UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
segunda-feira, 25 de maio de 2020
GOVERNO DO GENERAL DA BANDA — GANGRENA EM ESTADO AVANÇADO REQUER AMPUTAÇÃO DE MEMBRO AFETADO, SOB PENA DE ÓBITO DO PACIENTE
segunda-feira, 18 de maio de 2020
ALEA JACTA EST — E QUE DEUS NOS AJUDE A TODOS
Além de debelar a crise sanitária e seus efeitos nefastos na economia, o país precisa combater outro adversário. Este, porém, nada tem de invisível. Tem nome, sobrenome e endereço conhecidos (embora também se apresente como "Airton Guedes", "Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz" e "paciente 05"). Trata-se de alguém em quem fomos obrigados a votar a contragosto, para evitar um mal maior. Mas jamais imaginamos que estaríamos criando o monstro que aí está.
Sabíamos tratar-se de um anormal e mau militar (na definição irreprochável do ex-presidente general Ernesto Geisel), que foi defenestrado do Exército por planejar explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias, que se elegeu deputado federal sete vezes seguidas e, ao longo de longos 27 anos e fumaça como parlamentar do baixo clero, aprovou dois projetos e colecionou mais de trinta ações criminais (a maioria movida por políticos de esquerda, mas até aí morreu o Neves).
É certo que o momento não poderia ser pior para um impeachment, como adverte o presidente da Câmara dos Deputados. Mas o mesmo se poderia dizer em relação à demissão não de um, mas de dois ministros da saúde, em menos de 30 dias, por um presidente que não se sabe se é maquiavélico ou demente. E isso em meio à mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos — situação em que alguém experiente e muito bem assessorado no comando do Ministério da Saúde faria toda a diferença.
Bolsonaro — que ganhou no quartel o apelido de "Cavalão" — não quer um ministro da Saúde, mas um fantoche, um áulico que ecoe as suas ideias para o setor. Ninguém com um pingo de dignidade, ou que tenha uma reputação a zelar, ou pura e simples vergonha na cara aceitará o papel de submissão aos “achismos” e obsessões presidenciais, exigência determinante do capitão para a sobrevivência de seus auxiliares. Sendo assim, talvez a única solução seja recorrer à disciplina militar.
Se Cavalão, digo, se Bolsonaro abdicasse do posto de ministro da Saúde para assumir a Presidência — cargo para o qual foi eleito por 57,7 milhões de brasileiros —, algo de bom poderia acontecer, sobretudo se fizesse uma autocrítica e abrisse um canal de diálogo sincero com governadores e prefeitos. Como o único tipo de autocritica que o presidente conhece é a autocritica a favor, o que vem por aí é a continuidade de uma corrida insana, com o capitão trevoso disputando com o vírus o comando da crise.
Impeachments, houve dois na era pós-ditadura: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016 (tecnicamente, houve outros casos desde a proclamação da República, mas alguns não resultaram em deposição e outros que... enfim, não é o momento para maiores delongas).
Os autores alegam "omissão do Legislativo" em avaliar a abertura de impeachment do presidente. O decano pediu “prévias informações” a Rodrigo Maia, que classificou o afastamento como “solução extrema” e pontuou que não há norma legal que fixe prazo para a avaliação dos pedidos protocolados no Congresso. A decisão por arquivar, ou não, a ação cabe ao relator, ministro Celso de Mello.
O linguajar rastaquera, os modos rústicos e a ignição instantânea fazem parte do DNA do capitão caverna, mas os temas tratados na reunião parecem ter aguçado os seus maus bofes. Em certos trechos, ele se dirigiu aos subordinados como se estivesse fora de si, e sempre que isso ocorre ele não consegue esconder o que tem por dentro.
Aos devotos que carregam seu andor nas redes sociais, Bolsonaro disse o seguinte: "São dois trechos de 30 segundos que interessam ao processo. Mas, da minha parte, autorizo a divulgar todos os 20 minutos, até para ver dentro de um contexto. O restante a gente vai brigar. A gente espera que haja sensibilidade do relator [Celso de Mello]. É uma reunião reservada nossa.”
Aras está sendo pressionado pelas duas partes. Por um lado, a pressão interna, vinda dos procuradores, é pela denúncia, sobretudo depois de terem visto a gravação e interrogado as testemunhas. Há informações de que, ao receber os primeiros detalhes sobre o vídeo, o PGR soltou um palavrão de espanto diante dos relatos. De outro lado, a pressão vem do Cavalão, digo, do presidente, que acena ao procurador com a vaga do decano no STF, mas insinua que a indicação dependeria da atuação de Aras.
