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terça-feira, 5 de novembro de 2019

A FAMÍLIA REAL E OS INIMIGOS DO REI


No dia 15 de janeiro de 1985, Tancredo Neves obteve 480 votos de um Colégio Eleitoral (contra 180 de Paulo Maluf) e teria sido nosso primeiro presidente civil desde o golpe de 64 se não tivesse morrido antes de tomar posse. Mas quis o destino que o posto coubesse ao eterno donatário da capitania do Maranhão, que encerou o bigode, abotoou o jaquetão e atendeu ao chamado.

Em 1989, o caçador de marajás de araque derrotou o fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam, mas não concluir seu mandato, mas, devido a suspeitas de corrupção, acabou renunciando ao cargo em dezembro de 1992, às vésperas do julgamento do seu processo de impeachment.

Com a saída de Collor pela porta dos fundos, Itamar Franco subiu a rampa do Planalto. Sua gestão é mais associada à ressurreição do Fusca, já que os frutos do Plano Real, comeu-os o grão-duque tucano, que se elegeu presidente, reinstituiu a reeleição e se serviu dela alegremente. Na sequência, vieram o demiurgo de Garanhuns, a nefelibata da mandioca (que também deixou o palácio pela porta dos fundos) e vampiro do Jaburu (que a delação do moedor de carne bilionário Joesley Batista reduziu à condição de presidente pato-manco). Com um time desses, não espanta que o Gigante Adormecido se recuse a despertar.

No primeiro turno das eleições passadas, os esclarecidíssmos eleitores descartaram as poucas opções "menos trágicas" (falo de Henrique Meirelles, João Amoedo e Álvaro Dias; as demais eram um elenco de feira de horrores) e escalaram para o embate final os dois extremistas do espectro político partidário. Sem alternativa para evitar a volta da quadrilha vermelha, a parcela sensata da população apoiou o capitão caverna, que derrotou o bonifrate do presidiário de Curitiba por 57,7 milhões de votos a 43,1 milhões — vale nota que 42,3 milhões de eleitores se abstiveram de comparecer, ou votaram em branco, ou anularam o voto.

Em entrevista à FOLHA em 1994, o último presidente ditadura militar — que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e chegou a dizer que "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo — proferiu a seguinte pérola: "A grande falha da revolução foi terem me escolhido presidente da República. Eu fiz essa abertura aí, pensei que fosse dar numa democracia, e deu num troço que não sei bem o que é." Figueiredo morreu em 1999, mas não é difícil imaginar como ele avaliaria o contexto atual se anda caminhasse pelo mundo dos vivos.
     
Em recente entrevista ao Congresso em FocoCiro Gomes culpou Lula pela tragédia econômica, social e política que o país está vivendo e disse que o petista "não tem grandeza, só pensa em si e virou um enganador profissional" (assista ao vídeo no final desta postagem). Da fala do ex-governador do Ceará podemos extrair dois ensinamentos: 1) às vezes, até um burro cego consegue achar a cenoura; 2) a política ama a traição mas não perdoa os traidores).

Bolsonaro tomou posse em 1º de janeiro para oferecer paz, probidade e empregos. Mas jamais desceu do palanque ou formou uma base de apoio que lhe permitisse governar. Pelo contrário: chutou para escanteio suas promessas de campanha, vestiu o paramento de usineiro de crises e passou a guerrear contra tudo e todos (noves fora os bolsomínions atávicos, que não passam de militantes petistas com sinal trocado).

O candidato que prometeu acabar com a reeleição tornou-se o presidente que "só pensa naquilo". A pretexto de não ser conivente com a "velha política", quase pôs a perder os esforços conjuntos de Paulo Guedes e Rodrigo Maia pela aprovação da reforma previdenciária — que, por necessária, todos que o antecederam tentaram fazer, mas que, por impopular, nenhum deles conseguiu levar adiante. Curiosamente, a maior vitória deste governo até agora não tem a digital de Bolsonaro, que, além de não ter se empenhado em ajudar, fez o que pode para atrapalhar.

Em vez de apoiar o pacote de medidas anticorrupção do ministro da Justiça, o "mito" passou a sabotá-lo quando viu que a popularidade do auxiliar crescia enquanto a sua própria despencava (políticos não regam a plantinha do vizinho se ela tem potencial para fazer sombra em seu próprio quintal). Também não cumpriu as promessas de reduzir o número de ministérios para 15 (temos hoje 22 pastas), o de parlamentares em 20% (continuamos amamentando 513 deputados e 81 senadores), de baixar a carga tributária, de enxugar a folha de pagamento do funcionalismo, de acabar com indicações políticas na escolha de ministros e funcionários do primeiro escalão, e por aí afora. Mas trabalhou com afinco em outra frentes. Senão vejamos.

1) Acrescentou ao lema "Deus acima de tudo, Brasil acima de todos" a sugestiva expressão "noves fora Bolsonaro & Filhos";

2) Criou a estatal Crisebras e nomeou a filharada para dirigi-la e distribuir ofensas a torto e a direito — conseguindo, em alguns casos, ser alvo de críticas até dos apoiadores mais atávicos;

3) Ficou "de mal" de Rodrigo Maia, que se empenhou em conseguir votos para aprovar a reforma previdenciária;

4) Fritou e exonerou Gustavo BebiannoRicardo Vélez e os generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, pondo fim a amizades antigas simplesmente porque estava chovendo e Zero Dois não podia ir brincar lá fora (curiosamente, quando o ministro do Turismo foi indiciado no caso do Laranjal do PSL, Bolsonaro disse que não há motivo para afastá-lo do cargo);

5) Deixou um ministro francês falando sozinho para ir cortar o cabelo — e aproveitou para gravar uma live enxovalhando o presidente esquerdista da OAB; 

6) Desdenhou a oferta da França para combater as queimadas da Amazônia e troçou da aparência da mulher de Emmanuel Macron;

7) Indicou o filho Eduardo para a embaixada nos EUA (depois voltou atrás e pediu ao rebento que servisse ao país aqui mesmo, como líder do PSL na Câmara) e, cereja do bolo, sujeitou-se  a lamber as botas de Dias ToffoliDavi Alcolumbre e Gilmar Mendes para blindar o primogênito das investigações do MP-RJ;

Dias atrás, Bolsonaro expressou ao vivo e em cores seu desgosto com a vitória do peronista Alberto Fernández na Argentina e se recusou a cumprimentá-lo e a sua vice — a bizarra mistura de Gretchen com Maga Patológica que atende por Cretina Kirchner. Saliente-se que, horas antes da manifestação do capitão, Fernández havia reafirmado sua sintonia com Lula e exigido a soltura do criminoso em um tuíte. Também parabenizara o petralha pelos 74 anos completados no domingo retrasado, referindo-se à escumalha vermelha como "homem extraordinário injustamente preso". “Espero te ver logo”, postou o peronista no Twitter. Até que não seria má juntar o lixo daqui e o de lá no mesmo saco e jogar aos tubarões.

