NA NATUREZA NADA SE CRIA, NADA SE PERDE, TUDO SE TRANSFORMA.
"A gente mal nasce e começa a morrer", escreveu Vinicius em Sei lá — A vida tem sempre razão. Guardadas as devidas proporções, isso vale também para o mundo como um todo.
Desde tempos imemoriais, religiosos, profetas, videntes e assemelhados alardeiam o fim dos tempos. No início da era cristã, vates delirantes, respaldados no Apocalipse segundo São João, trombetearam que a humanidade não sobreviveria ao ano 1000. Como o mundo não acabou, o julgamento celestial foi reagendado para 1033 (como estamos em 2025, conclusão é óbvia).
CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA
Cerca de 37 mil bolsonaristas bateram os cascos na Av. Paulista no último domingo — bem menos que os 185 mil contabilizadas em fevereiro de 2024, mas mais que o dobro do número registrado em junho passado. Devido às medidas cautelares impostas por Moraes, o ex-presidente não pode atuar como mestre de cerimônias em mais esse patético espetáculo circense. O prefeito Ricardo Nunes postou-se ao lado de SilasMalafaia, Costa Neto e Sóstenes Cavalcante, mas o governador Tarcísio de Freitas se escorou num procedimento médio agendado para o mesmo dia e horário da manifestação e não compareceu.
A despeito do tamanho do rebanho e da magnitude dos mugidos, a Primeira Turma do STF reservou as sessões plenárias dos dias 2, 9, 16, 23 e 30 de setembro para o julgamento do núcleo golpista que reúne Bolsonaro e sete cúmplices. Mesmo com a prisão decretada na segunda-feira o cronograma foi mantido. Segundo o Datafolha, 67% do brasileiros acham que o ex-presidente inelegível deve desocupar a moita, e 54%, que ele deve pendurar as chuteiras.
No Congresso, parlamentares alinhados com o aspirante a golpista entraram num uma espécie de “greve” para impedir votações nos plenários e nas comissões. A ideia é conseguir "anistia ampla geral e irrestrita" a Bolsonaro e seus asseclas golpistas e o impeachment de Alexandre de Moraes. Segundo o senador das rachadinhas, panetones e mansões milionárias, esse “conjunto de medidas solucionaria os problemas do Brasil.
Como a escolha à la carte é algo indisponível numa eleição, o eleitorado atribui favoritismo ao petista quando submetido ao menu de virtuais adversários — que prometem anistiar Bolsonaro, ainda que 61% dos entrevistados afirma que não votariam em candidato que prometesse conceder o indulto a golpista. Num ambiente assim, o segmento mais esclarecido do eleitorado vai às urnas com disposição para escolher o mal menor, mesmo que isso não elimine a sensação da maioria de que engolir o menor dos males ainda é escolher o mal.
Botticelli foi um grande pintor, mas previu que Jesus Cristo voltaria em 1504, revelando-se um profeta de merda. Stifel aprazou o Juízo Final com precisão suíça, mas o mundo não acabou às 8h do dia 19 de outubro de 1536. Colombo se saiu melhor como descobridor do que como profeta: segundo seus apontamentos, o apocalipse aconteceria entre 1656 e 1658. Lutero chutou na trave ao prever que o mundo acabaria no século XVII: em 1666, a Peste Negra e o Grande Incêndio mataram mais de 100 mil londrinos, mas a vida seguiu seu curso. A Igreja Católica Apostólica, criada em 1835 por Edward Irving, anunciou que Jesus voltaria após a morte de seus 12 fundadores — o último bateu as botas em 1901, mas o Messias não deu as caras —, e as Testemunhas de Jeová dizem desde 1870 que "o juízo final virá em breve".
Crendices à parte, um estudo publicado recentemente no Journal of Cosmology and Astroparticle Physics concluiu que restam apenas 1078 anos até que todas as estrelas deixem de existir. Sem a notação científica, estamos falando do número 1 seguido de 78 zeros. Até então, a era 101100 anos, ou seja, 1 seguido de 1.100 zeros. No estudo, os pesquisadores sustentam que diferentes objetos podem decair por um processo semelhante à radiação Hawking.
Observação: Segundo o físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking, sempre que um par virtual de partículas surge no horizonte de eventos de um buraco negro, uma é consumida e a outra escapa na forma de energia, e essa energia fugitiva ficou conhecida como radiação Hawking. O fenômeno cria um paradoxo, pois contradiz a previsão relativística de que um buraco negro só pode crescer.
Até então, acreditava-se que isso se aplicava apenas aos buracos negros, e os cientistas especulavam sobre qual seria o tempo de vida das estrelas. Agora, a nova validade cósmica estimada é de 1078 anos — o tempo que as estrelas anãs brancas, os corpos celestes mais longevos do Universo, levariam para decair por meio desse processo. Ademais, os pesquisadores descobriram que esse processo se aplica também a outros objetos com campo gravitacional, como estrelas, planetas e satélites naturais. O que define o tempo de decaimento é a densidade do objeto – quanto mais denso, mais rápido ele evapora por meio da radiação.
Tudo somado e subtraído, o Universo caminha para o fim. Não hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã. E não com uma explosão apoteótica, mas com o silêncio frio e persistente da física. Até lá, a humanidade continuará prevendo apocalipses, ignorando a ciência e, claro, esforçando-se para se autodestruir muito antes que a radiação Hawking entre em cena. Efêmeros como somos, seguimos ocupados demais com nossas pequenas tragédias para perceber que, lá fora, a eternidade já começou a morrer. Diante disso, resta a velha certeza: não importa quantas previsões furadas já tenham sido feitas, nem quão longe esteja o colapso cósmico, a extinção é inevitável.
O Universo é um relógio com ponteiros que mal se movem. Um dia eles irão parar, e quando isso acontecer, nem profetas, nem físicos estarão aqui para dizer: "Eu avisei."