UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
domingo, 26 de julho de 2020
UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 2
sexta-feira, 22 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PRIMEIRA PARTE
Após se reabilitar politicamente, Collor disputou
o governo de Alagoas e foi derrotado por Reinaldo Lessa. Em 2006, elegeu-se
senador (meus respeitos ao esclarecidíssimo eleitorado alagoano); em 2010,
tornou a disputar e perder o governo estadual, mas logrou renovar seu mandato
de senador em 2014. Em 2017, o "Rei Sol" (como Collor é
chamado por seus puxa-sacos) foi denunciado por peculato e entrou para o rol
dos investigados da Lava-Jato (alvo de pelo menos seis inquéritos, todos
relacionados ao escândalo do Petrolão).
Vale destacar que o
assassinato de PC Farias — coordenador e tesoureiro de campanha, amigo
de fé, irmão e camarada do caçador de marajás de araque — ainda suscita um
sem-número de teorias conspiratórias em que o motivo do crime foi a assim
chamada "queima de arquivo" (a exemplo dos assassinatos não
esclarecidos de
Celso Daniel e do Toninho do PT, nos quais a merda era a mesma, só
mudaram as moscas).
Collor é freguês de carteirinha do Supremo
e representativo da demora da Justiça que processa e julga parlamentares
com foro privilegiado. Em 2014, durante sessão que o absolveu dos crimes
de corrupção supostamente cometidos durante a presidência desse senhor, a
ministra Carmem Lúcia mencionou que ele já havia sido alvo
de 14 inquéritos e quatro ações penais, e absolvido em todos "por
falta de provas".
Observação: Considerando que Lula foi
condenado a mais de 15 anos de cadeia por dez magistrados de três instâncias do
Judiciário — isso sem mencionar os inúmeros pedidos de habeas corpus que foram
rejeitados pelo próprio STF — e transformado em "ex-corrupto"
por uma decisão teratológica de nossa suprema corte, que se valeu de uma
tecnicidade para anular as condenações e jogar no lixo provas, depoimentos e
demais atos processuais envolvendo os processos contra o petralha, só nos resta
dizer que, como instituição, o STF merece nosso respeito, mas seus integrantes...
bem, é melhor deixar pra lá.
Em entrevistas concedidas ao jornal O Globo e à revista
Veja no ano passado, o ex-mandatário que inaugurou a lista dos presidentes impichados
da Nova República acusou o mandatário de turno (que já deveria fazer
parte dessa mui seleta confraria) de cometer os mesmo erros que ele
próprio cometeu 30 anos antes, e previu que o atual governo terá um
final tão funesto quanto o dele. Mas sua profecia de botequim só terá
chances reais de se realizar quando e se o capitão-negação (que de burro não
tem nada) o vassalo passador-de-pano-geral da República e o deputado-réu que preside
a Câmara deixarem de ser coniventes e de lhe darem cobertura. Mas isso é
conversa para outra hora.
Depois que Collor foi devidamente penabundado (em
dezembro de 1992), Itamar Franco, que havia assumido interinamente a Presidência
três meses antes, quando o caçador de marajás de araque foi afastado, foi
promovido de vice a titular. Vale a pena conferir alguns detalhes da história
do ex-presidente que o professor e historiador Marco Antonio Villa considera
o melhor de toda a Nova República.
Itamar nasceu no dia 28 de junho de 1930 a bordo de
um navio de cabotagem que fazia a rota Salvador/Rio de Janeiro e foi registrado
na capital baiana, de onde se mudou ainda criança para Juiz de Fora (MG), terra
natal do pai que ele não chegou a conhecer. Depois de se formar engenheiro civil
e eletrotécnico, o baianeiro ingressou na política pelo PTB,
filiou-se ao MDB,
prefeitou Juiz de Fora por dois mandatos e foi senador por MG de 1975 a 1990, quando então disputou a
vice-presidente da República na chapa encabeçada por Collor.
