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sexta-feira, 24 de outubro de 2025

MENTIRAS QUE SOAM VERDADEIRAS

É MELHOR UM FIM HORROROSO DO QUE UM HORROR SEM FIM.  

A maioria de nós já ouviu dizer que avestruzes enterram a cabeça na areia quando estão assustados, que preguiças são preguiçosas, que porcos são sujos, que golfinhos estão sempre sorrindo, que elefantes nunca esquecem, que Lula foi absolvido e que Bolsonaro foi condenado injustamente. Só que nada disso é verdade. 


No que tange aos avestruzes, as fêmeas colocam a cabeça no buraco que usam como ninho para virar os ovos várias vezes durante o dia — se realmente enterrassem a cabeça para não ver o perigo, como diz a lenda, as pobres aves morreriam asfixiadas. 


As preguiças se movem devagar porque seu metabolismo as obriga a economizar energia, e como não andam sobre as solas dos pés, mas se arrastam com suas longas garras, sua locomoção nas árvores e no solo é lenta e desajeitada. Por outro lado, elas se movem velozmente na água e dormem cerca de 10 horas por dia — bem menos que os gatos e outros animais domésticos.


Os porcos são animais naturalmente asseados. Eles defecam longe de onde comem, dormem e acasalam, mas, como não conseguem suar, refrescam-se chafurdando na lama — o que lhes dá a aparência de sujos. Por outro lado, é impossível manter-se limpo quando se vive confinado num chiqueiro pequeno, superlotado e imundo.


Os golfinhos são brincalhões e parecem sorrir porque o formato de suas mandíbulas cria essa ilusão. Mas são incapazes de mudar de expressão, e podem ser surpreendentemente desagradáveis e traiçoeiros, chegando a atacar outros mamíferos marinhos e até pessoas quando se sentem ameaçados.


Os elefantes possuem o maior cérebro entre os mamíferos terrestres. Seu lobo temporal — extremamente desenvolvido — permite memorizar cheiros, vozes, lugares, hierarquias, vínculos familiares e comandos de voz. Eles são capazes de reconhecer outros elefantes — e até humanos — após décadas de separação, bem como de manter relações complexas dentro da manada, que a matriarca conduz por rotas migratórias antigas, guiada por lembranças de locais com água e comida.


Assim como afirmar que “os elefantes não esquecem” é uma simplificação poética embasada na ciência, dizer que os eleitores brasileiros fazem, a cada dois anos, por ignorância, o que Pandora fez uma única vez por curiosidade, é uma simplificação poética embasada na mitologia grega.


Celebrizada pelo jornalista Ivan Lessa, a máxima segundo a qual os brasileiros esquecem, a cada 15 anos, o que aconteceu nos últimos 15, ilustra a quintessência da falta de memória — ou de preparo — do nosso eleitorado. Aliás, em momentos distintos da ditadura, Pelé e o ex-presidente João Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los, se lutamos tanto pelo direito de votar para presidente e elegemos gente como Lula, Dilma e Bolsonaro?


Em 135 anos de história republicana, 35 brasileiros foram alçados à Presidência pelo voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado. Em agosto de 1961, a renúncia de Jânio Quadros ladrilhou o caminho para o golpe de 1964, que depôs João “Jango” Goulart do Palácio do Planalto e deu início a duas décadas de ditadura militar.


Em 1989, depois de 29 anos sem votar para presidente e podendo escolher entre Ulysses Guimarães, Mário Covas e Leonel Brizola — de um cardápio com mais de 20 postulantes — a plebe ignara preferiu despachar Collor e Lula para o segundo turno. O caçador de marajás de mentirinha derrotou o desempregado que deu certo por 683.920 a 215.177 votos válidos, provando que memória histórica e senso crítico não são pré-requisitos para exercer o direito de voto.


Collor foi empossado em março de 1990 e penabundado em dezembro de 1992. Em 1994, graças ao bem-sucedido Plano Real, Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda de Itamar Franco, elegeu-se presidente no primeiro turno. Picado pela “mosca azul”, comprou a PEC da Reeleição.


Como quem parte, reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte, o tucano de plumas vistosas renovou seu mandato no ano seguinte — novamente no primeiro turno. Mas não há nada como o tempo para passar. Em 2002, sem novos coelhos para tirar da velha cartola, não conseguiu eleger seu sucessor: Lula derrotou José Serra por 61,27% a 38,73% dos votos válidos.


Em 2006, apesar do escândalo do mensalão, o petista venceu Geraldo Alckmin por 60,83% a 39,17% dos votos válidos. Em 2010, visando manter aquecida a poltrona que tencionava disputar dali a quatro anos, fez eleger um “poste” — Dilma Rousseff —, que pegou gosto pelo poder, fez o diabo para se reeleger, entrou em curto-circuito e foi desligada em 2016, pondo fim a 13 anos e fumaça de lulopetismo corrupto.


Com o impeachment da mulher sapiens, Michel Temer passou de vice a titular do cargo. Num primeiro momento, a troca de comando pareceu alvissareira. Depois de mais de uma década ouvindo garranchos verbais de um semianalfabeto e frases desconexas de uma destrambelhada que não sabia juntar sujeito e predicado, ter um presidente que sabia falar — até usando mesóclises — foi como uma lufada de ar fresco numa catacumba. Mas há males que vêm para o bem e bens que vêm para pior.


O prometido “ministério de notáveis” revelou-se uma notável agremiação de corruptos, e a “ponte para o futuro”, uma patética pinguela. Depois que sua conversa de alcova com Joesley Batista veio a lume, Temer pensou em renunciar, mas foi demovido por sua tropa de choque.


