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quarta-feira, 6 de janeiro de 2021

... E PODE PIORAR AINDA MAIS

 

Desde sempre que os brasileiros são vocacionados a eleger representantes ladrões e mandatários populistas e imprestáveis. Jânio Quadros é um bom exemplo. Sua renúncia levou ao golpe de 64 e aos subsequentes 21 anos de ditadura militar. Senão vejamos.

Eleito em outubro de 1960, no apagar das luzes do governo de Juscelino Kubitschek — que se notabilizou por construir Brasília do nada, no meio do nada, para suceder ao Rio como Distrito Federal —, o advogado, professor de português, político e cachaceiro inveterado “homem da vassoura” assumiu a Presidência em janeiro do ano de 1961, prometendo “varrer” toda a sujeira da vida pública brasileira. Depois de passar 206 dias mandando “bilhetinhos” para auxiliares e se preocupando com questiúnculas — como rinhas de galo, corridas de cavalo, biquinis nas praias e maiôs cavados em concursos de misses —, o demagogo, "movido por forças terríveis", renunciou ao cargo. 

Na manhã do dia 25 de agosto, após ser acusado por Carlos Lacerda — que viria a ser um dos articuladores civis do Golpe de 1964 e a ganhar o epíteto de “demolidor de presidentes” — de tramar um “golpe de gabinete”, Jânio informou à primeira-dama, dona Eloá, que deixariam Brasília naquela tarde. No Planalto, antecipou aos ministros-chefes das casas Civil e Militar a manchete dos jornais do dia seguinte: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República. Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não posso governar”.

Findo o desfile do Dia do Soldado, Jânio encarregou o ministro da Justiça de entregar ao presidente do Senado sua carta-renúncia e voou para a Base Aérea de Cumbica, levando consigo a faixa presidencial (que a essa altura não mais lhe pertencia) e a esperança de o pedido não ser aceito — ou de o renunciante de festim ser reconduzido ao cargo por uma manifestação de apoio popular, o que lhe permitira governar sem ser "incomodado pelo Congresso". Mas faltou combinar com os russos.

Mais preocupados em impedir a posse de Jango, os militares esqueceram Jânio, e o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência. 

Assim, enquanto o país mergulhava na crise provocada pelo veto à promoção do vice a titular, o já ex-presidente embarcou com a mulher num cargueiro com destino à Europa, o presidente da Câmara assumiu (decorativamente) a chefia do Executivo e os ministros militares (que governaram de fato nas semanas seguintes) implementaram a toque de caixa o parlamentarismo. 

Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, o “vice comunista” foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. Mas a experiência parlamentarista foi tão conturbada quanto curta: um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo. 

Jango finalmente assumiu o cargo que era seu por direito, mas foi deposto, quinze meses depois, pelo golpe de 1964. Fica evidente, portanto, que a incipiente democracia tupiniquim havia entrado em parafuso em 25 de agosto de 1961, com a renúncia do populista cachaceiro.

Sobre o golpe: Em 1964, partidos de esquerda, grupos comunistas e seus associados discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Naquela época, a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações. 

Jango, filiado ao PTB getulista, estava claramente no campo da esquerda. Ainda que houvesse comunistas em seu governo e no entorno, o presidente nada tivesse de comunista, a exemplo de ilustres membros do seu gabinete durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, socialdemocratas, trabalhistas ou nacionalistas.

Como o grupo comunista era claramente minoritário, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura (mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa). 

Em 1964, no auge da “Guerra Fria” o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina etc. — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas do “Bloco do Terceiro Mundo”, que se declarava independente, mas pendia para a esquerda, ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia na época, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista. Nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. 

Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir a eleição presidencial de 1965, que seria disputada entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava, transformava-se numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

O Congresso funcionou durante os 21 anos de ditadura — noves fora os breves momentos em que ousou discordar do regime — e “elegeu” todos os presidentes, mas somente depois que os generais de quatro estrelas decidiam quem seria o mandatário de turno. 

Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — tanto democratas quanto comunistas —, presos, torturados e mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou — com recessão, dívida externa explosiva e inflação —, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Em 1985, Tancredo Neves (MDB) derrotou Paulo Maluf (ARENA) por 480 a 180 votos de um colégio eleitoral formado por senadores, deputados federais e membros das assembleias legislativas estaduais. Mas quis o destino o presidente eleito fosse internado 12 horas antes da posse e dado como morto 38 dias e 7 cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.  

ObservaçãoSegundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência horas antes da posse. Também oficialmente, sua morte se deu no dia 21 de abril, depois de outras sete cirurgias. O general João Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney — um reles traidor, segundo o fardado, já que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, disse o general, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Ainda assim, a mágoa que o último presidente da ditadura guardava do repulsivo oligarca maranhense era menor que a resistência da caserna ao deputado Ulysses Guimarães.

Continua...  

sexta-feira, 22 de março de 2024

DANDO NOME AOS BOIS (PARTE 3)


Marx ensinou que a história sempre se repete, primeiro como farsa e depois como tragédia. Não é fácil diferencia uma coisa da outra no Brasil, mas a mim me parece que a campanha de Bolsonaro em 2018 se enquadra no rol das farsas e a vitória de Lula em 2022, no das tragédias (uma tragédia gerada por um eleitorado apedeuta, como frisaram Pelé e Figueiredo, e polarizado pelo "nós contra eles" parido pelo próprio Lula, mas isso é outra história).

Um levantamento feito pela Genial/Quaest junto ao mercado financeiro apontou que 64% dos entrevistados consideram negativa a gestão de Lula (12% a mais do que em novembro passado), mas que a aprovação do ministro da Fazenda cresceu 7 pontos percentuais. Ontem, o Datafolha divulgou que, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais, as parcelas da população que aprovam e rejeitam a administração federal estão tecnicamente empatadas, e que a aprovação do petista em um ano e três meses de mandato está tecnicamente igual à Bolsonaro com o mesmo tempo de governo.