Itamar é lembrado pelo gosto por carros ultrapassados
— ele convenceu a Volkswagen do Brasil a retomar
a fabricação do jurássico fusca — e mulheres ousadas. Depois de se
divorciar da jornalista Anna Elisa Surerus, em 1978, ele passou a ser
visto sempre em companhia de mulheres mais jovens. O clímax se deu no carnaval
de 1994, quando foi fotografado no Sambódromo do Rio de Janeiro ao lado da
modelo Lilian Ramos, que
não estava usando calcinha. Mas foi durante seu governo que FHC
e sua equipe criaram o Plano Real — o único
pacote de medidas econômicas que teve sucesso duradouro no combate à
hiperinflação. Vale lembrar também que Itamar herdou de Collor um
abacaxi difícil de descascar: quando assumiu a presidência, o Brasil vivia um
período conturbado, com uma inflação de 80% ao mês.
Observação: Quando o real passou a valer, sua
paridade com o dólar era de 1 para 1, e a partir daí a abertura comercial e a
manutenção do câmbio valorizado mantiveram a inflação sob controle. Como efeito
colateral, as importações foram muito estimuladas e impediram que as empresas
nacionais aumentassem seus preços, até porque isso tornaria a concorrência
impossível. O Plano sofreu com crises posteriores, especialmente externas, mas
o fato é que a inflação se manteve dentro de níveis aceitáveis. Em 1999, o
Banco Central criou o regime de metas para a inflação, a Selic passou
a ser a âncora monetária e o câmbio, flutuante. Em alguns momentos, temeu-se a
volta da inflação, mas a estabilidade da moeda resistiu e o país nunca mais
passou perto do índice hiperinflacionário de 2708%, alcançado em
1993.
Como o bom mineiro que não era, o político baianeiro buscou apoio
nos partidos políticos e procurou atender aos anseios da população. Sua equipe
de governo era composta majoritariamente por mineiros — daí a alcunha de "República
do Pão de Queijo". Apesar das inúmeras dificuldades, o PIB cresceu
10% e a renda per capita, 6,78%. Quando Itamar assumiu a Presidência, a
inflação anual era de 1191,09%; quando transferiu a faixa para seu sucessor, o
índice havia recuado para 916,43%. Mas há quem diga que ele só escapou da
degola porque nomeou FHC ministro da Fazenda (e primeiro-ministro
informal), transformando a si mesmo numa patética figura decorativa.
Após deixar a Presidência, Itamar foi embaixador em
Portugal e em Washington (na OEA).
Retornou ao Brasil em 1988 para disputar o governo de Minas Gerais. Eleito,
governou o Estado até 2002. No ano seguinte, ganhou o posto de embaixador na
Itália, onde permaneceu até 2005. De volta ao Brasil, presidiu o Conselho de
Administração do BDMG de 2007
a 2010. No ano seguinte, assumiu seu terceiro mandato de Senador, mas se afastou
do cargo em maio, devido a uma leucemia, e morreu menos de dois meses depois, vítima
de um AVC. Seu corpo foi velado na Câmara Municipal de Juiz de Fora e no
Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte. Após a cremação, as cinzas foram
depositadas no jazido da família no Cemitério Municipal de Juiz de Fora.
Continua...
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
CIRURGIA DE BOLSONARO E O BRASIL DAS PERGUNTAS SEM RESPOSTA
Resta saber o que será feito em relação ao igualmente estapafúrdio decreto assinado pelo general Hamilton Mourão durante a viagem de Bolsonaro a Davos. Afinal, permitir que servidores comissionados classifiquem dados públicos como sigilosos amplia o número de pessoas que podem pedir sigilo e limita o acesso à informação. Aliás, a lei de acesso à informação, sancionada pela ex-presidanta Dilma em 2011, foi um dos poucos pontos positivos de sua desditosa gestão; que isso não seja mudado, agora, por um governo que se elegeu batendo o bumbo do combate à corrupção.
Falando na patuleia imprestável, relembro que, durante a campanha, Bolsonaro foi duramente criticado por não ter participado dos debates. Mas somente quem já usou uma bolsa de colostomia sabe os transtornos que a situação gera, inclusive do ponto de vista psicológico. Muitos dos que condenaram o condenam por ter faltado aos debates já faltaram ao trabalho devido a uma simples dor de garganta, mas pimenta no rabo alheio é refresco. Ou, como dizia Lenin: "O ódio é a base do comunismo; as crianças devem ser ensinadas a odiar seus pais se eles não são comunistas".
Collor só foi atingido diretamente pelas denúncias em 24 de maio de 1992, depois que seu irmão Pedro o acusou publicamente de manter uma sociedade com PC Farias, que seria seu testa-de-ferro nos negócios. A PF instaurou um inquérito e a PGR determinou a apuração dos crimes atribuídos ao chefe na nação, a sua superministra Zélia Cardoso de Mello, ao pau-pra-toda-obra PC Farias e ao piloto de avião Jorge Bandeira de Melo, acusado de intermediar a liberação de verbas no Ministério da Ação Social.