À medida que as provas se acumulam, arquivamento desse processo fica mais difícil. O advogado constitucionalista Gustavo Binemboim, muito antes de o vídeo da reunião ministerial se tornar o busílis da questão, escreveu um artigo em que explica os padrões decisórios consolidados para situações de incerteza no direito processual penal: in dúbio pro societate (em dúvida, a favor da sociedade), pelo recebimento da denúncia, no início do processo; in dúbio pro réu (em dúvida, a favor do réu) quando do julgamento final. “Na instauração da ação penal, prefere-se correr o risco de processar suposto inocente a inocentar possível culpado. No veredicto final, havendo dúvida razoável, prefere-se inocentar eventual culpado a condenar virtual inocente”.
Toda investigação é um quebra-cabeça que vai sendo montado peça por peça. Se alguma for esquecida, não se forma a figura final. Aras precisa levar em conta as atitudes pregressas do Cavalão, digo, do presidente, que desde agosto fala publicamente que quer mudar o comando da PF no Rio. Cabe ainda ao PGR analisar cuidadosamente o ambiente da reunião ministerial. Bolsonaro disse que em nenhum momento se referiu à Polícia Federal; os ministros Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos disseram que ele falou, sim, mas em outro momento da reunião, em outro contexto. Depois, tiveram uma crise de amnésia — que acometeu também o general Heleno. É preciso ver o vídeo inteiro para juntar as peças do quebra-cabeça. Um bom passatempo para o decano na quarentena.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
FATOS OU VERSÕES?
Não sei o que está mais difícil de aturar: se a quarentena — que, pelo visto, deve durar até o final dos tempos; se o noticiário, que atualiza frame a frame o número de infectados e mortos pela Covid-19; se o patético jus sperniandi do napoleão de hospício, que em sua maneira tradicionalmente tosca e canhestra tenta explicar o inexplicável e justificar o injustificável.
Igualmente desconcertantes, ainda que em menor medida, o contorcionismo dos ministros generais para não faltar com com a verdade e, ao mesmo tempo, evitar incriminar um capitão que, ironicamente, acontece de ser seu comandante em chefe.
Acrescente-se a essa pândega um ministério da Saúde acéfalo, um médico songamonga em avançado processo de fritura (*) e um inquérito envolvendo uma guerra de narrativas que serve apenas para acirrar os ânimos e fomentar a dicotomia. Quando por mais não seja, bastaria tornar pública a gravação da fatídica reunião ministerial de 22 de abril para pôr um ponto final nessa história.
(*) Bola cantada, bola encaçapada: Menos de um mês depois de substituir Mandetta no comando do Ministério da Saúde, o oncologista Nelson Teich — que na cerimônia de posse disse estar alinhadíssimo com Bolsonaro — pediu demissão na manhã desta sexta-feira. A live do presidente na véspera, marcada por ataques gratuitos ao ministro e a seu trabalho, e a ingerência no ministério, coroada pelo decreto que incluiu cabeleireiros, barbeiros e academias de ginástica à lista das atividades "essenciais", foram a gota que fez o copo transbordar. O médico deixou o ministério na noite de ontem disposto a seguir no governo, e pavimentava o caminho para tentar reduzir a tensão, mas as palavras do general da banda na internet deixaram evidente que ele já não fazia questão de preservar seu soldado no front de batalha. A demissão pegou de surpresa até mesmo os auxiliares que vinham tentando auxiliar o ora ex-ministro no gerenciamento da crise. Bolsonaro chegou a convidar o número dois da pasta, o general Eduardo Pazuello, para assumir o posto, caso Teich se demitisse. Mas Osmar Terra — esse, sim, alinhadíssimo com o capitão sem luz no que tange ao afrouxamento da quarentena e ao uso da cloroquina — também é um forte candidato. Faças suas apostas.
Vivemos num país em que políticos se elegem para roubar, roubam para se reeleger e escrevem leis em causa própria e para favorecer seus bandidos de estimação. Aqui, a raposa é pilhada na porta do galinheiro, com as penas da galinha grudadas no focinho, mas considerada inocente até que regurgite a ave, devolva-lhe a vida e torne a comê-la, desta vez dentro do galinheiro e sob as vistas "imparciais" das corujas supremas, que só enxergam o que lhes convém e quando lhes convém.