Ao atribuir o aumento da reprovação a "problemas de comunicação", Lula finge não ver que ele é o grande responsável. O conteúdo tóxico de suas falas destrambelhadas sobre Gaza elevou-o à categoria de "persona no grata" em Israel, e suas investidas intervencionistas na Petrobras e na Vale fizeram o valor de mercado das duas maiores empresas encolher bilhões de reais.   

Em vez de cortar despesas, o petista vê no aumento da arrecadação o caminho para bancar sua gastança eleitoreira. Em vez de governar o país, desperdiça tempo — e dinheiro do contribuinte — mostrando o mundo a sua cuidadora e torpedeando seu antecessor. Diz que "polarização é boa se a gente souber trabalhar os neutros para criar maioria e governar o Brasil", e que "o país foi polarizado durante décadas pelas disputas entre PSDB e PT", esquecendo de lembrar (ou lembrando de esquecer) que os adversários de outrora tinham punhos de seda, ao passo que os agora são trogloditas capazes de tudo.  

Durante a reunião, o Sherlock Holmes tupiniquim exibiu sua extraordinária capacidade dedutiva ensinando que o golpe não deu certo porque Bolsonaro é um "covardão". "Ele ficou quase um mês chorando no Palácio da Alvorada, foi para os Estados Unidos e, como o golpe não deu certo, diz agora que nós estamos ferindo a democracia, que não houve nada de concreto, mas sabemos que houve uma tentativa de um golpe nesse País". 


A campanha terminou em outubro e Lula tomou posse em janeiro, mas, em vez governar o país, continua atacando o bolsonarismo e chamando o "coisa" para briga. Eleito com a bandeira da "pacificação", atiça a oposição no Congresso e anima a disputa pelo espólio político de um político inelegível, elegendo-o seu adversário nas eleições de outubro. 


A disputa pode ser boa para Lula, mas cria um ambiente tenso, que o distancia ainda mais dos eleitores que o apoiaram por falta de opção. Na política, quem enfurece o adversário controla os seus movimentos. Tomado pela raiva, o petista desperdiça a paciência dos brasileiros que avaliam mal a sua administração. 


Desde que convocado para comandar a pasta da Justiça, Lewandowski vem tentando de tudo para demonstrar sua serventia. Mas o tudo ainda não quis nada com ele. Em Mossoró, sua excelência declarou que a operação de busca pelos dois foragidos "está se desenvolvendo com êxito", e que "o custo é elevado, mas necessário". Tão difícil quanto encontrar os criminosos é descobrir onde está o tal "êxito": passados mais de 40 dias e gastos mais de R$ 6 milhões, o paradeiro dos fugitivos continua incerto e não sabido. 

Cavalgando o caso Marielle, o ex-supremo togado promoveu a espetacularização do nada: "As notícias que temos é que vamos encontrar os criminosos em breve". Decorridos cinco dias, mandou chamar a imprensa e, correspondendo às expectativas de quem não vê motivos para esperar muito dele, limitou-se a anunciar que o STF homologou a delação premiada de Ronnie Lessa — o criminoso acusado de puxar o gatilho —, e que "brevemente teremos a solução do assassinato".  O problema de certos espetáculos é que o público não está devidamente ensaiado. "Queremos respostas", bateu a viúva da vereadora assassinada em 2018. 

Observação: Lewandowski vem do STF, onde há dois tipos de ministros: os que acham que são Deus e os que têm certeza. Na pasta da Justiça, sua maior decepção é a descoberta gradativa de ele que também está sujeito à condição humana.

A imagem de "imbrochável incomível e imorrível" que Bolsonaro se esfalfa para exibir com palavras não orna com seus atos. Sempre que a merda lhe chega à altura dos beiços, ele tenta atribuir a culpa a outrem. No jargão da caserna, o ex-capitão é do tipo que abandona os feridos no campo de batalha para salvar a própria pele. Em sua coluna no UOL, o desembargador aposentado Wálter Maierovitch escreveu que a minuta do golpe foi elaborada a partir das fantasias que Bolsonaro criou, que há "exuberância de provas" e que esse tipo de crime (sui generis) fica caracterizado mesmo que os preparatórios não ingressem na fase de exaurimento.

 

O ex-presidente golpista vem sendo empurrado para dentro de uma sentença criminal por seu ex-ajudante de ordens convertido em delator e pelos ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que se recusaram a aderir ao golpe. A PF já o indiciou por associação criminosa e inserção de dados falsos no sistema Saúde, e o ministro Alexandre de Moraes deu prazo de 15 dias para a PGR decidir se o denuncia. Caso afirmativo, caberá ao plenário da Corte decidir se converte o inquérito em ação penal e promover Bolsonaro e os outros 16 denunciados a réus.


ObservaçãoTramitam no STF outros seis inquéritos contra Bolsonaro: o das fake news, o das milícias digitais, o que apura atos violentos no Sete de Setembro de 2022, o da notícia falsa que relacionava a vacina contra Covid à Aids, o das joias sauditas e o da tentativa de golpe no 8 de janeiro de 2023. Outros dois indiciamentos devem ser enviados a Paulo Gonet antes das férias do meio do ano. 


Farejando o cheiro de queimado, a tropa de choque bolsonarista pendurou nas redes sociais imagens da multidão que recepcionou eu líder em Maricá (RJ), potencializando o paradoxo que envenena a conjuntura nacional: nas páginas do inquérito, Bolsonaro derrete como um picolé ao sol; nas ruas, sua musculatura política sugere que, mesmo não tendo o condão de livrá-lo de um encontro com o Código Penal, mantém em pé-de-guerra a tribo que o vê uma espécie de Tiradentes traído pelas provas que produziu contra si mesmo e pelos inconfidentes das "minhas Força Armadas".