Guardadas as devidas proporções, Zélia era uma espécie de Dilma, mas em edição melhorada, até porque nada supera a nefelibata da mandioca como calamidade em forma de gente. A ministra foi a mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros, teve um escandaloso affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi (que segundo o folclore paraense se metamorfoseia à noite num homem dançador, bebedor, galante e sedutor que encanta as caboclas ribeirinhas —, acabou se casando com Chico Anysio, que passou a ser conhecido como “o humorista que casou com a piada”.
Em agosto de 1992 o relatório final da CPI (instaurada a pedido do PT) apontou as ligações de Collor com o esquema de corrupção. Estimava-se então que US$ 6,5 milhões foram desviados para bancar gastos pessoais do presidente, o que é dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e seus acólitos roubaram no Mensalão e no Petrolão. Mas aí vieram as famosas manifestações dos “caras-pintadas”, em apoio ao pedido de impeachment assinado pelo presidentes da Associação Brasileira de Imprensa e da Ordem dos Advogados do Brasil. Collor renunciou às vésperas do julgamento (que ocorreu em 29 de dezembro de 1992), visando preservar seus direitos políticos, mas foi condenado por 441 dos 480 deputados presentes e, como manda a Lei, tornou-se inelegível por oito anos.
Indiciado em 41 inquéritos criminais, PC Farias teve sua prisão decretada, mas fugiu no Morcego Negro, pilotado por Jorge Bandeira de Mello. Depois de várias escalas, desapareceu em Buenos Aires e só reapareceu quatro meses mais tarde, em Londres — 11 quilos mais magro e sem seus famosos bifocais. Enquanto se discutia sua extradição, o fujão tornou a fugir, mas foi capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu andando pelas ruas de Bangcoc, na Tailândia. Foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Cumpriu um terço da pena e, seis meses depois de obter liberdade condicional, foi assassinado, juntamente com a namorada Suzana Marcolino, em circunstâncias jamais esclarecidas, mas que sugerem claramente “queima de arquivo”.
A tese de homicídio seguido de suicídio foi endossada pelo legista Badan Palhares, mas desmontada por uma série de reportagens da Folha. Segundo o jornal, Suzana era mais baixa que PC, e a diferença de altura, associada à trajetória do tiro, inviabilizava a versão oficial (o próprio Palhares escrevera num artigo que, se a altura estivesse errada, seu laudo também estaria). Na avaliação do professor de medicina legal e coronel reformado da PM George Sanguinetti, um dos primeiros a contestar o suicídio, “passional não foi o crime, mas sim o inquérito”.
Os homicídios ocorreram na mansão de PC, numa praia de Maceió. Os corpos foram encontrados no dia 23 de junho de 1996 (com um tiro no peito de cada um), e ainda que a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu os tiros “porque era época de festas juninas”.
Amanhã voltamos ao imbróglio Flávio Bolsonaro. Até lá.
sábado, 17 de fevereiro de 2018
AINDA SOBRE O CIRCO DAS ELEIÇÕES 2018
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terça-feira, 2 de janeiro de 2018
O REI ESTÁ MORTO. VIVA O REI! ― OU: FOI-SE 2017; QUE 2018 SEJA MELHOR, E COM LULA LÁ (EM CANA)!
Pego com as calças, mas demovido da ideia de renunciar pelos puxa-sacos de plantão ― que perderiam o cargo e a prerrogativa de foro se o chefe deixasse o Planalto ―, Temer, num pronunciamento inflamado à nação, afirmou que a investigação no STF seria o território onde aflorariam as provas de sua inocência”. Mas a máscara de bom moço caiu quando Janot desfechou sua primeira flechada, expondo a verdadeira face do político da velha escola, que presidiu o PMDB por 15 anos e foi vice decorativo (mas conivente com os desmandos) da Rainha Bruxa do Castelo do Inferno de 2011 a maio de 2016. E a coisa ficou ainda pior com a segunda denuncia, que, além do presidente, atingiu os ex-deputados Eduardo Cunha, Rodrigo Rocha Loures e Henrique Alves, o ex-ministro Geddel Vieira Lima e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco, todos do PMDB.