Por falar em narrativas, versões e meias verdades, não deixe de clicar neste link.
domingo, 7 de novembro de 2021
O IMBROXÁVEL SEM SACO
Até o presente momento, o que se tem de concreto é a abjeta
polarização que a igualmente abjeta "alma viva mais honesta da
galáxia" gestou e pariu com a também abjeta cantilena do "nós
contra eles", mas, também aí há uma diferença importante: antes de
2018, o "eles" era o tucano da vez; agora, trata-se de um certo
presidente sem partido. E como o mundo dá muitas voltas, fala-se na
possibilidade de Geraldo Alkmin, tucano de vistosa plumagem, disputar a
vice-presidência na chapa encabeçada pelo ex-presidiário de Curitiba. É mole?
Só nos resta torcer pela tal terceira via, que só
terá chances reais de prosperar se os candidatos "alternativos" se
unirem em prol de um objetivo comum, qual seja impedir que Bolsonaro chegue ao
segundo turno — considerando que todas as pesquisas feitas até agora apontam o petralha
como franco-favorito, a pulverização da terceira via labora em seu favor.
A pré-candidatura
do ex-juiz Sérgio Moro é uma possibilidade a ser considerada — a
largada oficial deve ser dada nos próximos dias, com a festa do Podemos, e
algum efeito nas pesquisas, observado no mês que vem, perto do Natal. O que se
sabe, desde já, é que ele sai em vantagem na disputa. Antes de iniciar a
campanha, o eterno juiz da Lava-Jato é o candidato com o maior
percentual no mano a mano com o provável candidato do PT: na pesquisa
feita pelo Ipespe para o segundo turno, ele perde para o ex-presidiário
com 34% dos votos, mas vence Bolsonaro (32%), Ciro Gomes (29%), João
Doria (23%) e Eduardo Leite (22%).
Deltan Dallagnol deve disputar uma vaga na Câmara
pelo Paraná. Por ser atuante na Igreja Batista, o ex-coordenador da Lava-Jato
pode conquistar votos entre os evangélicos — eleitorado cativo de Bolsonaro.
Cansado de ser perseguido por tentar fazer seu trabalho, o procurador pediu
exoneração do Ministério Público. Se realmente entrar para a política,
sua candidatura poderá favorecer de Moro na disputa pela Presidência.
O líder do Cidadania na Câmara,
deputado Alex Manente, disse a Moro que defende a retomada da
tramitação da PEC da prisão de condenados em segunda instância, que está
empacada na Câmara desde o começo da pandemia. Segundo entrevista concedida
pelo parlamentar ao Antagonista, a entrada de Moro na
política partidária vai ajudar a retomar o discurso da proposta e favorecer sua
aprovação. Na avaliação do líder do Cidadania, o nome do ex-juiz é o mais
importante da terceira via; quem rejeita sua candidatura são os
"radicalizados", para os quais a opção por Lula ou Bolsonaro
é "irreversível".
Em seu depoimento à PF, o sultão do Bolsonaristão
afirmou que sugeriu a Sergio Moro a nomeação de Alexandre Ramagem
para o cargo de diretor-geral da corporação, e que o então ministro da Justiça
e Segurança Pública disse concordou, “desde que a nomeação ocorresse após sua
indicação à vaga no STF”.
Vale lembrar que na ocasião, por mensagem de aplicativo, a
deputada Carla Zambelli se ofereceu para tentar pacificar a crise, e o
ainda ministro respondeu: “Prezada,
não estou à venda”. A deputada insistiu: “Ministro, por favor…
milhões de brasileiros vão se desfazer”. E depois: “Por Deus, eu sei. Se
existe alguém no Brasil que não está à verba [sic] é o sr.”.
Depois da divulgação do conteúdo do depoimento de Bolsonaro
à PF, o ex-juiz e ex-ministro divulgou uma nota afirmando que não troca
princípios por cargos e que jamais condicionou a troca no comando da PF
à vaga no Supremo. Segundo ele, o próprio Bolsonaro deixou claros
os motivos da troca na reunião
ministerial de 22 de abril.