Entre janeiro e outubro, por descontentamento (próprio ou dos filhos) ou influência do ex-astrólogo e guru presidencial Olavo de Carvalho, Bolsonaro substitui nada menos que 35 integrantes do alto escalão do governo (média de um a cada oito dias) e, com os préstimos da prole, vem entregando atritos, suspeições e um tipo de déficit muito mais grave do que a ruína fiscal, posto que localizado entre as orelhas dos membros do seu clã. Só a falta de miolos explica o que disse Zero Três em entrevista à jornalista Leda Nagle (detalhes nas postagens anteriores).

Esse penúltimo despautério poderia resultar na cassação de Zero Três por quebra de decoro parlamenta, mas eu duvido que chegaremos a isso. Seu papai presidente falou coisa muito pior quando ele próprio era deputado e absolutamente nada aconteceu. E essa história de líderes do PT, PSOL, PSB, PDT, PCdoB, Rede e da Minoria pedirem a abertura de processo contra o parlamentar por suposta "incitação ao crime", "apologia ao crime" e outras bobagens... Façam-me um favor! Vão procurar o que fazer!

José Nêumanne pondera que erra feio quem considera a declaração de Eduardo Bolsonaro sobre um “novo AI-5” como grave ataque à democracia. O Estado de Direito de verdade aguenta desaforo. Os maiores erros do deputado foram ignorar exemplos históricos de que o “velho AI-5” engoliu seus donos, como Lacerda e JK, e que não há perspectiva nem expectativa de convulsões sociais lideradas pela esquerda para protestar contra o governo e o estado da economia. O que se teme é que a população expresse sua indignação nas ruas contra eventual decisão do STF que desfavoreça combate à corrupção e tente sepultar a Lava-Jato. Aí, sim, a cobra vai fumar.

Fato é que a plataforma reformista do ministro da Economia enfrenta muitas dificuldades, mas nenhuma se equipara ao processo de autocombustão de Bolsonaro & Filhos. É uma maluquice atrás da outra, uma espécie de projeto de extermínio da oposição por meio da autossabotagem. Aos pouquinhos, suas altezas reais deixam claro que não são conservadoras, mas apenas arcaicas, e que não desejam levar o país para a direita, mas fazê-lo andar em marcha à ré.

Enfim, pode-se apagar um vídeo do Twitter, mas é impossível deletar os pendores autoritários do DNA dos Bolsonaro. Por sorte, a democracia tem remédios contra esse tipo de patologia. Para mim, tanto se me dá quanto se me deu o que acontecerá com a família real; importa-me, isso sim, o futuro do país onde nasci, cresci e vivo até hoje — mais por imposição das circunstâncias do que por opção, mas isso não vem ao caso. 

quarta-feira, 3 de abril de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 5)


Há tempos que o Brasil vem sendo governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra por um lado (pela porta das urnas), muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai como merda pelo outro (com a posse do novo governante). E o que mais poderia sair num país onde eleitores endeusam políticos em vez de cobrá-los e defenestrar os que mijam fora do penico? Onde políticos se elegem para roubar, roubam para se reeleger e criam leis que beneficiam os criminosos em detrimento dos cidadãos de bem?
 
Observação: Cito como exemplo o fim da prisão em segunda instância, decretado pelo plenário do STF com o voto de minerva de seu então presidente — o advogado petista que ganhou a toga de Lula em 2009, depois de ter sido reprovado em dois concursos para Juiz de Direito —, que, aliás, continua prestando bons serviços ao país, empurrando com um pedido de vista a prisão de Fernando Collor — que foi finalmente condenado 8 anos e 10 meses de reclusão —, anulando todas as provas obtidas com o acordo de leniência firmado pela Odebrecht e suspendendo o pagamento da multa de R$ 8,5 bilhões (como ele já havia com a multa de R$ 10 bi imposta à J&F).
 
Um pedido de vista do partido Novo interrompeu a votação do parecer do relator Darci de Matos sobre a prisão preventiva do deputado Chiquinho Brazão. Com o adiamento, a "fervura" deve baixar, aumentado as chances de soltura do encrencado (para que o parlamentar continue preso, são necessários os votos de pelos menos 257 dos 513 deputados). Por conta de mais esse imbróglio, o STF começou a julgar na última sexta-feira (29) o endurecimento das do foro privilegiado dos parlamentares. No momento em que escrevo este texto, falta 1 voto para formar maioria pela manutenção da prerrogativa mesmo após o fim dos mandatos ou nos casos de renúncia, não reeleição ou cassação 

Pelo critério atualmente em vigor, os inquéritos contra Bolsonaro não deveriam (em tese) estar sob a pena de Alexandre de Moraes. Mas basta mais um voto para virar pó a alegação da defesa de que as encrencas estreladas por seu cliente — da falsificação dos cartões de vacina à tentativa de golpe — devem descer da cobertura para o térreo do Judiciário, com todo o horizonte de recursos protelatórios que os réus costumam manejar para evoluir da primeira instância até o Éden da prescrição. 
 
Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé — o eterno rei do futebol — e o general Figueiredo — o ex-presidente-ditador que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. O tempo provou que eles estavam certos: dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde a redemocratização, dois foram impichados — e só não foram três graças a conivência de Rodrigo Maia e a cumplicidade de Arthur Lira.
 
Nossa democracia lembra aquelas fotos antigas de reis africanos que imitavam os trajes, trejeitos e enfeites dos governantes de nações mais evoluídas, mas não aprendiam suas virtudes. Na fotografia, o Brasil aparece como uma democracia de Primeiro Mundo, não passa de uma cópia barata e malsucedida do artigo legítimo. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, começando pelo voto obrigatório, passando pelo horário eleitoral obrigatório no rádio e na tv e pelas deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões que têm menor número de eleitores. 
 
Políticos demagogos e corruptos não brotam em seus gabinetes por geração espontânea, se estão lá, é porque foram votados (ao menos em tese). Mas o que esperar de um eleitorado formado majoritariamente por gente ignorante, desinformada e lobotomizado pela polarização disseminada pelo ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e atual mandatário com seu deplorável "nós contra eles"? De uma horda de cegos mentais (o pior tipo de cegueira, como ensinou o Nobel de Literatura português José Saramago) repete os mesmos erros, eleição após eleição, na esperançada de obter um resultado diferente? 
 
Observação: Com a popularização da Internet e das redes sociais a mídia deixou de dominar as massas e passou a ser controlada por elas. Isso trouxe dois problemas: 1) as massas são despreparadas, ignorantes, rudes e perniciosas; 2) quando se dá voz a burros não se pode reclamar dos zurros. 
 
Os ministros do STF não são eleitos diretamente, mas o presidente responsável que os escolhe e os senadores que a chancelam sua indicação emergem das unas como a merda que brota de um cagadouro entupido. Aliás, há muito que esta banânia é governada como uma usina de processamento de esgoto, onde entra merda por um lado e sai merda pelo outro. E o que mais poderia sair? Entre a porta de entrada, aberta nas eleições, e a de saída, com a troca de comando, a merda muda de aparência e de nome e ganha nova embalagem, mas continua sendo merda.
 