Ainda que o ex-verdugo do Planalto esteja na bica de ver o sol nascer quadrado, satanizá-lo não elevará a taxa de popularidade do inquilino de turno. Ao se pautar pelo ressentimento, Lula se comporta como o sujeito que toma veneno na esperança de que seu adversário morra. 

sexta-feira, 29 de março de 2019

O FANATISMO, O CONSERVADORISMO, O REACIONARISMO E A REVOLUÇÃO DE 64


Dicionaristas definem o fanático como alguém que segue de forma cega uma doutrina ou um partido, e associam o termo “fanatismo” ao culto excessivo de alguém ou de alguma coisa, ao zelo religioso excessivo, paixão políticaintolerância religiosa, sectarismo, exaltação exagerada, facciosismo

Alguns afirmam que essas conotações remetam a um culto pagão a divindades primitivas (como Cibele e Belona), mas, a meu ver, a melhor definição em linguagem coloquial é: o fanatismo é uma merda. A militância petista é um bom exemplo de gente fanática, mas os bolsomínions não ficam atrás — o fanatismo desbragado é o mesmo, o que muda é o lado do espectro político.

Deixando de lado a patuleia ignara (vade retro, Satanás!) e focando apenas nos defensores incondicionais do atual governo, chama a atenção o fato de que, com a aproximação do dia 31 de março, as postagens alusivas (e laudatórias) à revolução de 64 se multiplicam em progressão geométrica. E o pior é que não partem apenas de reacionários incorrigíveis e saudosistas sem causa, mas também de jovens (com idade entre 20 e 30 anos) que nasceram depois de 1985, ano em que a democracia foi restabelecida neste projeto de banânia, e, portanto, só conhecem da ditadura o que ouvem falar.

Observação: Os termos “conservador” e “reacionário” não são sinônimos, ainda que não raro sejam usados (impropriamente) como tal. O conservadorismo é uma ideologia de imperfeição humana, não de arrogância epistemológica — em outras palavras, os conservadores procuram preservar o que é válido no presente recorrendo aos instrumentos desse presente, e não a fantasias do passado. Já os reacionários defendem a volta de um passado (de proteção econômica, fechamento nacional e isolamento internacional) que nunca existiu como perfeição — são “reacionários” porque não são capazes de pensar os problemas do presente sem recorrer ao “era uma vez…” que é típico de crianças, não de adultos.

Voltando à revolução de 64, tem-se ouvido com indesejável frequência, inclusive de gente que transita nos altos escalões governamentais, que não houve ditadura no Brasil. Alguns sustentam essa balela por cegueira doutrinária; outros, por má-fé, e outros, ainda, por pura e simples ignorância. Mas convenhamos: ao exortar as comemorações alusivas à "data histórica", nosso presidente flerta com a irresponsabilidade. Tanto é que os generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo lhe pediram cautela.

ObservaçãoEnquanto Bolsonaro se preocupa em comemorar 1964, em 2019 a articulação política do seu governo é o caos absoluto, como se viu pela aprovação da PEC do Orçamento Impositivo, que engessa a atuação da equipe econômica — que, por sua vez, achou a princípio que a PEC era uma boa coisa, por incrível que pareça, para fortalecer a “federalização”. Deixe 1964 e volte para 2019, Bolsonaro. O país precisa urgentemente de um presidente.

Num governo que reúne o maior número de ministros militares desde o período da ditadura — o que já gerou insatisfação de parlamentares —, a comemoração do golpe militar deixou de ser uma agenda "proibida", ainda que não tenha retornado ao calendário de comemoração das Forças Armadas por meio de um decreto ou portaria que a formalize. Na última terça-feira, a Defensoria Pública da União anunciou que ajuizará ação civil pública para impedir que o 31 de março, data de início do movimento golpista, seja comemorado nas unidades militares. Na contramão dessa via, outros próceres palacianos se alinham ao presidente, como é caso do ministro das Relações Exteriores (falo do chanceler de direito, não do zero três), que afirmou nesta quarta, 27, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa da Câmara dos Deputados, que a intervenção militar de 1964 não foi um golpe, mas um movimento necessário para que o País não virasse uma ditadura (?!).

Para resumir o que poderia se tornar uma longa novela, segue um breve resumo do que foi o golpe militar de 64 e os 21 anos subsequentes, ao longo dos quais generais do Exército se revezaram no poder, chancelados por um jogo de cartas marcadas no Congresso (onde o partido de oposição era meramente figurativo e seus membros, duramente cerceados sempre que ameaçavam incomodar o regime). Como eu tinha 6 anos de idade, o dia da revolução em si não me evoca lembranças, e o que me foi ensinado na escola, nas aulas de História do Brasil e Educação Moral e Cívica, não passou de uma versão deturpada dos fatos. Felizmente, hoje temos a Web e, sabendo separar o joio do trigo, podemos encontrar tudo sobre tudo. O texto a seguir foi baseado num artigo publicado por Carlos Alberto Sardenberg em sua coluna n’ O Globo. Confira:

Partidos e grupos comunistas discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Corria o ano de 1964, e a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações.
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O presidente João Goulart, do PTB getulista, no cargo desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961, estava claramente no campo da esquerda. Havia comunistas no seu governo e no seu entorno, embora Jango estivesse longe de ser ele mesmo comunista — a exemplo de ilustres membros de seus gabinetes durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, social-democratas, trabalhistas ou nacionalistas, preocupados com a distribuição de renda e a proteção social.

Como o grupo comunista era claramente minoritário nessa aliança, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura — mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa.