“Sobre o depoimento do Presidente da República no
inquérito que apura interferência política na Polícia Federal, destaco que
jamais condicionei eventual troca no comando da PF à indicação ao STF. Não
troco princípios por cargos. Se assim fosse, teria ficado no governo como
Ministro. Aliás, nem os próprios Ministros do Governo ouvidos no inquérito
confirmaram essa versão apresentada pelo Presidente da República. Quanto aos
motivos reais da troca, eles foram expostos pelo próprio Presidente na reunião
ministerial de 22 de abril de 2020 para que todos ouvissem. Também considero
impróprio que o Presidente tenha sido ouvido sem que meus advogados fossem
avisados e pudessem fazer perguntas.”
Fato é que o mesmo Judiciário que articulou a libertação do
presidiário de Curitiba e o transformou em "ex-corrupto" vem armando
um bote que tem por objetivo pôr Moro e Dallagnol atrás das
grades. No Brasil de hoje, essa ministros das cortes superiores se valem de uma
hermenêutica desbragada para soltar os bandidos e colocar em suas celas os "xerifes"
que os prenderam.
O
tempo trabalha a favor da candidatura da Terceira Via. A aposta é
derrotar o sociopata no primeiro turno e montar uma aliança nacional contra Lula
no segundo.
Com O Antagonista
sábado, 2 de abril de 2022
O BRASIL E O PRIMEIRO DE ABRIL
O Dia da Mentira é celebrado em alguns países ocidentais, entre os quais o Brasil. Pregar peças (pranks) durante o Fool's Day (Dia dos Tolos) é uma prática que foi importada dos EUA pelos tupiniquins. Mas o Brasil é um ponto fora da curva em muitos sentidos, e 2022 é mais um ano atípico. Até porque é ano de eleições gerais.
Escrevo este texto na manhã de 1º de abril. Na véspera, aniversário do golpe militar de 1964, o general Braga Netto, que se desincompatibilizou do cargo de Ministro da Defesa para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Bolsonaro, publicou uma ordem do dia celebrando um "movimento" e um "marco histórico da evolução política brasileira".
Ainda segundo o conspícuo general, os militares agiram para "restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil", embora não haja qualquer evidência histórica que sustente tal afirmação. E Bolsonaro, que se elegeu presidente em 2018 assegurando, entre outras promessas que não cumpriu, acabar com o instituto da reeleição, rosnou que o pleito presidencial de outubro próximo será “uma guerra do Bem contra o Mal”.
Observação: A nota do general não diz, mas a ditadura militar foi um período de turbulência, de violência arbitrária e de gestão econômica irresponsável. Trouxe recessão, explosão da dívida externa e hiperinflação. Falar em amadurecimento político em uma ditadura é ridículo. Dizer que “trouxe paz”, só se for a paz dos cemitérios. Dizer que o regime observou “o regramento constitucional” é mentira: a ditadura rasgou a Constituição de 1946, criou uma Constituição espúria e, ao praticar a tortura e baixar atos institucionais, não respeitou nem essa própria Constituição.
Costuma-se dizer que nunca se mente tanto quanto numa guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. No Brasil, as mentiras — que de um tempo a esta parte passaram a ser chamadas de fake news — tornaram-se o way of live de políticos ímprobos, que, nunca é demais lembrar, não brotam nos gabinetes por geração espontânea; estão lá por obra e graça do esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim.
Quando li que a Polícia Federal chegou à conclusão de que Bolsonaro não cometeu crime por interferências na instituição, pensei tratar-se deu uma clássica pegadinha de 1º de abril. Segundo o relatório, a despeito de todos os dados analisados, de todas as perícias realizadas e das 18 pessoas ouvidas em quase dois anos de investigação, nenhuma prova foi encontrada — as testemunhas alegaram não ter recebido pedidos para interferir ou influenciar investigações da PF.
Vale lembrar que o próprio Bolsonaro confessou, em reunião ministerial gravada no dia 22 de abril no Palácio do Planalto, sua tentativa de interferência. Num trecho da gravação, ele detalhou que as mudanças ilegais na PF eram para proteger seus filhos. “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.”
Em outra oportunidade, Bolsonaro minimizou a repercussão dada pela imprensa a sua participação numa manifestação realizada defronte ao Quartel General do Exercito — que chamou de “Forte Apache” — em prol de uma intervenção militar no Brasil. E ainda afirmou que “o AI-5 não existe”. Ano passado, dias antes das comemorações do Dia da Independência, vociferou que haveria uma ruptura se o STF agisse fora das “quatro linhas da Constituição”. Seus discursos no dia 7 de setembro — tanto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, quanto na Avenida Paulista, em São Paulo — foram assustadores. Mas ninguém fez nada a respeito.