Além de um eleitorado majoritariamente ignorante, desinformado e desinteressado — e contaminado pela polarização semeada por Lula com seu abjeto "nós contra eles" —, o Brasil tem uma Justiça Eleitoral que, em tese, deveria garantir eleições exemplares, mas, na prática, enseja a produção dos políticos mais ladrões do mundo, distribuídos por três dúzias de partidos cujo objetivo é encher as burras de seus caciques com a verba dos fundos partidário e eleitoral (que sai dos cofres públicos, ou seja, do dinheiro dos contribuintes) e, nos anos em que há eleições, bancar a "festa da democracia". 

Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre a pseudodemocracia tupiniquim e os tais reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem tão incompetente foi o poder público em mantê-los. Há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. Sob Bolsonaro, o "centrão" transformou a ocupação do Orçamento federal num processo de bolsonarização das instituições, e Lula, que escapou do mensalão e tropeçou no Petrolão, segue igualmente refém do Imperador da Câmara. 
 
Pode passar pela cabeça de alguém que existe democracia num país como esse?

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

A MALDIÇÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA — TERCEIRA PARTE

Sarney sempre foi um cacique da velha da política de cabresto nordestina, e só sobreviveu à ditadura porque se resignou a lamber as botas dos militares. A despeito dessa vassalagem, o último presidente-general da ditadura — que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e "daria um tiro no coco" se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a lhe transferir a faixa: faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor.

Observação: Anos depois, referindo-se ao político maranhense numa entrevista concedida à revista IstoÉ, also sprach Zaratustra, digo, assim disse Figueiredo: "Sempre foi um fraco, um carreirista. De puxa-saco passou a traidor. Por isso não passei a faixa presidencial para aquele pulha. Não cabia a ele assumir a Presidência".

A despeito de o "milagre econômico brasileiro" ser cantado em prosa e verso pelos saudosistas de plantão, Sarney herdou dos militares um país arrasado, com recessão, inflação, desemprego e dívida externa nas alturas. Todos os "pacotes de medidas econômicas" elucubrados durante sua gestão (por Dílson Funaro, Bresser Pereira e Maílson da Nóbrega) fizeram água numa questão de meses. 

Aos trancos e barrancos, o oligarca nordestino terminou o mandato (de 5 anos, sem direito a reeleição), mas deixou de herança a seu sucessor uma inflação que beirava 2000% ao ano. Tamanha era sua impopularidade ao deixar o governo que, para disputar uma cadeira de senador, Sarney teve de mudar o domicílio eleitoral para o recém-criado Estado do Amapá. 

Observação: O literato, acadêmico e político maranhense se aposentou da vida pública em 2014, aos 83 anos. Conta-se que certa vez, depois que um dilúvio assolou seu Estado natal, a então governadora Roseana Sarney telefonou ao pai para dizer que "metade do Maranhão estava debaixo d’água", e Sarney teria perguntado: "A sua ou a minha?

No apagar das luzes da desditosa gestão de Sarney, a récua de muares a que se convencionou chamar de "eleitorado", já então sob a égide de uma Constituição estalando de nova, foi às urnas pela primeira vez desde 1960 para escolher seu presidente. 

Disputaram a chamada "eleição solteira de 1989" nada menos que  22 candidatos, entre os quais figuravam monstros sagrados da política tupiniquim, como Ulysses Guimarães e Mário Covas. Graças ao dedo podre dos apedeutas votantes, o segundo turno reuniu o que havia (e continua havendo) de pior em termos de populismo e demagogia sórdida. Ao fim e ao cabo, o sacripanta de direita venceu o salafrário de esquerda.

Como dito linhas acima, naquela época o mandato presidencial era de 5 anos, sem direito a reeleição. Mas não há mal que sempre dure nem bem que nunca termine: em 1997, um FHC picado pela mosca azul usou e abusou de meios não exatamente ilibados — embora não inusitados à luz de como funciona a política no Brasil — para alterar a Constituição de maneira a implementar a reeleição de presidente e vice-presidente (apenas uma vez para um mandato subsequente, mas sem restrição para um pleito não consecutivo).

Como quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas fruiu do desserviço que ele e seus cupinchas prestaram à Nação, mas também abriu espaço para o projeto de poder lulopetista, que durou exatos 13 anos, 4 meses e 11 dias (considerando os dois mandatos do ex-presidiário e os 5 anos e fumaça durante os quais sua sucessora incompetenta "fez o diabo" para destruir a economia nacional).

O Brasil daria um grande passo se aprovasse o fim da reeleição. A proposta de emenda constitucional está pronta para ser votada pelo Senado, mas é difícil construir esse tipo de ajuste quando todos os adversários do sultão do bananistão querem vencer a disputa em 2022. Como a política permite todos os tipos de sonhos, alguns já se enxergam eleitos e fazem planos para 2026, parecendo não se dar conta de que, por pior que seja o atual governo, o general da banda, aboletado na cadeira da Presidência, goza de uma situação mais confortável que a dos adversários.

Com a chave do cofre nas mãos e dois mandachuvas do Centrão lhe dando respaldo (por motivos que não vem ao caso discutir neste momento), o inferno é o limite para o capetão-negação exacerbar seu populismo eleitoreiro. E como desgraça pouca é bobagem, o leque de a janela de oportunidade para o impeachment do lunático despirocado fica mais estreita à medida que a eleição se aproxima.

Observação: Vale destacar que todos os presidentes que concluíram seus mandatos e disputaram a reeleição (FHC, Lula e Dilma) foram reeleitos. Isso não significa que esse "dogma" não possa ser quebrado, mas, sim, que, se a terceira via não se consolidar, teremos em 2022 uma reedição do pleito plebiscitário de 2018, com a diferença de que em 2018 não faltaram a Bolsonaro cabos eleitorais de peso, como Lula na cadeia, Haddad de bonifrate, a facada do maluco (que livrou o psicopata de participar dos debates), o estelionato eleitoral, o impulsionamento espúrio nas redes sociais, a confiança representada por Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça.

Sabíamos que Bolsonaro carecia de competência, preparo e envergadura para presidir o que quer que fosse, inclusive carrinho de pipoca em porta de cinema. Mas a perspectiva de ver o país ser governado por um criminoso condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas e torcemos para a emenda não saísse pior que o soneto, mas diz um ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo.

Observação: A expressão "pior a emenda que o soneto" surgiu quando Bocage recebeu de um jovem aspirante a poeta um soneto para correção, e o devolveu sem nenhuma marcação. Perguntado pelo pupilo se não havia nada a ser corrigido, o mestre respondeu que, dada a quantidade de erros, "a emenda ficaria pior que o soneto".

Parafraseando o "enviado pela Divina Providência para acabar com a fome, presentear a imensidão de desvalidos com três refeições por dia e multiplicar a fortuna dos milionários", nunca antes na história deste país o Palácio do Governo amargou um inquilino tão indiferente à dor alheia, que tanto despreza a Democracia e o Estado Democrático de Direito e odeia a liberdade de expressão, a imprensa e qualquer um que ouse discordar de sua elevada opinião. 