Em 1964, o mundo estava em plena Guerra Fria, dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina, em toda parte — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas de um bloco que se declarava independente, o do Terceiro Mundo, que, entretanto, pendia para a esquerda. Ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia, evitar a ditadura comunista.

Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista, nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis. Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam era simplesmente Ocidente versus o Pacto de Varsóvia (a frente militar da URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango, em abril de 1964, e elegeu presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o fechamento.

Muitos democratas e liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para garantir as eleições presidenciais de 1965, nas quais haveria o embate entre Juscelino Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador, liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o governo militar à medida que este radicalizava e se transformava numa verdadeira ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda, apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado, numa frente pela democracia.

É fato que o Congresso funcionou o tempo todo, menos nos breves momentos em que ousou discordar do regime. O Congresso “elegeu” os presidentes, mas somente depois de eles serem escolhidos entre e pelos generais de quatro estrelas. Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — fossem democratas ou comunistas —, presos, torturados, mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou, com recessão, dívida externa explosiva e inflação, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.

Por essas e outras, não há o que celebrar em 31 de março. Não merece ser comemorada a instalação de uma ditadura que fechou instituições democráticas e censurou a imprensa. Isso seria permitir que ódios do passado envenenem o presente e destruam o futuro. Para o presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, a determinação do presidente Bolsonaro é inconstitucional. "O princípio democrático da República Federativa do Brasil, que está na nossa Constituição, determina que os cargos do Executivo são alcançados através do voto. Comemorar uma tomada de poder pela força das armas, que contraria esse princípio democrático, é apologia a algo contrário ao que prega a Constituição", diz ele. 

Com a devida vênia dos que pensam de maneira diversa, acho que não há como discordar. E nem o que comemorar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

WHATSAPP — NOVAS OPÇÕES DE PERSONALIZAÇÃO

TODA PARTÍCULA EM SUSPENSÃO NA ATMOSFERA SEMPRE TEM UM OLHO A SUA ESPERA.

 

Uma recente atualização do WhatsApp permite definir novas cores e papéis de parede para seus chats, seja escolhendo entre opções disponíveis, seja utilizando imagens salvas na galeria de fotos.

Diferentemente do que ocorre no Messenger e na seção de mensagens diretas do Instagram, o tema aplicado no mensageiro da Meta só vale para o lado da conversa de quem o aplicou, ou seja, participantes de grupos e contatos de conversas individuais continuarão com os ajustes que eles próprios definiram.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

A PF encontrou no laptop de Mauro Cid o plano de fuga que Bolsonaro pôs em prática na antevéspera da posse de Lula, para acompanhar de um distancia segura os desdobramentos do 8 de janeiro. Entre a confirmação da derrota nas urnas e a fuga para a Flórida, o ainda presidente desapareceu do cercadinho e parou de gravar as tradicionais lives de quinta-feira. Atribuiu-se o autoexílio à melancolia, mas, a portas fechadas, o "gabinete do golpe" funcionava a todo vapor.
Em terra plana de cego, bolsonarista que tem um olho jamais dirá que seu amado líder está nu. Mesmo passando o dedo na sola do sapato e lambendo, essa choldra não admite que pisou na merda. Nem a suspensão do sigilo do inquérito do golpe iluminou as trevas onde vivem os devotos do "mito" — que até aqui se livrou de uma prisão preventiva, mesmo quando escondeu seu medo da cadeia na Embaixada da Hungria, provando que, em situações de perigo, pensa com as pernas. 
Somente neste mês, quatro militares e um policial federal foram presos preventivamente sob a suspeita de planejar um golpe de Estado que matar Lula, Alckmin e MoraesCom essas decisões, o ministro já determinou ao menos 64 ordens desse tipo desde 2020 (sem contar os casos relacionados aos participantes das invasões dos prédios dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023), mas Bolsonaro continua solto, destilando seu veneno. Fazer o quê? Num país presidido por um ex-presidiário "descondenado", o grotesco não chega a surpreender. 
As chances de o pedido de afastamento de Moraes do inquérito envolvendo a tentativa de golpe são subzero. O presidente do STF rejeitou o recurso em fevereiro, e tudo indica que o resultado será o mesmo no plenário virtual — o julgamento começa amanhã, a partir de quando as togas terão uma semana para votar.
Outro pedido de impedimento de Moraes, protocolado na última segunda-feira, será distribuído por sorteio a outro ministro. Na peça, os advogados anotaram que "a absurda presença de um julgador que se considera vítima dos fatos investigados em feitos sob a sua própria relatoria [...] é uma afronta direta ao princípio da imparcialidade, que é essencial para garantir um julgamento justo e equânime". Considerando que, na avaliação dos ministros, a vítima da tentativa de golpe era o sistema democrático, não Alexandre de Moraes, o desfecho também deve ser o indeferimento.

Para personalizar seus chats:
 
1) Abra o WhatsApp, toque em Configurações > Conversas > Tema de conversas padrão > Temas;
2) Selecione uma das opções e deslize a tela para esquerda e para direita para navegar entre os temas pré-definidos;
3) Toque nos botões (na parte inferior da tela) para acessar as opções de personalização do tema;
4) Selecione a opção que mais lhe agradar, toque em Definir (no topo da tela) e confirme.
 
Para criar seu próprio tema, retorne à tela de Tema da Conversa e, em Personalizar, toque em Cor da conversa, selecione a cor desejada (deslize a tela para os lados para ver mais opções), toque no ícone de lua (na parte inferior da tela) caso queira deixar o tema noturno, depois em Definir e confirme.
 
Volte à tela de Tema da Conversa, toque em Papel de parede, deslize a tela para cima e para baixo para ver as opções e sobre elas para ver uma prévia. Se quiser uma cor sólida, clique em Definir cor e escolha uma cor para o plano de fundo; se preferir uma foto da galeria, toque em Escolher no Fotos (ou algo semelhante), escolha uma imagem da sua galeria, toque em Definir e confirme. 
 