A despeito de ser o presidente que mais vituperou o Estado Democrático de Direito, o STF e o Congresso Nacional desde a redemocratização, de colecionar mais de 140 pedidos de impeachment, de ser alvo de seis inquéritos e de ter sido acusado pela CPI do Genocídio pela prática de mais nove crimes (comuns e de responsabilidade), Bolsonaro não só continua no cargo como é candidatíssimo à reeleição. E como nada é tão ruim que não possa piorar, de duas, uma: ou essa tragédia se prolonga por mais quatro anos, ou amargamos a volta do ex-presidiário mais famoso desta banânia, ora paramentado com a esdrúxula plumagem de “ex-corrupto”. E isso não é pegadinha de primeiro de abril.
Contando, ninguém acredita, mas também não é pegadinha de primeiro de abril: O deputado bolsonarista Daniel Silveira — que se entrincheirou na Câmara dos Deputados para descumprir decisão judicial que determinou o uso de tornozeleira eletrônica (e só desarmou o circo depois que o ministro Alexandre de Moraes estipulou uma multa de R$ 15 mil por dia e mandou bloquear as contas bancárias do parlamentar) — não só compareceu ao evento de despedida dos ministros que deixaram os cargos para disputar as eleições de outubro como foi defendido pelo presidente.
“Não podemos aceitar o que vem acontecendo passivamente. Ele [Daniel Silveira] pode ser preso? Deixa para lá. Pode ter os bens retidos? Deixa para lá. Vai chegar em você”, discursou Bolsonaro, que também fez eco às aleivosias de Braga Netto. E sem citar nominalmente nenhum ministro do STF, mas fazendo uma clara alusão a Barroso e Moraes, seus principais desafetos, rugiu o leão do Bolsonaristão: “Cala a boca, bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros...”
Triste Brasil neste primeiro de abril.
domingo, 16 de maio de 2021
COISAS DO BRASIL
Começo a postagem deste domingo (que redigi de véspera) com algumas perguntas retóricas: Quem imaginaria que o candidato vitorioso à prefeitura de São Paulo em 2020, que mal ingressou na confraria dos quarentões, estaria, dali a seis meses, desenganado pelos médicos e aguardando o minuto fatal de sua passagem por este vale de lágrimas? (Me ocorreu escrever “com o pé na cova”, mas achei a expressão desrespeitosa, sem mencionar que resultaria num trocadilho infeliz e de muito mau gosto).
Observação: Bruno Covas morreu às 8h20 deste domingo (16) aos 41 anos. Ele foi diagnosticado com a Covid em julho do ano passado, quando a doença já havia matado quase 5.600 pessoas no estado de São Paulo, mas não resistiu a câncer no sistema digestivo com metástase no fígado, contra o qual vinha lutando desde 2019. Minhas condolências à família do falecido.
Ou que um ex-presidente condenado a mais de 20 anos de cadeia (da qual saiu pela porta da frente graças a uma manobra espúria de seus sectários no STF) seria guindado à bizarra situação de “ex-corrupto” e reabilitado politicamente a tempo de disputar em carne e osso a próxima eleição presidencial? Ou quão desastrosa seria para esta republiqueta de bananas a vitória do dublê de mau militar e parlamentar medíocre (com pitadas de psicopatia, se me permitem parafrasear o ministro Luiz Roberto Barroso, um dos poucos que se salvam no supremo ninho de urubus) sobre o bonifrate do ex-presidiário no pleito de 2018? Ou, ainda, que um vírus genocida (falo do Sars-CoV-2, porque há outros por aí, com nome, endereço e CPF) dizimaria quase 0,2% da população tupiniquim em “apenas” 15 meses de pandemia?
Todas elas levam a situações em que o imprevisto teve voto decisivo na assembleia dos acontecimentos. Aliás, sempre que imagino ter visto de tudo neste caldeirão de merda que atende por cenário político nacional, surge um episódio ainda mais surreal, como que para me dizer que eu ainda não vi nada.
