdiu com Renan Caleiros, então presidente do Congresso, o fatiamento do julgamento, visando evitar que Dilma tivesse os direitos políticos suspensos pelos oito anos seguintes. Realizar a votação em duas etapas, como se a deposição e a inabilitação política fossem duas penas separadas, foi mais "jabuticaba jurídica" por um membro da nossa mais alta corte (detalhes nesta postagem). Aliás, quatro meses depois dessa teratologia, o STF afastou Calheiros da presidência do Congresso sem lhe cassar o mandato parlamentar, numa decisão meia-boca que serviu para tirá-lo da linha sucessória presidencial quando ele se tornou réu por peculato. Mas isso também é outra conversa. 

 

Observação: Lewandowski ganhou toga e gabinete no STF por influência da matriarca da Famiglia Lula da Silva. Vizinha da mãe mão do dito-cujo em São Bernardo do Campo, a então primeira-dama vivia tecendo elogios ao advogado estudioso, inteligente e muito capaz. Assim que apareceu uma toga sem dono, Lula o indicou para a cadeira deixada pelo ministro Carlos Velloso — e não teve do que se arrepender: durante o julgamento do Mensalão, Lewandowski atuou mais como advogado de defesa da petralhada que como julgador imparcial.

 

Estranha no ninho dos políticos, Dilma demonstrou uma inabilidade a toda prova na condução do governo e das contas públicas. As tais pedaladas etc. foram o pretexto que a ocasião providenciou para apear a Bruxa Má do trono. Mas isso não significa que houve um "golpe", por mais que tenha havido casuísmo na instauração do processo. Primeiro, porque Dilma socou o país até jogá-lo nas cordas da crise; segundo, porque ela sempre foi pedante e arrogante; terceiro, porque jamais teve jogo de cintura no trato com os parlamentares. 


Na patética "carta aos senadores e à nação", a versão tupiniquim da Rainha de Copas de Lewis Carroll insistia em protestar inocência e posar de injustiçada. Melhor faria se reconhecesse sua incompetência e renunciasse. No prefácio que escreveu num livro cujo nome ora me foge à memória, Edmar Bacha citou uma frase atribuída a Orestes Quércia ("Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor") e sugeriu que Dilma a adaptasse ("Quebrei o País, mas me reelegi presidente"), mas seria preciso acrescentar: “E depois fui demitida”.

 

Na história desta republiqueta de bananas, "muitos presidentes foram eleitos para ser depostos", como relembrou o macróbio José Sarney numa entrevista a Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o penúltimo coronel da política de cabresto nordestina entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta: seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello, e em agosto de 2016, quando Dilma foi julgada, considerada culpada e devidamente apeada do cargo. Mas os dois casos guardam dessemelhanças curiosas. Vamos a elas.

 

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia e por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes de ser julgado pelo Senado, o caçador de marajás de araque, sabedor de que a perda do cargo era inevitável, apresentou sua renúncia para preservar ao menos os direitos políticos. E mesmo assim foi condenado (por 76 votos a 3) e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade, como determina a legislação que regulamenta o assunto


Curiosamente, a observância dos ditames legais não foi tão rígida no julgamento final do impeachment de Dilma: graças a uma trama urdida pelos então presidentes do Legislativo e do Judiciário, a estocadora de vento, mesmo condenada e apeada do cargo, manteve seus direitos políticos, embora o artigo 52 da Constituição determine a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (o grifo é meu). 

 

Como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, o rigor da Lei".

 

Continua...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

ENTRE GOLPES, IMPEACHMENTS, VAMPIROS E CORUJAS EMPALHADAS

 

Na postagem de sexta-feira eu comentei que Doria havia programado para o dia do aniversário da cidade de São Paulo — segunda-feira passada — um evento destinado a promover a CoronaVac e incentivar a população a se imunizar. 

O governador convidou todos os ex-presidentes que ainda caminham entre os vivos, mas apenas o macróbios compareceram — Fernando Henrique (89), de corpo presente; José Sarney (90 anos), e Michel Temer (80) remotamente. Os menos vetustos Collor (71), Lula (75) e Dilma (73) declinaram do convite.

Segundo José Simão, Sarney parecia uma coruja empalhada que escapou da gripe espanhola. Como é imortal, o eterno donatário da Capitania do Maranhão não precisa se imunizar — a vacina dele é a “FormolVac”, produzida no Egito. Temer, que é vampirão, não quer vacina, quer sangue — a vacina dele é a SangueVacDoria mandou um recado ao capitão-cloroquina pronunciando cada palavra com que em Caps Lock: BOLSONARO, EU SALVO VIDAS. A vacina do tucano, segundo Simão, é a CashmereVac.