Além de alterar o tema de todas as conversas, você pode definir um ajuste de cor e plano de fundo para cada chat. Par isso, abra a conversa, toque sobre o nome do contato e em Tema da conversa. Em Temas, toque numa das opções, deslize a tela para os lados para navegar entre os temas pré-definidos, toque nos botões na parte inferior da tela para acessar as opções de personalização do tema, escolha o tema desejado, toque em Definir e confirme.
 
Também nesse caso você pode criar seu próprio tema retornando à tela Tema da Conversa, tocando em Personalizar, em Cor da conversa, escolhendo a cor desejada, tocando em Definir e confirmando em seguida. Feito isso, retorne mais uma vez à tela de Tema da Conversa, toque em Papel de parede e siga os mesmos passos sugeridos para a personalização "por atacado".

sexta-feira, 23 de maio de 2025

O PAÍS DA CORRUPÇÃO — 7ª PARTE

ARGUMENTAR COM QUE RENUNCIOU À LÓGICA É COMO DAR REMÉDIO A DEFUNTO.

Dilma jamais foi capaz de juntar sujeito e predicado numa frase que fizesse sentido. No funeral do papa, disse que "Francisco era um papa religioso". Como era esperado, o disparate viralizou, e como não poderia deixar de ser, logo surgiram as explicações: 

"Ela disse que o papa era religioso na acepção da palavra "religare", ou seja, que ele unia, ligava as pessoas", lecionou um explicador — que ainda teve o desplante de classificar a usina de garranchos verbais como uma das maiores mulheres da história deste país.

Num de seus tropeços mais recentes, a mulher sapiens afirmou que "o Sul Global conta também com países do Norte". Os aliados se apressaram a dizer que é isso mesmo, que o Sul Global tem países do Norte — mas a pergunta que se coloca é: por que essa senhora sempre se expressa de forma tão confusa?

Aparentemente, o problema não é apenas cognitivo, embora os elevados conhecimentos econômicos da dita-cuja tenham levado o Brasil à depressão, mas sim de oratória — e um político sem oratória não é nada, ou, pelo menos, não deveria ser. 

Velhos vícios são inimigos acastelados que só a morte expurga. Nem bem o deputado Eduardo Cunha deu sinal verde para o impeachment de Dilma, o PT levou aos lábios o trombone do golpe. Mas como falar em golpe quando o "golpeado" tem direito à mais ampla defesa e o julgamento do processo no Senado é acompanhado pelo STF? Golpe, mesmo, foi a tramoia urdida pelos esquerdistas e chancelado pelos então presidentes do Congresso e do Supremo, que evitou a cassação dos direitos políticos da impichada.

Como se fosse pouco, assim que se aboletou no trono pela terceira vez, Lula disse que era preciso encontrar uma maneira de reparar a injustiça sofrida pela nefelibata da mandioca em 2016 — chegou-se a cogitar uma devolução simbólica do mandato, como o Congresso fez em 2013 com João “Jango” Goulart, que foi destituído pelo golpe de 64. Acabou que madame ganhou sobrevida política como presidenta do "Banco dos BRICS" (com salário anual de meio milhão de dólares).

Observação: Nesta quinta-feira, Dilma foi reconhecida como anistiada política pela Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania em razão de tortura e perseguição que sofreu durante a ditadura militar, além de receber uma indenização de R$ 100 mil e um pedido de perdão, feito em nome do Estado brasileiro pela presidente da Comissão. 

Lula e a patuleia ignara alegam que Dilma foi inocentada das pedaladas fiscais, mas o que o TRF-1 fez foi manter o arquivamento da ação de improbidade administrativa sem resolução de mérito. Na realidade distorcida do macróbio, sua protegida foi julgada por "uma coisa que não aconteceu" — como se o impeachment não tivesse sido bem fundamentado juridicamente e chancelado pelo Supremo.

O art. 52 da Constituição Cidadã dispõe que cabe ao Senado processar e julgar presidente e vice-presidente da República por crimes de responsabilidade, e que a condenação implica a perda do cargo e a inabilitação por oito anos para o exercício de função pública. Collor renunciou horas antes do julgamento para evitar a cassação, mas ficou inelegível por 8 anos. Dilma foi julgada e condenada, mas, estranhamente, preservou seus direitos políticos.

Lula escolheu Dilma para manter aquecida a poltrona que pretendia reassumir dali a quatro anos porque não teve peito para levar adiante o "golpe via emenda constitucional" que lhe garantiria um terceiro mandato. e Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista estavam no xilindró. Mesmo sem ser política ou ter capacidade para gerir o que quer que fosse, ela tomou gosto pelo poder, e ao "fazer o diabo" para se reeleger, pariu a maior crise econômica da história deste país. Ela foi defenestrada pelo conjunto da obra — as folclóricas “pedaladas fiscais” foram apenas um detalhe. 

Ao afirmar que não sabia do aparelhamento das estatais, da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários e das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais, Dilma insulta a inteligência alheia; ao negar os desvios ocorridos na Petrobras, escarnece dos brasileiros; e ao manter Graça Foster na presidência da estatal, a despeito de a roubalheira ter ocorrido durante sua gestão, demonstra que aprendeu com Lula que corrupção só acontece na oposição.

Em sua fase mais delirante, a Rainha Má desfilava com bolsas das grifes Hermès e Vuitton. Quando viajava ao exterior, hospedava-se nos melhores hotéis, frequentava os mais finos restaurantes e se empanturrava de bombons Chocopologie e chocolates Delafee (recobertos com fios de ouro 24K). Se estivesse de dieta, mordia um pedacinho e jogava o resto no lixo. 