Do cruel “e daí?” ao “cale a boca”, passando pelo churrasco da morte (que depois fomos instados a acreditar que não passava de uma pilhéria), o Mefistófeles de botequim deixou de ser o palhaço negacionista da “gripezinha” para concorrer como franco-favorito ao título de Monstruosidade Pública Número 1 — embora estufe o peito e se jacte de ter sido eleito "personalidade do ano" pela revista Time.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar, Pelé avisou: "os brasileiros não sabem votar". E o tempo demonstrou que ele estava coberto de razão. Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se está lá, foi enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se está lá, é porque votaram nele). 

É impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem se recuse a ver o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas, sim, de acuidade visual. Para um um cego, tanto faz se a luz estiver acesa ou apagada. E não é preciso ser cientista político para ver que a agenda nacional ocupa, mal e parcamente, o primeiro ano e meio de mandato — no segundo ano, o presidente de turno se preocupa com os pleitos municipais, que servem de ensaio para a disputa presidencial que ocorrerá dois anos depois, e quando se vai ver, os quatro anos se foram e o mandato terminou.

Esperar demais das pessoas é carimbar o passaporte rumo à decepção, e achar que a liturgia do cargo transformaria em estadista um dublê de mau militar e parlamentar medíocre foi ignorar os ensinamentos da fábula do sapo e o escorpião. Governar vai muito além de ganhar eleições, notadamente em tempos de guerra. Parafraseando FHC — que não foi um estadista como manda o figurino, mas, noves fora o episódio lamentável da PEC da Reeleição, foi o presidente "menos pior" que tivemos desde a redemocratização —, “você não lidera dando ordens ao povo, mas fazendo com que o povo siga junto com você”.

Se a maioria apedeuta aprendesse a votar, a minoria pensante não seria obrigada a escolher, a cada eleição, de qual borda da Terra (plana) pular para o inferno. Infelizmente, esse tipo de situação se tornou regra na "Nova República" e, pelo visto, a próxima eleição não será exceção. Com base no que se vê até onde a alcança, a menos que a terceira via se consolide continuaremos navegando rumo a uma borrasca que tem tudo para se tornar a tempestade perfeita.

Continua no próximo capítulo.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

BOLSONARO: AUTOGOLPE? — DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES (CAPÍTULO 4)


A possibilidade de um suposto autogolpe urdido por Bolsonaro não explica satisfatoriamente o comportamento errático do capitão da caverna das trevas, mas certamente vai dar muito pano pra manga. A menos, naturalmente, que algo ainda mais relevante surja no cenário. E como estamos atravessando uma pandemia sanitária com vocês sabem quem na cabine de comando, é bem possível, infelizmente, que isso ocorra. Senão vejamos.

Paulo Guedes, por falta de alternativas, passou pano na estultice do chefe: "Bolsonaro é um democrata que 'sai correndo atrás' de passeata que tiver bandeira do Brasil. O governo tem compromisso com a democracia, um regime 'que faz barulho', e que o país vive um período de aperfeiçoamento institucional." Então tá.

A fala de Bolsonaro e sua participação na ato popular de domingo provocaram fortes reações no mundo jurídico e político. Rodrigo Maia disse ser uma “crueldade imperdoável com as famílias das vítimas” pregar uma ruptura democrática em meio às mortes da pandemia da Covid-19. Para Dias Toffolinão há solução para o país fora da democracia. Já o governador de São Paulo classificou como "lamentável" o fato de o presidente "apoiar um ato antidemocrático, que afronta a democracia e exalta o AI-5", e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi na mesma direção: chamou de "lamentável" a participação do capitão e disse que: "É hora de união ao redor da Constituição contra toda ameaça à democracia."

Bolsonaro amenizou o tom, mas a avaliação prevalente, segundo a Folhaé a de um paradoxo: a fraqueza política do presidente só tende a acirrar sua agressividade no embate, o que ocorreu no último final de semana. Mas é preocupante, a meu ver, a posição da ala militar do governo, que negou às cúpulas do Congresso e do Judiciário haver qualquer risco de ruptura democrática por parte de Jair Bolsonaro, mas também fez questão de dizer que considera que os Poderes têm agido de forma a cercear o presidente na crise do coronavírus. Preocupante, mas previsível. 

Mourão é vice-presidente, de modo que está sujeito à vergonhosa, mas poderosa, Bic de sua alteza. Mas o mesmo não se aplica ao ministério. Tanto auxiliares civis quanto militares podem ser exonerados por dá cá aquela palha, como descobriram o anjo da guarda de Bolsonaro, Gustavo Bebianno, o incompetente ministro da educação Ricardo Vélez, os amigos de longa data e ministros generais Santos Cruz e Floriano Peixoto, os não tão amigos de tão longa data, mas igualmente ministros Gustavo Canuto e Osmar Terra, o secretário nazista Roberto Alvim e mais duas dúzias de presidentes de órgãos federais e dezenas de secretários e diretores do segundo escalão do governo. Um levantamento do Estado de agosto do ano passado apontava que havia, em média, uma demissão a cada sete dias

Sobre o lamentável episódio de domingo passado, o próprio ministro da defesa, general Fernando Azevedo e Silva divulgou nota reiterando o comprometimento das Forças Armadas com a Constituição e priorizando o combate ao coronavírus "e suas consequências sociais" — uma deixa não casual, alinhada à ênfase que Bolsonaro faz do impacto econômico da pandemia. Por outro lado, interlocutores do ministro entendem que a ala militar do governo não reprova a irritação de Bolsonaro, ao contrário

Na avaliação dos fardados, o Congresso tem agido sistematicamente contra Bolsonaro, tolhendo suas iniciativas. O Supremo também colabora com o clima de cerco ao Planalto com suas decisões em prol dos governadores e prefeitos na emergência sanitária. Isso alarmou atores políticos em Brasília, que passaram a segunda trocando impressões sobre quais podem ser os próximos passos da crise. Afinal, esperar que Bolsonaro venha um dia a respeitar a liturgia do cargo e agir com bom senso e discernimento é o mesmo que acreditar que um macaco consiga ensinar boas maneiras à mesa a um urso.

Se a ala militar foi compreensiva com o gesto do chefe, o mesmo não se pode dizer da ativa das Forças Armadas. Alguns membros do Alto Comando do Exército, usualmente simpáticos a Bolsonaro, se disseram chocados com o uso simbólico do QG da Força para o proselitismo do presidente. Assim, é possível dizer que o delicado equilíbrio entre um governo loteado por militares e os fardados da ativa sofreu um abalo significativo. A defesa constitucional feita por Fernando Azevedo foi pactuada para acalmar ânimos, mas as fissuras devem continuar.