Ao receber o presidente do Paraguai, por exemplo, Temer brindou a Portugal; na passagem pela Rússia e pela Noruega, colecionou uma lista de momentos esquecíveis: da partida, ao colocar em sua agenda que iria para a União Soviética, extinta há mais de vinte anos, até a volta, de mãos abanando, passando por uma menção a Harald V como o rei da Suécia, quando o monarca é norueguês. Para sua sorte, os depoimentos dos delatores da JBS/J&F caírem em descrédito depois que informações omitidas por eles no acordo de colaboração vieram à tona, mas isso não lhe permite avançar em seu projeto de legado reformista sem emplacar a reforma da Previdência, que se tornou seu “samba de uma nota só”.
Fato é que, em meio a tudo isso, Temer mudou de vez seu comportamento diante das investigações e dos órgãos de Justiça. Embora Nicolao Dino tenha sido mais votado que Raquel Dodge na eleição interna do MPF, seu nome foi preterido na sucessão do padrinho Rodrigo Janot. Em novembro, foi a vez da Polícia Federal: Leandro Daiello, que ficou sete anos no cargo e viu a Lava-Jato nascer, foi substituído por Fernando Segovia, que começou mal ao tentar minimizar, em seu discurso de posse, a importância dos fatos que respaldaram a primeira denúncia contra o presidente ― dizendo, dentre outras coisas, que “uma mala de dinheiro não prova nada”.
Conforme combinado com Rodrigo Maia, a votação da PEC da Previdência só seria pautada quando houvesse certeza de aprovação, mas mesmo depois de dois meses de articulações intensas, mudanças no ministério e o perdão de dívidas dos deputados da base que se posicionaram contra o governo na segunda denúncia, esse número não foi alcançado e nada indica que virá a sê-lo em fevereiro, já que as dificuldades aumentam conforme as eleições se aproximam ― em anos eleitorais, os políticos fazem o possível e o impossível para não desagradar seus eleitores.
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domingo, 22 de outubro de 2023
O IMPEACHMENT E UM POUCO DE HISTÓRIA
Dilma negou os desvios ocorridos na Petrobras, mesmo tendo presidido o Conselho de Administração da estatal e atuado como ministra-chefe da Casa Civil e ministra de Minas e Energia antes de ser alçada ao Planalto. E ainda manteve Graça Foster no comando da petrolífera de fevereiro de 2012 a fevereiro de 2015. “Foi sob a gestão de Graça que parte do 'saque' à Petrobras foi realizado", ressaltou o jurista Ives Gandra da Silva Martins. Os juristas que protocolaram o pedido de impedimento em desfavor da petista argumentaram que ela agiu como se não soubesse das irregularidades na Petrobras.
Dilma nunca foi política nem demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que quebrou duas lojinhas de badulaques importados do Panamá em apenas 17 meses — e isso quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Só foi escolhida por Lula para manter aquecida a poltrona presidencial até ele poder voltar a ocupá-la porque José Dirceu e outras estrelas do alto escalão do PT estavam no xadrez — e porque o palanque ambulante convertido em camelô de empreiteiro não teve peito para levar adiante o "golpe via emenda constitucional" que lhe garantiria um terceiro mandato.
Após derrotar Aécio por uma vantagem de 3.46 milhões de votos válidos, o "poste" de Lula pariu a maior crise econômica da história deste país. Em sua fase mais delirante, desfilava com bolsas das grifes Hermès e Vuitton e degustava pratos sofisticadas, vinhos caríssimos, bombons Chocopologie — US$ 250 a unidade de 42 g — e chocolates Delafee recobertos de fios de ouro 24K. Quando estava de dieta, ela mordia um pedacinho do chocolate e descartava o resto na lixeira.
No Brasil, o presidente da República é um gigante de pés de barro, já que depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias e do dinheiro das empresas para governar. Em vez de mandar no sentido absolutista, nosso mandatário é mandado. Os que tiveram capacidade política e diplomática terminaram seus mandatos, mas Dilma nunca teve essas qualidades e, pior, sempre se cercou de assessores tão ou mais mal preparados do que ela própria (caso de Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante, para ficar somente nos mais notórios).
sexta-feira, 5 de agosto de 2022
O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO (DÉCIMA TERCEIRA PARTE)
O inferno astral que atormentou Dilma na Presidência foi gestado pela própria Dilma, não com as pedaladas fiscais — operações orçamentárias não previstas na legislação, que consistem em atrasar o repasse de verba a bancos públicos e privados com a intenção de aliviar momentaneamente a situação fiscal do governo — e os decretos de suplementação orçamentária — autorizações de aumento de gastos sem prévio aval do Congresso —, mas pelo "conjunto de sua obra", que deu azo à maior crise econômica e política da história recente deste país — e que o atual chefe do Executivo se esmerou em acentuar, mas isso é outra conversa.