Mudando de assunto, a última pesquisa Datafolha atestou que 40% dos brasileiros consideram Bolsonaro ruim ou péssimo (ante 32% no mês passado). Com isso, o capitão-cloroquina passa a ser dono da segunda pior avaliação entre todos os presidentes eleitos desde a redemocratização, atrás apenas de Collor (48%). 

Perguntados sobre o impeachment, 53% do entrevistados disseram-se contrários à abertura do processo, mas os resultados de uma enquete promovida pelo Atlas Político (que deu uma surra nos demais institutos de pesquisa no ano passado) apontam outro cenário: 53,% da população tupiniquim são a favor do impeachment e 41,5% contra.

Em meio à polarização político-ideológica que assola o país, pesquisas, avaliações, opiniões e previsões devem ser recebidas com alguma reserva. O fanatismo emburrece e a burrice cega, levando as pessoas a acreditar no que querem e ver as coisas como gostariam que fossem. Os devotos de S. Lula, o podre, acreditarão ad aeternum na inocência do picareta, a despeito de ele ter sido condenado em dois processos (em três e duas instâncias, respectivamente) e ser réu em mais meia dúzia de ações criminais.

Voltando ao morubixaba de turno, a atuação desastrosa do governo no enfrentamento da pandemia pode ter consequências. Lideranças do Congresso, ex-presidentes da República e até ministros do STF vêm discutindo nos bastidores o impedimento do alienado (ou a cassação da chapa pela qual ele e Mourão se elegeram, o que mataria dois coelhos com um paulada só). 

O movimento pró-impeachment surgiu primeiro em partidos de esquerda e na sociedade civil, mas logo se espraiou, inclusive entre grupos de direita que saíram às ruas para pedir a cabeça de Dilma em 2016. A Folha listou 23 situações que podem embasar uma acusação de crime de responsabilidade contra Bolsonaro, mas Rodrigo Maia dizia ver erros, mas não crimes no procedimento do presidente, e mantinha seu avantajado buzanfã sobre cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment. 

Quando o STF decidiu que os presidentes da Câmara e do Senado não poderiam disputar um segundo mandato dentro da mesma legislatura, Maia subiu o tom nos ataques  ao capitão. A uma semana de deixar o posto, o deputado diz que a discussão sobre o impeachment será inevitável, mas achou por bem deixar o abacaxi dos pedidos de abertura processo para seu sucessor descascar. Na política, o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã. E vice-versa.

Bolsonaro apoia Arthur Lira para a presidência da Câmara (falaremos da capivara do deputado alagoano numa próxima postagem) e Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado (o mesmo candidato apoiado pelo PT). O Psol, “pensando no bem comum”, lançou a "empolgante" candidatura da antediluviana Luiza Erundina, reduzindo a competitividade do desnorteado e combalido movimento oposicionista que sustenta a candidatura do deputado Baleia Rossi.

A despeito de todas as peculiaridade do desgoverno em curso — que é tão nefasto quanto o de Dilma, mas temperado com pitadas de crueldade —, a cantilena dos demais Poderes continua a mesma: as instituições são sólidas, as ameaças à democracia são retóricas, não há motivos para preocupação. Ledo engano. O Supremo, sem Celso de Mello — de quem eu jamais pensei que fosse sentir falta — e com Gilmar Mendes ditando as regras e exigindo obediência dos pares, empurra com a barriga decisões que possam causar desconforto para sua alteza irreal e os príncipes merdeiros.

Bolsonaro flerta com o golpismo desde sempre, com comprova a escolha do sucessor Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública — uma das personalidades mais patéticas do anedotário contemporâneo, que confunde “segurança nacional” com a “honra” de um presidente que estimula o desrespeito à ciência, menospreza a pandemia e chama o povo de maricas

O boicote do capitão-decepção à vacinação terá efeito direto na recuperação da economia. O cenário mais provável é que menos de 80 milhões de brasileiros tenham sido imunizados até o final do ano, o que aumenta as chances de novas medidas restritivas ao funcionamento das empresas e do comércio para evitar o colapso do sistema de Saúde. E o que fazem a respeito o suserano e seu vassalo? Insistem no negacionismo, receitam cloroquina e, pegos com as calças na mão e as cuecas manchadas de batom, mentem deslavadamente.

Simone Tebet, candidata à presidência do Senado, diz que ainda não há força suficiente, nas ruas ou na Câmara, para um processo essencialmente político, como é o caso do impeachment, avançar. Até mesmo opositores do presidente vão nessa mesma linha, ou acham que o Centrão vai barrar o impeachment, o que acirrará a polarização e terá consequências nefastas para o país.

