Jânio Quadros levou apenas sete anos para passar de advogado e professor de Português e Geografia a vereador. Na sequência, foi prefeito de São Paulo, governador do Estado e presidente da República. Mas suas idiossincrasias e falta de traquejo com o Congresso levaram-no a renunciar à Presidência antes de completar sete meses no cargo.
Irritado com os sucessivos boicotes impostos pelos parlamentares, o manguaceiro despachou para a China seu vice, João Goulart, numa missão comercial e diplomática cujos reais propósitos eram reforçar a imagem de comunista que Jango conquistara quando ministro do Trabalho no governo Vargas.
Em 25 de agosto de 1961, tendo sido desancado de véspera, em rede nacional de rádio e televisão, pelo desafeto e rival Carlos Lacerda, o pé-de-cana apresentou a carta-renúncia que, em seus delírios etílicos, não seria aceita pelo Congresso — e ainda que fosse, o povo o reconduziria ao cargo por aclamação, permitindo-lhe governar sem ser "incomodado" pelos parlamentares. Mas faltou combinar com os russos.
Jânio voou para a base aérea de Cumbica, em Guarulhos (SP), levando consigo a faixa que não mais lhe pertencia, e lá permaneceu durante horas, aguardando a aclamação popular que não aconteceu — dizem que uma tramoia foi urdida para impedir a população de saber onde ele se encontrava quando a notícia da renúncia foi divulgada. Sem alternativa, ele deixou a base num DKW rumo ao porto de Santos, onde embarcou para a Europa com Dona Eloá Quadros, deixando atrás de si um país imerso na crise política que pavimentaria o caminho para o golpe de 1964 e os 21 anos de ditadura militar que viriam a reboque.
Informado da renúncia, Jango deixou a
China rumo ao Uruguai, onde ficou até a poeira baixar. Nesse entretempo, o presidente
da Câmara Federal, Ranieri
Mazzilli, assumiu interinamente o comando do Executivo, mas quem de fato governou o
país até a implementação do parlamentarismo foi uma
junta formada pelos três ministros militares do governo Jânio.
Adotar o parlamentarismo foi a solução encontrada para vencer a
resistência dos militares à posse de Jango e evitar uma guerra civil, e a PEC
foi aprovada a toque de caixa em 2 de setembro de 1961. A princípio, ficou
definido que um plebiscito seria realizado em 1965, permitindo ao povo referendar ou não o novo sistema de governo. A consulta acabou sendo
antecipada para 1963, e o sempre mui eleitorado tupiniquim optou pela
volta do presidencialismo.
Ainda que a mudança do sistema de governo limitasse os poderes do presidente, parte das FFAA se mantiveram contrárias à posse
do vice. O governador gaúcho Leonel Brizola, cunhado de Jango, organizou o “Movimento de Resistência Democrática” e a
“Voz da Legalidade” visando granjear apoio ao parente. E prometeu pegar
em armas contra a tentativa de golpe dos fardados.
Nesse entretempo, foi divulgado que Jango voltaria por terra de Montevidéu a Porto Alegre, quando na verdade ele e sua comitiva embarcaram num Caravelle da Varig (empresa aérea do Rio Grande do Sul), que voou todo o tempo com as luzes apagadas e a uma velocidade que inviabilizou uma possível interceptação por caças da FAB.
Uma vez na capital gaúcha, Jango
demoveu Brizola da ideia de marchar sobre
Brasília para fechar o Congresso. Mesmo não sendo partidário do
parlamentarismo, o vice-presidente temia que os conflitos armados evoluíssem para uma guerra
civil, de modo que se resignou a dar os anéis para não perder os dedos.
No dia 5 de setembro, Jango embarcou em outro Caravelle
da Varig com destino a Brasília — sua posse estava marcada para dali a
dois dias, no feriado da Independência. A aeronave voou a uma altitude de 11,1
mil pés, de modo a permanecer fora do alcance do radar e dos caças da FAB
durante quase todo o trajeto. A precaução se mostrou justificada: pilotos da FAB
haviam recebido ordens de abater o avião em algum ponto do caminho.