O Brasil se retroalimenta da corrupção. Negociações entre Executivo e Legislativo existem na maioria das democracias, mas as negociatas feitas no Brasil são absolutamente delirantes. Talvez isso se deva, em parte, ao fato de nossa Constituição ser eminentemente parlamentarista, e o voto do esclarecidíssimo eleitorado no plebiscito de 1993 ter enfunado as velas do presidencialismo de cooptação.

Como pode dar certo um país onde, desde o ""suicídio" de Getúlio Vargas, o Congresso ora chantageia o Executivo, ora lhe é subserviente?

segunda-feira, 27 de julho de 2020

UM PODER QUE SE SERVE EM VEZ DE SERVIR É UM PODER QUE NÃO SERVE — PARTE 3



Jair Bolsonaro — tido como “mito” por seus apoiadores de raiz e autodeclarado “Messias que não faz milagre” — ocupa o 38º lugar na lista dos presidentes que governaram o Brasil desde o golpe militar de 1889, que pôs fim à monarquia e guindou a presidente de turno o Marechal Deodoro da Fonseca, a quem os livros de História se referem como “proclamador” da República, mas que na verdade foi o protagonista do primeiro golpe desta República. E além de entrar para a História como o primeiro presidente da (hoje chamada) “República Velha”, o indômito marechal foi o primeiro chefe do Executivo Federal Tupiniquim a renunciar ao cargo: sob ameaça de iminente deposição pelos Republicanos — representados pelo igualmente marechal Floriano PeixotoDeodoro pediu o boné em 23 de novembro de 1891Floriano, que era o vice de plantão, assumiu a presidência, e assim, de golpe em golpe e eleição em eleição, noves fora os governos de exceção, chegamos até aqui. Para onde vamos é outra história, mesmo porque no Brasil até o passado é incerto.

Observação: Para acessar a galeria de fotos do ocupantes dos Palácios do Itamaraty, Catete e Planalto nos últimos 130 anos, clique aqui; caso queira ler as postagens em que esmiúço cada gestão desde o desditoso governo de Jânio Quadros — iniciado em janeiro de 1961 e encerrado menos de 7 sete meses depois, em 25 de outubro, com a renúncia do presidente, que foi o estopim do golpe de ’64 —, os primeiros capítulos foram publicados nos dias 15, 16, 17 e 24 de abril e 3 e 7 de maio, e os finais devem ir ao ar na semana que vem ou na próxima.

Voltando ao tempo presente, o presidente da Câmara Federal, deputado Rodrigo Maia — a quem o departamento de propinas da Odebrecht se referia como Botafogo —, abuzanfou-se sobre a pilha de trinta e tantos pedidos de impeachment protocolados até agora contra o atual mandatário.

De acordo com a Constituição de 1988, qualquer cidadão pode pedir o impeachment do Presidente, cabendo ao presidente da Câmara decidir se o pedido preenche os requisitos formais de admissibilidade e, caso afirmativo, fazer a leitura em plenário e encaminhar a denúncia a uma comissão criada especialmente para analisá-la. Se a denúncia for acolhida, o presidente acusado terá até dez sessões da Câmara para se manifestar, após o que a comissão especial terá até cinco sessões para dar seu parecer, que também deverá ser lido na íntegra no plenário da Casa.

Quarenta e oito horas contadas a partir da apresentação do parecer da comissão especial, o documento deverá ser incluído na “ordem do dia” da Câmara e votado em plenário. Se obtiver maioria qualificada de 2/3 — ou seja, se pelo menos 342 dos 513 deputados considerarem o acusado culpado —, a denúncia será encaminhada ao Senado (do contrário ela é arquivada e o assunto morre aí).

Instaurado o processo de impeachment no Senado, o chefe do Executivo é afastado e substituído pelo vice, devendo, inclusive, desocupar as residências oficiais em Brasília. Caso o julgamento não ocorra em até 180 dias, o acusado reassume a presidência e permanece no cargo até o processo terminar sua tramitação.

Reza o artigo 52 da Constituição, em seu parágrafo único: (...) Funcionará como Presidente (do processo de impeachment) o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

Se for considerado culpado, o presidente é deposto em definitivo e inabilitado para o exercício de cargos públicos por oito anos. Caso o julgamento tenha ocorrido dentro do prazo de 180 dias, o vice é efetivado e conclui o mandato-tampão; caso o prazo tenha sido excedido, o vice reassume, é efetivado e governa até o final do mandato.

ObservaçãoNa hipótese de morte, renúncia, cassação etc. do vice, a Constituição prevê a convocação de nova eleições, que serão diretas se faltarem mais de 2 anos para o final do mandato. Caso contrário, caberá ao Congresso Nacional escolher o novo presidente. 

Da leitura do artigo 52 da CF infere-se que “com” exerce a função de conjunção subordinativa aditiva, relacionando o que vem depois dela (inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública) ao que vem antes (perda do cargo). Basta esta singela análise gramatical para concluir que a deposição de Dilma sem a suspensão dos direitos políticos ofendeu a Constituição, e que, ao permitir que isso ocorresse, o então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, cometeu crime de prevaricação (volto a esse assunto mais adiante).

Para entender melhor a questão da maioria qualificada de dois terços, tomemos como exemplo o caso de Dilma, que foi considerada culpada por 61 votos a 20 e condenada à perda do cargo. No entanto, uma tramoia orquestrada pelos presidentes do Congresso e do Supremo — o senador e multirréu Renan Calheiros e o ministro petista Ricardo Lewandowski, respectivamente — evitou a cassação dos direitos políticos da gerentona de araque. Ainda que 42 dos 81 senadores tenham votado a favor da inabilitação da ré (outros 36 votaram contra e houve 3 abstenção), a maioria qualificada de dois terços (ou seja, 54 votos) não foi alcançada.