Ainda segundo a Folha, a inflexão da ala militar precisa ser acompanhada de perto. Desde que recuperou prestígio no governo, no começo do ano, ela servia mais de anteparo ao radicalismo de Bolsonaro do que de amplificador de crises. Do ponto de vista institucional, todos parecem convencidos de que não há riscos reais de ruptura, até porque o presidente não tem força para isso — não há amplo apoio social, empresarial ou de militares a quaisquer aventuras. Mas também é claro o método de Bolsonaro em seus flertes autoritários. O presidente faz um gesto, é repreendido e modera o tom no dia seguinte. Mas a corda foi esticada mais alguns centímetros. Caso o capitão se sinta amparado pelos militares do governo, novos episódios serão inescapáveis. Com o agravante de que os elementos de mediação evaporam aos poucos.

Feita essa atualização dos fatos, vamos à postagem do dia:

A Nau dos Insensatos, onde repousa eternamente em berço esplêndido o gigante adormecido, navega por águas revoltas e sob nuvens de tempestade desde a redemocratização. E o que começou mal, devido à frustração da população com o naufrágio da Emenda Dante de Oliveira, em 1984, foi piorando ao longo dos milhares de milhas náuticas percorridos nos últimos 35 anos. Senão vejamos.

A emenda em questão defendia a volta das eleições diretas para presidente da República, mas a pressão dos militares — que também são sujeitos à picada “mosca azul” — inibiu parte dos deputados, que acabou votando contra a proposta, se abstendo de votar ou mesmo não comparecendo a sessão. Sem votos necessários para aprová-lo, o projeto sequer foi encaminhado ao Senado. Mas àquela altura o processo de reabertura política já havia ultrapassado “ponto sem retorno”.

Em 15 de Janeiro de 1985, Tancredo Neves (MDB) foi escolhido em eleição indireta (por um colegiado formado por senadores, deputados federais e representantes dos Estados) o primeiro presidente civil desde o início da ditadura militar, derrotando Paulo Salim Maluf (ARENA), que era o candidato apoiado pelos militares, por 480 votos a 180. Por ocasião do golpe de 1964, o político mineiro era Ministro do Trabalho no governo de João Goulart, e foi deposto juntamente com o chefe. Mas seguiu na vida pública durante toda a ditadura, daí muitos considerarem-no um estadista e outros, um oportunista que lambeu as botas dos militares para não perder a “boquinha”.

Seja como for, o avô daquele que em 2014 disputaria a presidência com a anta pedanta, seria derrotado por um punhado de votos que muita gente atribui a urnas com vontade própria e tendências esquerdistas, e que mais adiante se revelaria mais um político corrupto, outra vergonha nacional entre tantas) ganhou, mas não levou. Na madrugada do dia da posse, Tancredo foi internado no Hospital de Base de Brasília, submetido a uma cirurgia de urgência e, 38 dias (e sete cirurgias) depois, vira a falecer em São Paulo, justamente  no 21 de abril, que, por ironia do destino, é a data em que o país homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.

A morte de Tancredo mudou radicalmente o destino do eterno donatário da capitania do Maranhão — não à toa o estado mais pobre da Federação. Falo do senador biônico oligarca José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, o cacique da velha política coronelista maranhense mais conhecido como José Sarney, a quem o general João Batista de Oliveira Figueiredo (que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e disse certa vez que daria “um tiro no coco” se fosse criança e seu pai ganhasse salário mínimo) se recusou a passar a faixa presidencial por considerá-lo um traidor por ter abandonado a ARENA e se filiado ao MDB para concorrer a vice na chapa de Tancredo. Como se vê, a mosca azul não perdoa ninguém.

Para não encompridar ainda mais esta postagem, o resto fica para amanhã

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

A FESTA DA DEMOCRACIA

Numa democracia de respeito, a eleição presidencial pelo voto popular é a expressão suprema da soberania de seu povo. Não é o caso do Brasil, infelizmente. O eleitor tupiniquim, que jamais se notabilizou pela capacidade cognitiva, incorporou à desinformação e à ignorância que sempre nortearam seu comportamento nas urnas. 
 
Em momentos distintos da nossa história republicana, Pelé, o eterno rei do futebol, e João Figueiredo, o general-presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo, disseram que os brasileiros não estavam preparado para votar. Ambos foram muito criticados, mas o tempo demonstrou que eles estavam certos.
 
Está visto que, 
a exemplo do pleito presidencial de 2018, as eleições de outubro serão pautadas pelo fígado — isso se nossa democracia capenga sobreviver ao próximo 7 de setembro. A diferença é que as moscas mudaram de posição, mas a merda continua exatamente a mesma. E a volta do lulopetismo corrupto será um preço alto a ser pago pelo defenestramento do bolsonarismo boçal (reconheço que as alternativas não são grandes coisas, mas fazer sempre as piores escolhas é levar a burrice ao extremo).
 
A menos de um mês da comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil (e a menos de dois meses do primeiro turno das eleições), Bolsonaro voltou a convocar os anormais a assistirem ao desfile que Marinha, Exército, Aeronáutica, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros farão em Copacabana. O prefeito do Rio disse que a parada será na Avenida Presidente Vargas, no Centro, mas resta saber se o poder municipal poderá impedir a passagem de uma força armada brasileira em território nacional.
 
No ano passado, o Dia da Independência foi marcado por discursos golpistas, e nada sugere que neste ano será diferente. E anotem aí: se o TSE não impugnar as candidaturas de Roberto Jefferson — que tem o plano de disputar o Palácio do Planalto! —, de Daniel Silveira — que mira o Senado —, de Eduardo Cunha — postulante à Câmara —; e de Wilson Witzel — que sonha voltar ao Palácio Guanabara —, é provável que essa escumalha receba votos pra caramba.
 
Josias de Souza anotou em sua coluna no UOL que Bolsonaro gosta de fazer pose de valente em ambientes domesticados, como o cercadinho do Alvorada, nas lives de quinta-feira e no escurinho das conversas privadas. Convidado a expor suas ideias em debates francos ou sob os holofotes de um estúdio como o da TV Globo, ele foge do contraditório por medo de encontrar algum fantasma escondido na claridade, e se junta ao primogênito para executar a coreografia da empulhação. 
 
Coordenador da campanha do pai, o Zero Um foi às redes sociais para anunciar que "a entrevista de Bolsonaro ao Jornal Nacional no dia 22 estava confirmada", mas era apenas mais uma fake news da família real. A Globo não aceitou a condição imposta pelo presidente, que exigiu que a sabatina ocorresse no Alvorada. 
 
Observação: Desde 2014, por uma questão de isonomia, a Vênus Platinada decidiu que só faria entrevistas com presidenciáveis nos estúdios da própria emissora. Informado, Bolsonaro encontrou o pretexto que procurava para criar caso. Mais adiante, acossado pela péssima repercussão da fuga, o capitão deu meia-volta e informou que aceita comparecer. A conferir.
 