Não bastasse o cheiro pútrido que emana dos fatos revelados pela CPI da Covid — sem mencionar os que ainda virão à luz, considerando que o ex-ministro Eduardo Pesadelo prestará depoimento na próxima quarta-feira, a não ser que consiga arrumar outra desculpa para não dar o ar de sua graça (quem sabe uma caganeira como a que acometeu D. Pedro I há quase 200 anos) —, aflorou do mar de lama do Planalto, graças a um trabalho exaustivo e minucioso do jornal O Estado de S. Paulo, a monumental maracutaia vem sendo chamada de Tratoraço das Emendas Secretas.
A matéria apresenta fortes indícios de que o governo montou
um esquema paralelo para o manejo das emendas parlamentares ao Orçamento da
União a fim de assegurar apoio no Congresso. Pouco antes disso surgiram na CPI
evidências sobre o uso do mesmo tipo de recurso obscuro no Ministério da Saúde,
onde a gestão da pandemia conta com um grupo de aconselhamento do presidente da
República que atua à margem das orientações da estrutura oficial.
Muito antes, mais exatamente em maio do ano passado, o país tomou conhecimento de que numa reunião ministerial ocorrida no mês anterior (22 de abril de 2020) o presidente da República revelara contar com um “sistema particular de informações” por não se sentir atendido pelas instâncias formais da área, tais como a Polícia Federal, a Agência Brasileira de Inteligência e até o setor de inteligência das Forças Armadas.
Voltando ainda mais no tempo, desde o início do mandato de Jair Bolsonaro sabemos da atuação, digamos, informal, de filhos e correligionários do presidente na comunicação governamental, motivo, inclusive, de atritos com aqueles oficialmente nomeados para funções nesse setor. Alguns saíram, outros preferiram ficar, simulando não perceber a impropriedade — quando não o risco do flerte com a ilegalidade — dessa maneira oficiosa de lidar com assuntos oficiais. Ali viceja o chamado gabinete de ódio, de composição e atuação envoltas em sombras.
Isso é o que por ora conhecemos sobre o conjunto de sujeitos
ocultos em ação no que poderíamos chamar de Planalto profundo. Ainda que não se
estabeleça com isso a existência de um governo paralelo como algo extensivo a
todas as áreas, é o suficiente para constatar a predileção do presidente Bolsonaro
por trabalhar, desorganizada e indisciplinadamente, com instâncias montadas à
margem da máquina do Estado.
Se confirmados os indícios de uma reserva de bilhões de
reais do Orçamento da União para o atendimento privilegiado (e sem
transparência) de deputados e senadores, teremos a ocorrência de um crime de
responsabilidade. Isso, no máximo. No mínimo, ficará demonstrada a adesão do
governo aos costumes da velhíssima política.
Vestidas com roupa nova, as mesmas práticas que há quase
trinta anos ensejaram uma CPI cujo resultado foi a cassação de seis deputados e
a renúncia de outros quatro entre os 37 investigados, conhecidos como “anões do
Orçamento”. Na gestão da crise sanitária, as posições do presidente contrárias
às orientações da ciência pareciam ser fruto exclusivo da cabeça dele. A CPI da
Covid vem nos mostrando que Bolsonaro bebia também em outras fontes, buscando
respaldo em gente que nada tinha a ver com a equipe presidencial. Pessoas que
desconheciam procedimentos normativos, como ocorreu no caso do preparo daquela
minuta de decreto para incluir na bula da hidroxicloroquina o tratamento para a
Covid, ao arrepio das exigências legais.
O episódio da notória reunião do fatídico 22 de abril foi o
mais explícito sobre os métodos presidenciais de operação, fundados no
aconselhamento de uma rede de conhecidos que compartilham das posições dele.
Ali o presidente, sem imaginar que a gravação viria a ser de conhecimento
público, criticou fortemente a Polícia Federal (“não me dá
informações”), “as inteligências das Forças Armadas” e a Abin.
Todas por não o atenderem de acordo com seus desejos e poderes que ele acredita
ter.
Daí foi que revelou a existência de um “sistema
particular de informações”. Ele mesmo tratou de descrever o perfil e o
funcionamento do tal sistema. “É o sargento do batalhão do Bope do Rio de
Janeiro, é o capitão do grupo de artilharia lá de Fortaleza, é o policial civil
que tá em Manaus, é meu amigo que tá na reserva e me traz informação da
fronteira”, disse ele, ressaltando a eficácia do assessoramento e ao mesmo
tempo atribuindo a ineficiência das instâncias formais ao “aparelhamento das
instituições”.