Explicando melhor: o termo “quórum” remete ao número mínimo de pessoas presentes para a realização do processo de votação de alguma medida administrativa ou legislativa. Por “maioria absoluta” entende-se o primeiro número inteiro superior à metade — sendo inadequado, portanto falar em “metade mais um”; tomando como exemplo o Senado, que é composto por 81 parlamentares, a metade é 40,5 e a maioria absoluta, 41 (e não 41,5).

Para aprovação de lei complementar é exigido o voto da maioria absoluta dos membros do legislativo em ambas as Casas. A rejeição de veto presidencial também depende do voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, em sessão conjunta. Já a maioria simples leva em consideração o número de presentes participantes na votação, ou seja, compreende mais da metade dos votantes ou o maior resultado da votação, no caso de haver dispersão de votos. O quórum de maioria simples é exigido para a aprovação de projetos de Lei Ordinária, de Resolução, de Decreto Legislativo e de Medida Provisória.

Observação: Ressalte-se que Medidas Provisórias também podem ser aprovadas por votação simbólica, que é quando não há o registro individual de votos. Nesse caso, é pedido aos parlamentares que permaneçam como estão se forem favoráveis à matéria, cabendo apenas aos contrários se manifestarem.

Já a maioria qualificada é aquela que exige número superior à maioria absoluta — geralmente dois terços ou três quintos. Para a aprovação de Propostas de Emenda Constitucional (PEC), o artigo 60, § 2 º da Constituição Federal diz que (a proposta) "será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros". Já o artigo 86 prevê da Carta estabelece que a acusação contra o presidente da República por crime de responsabilidade será admitida por dois terços da Câmara dos Deputados (conforme vimos em detalhes parágrafos atrás).

Por fim, é importante frisar que tanto a maioria absoluta e quanto a maioria qualificada levam em consideração o número total de membros que legalmente integram o órgão, ao passo que a maioria simples toma por base apenas os presentes à votação.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL (TERCEIRA PARTE)

 

Durante a batida na sala reservada a Bolsonaro na sede do PL, a PF encontrou uma minuta de discurso contendo o anúncio de um decreto de estado de sítio e instituição de uma GLO. A peça deu a seu suposto dono uma aparência de Napoleão suicida, que oferece aos investigadores as pistas que levarão a seu Waterloo criminal. Embora faça pose de vítima de perseguição, Bolsonaro se tornou um imperador autossuficiente: ele mesmo conspira, ele mesmo documenta a trama, ele mesmo produz o rastro que leva os investigadores às provas. E ao se meter no hospício do golpismo, virou um duque de Wellington de si mesmo. Alexandre de Moraes e a PF apenas surfam na onda de evidências que invade o inquérito.
 
O partido que tem o ex-presidente como presidente de honra atravessa sua maior crise desde o mensalão. De olho na prefeitura de Sampa, Bolsonaro indicou o coronel aposentado e ex-comandante da Rota Ricardo de Mello Araújo para vice na chapa de Ricardo Nunes, que é candidato à reeleição. O negociador da operação foi o próprio Valdemar Costa Neto, que foi preso na operação Tempus Veritatis, mas acabou solto 3 dias depois. A grande dúvida é se Bolsonaro demonstrará seu hipotético talento de cabo eleitoral de luxo antes das eleições de outubro ou depois de ir para a cadeia. 
 
Observação: Mesmo em liberdade provisória, o dono do PL continua preso ao próprio destino. Complicações mais severas estão a caminho, e ele não está livre de uma condenação que lhe renda mais algum tempo na cadeia. Seu partido tem hoje a maior caixa registradora da campanha, mas o plano de eleger o maior número de prefeitos e vereadores foi ameaçado por sua ação golpista, que colocou seu partido a serviço da intentona bolsonarista.
 
Em sua coluna no UOL, Wálter Maierovitch anotou que críticos de arte consideram o mosaico intitulado "O Cortejo de Teodora" um dos mais belos do mundo. Em outro tipo de mosaico — não artístico, mas criminal —, a PF exibiu Bolsonaro preparando o golpe contra o Estado Democrático de Direito. Nessa obra, em vez da esposa de Justiniano — imperador responsável pela elaboração das regras mantenedoras do estado de direito —, vê-se o ex-presidente como um caricato Justiniano às avessas.
 
O mosaico criminal montado pelos agentes federais revela toda uma trajetória golpista, e o instituto da delação premiada — tão criticado por muitos criminalista — como ferramenta fundamental em elucidações que envolvem poderosos. Bolsonaro já sabe que será denunciado pela PGR, que a denúncia será aceita pelo STF e que eventuais contorcionismos jurídicos exibidos em plenário pelos ministros Nunes Marques e André Mendonça podem não ser suficientes para evitar a aplicação do princípio "in dubio pro societate".

Escândalos costumam brotar de acontecimentos que provocam espanto, ferindo a rotina como uma lâmina afiada. Nada foi mais assombroso, na reunião de 5 de julho de 2022, do que a normalidade que revestiu o debate sobre o golpe. Na conversa, Bolsonaro expôs ao ministério sua estratégia para subverter o resultado das urnas, e o absurdo foi recebido pelo primeiro escalão do governo com uma doce, persuasiva, admirável naturalidade.