Numa disputa que tem tudo para ser decidida entre um presidente e um ex-presidente, é fundamental questionar ambos sobre as principais contradições e lacunas de seus discursos nas redes sociais. Lula disse que só compareceria se o rival também aparecesse, pois temia restar como alvo único dos demais postulantes ao Planalto. Bolsonaro, por sua vez, jamais se sentiu confortável diante do escrutínio da imprensa e do confronto com rivais políticos. Nos dois únicos debates a que compareceu em 2018 — na Bandeirantes e na Rede TV! — ele se mostrou acuado e foi reativo diante dos questionamentos. Se tivesse aceitado o convite para os demais, teria sido feito picadinho pela oratória de Ciro Gomes, que acabou em terceiro lugar na disputa.
 
O Brasil vive um momento de crise político-institucional, provocada pela insistência do presidente em acossar os demais Poderes e contestar a transparência do processo eleitoral. Esse tema precisa ser objeto de entrevistas e debates em que Bolsonaro seja confrontado com os dados que insiste em distorcer em ambientes controlados. A Quaest mostra que é decrescente a aderência desse discurso, mesmo entre os apoiadores do capitão. Ainda assim, debates e entrevistas servirão para desmentir a falácia que, pela insistência e por partir da autoridade máxima do país, ainda sensibiliza uma parcela significativa da sociedade.
 
A pesquisa da Quaest revelou também que o lulopetismo é mais radical que o bolsonarismo: 51% dos sectários do ex-presidiário disseram “desgostar” ou “odiar” Bolsonaro (eram 58% em junho); ao passo que 32% dos baba-ovos do capetão disseram repudiar o petralha (eram 25% em junho). Eu considero ambos abomináveis, mas ninguém me perguntou nada.
 
Bolsonaro precisa ser questionado sobre sua gestão na pandemia e aspectos relevantes de seu governo, como a redução da transparência sobre investigações e dados, a escalada da devastação da Amazônia e a corrupção no Ministério da Educação. Lula, por sua vez, precisa discorrer sobre suas ainda ambíguas propostas para a economia — foco de boa parte da desconfiança a respeito de sua candidatura. Há nuances sobre o que ele pretende fazer — em relação ao teto de gastos e às novas regras trabalhistas — que vão da revogação completa a alterações até aqui não especificadas. E o debate sobre a Lava-Jato também precisa ser feito para além da narrativa.
 
É positivo que a imprensa se ofereça saídas para fomentar o debate, e que os candidatos acenem com a disposição de debater. Atualmente, a cobertura da campanha está refém de ameaças intoleráveis à democracia por um lado e de propostas apenas superficiais no campo programático pelo outro. 
Nada que ajude a récua de muares, digo, o eleitorado a votar olhando para o futuro em vez de simplesmente escolher o que considera o mal menor.

Triste Brasil! 

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

SOBRE LULA, JUSCELINO E BOLSONARO

Dentre outras asnices, Lula já se autodeclarou “a alma viva mais honesta do Brasil” e se autopromoveu de ser humano a “uma ideia”. A primeira gabolice saiu da boca do sapo quando ele já era réu em pelo menos seis processos; a segunda, depois que o TRF-4 ratificou sua condenação e a 13ª Vara Federal do Paraná expediu o competente mandado de prisão.

Em meio a um circo midiático que teve início na sexta-feira, 6 de abril de 2018, e só terminou na noite do sábado, o molusco falastrão declamou um trecho do célebre “I Have a Dream”, de Martin Luther King, e, com a expressão bestificada de um beato em epifania — ou de quem exagerou na manguaça —, sentenciou: "Não sou mais um ser humano, sou uma ideia." No mês passado, em mais um desvario, a má ideia teve o desplante de se comparar (de novo) a Juscelino Kubitschek.

Surtos psicótico-megalômanos são café-pequeno para quem tem o ego inflado como um Zeppelin. Grande mesmo é a cara de pau do falastrão, gabola e provinciano, que odeia leituras e culpa os adversários pelas adversidades, mas é misericordioso com bandidos de estimação, a quem tudo perdoa.

Sem jamais ter sequer folheado uma biografia que não a própria, o egun mal despachado não faz a menor ideia de quem foi Juscelino. Mas apresentava-o como exemplo a seguir e, mais adiante, passou a se achar superior a ele. Esse traço comum se destaca na diminuta lista de semelhanças. Bem mais extensa é a relação das diferenças, todas profundas, algumas abissais. 

Da feita que se tornou político, o pernambucano desempregado que deu certo passou a mirar as próximas eleições; o mineiro de Diamantina pensava nas futuras gerações.  

O petralha ama ser presidente, mas seria irretocavelmente feliz se pudesse presidir o país sem administrá-lo. Bom de conversa e ruim de serviço, detesta reuniões de trabalho ou audiências com ministros das áreas técnicas e escapa sempre que pode do tedioso expediente no Palácio do Planalto.  

JK amava exercer a Presidência, administrava o país com volúpia e paixão — e a chama dos visionários lhe incendiava o olhar ao contemplar canteiros de obras que o populista petista visita para falatórios eleitoreiros, demonstrando tratar com prazer de política, enquanto seu paradigma tratava também de política com prazer.

O país primitivo dos anos 50 pareceu moderno já no dia da posse de JK. Cinco anos depois, ficara mesmo. O otimista incontrolável inventou Brasília, rasgou estradas onde nem trilhas havia, implantou a indústria automobilística, antecipou o futuro. Cometeu erros, claro. Compôs parcerias condenáveis, fechou os olhos à cupidez das empreiteiras, não enxergou o dragão inflacionário. Mas o conjunto da obra é amplamente favorável.

Com JK, o Brasil viveu a Era da Esperança, mas tornou-se primitivo quando Lula ganhou a eleição. Oito anos depois, ficou mesmo. Mas Lula estava bem no retrato, reiteraram os institutos de pesquisa. Fazia sentido. Primeiro, porque milhões de brasileiros inscritos no Bolsa-Família estavam gratos à esperteza que os reduziu a dependentes da esmola federal. Depois, e sobretudo, porque o advento da Era da Mediocridade tornou o país mais jeca, mais brega, menos exigente, menos altivo.

Nos anos 50, o governo e a oposição eram conduzidos pelos melhores e mais brilhantes. O povo mereceu um presidente como JK. No Brasil de Lula, mandaram os medíocres. O grande rebanho de devotos teve o pastor que mereceu. E continua merecendo, a julgar pelos desqualificados designados, no primeiro escrutínio, para disputar Planalto no segundo turno das eleições passadas. E pela alternativa que restou aos eleitores mais esclarecidos para impedir que o PT e seus satélites e apaniguados retornassem e, com seu apetite pantagruélico, devorassem até a última migalha do Erário.

O capitão cloroquina disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar. O último presidente general da ditadura militar disse algo parecido: "Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel". Aliás, Figueiredo disse ainda que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo e, perguntado por uma criança o que ele faria se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo, respondeu de bate-pronto que “daria um tiro no coco.

Mas o mau militar e parlamentar medíocre que despacha atualmente no Palácio do Planalto tomou gosto por morar às margens do Paranoá e jamais desceu do palanque. A despeito dos mais de 100 mil cadáveres empilhados bem debaixo de seu nariz por essa maldita pandemia, suas prioridades são sobreviver a um improvável — mas não impossível — processo impeachment e se reeleger em 2022. Com coronavoucher, chapéu de cangaceiro e tudo.