Na avaliação dos esquerdopatas, Dilma não cometeu crime nenhum, apenas fez o que outros haviam feito antes dela — e nem por isso foram cassados, apedrejados ou crucificados. Assim, a "chefa" teria sido vítima de um "golpe" orquestrado por adversários não se conformaram com o resultado das urnas e, entre outras supostas e absurdas razões, pelo fato de ela ser mulher. Tudo isso é ridículo, naturalmente, e chamar esse episódio de "golpe" significa chamar de "golpistas" os deputados, os senadores, o então vice-presidente Michel Temer e o ministro Ricardo Lewandowski (que participou do julgamento de impeachment na qualidade de presidente do STF).
Uma parcela substantiva dessa falácia é verdadeira. Temer atuou como "eminência parda", os parlamentares foram oportunistas e Lewandowski rasgou a Constituição ao fatiar o julgamento para evitar que a anta sacripanta fosse inabilitada politicamente, como veremos melhor mais adiante. Fato é que, para a militância petista, useira e vezeira em distorcer os fatos, Dilma não foi responsável pela encrenca em que se meteu. A culpa foi do vampiro do Jaburu, que estava de olho no trono, e de Eduardo Cunha, que deu andamento ao processo de impedimento (coisa que nem Rodrigo Maia nem Arthur Lira fizeram com os pedidos de impeachment em desfavor de Jair Bolsonaro, mas isso é outra história).
Temer nega, mas os fatos o desmentem. Foram ele e o então presidente da Câmara que articularam a deposição da nefelibata da mandioca. No livro "Tchau, Querida: O Diário do Impeachment", o ex-deputado ex-presidiário cita o fim de agosto de 2015 como marco da entrada de Temer nas negociações do impeachment e afirma que o vice se tornou "líder do processo" quando deixou o posto de articulador político do governo, no dia 24 daquele mês.
Cunha relata ainda que discutia, em nome do Nosferatu da Esplanada, a distribuição de cargos no futuro governo antes mesmo do início do processo. "Temer se colocou como presidente, fazendo campanha para uma eleição congressual, em que todos sabiam o que ganhariam antes de votar; nada foi de graça", afirmou o ex-deputado que, segundo ele próprio, discutiu o impeachment em agosto com dirigentes do PP e do PL — partidos do Centrão que faziam parte da base aliada de Dilma e que só desembarcaram do governo no ano seguinte. Mas isso também é assunto para uma próxima vez.
Tramoias à parte, Temer subiu de posto em obediência aos ditames da Constituição, num trâmite acompanhado e avalizado pelo STF. É evidente que ele premeditou sua ascensão, mas isso faz do jogo da política — e política raramente combina com lealdade.
Observação: O impeachment é um processo eminentemente político, pois o julgamento fica a cargo dos deputados federais, numa primeira instância, e dos senadores da República na etapa final. Ao presidente do Supremo, que participa do julgamento, compete somente garantir que os trâmites legais sejam seguidos.
Lewandowski, então presidente do STF, urdiu com Renan Caleiros, então presidente do Congresso, o fatiamento do julgamento, visando evitar que Dilma tivesse os direitos políticos suspensos pelos oito anos seguintes. Realizar a votação em duas etapas, como se a deposição e a inabilitação política fossem duas penas separadas, foi mais "jabuticaba jurídica" por um membro da nossa mais alta corte (detalhes nesta postagem). Aliás, quatro meses depois dessa teratologia, o STF afastou Calheiros da presidência do Congresso sem lhe cassar o mandato parlamentar, numa decisão meia-boca que serviu para tirá-lo da linha sucessória presidencial quando ele se tornou réu por peculato. Mas isso também é outra conversa.