Roberto Baere, que à época era tenente aviador do 1º Grupamento de Aviação de Caça da Base Aérea de Santa Cruz, no RJ, revelou posteriormente ter recebido ordens do tenente-coronel Paulo Costa, comandante da base, para preparar os caças que seriam usados no ataque. Baere e outros três colegas que se recusaram a cumprir a missão foram expulsos 3 anos depois.
Em contrapartida à Operação Mosquito, foi urdida uma tática que visava impedir a ação dos aviadores golpistas. A ideia dos apoiadores
de Jango era evitar que os demais aeroportos que ficavam no trajeto obtivessem
informações sobre o plano de voo, bem como divulgar dados meteorológicos falsos
sobre a Região Sul. Nas bases de Porto Alegre e Belém, soldados chegaram a prender
seus superiores e furar os pneus dos aviões.
O governo Jango se dividiu em duas fases: a parlamentarista
se estendeu até janeiro de 1963 e a presidencialista, até o golpe militar de 31
de março de 1964. A primeira fase durou 14 meses e teve três primeiros-ministros:
Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes de Lima. O país
enfrentava graves problemas, como a inflação, que vinha num crescendo desde
1940. Para além disso, havia o racha político — com a UDN movendo
montanhas em prol da desestabilização do governo. Jango tentou promover
o desenvolvimento e reduzir a inflação mediante um plano de austeridade
(batizado de Plano Trienal), que fracassou e foi abandonado em 1963.
Com a realização do plebiscito em janeiro de 1963, o presidencialismo foi restabelecido, dando início à segunda fase do governo Jango — que também foi tumultuada pelos debates causados pelas "Reformas de Base" (agrária, tributária, bancária, urbana, educacional e eleitoral). A reforma mais bem elaborada, e que resultou num monumental debate político, foi a agrária, que defendia a desapropriação de propriedades rurais improdutivas com mais de 500 hectares.
Observação: A Constituição de 1946 estipulava que a reforma agrária só poderia ser realizada mediante indenização em dinheiro para quem tivesse sua terra desapropriada, mas o governo Jango tentou negociar a propositura de uma emenda constitucional que lhe permitiria indenizar os proprietários com títulos da dívida pública atualizados pela inflação.
Desentendimentos entre os partidos que apoiavam o governo (muitos dos quais eram ligados aos latifundiários) levaram à radicalização, propiciando um aumento exponencial no número de sindicatos de camponeses. Em meio a essa balbúrdia, grupos civis, militares e defensores dos interesses dos EUA — os americanos achavam o governo "muito à esquerda" — passaram a apoiar conservadores e reacionários em prol da desestabilização política do governo.
A interferência americana na política tupiniquim contribuiu
para deixar o cenário ainda mais instável, com mobilizações eclodindo no campo
e nas grandes cidade e militares defendendo a implantação de um governo
autoritário para impor um programa de desenvolvimento econômico no país. Carlos Lacerda,
então governador do antigo Distrito Federal e grande agitador
político, se contrapunha a Brizola, cunhado de Jango, trabalhista
ardoroso e defensor da não-flexibilização das Reformas de Base.
Em meio a esse turbilhão, militares se rebelaram e tomaram de assalto diversos prédios governamentais. Em outubro de 1963, em resposta a uma declaração de Lacerda, Jango decretou estado de sítio no país, o que desagradou tanto os esquerdistas e direitistas quanto os direitistas. Em 1964, grupos que conspiravam contra o governo articularam sua derrubada.
Para evitar a deposição, Jango proferiu o célebre discurso da Central do Brasil, no qual reafirmou publicamente seu compromisso de realizar, a todo custo, as Reformas de Base. A réplica conservadora não tardou: em 19 de março, meio milhão de pessoas mobilizadas por grupos direitistas realizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, na qual houve inúmeros pedidos de tomada do poder pelos militares.
Na "virada" de 31 março para 1º de abril de 1964 teve início no município mineiro de Juiz de Fora o levante militar que serviu de estopim para o golpe. Os fardados marcharam para o Rio de Janeiro e tomaram a cidade sem sofrer qualquer tipo de resistência por parte do governo. Jango foi instado a resistir, mas preferiu evitar uma guerra civil, e o golpe foi completado em 2 de abril de 1964, quando o presidente do Senado, Auro de Moura, declarou vaga a presidência do Brasil. Dias depois foi decretado o Ato Institucional nº 1, e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco deu início aos 21 anos de ditadura militar.
Continua...