Em ritmo de campanha antecipada, o mito dos bolsomínions passou a tratar o Nordeste como uma extensão dos jardins do Alvorada. Entre 31 de julho e 17 de agosto ele visitou os estados da Bahia, Piauí e Sergipe. Na região Norte, esteve no Pará, e deve voar amanhã para o Rio Grande do Norte. 

Tudo somado e subtraído, em menos de um mês nosso indômito capitão terá desfilado suas “pretensões reeleitorais” cinco vezes aos eleitores das duas regiões mais petistas do país. As incursões coincidem com a alta de sua popularidade, que se deve — conforme eu mencionei nesta postagem — ao vale corona de R$ 600 que o governo tem pago desde abril aos brasileiros que enfrentam a pandemia em situação de vulnerabilidade.

Bolsonaro associa o socorro emergencial a uma agenda de inaugurações de obras e proselitismo político. Entregou uma usina termoelétrica na cidade de Barra dos Coqueiros (SE); inaugurou um sistema de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes (BA); visitou o Parque Nacional da Serra da Capivara (PI) e entregou a primeira parte da obra de modernização do porto de Belém (PA). Entregará títulos de legalização de terras no Vale do Açu (RN) e visitará obras hídricas.

Durante a campanha, o candidato Bolsonaro jurou que não disputaria um segundo mandato; segundo ele, a reeleição tem sido "péssima" para o país, pois os governantes "se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger. Eleito e empossado, o presidente Bolsonaro esquivou-se a pegar em lanças pelo fim da reeleição, alegando que cabe ao Congresso promover uma reforma que lime esse instituto do ordenamento jurídico. Oxalá seu entusiasmo com as pesquisas não o impeça de lembrar do que aconteceu com a economia do Brasil quando Dilma deu suas cambalhotas.

Político que não ambiciona o Poder vira alvo, mas político que só ambiciona o Poder arrisca-se a errar o alvo. Sobretudo quando não percebe que a única ambição verdadeiramente útil na antessala de uma crise econômica é a ambição de trabalhar.

Com Augusto Nunes e Josias de Souza

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

AINDA SOBRE O SUPREMO CIRCO DE HORRORES


Há muito que os cidadãos de bem deste país vêm sendo duramente punidos pelas más escolhas de um eleitorado desinformado e semianalfabeto. Para ficar no período pós-redemocratização, a coisa mais parecida com um estadista que ocupou o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto foi o grão-tucano Fernando Henrique. Dos demais, não se salvou nenhum. É certo que na maioria das vezes — com destaque para o pleito de 1989 e o de 2018 — as más escolhas decorreram de uma quase absoluta falta de opção. Mas é incontestável que o panorama democrático que se descortinava com a volta dos militares aos quartéis começou a se esvanecer quando o caçador de marajás derrotou o fundador do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam. E de lá para cá a coisa só piorou, sobretudo quando o petralha maldito assumiu o poder e, mais adiante, fez eleger sua abjeta sucessora.

Ao longo das gestões petistas — marcadas por um profundo endurecimento dos aparelhos de repressão do Estado e de suas instituições jurídicas —, foram empossados nada menos que oito ministros supremos, sete dos quais ainda permanecem em suas confortáveis poltrona, escarnecendo de quem banca seus polpudos contracheques. Não fosse a PEC da Bengala (proposta em 2005 e aprovada pelo Congresso uma década depois) ter aumentado de 70 para 75 anos a idade em que a aposentadoria dos ministros passa a ser compulsória, já nos teríamos livrado ao menos dos lulistas de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber — além de Celso de Mello e Marco Aurélio, indicados respectivamente por Sarney e Collor.

O desserviço que esses inimigos do povo vêm prestando à nação culminou com a decisão da última quinta-feira, cujas nefastas consequências se fizeram notar já no dia seguinte. Ao deixar a sala VIP onde foi tratado como um rei por 580 dias, Lula serviu a uma cáfila de apoiadores o aperitivo para a lauta refeição que ofereceria, no dia seguinte, defronte do Sindicato de Metalúrgicos de SBC (onde havia se encastelado quando teve a prisão decretada e de onde tripudiou da Justiça por mais de 24 horas até finalmente se entregar). 

Em ambas as vezes, o encantador de jegues disparou vitupérios contra o presidente Jair Bolsonaro (a quem acusou de governar para as milícias), o ex-juiz federal Sérgio Moro (a quem chamou de "canalha"), a Paulo Guedes (a quem ser referiu como "demolidor de sonhos" e atribuiu todas as mazelas do Brasil, como se Dilma jamais tivesse existido), a Lava-Jato e a Rede Globo, além de posar como candidatíssimo a um terceiro mandato (embora esteja inelegível até 2035, quando, se o diabo ainda não o tiver carregado, terá 89 anos de idade).

"Eu estou de volta", sibilou, dedo em riste e cenho transfigurado pelo ódio em rascunho de mapa do inferno. Entre os integrantes da claque amestrada que dividiu com ele no palanque, o eterno bonifrate exibia um sorriso idiota, como que para disfarçar seu visível constrangimento, enquanto narizinho, a eterna "amante", parecia ter um orgasmo cada vez que o chefe da quadrilha defecava pela boca, e um sujeito que eu não consegui identificar fazia uma coreografia esquisita, como as macacas de auditório no programa Sílvio Santos. Não fosse trágico, seria cômico.

Entrementes, movimentos de apoio à Lava-Jato e grupos de direita realizavam manifestações de rua em diversas capitais do Brasil, protestando contra a decisão do Supremo e fazendo um apelo ao Congresso pela aprovação da PEC 410, que autoriza a prisão após a condenação em segunda instância, e pela instauração da "CPI da Lava-Toga". A cobertura da imprensa foi pífia, de modo que não me foi possível descobrir em quantos municípios eles aconteceram e com quantos participantes contaram, mas sei que Sampa, Curitiba, Brasília, Rio e Porto Alegre foram as capitais que mais se destacaram.

Na Câmara e no Senado, tramitam duas PECs diferentes regulamentando a prisão após condenação em segunda instância. Os presidentes das respectivas CCJs, Felipe Francischini e Simone Tebet, prometeram pautá-las nas próximas semanas, apostando na pressão das ruas para sensibilizar os presidentes das duas casas, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, que vêm demonstrando resistência ao tema.

Sem prejuízo de outros efeitos deletérios, a decisão dos supremos inimigos públicos jogou mais combustível na já inflamada conjuntura brasileira ao promover um bandido condenado por 20 juízes diferentes em três instâncias do Judiciário (e réu em outras 9 ações penais) a candidato a um terceiro mandato presidencial. No extremo oposto, Bolsonaro recomendou a seus apoiadores incondicionais: "Não vamos contemporizar com presidiário" (mas se reuniu com a cúpula militar do governo e das Forças Armadas para tratar da liberdade do arquirrival), e Moro rebateu na mesma linha do presidente: "Aos que me pedem respostas a ofensas, esclareço: não respondo a criminosos, presos ou soltos. Algumas pessoas só merecem ser ignoradas". Guedes não se manifestou e a Globo se limitou a repudiar as acusações que lhe foram endereçadas.