Estava sobre a mesa o golpe, e nenhum dos presentes esboçou surpresa. Se o encontro ministerial fosse um banquete e Bolsonaro servisse um rato ensopado, nenhum dos ministros faria a concessão de um ponto de exclamação. O cardápio é golpe? Pois que seja antes da abertura das urnas, sugeriu o general Augusto Heleno. Ninguém se opôs. O alvo é o TSE? Pois convém intensificar a movimentação das Forças Armadas da "linha de contato" para o início da "operação" de contestação às urnas, sugeriu o general Paulo Sérgio. Nenhuma contestação. O objetivo é deter Lula? Pois "a gente precisa atuar agora", insuflou Anderson Torres, "porque todos vamos se foder (sic)". Nem sinal de objeção. Há o risco de repetir 64? "É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país, para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no 'the day after', deu de ombros o general Mário Fernandes. De novo, não se ouviu uma reles contradita. "O TCU já soltou o relatório dizendo que as urnas são seguras", avisou Wagner Rosário, levantando a bola para Bolsonaro cortar a cabeça de Bruno Dantas, autor do documento: "Olhem pra minha cara, por favor. Todo mundo olhou pra minha cara? Acho que não tem bobo aqui."
 
No limite, o ambiente capturado pelo vídeo do Planalto evoca uma expressão cunhada pela filósofa alemã Hannah Arendet, que, ao analisar a história do criminoso nazista Adolf Eichmann, enxergou no comportamento do personagem traços de uma "banalidade do mal". Assim como os auxiliares do capitão, Eichmann era tido como bom funcionário, um exemplar cumpridor de ordens. Durante o seu julgamento em Jerusalém, ele contou que, quando os chefes da SS foram convocados para planejar a execução dos judeus, foram servidos aperitivos e um almoço. Nas palavras do servidor de mostruário do regime nazista, foi "uma pequena e íntima reunião social". Nada mais normal.
 
O pedaço do encontro do Planalto captado pela filmagem durou uma hora e 33 minutos. Paulo Guedes entrou mudo e saiu calado. Se um assessor lhe perguntasse: "Como foi a reunião?", ele talvez respondesse: "Nada de novo". Não seria despropositado supor que Marcelo Queiroga, então ministro da Saúde, tenha engolido uma dose cavalar de antiácido para evitar os efeitos gástricos dos cafezinhos que sorveu enquanto silenciou para o absurdo. Ou que Joaquim Álvaro Pereira Leite tenha retornado impassível ao ministério do Meio Ambiente após testemunhar as tramoias palacianas para subverter o ambiente inteiro. Ou que José Carlos Oliveira, então ministro do Trabalho, tenha parado numa padaria para comprar pão e leite antes de se entregar ao repouso doméstico. 
 
Nenhum espelho reflete melhor a imagem de um homem do que suas palavras. Durante a reunião ministerial do golpe, houve dois momentos em que os oradores pressentiram que não conspiravam apenas contra a democracia, mas contra a própria autoimagem. O general Paulo Sérgio, titular da Defesa, disse a alturas tantas considerar conveniente que "os comentários fiquem entre a gente". Rosário, chefe da Controladoria, teve a ilusão de que poderia fugir ao controle social impunemente: "A reunião está sendo gravada?", indagou. Braga Netto acenou negativamente com o dedo, e Bolsonaro assegurou que mandara gravar apenas sua exposição inicial. Graças a uma cilada do destino, o delator Mauro Cid guardou no seu computador a íntegra das imagens. Capturada pela PF, a peça foi jogada no ventilador por Alexandre de Moraes.
 
Presenteado com a possibilidade de comprovar a normalidade que permeou o ocaso de Bolsonaro, o Brasil é levado a concluir que algo de muito anormal precisa ocorrer para restabelecer a sanidade nacional. A imposição de um lote de sentenças criminais que interrompam o ciclo de impunidade do capetão e seus cúmplices já seria um bom começo.
 
No total, 16 militares caíram no alçapão da Hora da Verdade. A número sobe para 17 quando se inclui o delator Mauro Cid, já encalacrado. Seis tiveram de ser afastados porque estavam na ativa. Dos que tiveram a prisão decretada, dois foram presos imediatamente. Faltava recolher o coronel Romão Corrêa Netto, cuja prisão retardatária causou ainda mais constrangimento ao Exército. Primeiro, porque ele precisou ser repatriado dos Estados Unidos depois que PF bateu à porta dos enrolados; segundo, porque continuava matriculado no Colégio Interamericano de Defesa 14 meses depois da chegada de Lula, cuja posse o braço golpista do bolsonarismo tentou impedir.
 
O alto comando do Exército alega que desconhecia os meandros da investigação, mas a oxidação produzida por Bolsonaro na imagem das Forças Armadas é o preço acrescido de juros e multa cobrado dos fardados, que não pagaram em dia suas parcelas de respeito à Constituição. Ao retardar a limpeza dos seus quadros, as FFAA assumem as prestações mais pesadas do crediário da desmoralização.
 
Ao culpar o general Heleno pela iniciativa de infiltrar espiões da Abin durante a campanha eleitoral, Bolsonaro joga o velho amigo numa frigideira criminal. Ele demora a notar, mas foi justamente sua mania de se esquivar de responsabilidades que produziu a delação de Mauro Cid. O ex-ajudante de ordens viu como ele carbonizou, em 2021, o general Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa, e três comandantes militares, e assistiu à fritura de Gustavo Bebianno e do general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Quando os escândalos das joias sauditas e da fraude dos cartões de vacinação explodiram, o tenente-coronel percebeu que as manifestações do chefe, não raro desconexas e contraditórias, caíam sempre no seu colo. Já bem passado, farejou o cheiro de queimado; ao sentir o hálito da PF em sua nuca, abriu o bico. E deu no que está dando.
 
Heleno chefiava o GSI e tinha a Abin sob o seu guarda-chuva, mas a mobilização de um aparato clandestino para espionar campanhas durante a Presidência de Bolsonaro era areia demais para seu caminhão. A lealdade subserviente o impediu de acordar uma delação premiada, mas outros encrencados podem enxergar na sua combustão um estímulo para seguir as pegadas de Cid.
 
A conferir.