Nada mais natural que a campanha pelo pé na bunda do trevoso comece pequena. A despeito do vulto das manifestações de 2013 — que eclodiram para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público, mas foram adquirindo uma pauta diversa, ganhando corpo e revelando uma insatisfação com a classe política —, Dilma, a insuperável, se reelegeu em 2014 e só foi expelida em 2016.

Há quem considere junho de 2013 um mês que não terminou, que dialoga diretamente com a crise econômica e política vivida hoje pelo país. Mas isso é outra conversa. Fato é que a campanha pelo impeachment não está tão pequena assim. Embora Bolsonaro tenha ironizado as carreatas (com um sorrisinho amarelo), dizendo que “só tinha 10 carros", protestos semelhantes ocorreram país afora no sábado e no domingo (obviamente, o presidente não fez referência a eles). E carretas em dois dias seguidos, bandeiras vermelhas e verde-amarelas, gente de esquerda e de direita… e a carreata da direita saiu da Barra da Tijuca, o bairro mais bolsonarista do Rio de Janeiro, onde moram Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro...

A ideia de que o Centrão vai barrar o impeachment é um engano. Esse bloco fisiologista e venal de marafonas congressista faz o que é bom para si mesmo. Hoje, bom para o Centrão é apoiar o capitão; se amanhã o vento mudar e o impeachment pegar fogo, os ratos abanarão o navio, deixarão o capitão na mão. Nós já vimos esse filme numa versão em que Dilma foi protagonista. E ainda que o impeachment seja derrotado, a pressão servirá ao menos para manter Bolsonaro na defensiva, minimizando seu potencial de causar (ainda mais danos) ao país. 

Dito isso, “passo a palavra” a Ricardo Rangel:

Supondo que não haja impeachment até lá, enfrentaremos uma encruzilhada em 2022. Se Bolsonaro vencer, estará renovado o mandato do pior presidente da história; se perder, o caminho será o golpe — e o roteiro está à vista de todos:

1. Bolsonaro questiona constantemente, sem fundamento, a lisura do processo eleitoral. Se perder, mentirá que a vitória lhe foi roubada e convocará seus apoiadores a “resistir” e tomar o poder na marra.

2. A máquina de fake news bolsonarista faz esforço incansável para desacreditar a imprensa, de modo que o eleitorado duvide quando ela denunciar que Bolsonaro mente.

3. Bolsonaro luta para controlar o Congresso em busca de meios com que barrar os esforços para impedir o golpe vindouro.

4. O presidente fez um “liberou geral” para a compra de armas: de 2019 para 2020, a venda mais do que dobrou. Quem está comprando não são cidadãos moderados e cumpridores da lei: é a extrema direita apoiadora de Bolsonaro.

5. Bolsonaro seduz constantemente as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros (dos quais vêm as milícias, que o presidente sempre defendeu), onde conta com forte apoio, inclusive nas patentes mais altas. Apoia um projeto de lei para reduzir o controle dos governadores sobre as PMs e criar para elas patentes de oficiais generais: se aprovada, tal lei dará aos comandantes grande autonomia, ao mesmo tempo que fará com que sintam gratidão eterna a Bolsonaro. No ano passado, ele estimulou o motim da PM no Ceará.

6. O presidente seduz também as Forças Armadas (onde não tem tanto prestígio): se conseguir uma quebra na hierarquia suficiente para que o Exército não reprima motins das PMs, isso basta.

É sedutora a tese de que nossas instituições são fortes, de que uma tentativa de golpe não terá sucesso, de que Bolsonaro não seria louco de tentar uma loucura dessas. Sedutora e equivocada. Nossas instituições são menos fortes do que gostamos de imaginar: ao contrário dos EUA, que barrou o golpe de Trump, nossa tradição não é liberal e democrática, mas corrupta e autoritária. E, mesmo que seja uma loucura, isso não significa que Bolsonaro — homem despótico, desprovido de senso crítico e com traços de paranoia — não vá tentar o golpe. Até porque sua alternativa é voltar para a planície e assistir placidamente à evolução de processos penais contra seus filhos e, possivelmente, contra ele mesmo.

Se tentar o golpe, mesmo que fracasse, Bolsonaro causará enorme dano ao país. É preciso impedi-lo, e a hora de se mexer é já. O Congresso deve eleger presidentes da Câmara e do Senado sem vínculo com Bolsonaro, repudiar a lei das PMs, criar legislação contra fake news (não é simples, admita-se) e restringir o comércio de armas. PF e Exército devem unificar e melhorar o controle de armas. O Supremo deve concluir o inquérito das fake news e punir os responsáveis. O TSE deve publicar o algoritmo das urnas eletrônicas. Governadores e comandantes das Forças Armadas devem purgar bolsonaristas radicais das tropas. 

Não tomar tais providências é cortejar o desastre no ano que vem.