Observação: Lewandowski ganhou toga e gabinete no STF por influência da matriarca da Famiglia Lula da Silva. Vizinha da mãe mão do dito-cujo em São Bernardo do Campo, a então primeira-dama vivia tecendo elogios ao advogado estudioso, inteligente e muito capaz. Assim que apareceu uma toga sem dono, Lula o indicou para a cadeira deixada pelo ministro Carlos Velloso — e não teve do que se arrepender: durante o julgamento do Mensalão, Lewandowski atuou mais como advogado de defesa da petralhada que como julgador imparcial.
Estranha no ninho dos políticos, Dilma demonstrou uma inabilidade a toda prova na condução do governo e das contas públicas. As tais pedaladas etc. foram o pretexto que a ocasião providenciou para apear a Bruxa Má do trono. Mas isso não significa que houve um "golpe", por mais que tenha havido casuísmo na instauração do processo. Primeiro, porque Dilma socou o país até jogá-lo nas cordas da crise; segundo, porque ela sempre foi pedante e arrogante; terceiro, porque jamais teve jogo de cintura no trato com os parlamentares.
Na patética "carta aos senadores e à nação", a versão tupiniquim da Rainha de Copas de Lewis Carroll insistia em protestar inocência e posar de injustiçada. Melhor faria se reconhecesse sua incompetência e renunciasse. No prefácio que escreveu num livro cujo nome ora me foge à memória, Edmar Bacha citou uma frase atribuída a Orestes Quércia ("Quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor") e sugeriu que Dilma a adaptasse ("Quebrei o País, mas me reelegi presidente"), mas seria preciso acrescentar: “E depois fui demitida”.
Na história desta republiqueta de bananas, "muitos presidentes foram eleitos para ser depostos", como relembrou o macróbio José Sarney numa entrevista a Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o penúltimo coronel da política de cabresto nordestina entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta: seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello, e em agosto de 2016, quando Dilma foi julgada, considerada culpada e devidamente apeada do cargo. Mas os dois casos guardam dessemelhanças curiosas. Vamos a elas.
Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia e por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes de ser julgado pelo Senado, o caçador de marajás de araque, sabedor de que a perda do cargo era inevitável, apresentou sua renúncia para preservar ao menos os direitos políticos. E mesmo assim foi condenado (por 76 votos a 3) e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade, como determina a legislação que regulamenta o assunto.
Curiosamente, a observância dos ditames legais não foi tão rígida no julgamento final do impeachment de Dilma: graças a uma trama urdida pelos então presidentes do Legislativo e do Judiciário, a estocadora de vento, mesmo condenada e apeada do cargo, manteve seus direitos políticos, embora o artigo 52 da Constituição determine a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis (o grifo é meu).
Como dizia Maquiavel, "aos amigos, os favores; aos inimigos, o rigor da Lei".
Continua...
quarta-feira, 27 de janeiro de 2021
ENTRE GOLPES, IMPEACHMENTS, VAMPIROS E CORUJAS EMPALHADAS
Na postagem de sexta-feira eu comentei que Doria havia programado para o dia do aniversário da cidade de São Paulo — segunda-feira passada — um evento destinado a promover a CoronaVac e incentivar a população a se imunizar.
Segundo José Simão, Sarney parecia uma coruja empalhada que escapou da gripe espanhola. Como é imortal, o eterno donatário da Capitania do Maranhão não precisa se imunizar — a vacina dele é a “FormolVac”, produzida no Egito. Temer, que é vampirão, não quer vacina, quer sangue — a vacina dele é a SangueVac. Doria mandou um recado ao capitão-cloroquina pronunciando cada palavra com que em Caps Lock: BOLSONARO, EU SALVO VIDAS. A vacina do tucano, segundo Simão, é a CashmereVac.
Mudando de assunto, a última pesquisa Datafolha atestou que 40% dos brasileiros consideram Bolsonaro ruim ou péssimo (ante 32% no mês passado). Com isso, o capitão-cloroquina passa a ser dono da segunda pior avaliação entre todos os presidentes eleitos desde a redemocratização, atrás apenas de Collor (48%).
Em meio à
polarização político-ideológica que assola o país, pesquisas, avaliações, opiniões
e previsões devem ser recebidas com alguma reserva. O fanatismo emburrece e a burrice cega,
levando as pessoas a acreditar no que querem e ver as coisas como gostariam que fossem. Os devotos de S. Lula,
o podre, acreditarão ad aeternum na inocência do picareta, a despeito de ele ter sido condenado em dois processos (em três e duas instâncias,
respectivamente) e ser réu em mais meia dúzia de ações criminais.