Graças àquilo que se tornou nossa Suprema Corte, deflagrou-se com mais de três anos de antecedência a sucessão de 2022, e os primeiros discursos soaram como uma declaração de guerra. Lula anunciou que vai sair em caravana pelo país dentro de 20 dias — o que pode ser bom se os paranaenses capricharem mais na pontaria ou se uma bala perdida fizer o que não fizeram aqueles que tiveram chance de golpear a jararaca na cabeça, mas preferiam bater na cauda.

Segundo Josias de Souza, o eleitorado tupiniquim está rachado em três pedaços. Num extremo, um terço pró-Bolsonaro. Noutra extremidade, um terço simpático à radioatividade de Lula. No meio, um terço que reza por moderação enquanto se equipa para decidir a próxima sucessão presidencial. Lula e Bolsonaro parecem subestimar a inteligência da plateia. Um, colecionador de ações criminais, já não retira coelhos da cartola, só gambás. Outro, dedicado à fabricação de crises, não se deu conta de que foi colocado ao volante para dar um rumo à economia, não para passar quatro anos xingando o retrovisor.

Observação: Tanto Figueiredo quanto Bolsonaro disseram (cada qual a seu tempo e à sua maneira) que a ditadura errou. Para o general que preferia o cheiro dos cavalos ao do povo, o erro foi ele, Figueiredo, ter sido encarregado de orquestrar a abertura; para o capitão caverna, foi terem torturado demais e matado de menos. Está cada dia mais difícil contestá-los, e preocupa-me a sensação de que as declarações infelizes do abilolado zero três podem não ser tão estapafúrdias. A que ponto chegamos!

domingo, 3 de abril de 2022

LULA LÁ DE NOVO OUTRA VEZ


O tempo em que Lula era o presidiário mais famoso do Brasil e Sergio Moro um herói nacional perdeu-se nas brumas da corrupção que assola o país desde a célebre carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao rei de Portugal. A Lava-Jato, que era tida e havida como a mais bem sucedida operação saneadora da história, foi desmantelada pelo dublê de mau militar e parlamentar medíocre que elegemos por falta de opção à volta do lulopetismo corrupto. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, a próxima eleição presidencial (que está cada vez mais próxima) será uma reprise da anterior, mas com os protagonistas em posições invertidas. 

A jugar pelas pesquisas, o lulopetismo corrupto deve derrotar o bolsonarismo boçal. Mas enquetes eleitoreiras não são 100% confiáveis. Até porque a maioria é encomendada a empresas que cobram caro para apresentar o resultado desejado pelos marqueteiros dos candidatos. Demais disso, se a eleição fosse um filme, o resultado das pesquisas seria apenas um frame que registrava o humor dos eleitores naquele exato momento.

Em 1980, quando Lula et caterva fundaram o PT, disseram tratar-se de um “partido diferente”, que não roubaria nem deixaria roubar. Anos depois, o Mensalão e o Petrolão demonstraram que não há santos na política, apenas corruptos em maior ou menor grau. 

Lula disputou (e perdeu) o governo de São Paulo em 1982, elegeu-se deputado federal em 1986 (e instruiu seu espúrio partido a não assinar a Constituição de 1988, de cuja elaboração ele participou). Disputou e perdeu as três eleições presidenciais seguintes — para Collor em 1989 e para FHC em 1994 em 1988 —, até que derrotou José Serra e 2002 e, a despeito do Mensalão, venceu Geraldo Alckmin em 2006. Em 2010, com a popularidade nos píncaros, empalou o Brasil com o “poste” que viria a derrotar Aécio Neves dali a quatro anos, no maior estelionato eleitoral pré-Bolsonaro

O impeachment da Dilma promoveu Michel Temer a titular, mas sua ponte para o futuro foi para a ponte que partiu depois que Lauro Jardim revelou sua conversa de alcova mui suspeita com certo moedor de carne bilionário. No Brasil, a corrupção desafia até a lei da gravidade, e o vampiro do Jaburu se equilibrou no Planalto — graças aos favores das marafonas da Câmara, que custaram bilhões de reais em verbas e emendas parlamentares  e terminou o mandato-tampão como um patético “pato-manco” (ermo cunhado pelos norte-americanos para designar políticos que terminam seus mandatos tão desgastados que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes café frio).

Lula se tronou réu em 20 ações criminais e foi condenado em duas por uma dezena de juízes de três instâncias do Judiciário — a mais de 25 anos de reclusão, mas deixou a cela VIP na PF de Curitiba depois de míseros 580 dias e foi reconduzido ao cenário político por um consórcio de magistrados que vestiram a suprema toga por cima da farda de militante. Agora, segundo as tais pesquisas, conta com a preferência de 171% dos eleitores. 

Nunca é demais lembrar que, em 2018, essas mesmas empresas de pesquisa deram como certa a derrota de Bolsonaro (em qualquer cenário, não importando quem fosse seu adversário no segundo turno) e a eleição de Dilma para o Senado. Acabou que o capitão derrotou o preposto do presidiário por uma diferença de quase 11 milhões de votos e a eterna nefelibata da mandioca amargou um humilhante quinto lugar.

Uma coisa é torcer pelo que se quer que aconteça e outra, bem diferente, é fazer previsões com base nos fatos. A única semelhança é que tanto uma quanto a outra podem não acontecer. Exijamos, pois, a união dos candidatos da assim chamada “terceira via”, que precisam deixar de lado o ego, a vaidade e a empáfia, descer do salto e se unir em torno de quem tiver mais chances de romper essa maldita polarização. 

Entre a volta de Lula e sua quadrilha e a permanência de Bolsonaro et caterva, resta-nos seguir a sugestão de Diogo Mainardi. O problema é que a maioria de nós vive no Brasil — e não na Itália, como é o caso do jornalista retrocitado —, situação em que a opção menos traumática talvez seja anular o voto ou simplesmente não dar as caras no dia da eleição.

Kim Kataguiri disse para a Folha que “não seria omissão, mas uma expressão do eleitorado (...) ter a maioria de votos nulos e brancos ou abstenção é mostrar que a maior parte da população rejeita os candidatos”. João Amoedo comparou o ato de decidir entre Bolsonaro e Lula a uma escolha entre morrer afogado ou com um tiro, e Vinicius Poit, seu colega de partido, concordou: “Precisamos de uma outra opção que não seja nem esses dois nem o Ciro, que é um outro populista. Eu votaria nulo porque populismo, seja de direita ou de esquerda, não faz bem ao país”.

A meu ver, não há como discordar. Resta combinar com eleitorado, lembrando que, segundo profetizou Pelé, em meados dos anos 1970, o brasileiro está preparado para votar. Dez anos depois, o general João Figueiredo — o presidente que preferia o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo — foi mais longe: “Um povo que não sabe sequer escovar os dentes não está preparado para votar”.

Triste Brasil.