A solução encontrada pelo presidente, ao que se viu e se vê agora de maneira ampliada, foi montar aparelhos paralelos para exercer a chefia da administração federal como quem toca uma reforma em casa sob critérios de vontade e de conveniências pessoais. Um indubitável desvio dos ditames a que está submetido o exercício da Presidência da República.
Com Dora Kramer
quarta-feira, 3 de junho de 2020
DECIFRA-ME OU TE DEVORO
Para os propósitos desta abordagem, porém, interessa dizer que na mitologia grega as esfinges têm pernas de leão, asas de pássaro e rosto de mulher, e são tidas como traiçoeiras e impiedosas.
A versão que integra o elenco da tragédia Édipo Rei, do dramaturgo Sófocles (496-406 a.C.), foi enviada para Tebas pela deusa Hera, e propunha a todos que passavam pela estrada que levava a Tebas o seguinte enigma: "Que criatura tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde?"
Depois de considerar o espaço que esse detalhamento ocuparia, quão grande ficaria esta postagem e tão cansativa seria sua leitura, resolvi recomendar a quem interessa possa que faça como eu fiz. Para facilitar a navegação através das quase 5.000 postagens publicadas, recorra ao campo "Arquivos do blog", que fica parte inferior da coluna à direita.
No primeiro caso, relembro a entrevista concedida pelo capitão à Bloomberg, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos. Questionado sobre as suspeitas de rachadinha no gabinete do primogênito na Alerj (o célebre Caso Queiroz), o presidente respondeu, litteris: "Se por acaso Flávio errou e isso ficar provado, eu lamento como pai. Se Flávio errou, ele terá de pagar preço por essas ações que não podemos aceitar".
O vídeo desnudou um presidente conduzindo uma reunião ministerial com sangue nos olhos, explicitamente temeroso de não concluir o mandato, exortando o povo a “se armar”, a fim de enfrentar os que ele, Bolsonaro, acusa de pretender implantar uma “ditadura” no país. No que tange a seus vassalos, disse o general da banda: “Quem for elogiado pela Folha, pelo Globo, pelo Antagonista, está fora”, deixando claro que a ele não importa a qualidade do trabalho do auxiliar, mas a disposição de servi-lo de maneira cega.
Bolsonaro ficou calado quando o ministro Ricardo Salles propôs a derrubada de regulamentações “de baciada” enquanto “a imprensa está ocupada com a Covid-19”, e tampouco se manifestou quando a ministra que viu Jesus na goiabeira disse que seu gabinete pegaria pesado quando terminasse a pandemia, ameaçando mesmo “prender governadores e prefeitos”, devido à aplicação de medidas de isolamento social.
quarta-feira, 13 de maio de 2020
E DÁ-LHE, CAPITÃO!
Ontem à noite, os noticiários divulgaram trechos dos depoimentos. Pelo que se pode ver, um dos depoentes foi mais evasivo, outro mais assertivo, e o terceiro pareceu ter problemas de memória. Mas nenhum deles disse com todas as letras que o presidente cometeu qualquer crime (até porque não lhes caberia fazer esse tipo de julgamento), nem que Moro mentiu. Ou "não se lembrava" de determinados detalhes da reunião, de modo que não poderia confirmar ou negar, ou se lembrava, mas achou, então, que a intenção do presidente era essa ou aquela (à testemunha não compete emitir opiniões, a menos que isso lhe seja expressamente solicitado; do contrário, ela deve se ater aos fatos).
Agora pela manhã eu obtive uma cópia dos depoimentos, que foi publicada mais cedo no site Poder 360. Mas é bom lembrar que uma imagem vale por mil palavras. Quando e se a gravação da reunião for divulgada, teremos uma ideia melhor do que realmente se passou. Por enquanto, leia os depoimentos dos generais e tire suas próprias conclusões:
Augusto Heleno (3 MB);
Braga Netto (1,6 MB);
Luiz Eduardo Ramos (1,5 MB).
1 - No pronunciamento em resposta a Moro, Bolsonaro assumiu que determinou à PF que interrogasse o assassino de Marielle Franco, e que teve acesso ao relatório resultante. Salvo melhor juízo, isso representa uma admissão de culpa e, quando os investigadores descobrirem como a interferência se deu, a denúncia será quase inevitável.