Voltando ao morubixaba de turno, a atuação desastrosa do governo no enfrentamento da pandemia pode ter consequências. Lideranças do Congresso, ex-presidentes da República e até ministros do STF vêm discutindo nos bastidores o impedimento do alienado (ou a cassação da chapa pela qual ele e Mourão se elegeram, o que mataria dois coelhos com um paulada só).
O movimento pró-impeachment surgiu primeiro em partidos de esquerda e na sociedade civil, mas logo se espraiou, inclusive entre grupos de direita que saíram às ruas para pedir a cabeça de Dilma em 2016. A Folha listou 23 situações que podem embasar uma acusação de crime de responsabilidade contra Bolsonaro, mas Rodrigo Maia dizia ver erros, mas não crimes no procedimento do presidente, e mantinha seu avantajado buzanfã sobre cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment.
Quando o STF decidiu que os presidentes da Câmara e do Senado não poderiam disputar um segundo mandato dentro da mesma legislatura, Maia subiu o tom nos ataques ao capitão. A uma semana de deixar o posto, o deputado diz que a discussão sobre o impeachment será inevitável, mas achou por bem deixar o abacaxi dos pedidos de abertura processo para seu sucessor descascar. Na política, o desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã. E vice-versa.
Bolsonaro apoia Arthur Lira para a presidência da Câmara (falaremos da capivara do deputado alagoano numa próxima postagem) e Rodrigo Pacheco para a presidência do Senado (o mesmo candidato apoiado pelo PT). O Psol, “pensando no bem comum”, lançou a "empolgante" candidatura da antediluviana Luiza Erundina, reduzindo a competitividade do desnorteado e combalido movimento oposicionista que sustenta a candidatura do deputado Baleia Rossi.
A despeito de todas as peculiaridade do desgoverno em curso — que é tão nefasto quanto o de Dilma, mas temperado com pitadas de crueldade —, a cantilena dos demais Poderes continua a mesma: as instituições são sólidas, as ameaças à democracia são retóricas, não há motivos para preocupação. Ledo engano. O Supremo, sem Celso de Mello — de quem eu jamais pensei que fosse sentir falta — e com Gilmar Mendes ditando as regras e exigindo obediência dos pares, empurra com a barriga decisões que possam causar desconforto para sua alteza irreal e os príncipes merdeiros.
Bolsonaro flerta com o golpismo desde sempre, com comprova a escolha do sucessor Sergio Moro no Ministério da Justiça e Segurança Pública — uma das personalidades mais patéticas do anedotário contemporâneo, que confunde “segurança nacional” com a “honra” de um presidente que estimula o desrespeito à ciência, menospreza a pandemia e chama o povo de maricas.
O boicote do capitão-decepção à vacinação terá efeito direto na recuperação da economia. O cenário
mais provável é que menos de 80 milhões de brasileiros tenham sido imunizados até o final do ano, o que aumenta as chances de novas medidas restritivas ao funcionamento das empresas e do comércio para evitar o colapso do sistema de Saúde. E o que fazem a
respeito o suserano e seu vassalo? Insistem no negacionismo, receitam cloroquina e, pegos com as calças na mão e as cuecas manchadas de batom, mentem deslavadamente.
Simone Tebet,
candidata à presidência do Senado, diz que ainda não há força suficiente, nas
ruas ou na Câmara, para um processo essencialmente político, como é o caso do
impeachment, avançar. Até mesmo opositores do presidente vão nessa mesma linha, ou acham que o Centrão vai barrar o impeachment, o que acirrará a polarização e terá consequências nefastas para o país.
Nada mais natural que a campanha pelo pé na bunda do trevoso
comece pequena. A despeito do vulto das manifestações de 2013 — que eclodiram para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público, mas foram
adquirindo uma pauta diversa, ganhando corpo e revelando uma insatisfação com a
classe política —, Dilma, a insuperável,
se reelegeu em 2014 e só foi expelida em 2016.
Há quem considere junho de 2013 um mês que não terminou, que dialoga diretamente com a crise econômica e política vivida hoje pelo país. Mas isso é outra conversa. Fato é que a campanha pelo impeachment não está tão pequena assim. Embora Bolsonaro tenha ironizado as carreatas (com um sorrisinho amarelo), dizendo que “só tinha 10 carros", protestos semelhantes ocorreram país afora no sábado e no domingo (obviamente, o presidente não fez referência a eles). E carretas em dois dias seguidos, bandeiras vermelhas e verde-amarelas, gente de esquerda e de direita… e a carreata da direita saiu da Barra da Tijuca, o bairro mais bolsonarista do Rio de Janeiro, onde moram Jair, Flávio e Carlos Bolsonaro...
A ideia de que o Centrão vai barrar o impeachment é um engano. Esse bloco fisiologista e venal de marafonas congressista faz o que é bom para si mesmo. Hoje, bom para o Centrão é apoiar o capitão; se amanhã o vento mudar e o impeachment pegar fogo, os ratos abanarão o navio, deixarão o capitão na mão. Nós já vimos esse filme numa versão em que Dilma foi protagonista. E ainda que o impeachment seja derrotado, a pressão servirá ao menos para manter Bolsonaro na defensiva, minimizando seu potencial de causar (ainda mais danos) ao país.
Dito isso, “passo a palavra” a Ricardo
Rangel:
Supondo que não haja impeachment até lá, enfrentaremos
uma encruzilhada em 2022. Se Bolsonaro
vencer, estará renovado o mandato do pior presidente da história; se perder, o
caminho será o golpe — e o roteiro está à vista de todos:
1. Bolsonaro
questiona constantemente, sem fundamento, a lisura do processo eleitoral. Se
perder, mentirá que a vitória lhe foi roubada e convocará seus apoiadores a
“resistir” e tomar o poder na marra.
2. A máquina de fake news bolsonarista faz esforço
incansável para desacreditar a imprensa, de modo que o eleitorado duvide quando
ela denunciar que Bolsonaro mente.
3. Bolsonaro
luta para controlar o Congresso em busca de meios com que barrar os esforços
para impedir o golpe vindouro.
4. O presidente fez um “liberou geral” para a compra de
armas: de 2019 para 2020, a venda mais do que dobrou. Quem está comprando não
são cidadãos moderados e cumpridores da lei: é a extrema direita apoiadora de Bolsonaro.
5. Bolsonaro
seduz constantemente as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros (dos quais
vêm as milícias, que o presidente sempre defendeu), onde conta com forte apoio,
inclusive nas patentes mais altas. Apoia um projeto de lei para reduzir o
controle dos governadores sobre as PMs e criar para elas patentes de oficiais
generais: se aprovada, tal lei dará aos comandantes grande autonomia, ao mesmo
tempo que fará com que sintam gratidão eterna a Bolsonaro. No ano passado, ele estimulou o motim da PM no Ceará.
6. O presidente seduz também as Forças Armadas (onde não
tem tanto prestígio): se conseguir uma quebra na hierarquia suficiente para que
o Exército não reprima motins das PMs, isso basta.
É sedutora a tese de que nossas instituições são fortes,
de que uma tentativa de golpe não terá sucesso, de que Bolsonaro não seria louco de tentar uma loucura dessas. Sedutora e
equivocada. Nossas instituições são menos fortes do que gostamos de imaginar:
ao contrário dos EUA, que barrou o golpe de Trump, nossa tradição não é
liberal e democrática, mas corrupta e autoritária. E, mesmo que seja uma
loucura, isso não significa que Bolsonaro
— homem despótico, desprovido de senso crítico e com traços de paranoia — não
vá tentar o golpe. Até porque sua alternativa é voltar para a planície e
assistir placidamente à evolução de processos penais contra seus filhos e,
possivelmente, contra ele mesmo.
Se tentar o golpe, mesmo que fracasse, Bolsonaro causará enorme dano ao país. É preciso impedi-lo, e a hora de se mexer é já. O Congresso deve eleger presidentes da Câmara e do Senado sem vínculo com Bolsonaro, repudiar a lei das PMs, criar legislação contra fake news (não é simples, admita-se) e restringir o comércio de armas. PF e Exército devem unificar e melhorar o controle de armas. O Supremo deve concluir o inquérito das fake news e punir os responsáveis. O TSE deve publicar o algoritmo das urnas eletrônicas. Governadores e comandantes das Forças Armadas devem purgar bolsonaristas radicais das tropas.
Não tomar tais providências é cortejar o desastre no ano que vem.