Escudado das flechadas de Janot pelas marafonas da Câmara, o nosferatu que tem medo de fantasma concluiu seu mandato-tampão como pato manco e transferiu a faixa para um mix de mau militar e parlamentar medíocre travestido de outsider antissistema, que se tornou o pior mandatário tupiniquim desde Tomé de Souza.


Para provar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estadista que sempre acreditou em Estado grande e intervencionista e lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes..


Para provar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado adepto das práticas da baixa política, amigo de milicianos, que em sete mandatos aprovou apenas dois projetos e passou por oito partidos diferentes, todos de aluguel, foi buscar Sérgio Moro. 


Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade numa penca de generais saudosos da ditadura.


Bolsonaro obrigou Moro a reverter uma nomeação, tomou-lhe o Coaf, forçou-o a substituir um superintendente da PF e esnobou seu projeto contra a corrupção. O ex-juiz fingiu que não viu, tentou negociar e, por fim, desembarcou do governo para tentar salvar o pouco prestígio que lhe restava.


Bolsonaro desautorizou Guedes, interferiu em seu ministério, sabotou seus projetos e, com o Centrão, enterrou de vez a agenda econômica. A maneira como gerenciou a pandemia de Covid foi catastrófica. Os crimes comuns e de responsabilidade cometidos pelo aspirante a genocida só ficaram impunes graças à leniência de Rodrigo Maia e Arthur Lira, que presidiram a Câmara durante sua gestão, e à cumplicidade de Augusto Aras, seu antiprocurador-geral.


Bolsonaro jamais escondeu a admiração pela ditadura militar e a vocação para o autoritarismo. Em 2019, poucos meses após a posse, reconheceu que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, embora tenha passado menos anos no Exército do que na política e, ao longo de 27 anos no baixo clero da Câmara, tenha apresentado 172 projetos, relatado 73 e aprovado apenas dois.


Na eleição de 2014, ao ver o poste de Lula derrotar o neto corrupto de Tancredo, Bolsonaro resolveu disputar a Presidência “com a cara da direita”. Ignorado pelo PP, que apoiou a campanha de Dilma, lançou seu ultimato: “Ou o partido sai da latrina ou afunda de vez”. Graças à Lava-Jato, a sigla afundou de vez. Graças à sua pregação antipetista, Bolsonaro renovou seu mandato como deputado mais votado do Rio de Janeiro, saltando de 120,6 mil votos em 2010 para 464,5 mil em 2014.


Derrotado em 2022 graças à sua nefasta gestão, Bolsonaro pôs em marcha a tentativa de golpe que lhe rendeu a condenação a 27 anos e 3 meses de prisão, além do pagamento de multa e indenização. O acórdão publicado na terça-feira (22) abriu o prazo de cinco dias para a interposição de embargos de declaração e de 15 dias para embargos infringentes.


Os embargos de declaração servem apenas para pedir esclarecimentos sobre o texto do acórdão — nada de rediscutir o mérito. Já os embargos infringentes permitiriam um novo julgamento no plenário, mas o Supremo já decidiu em outros casos que eles só são admissíveis quando há pelo menos dois votos favoráveis à absolvição — condição que, adivinhe, não se aplica à condenação do ex-presidente. Ele cumpre prisão domiciliar desde agosto e pode ser enviado ao Complexo Penitenciário da Papuda antes do final do ano.


Há males que o tempo cura, males que vêm para pior e males que pioram com o passar dos anos. Lula 3.0 é uma reedição piorada das versões 1 e 2 e, como nada é tão ruim que não possa piorar, o macróbio quer, porque quer, disputar a reeleição em 2026 — para nossa alegria (risos nervosos).


Vale lembrar que o ministro Fachin tomou a decisão teratológica de anular as condenações de Lula em caráter eminentemente processual. Como o mérito não foi analisado, o ex-presidiário não foi absolvido. Em outras palavras, o ministro agiu como um delegado que manda soltar um criminoso porque ele foi preso em flagrante pela Guarda Civil Metropolitana, e não pela Polícia Militar. Mesmo assim, o macróbio eneadáctilo alega que foi inocentado — e sua claque amestrada acredita.


As consequências da inconsequência do eleitorado tupiniquim são lamentadas todos os dias, inclusive por quem abriu a Caixa de Pandora achando que estava escolhendo o menor de dois males — o que só se justificaria se não houvesse outra opção. Tanto em 2018 quanto em 2022 havia alternativas; só não viu quem não quis ou não conseguiu, porque sofre do pior tipo de cegueira, que é a mental.

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Reza uma velha (e filosófica) anedota que quando Deus estava distribuindo benesses e catástrofes naturais pelo mundo recém-criado, um anjo apontou para o que seria futuramente o Brasil e perguntou: Senhor, por que brindas essa porção de terra com clima ameno, praias e florestas deslumbrantes, grandes rios e belos lagos, mas não desertos, geleiras, vulcões, furacões ou terremotos? E o Criador respondeu: Espera para ver o povinho filho da puta que vou colocar lá.


Resumo da ópera:


Bolsonaro foi eleito em 2018 graças ao antipetismo, mas a emenda ficou pior que o soneto. Sua nefasta passagem pelo Planalto resultou na “descondenação” de Lula e culminou com seu terceiro mandato, que vem se revelando pior do que os anteriores. E a possibilidade de ele se reeleger é assustadoramente real, mesmo porque, ironicamente, seu maior cabo eleitoral é Bolsonaro — e seus filhos despirocados, claro.


Se Sérgio Moro não tivesse trocado a magistratura pelo ministério da Justiça no desgoverno do capetão, é possível que a Lava-Jato ainda estivesse ativa e operante, e Lula ainda estivesse cumprindo pena em Curitiba, na Papuda ou no diabo que o carregue. Tanto ele quanto Bolsonaro são cânceres que evoluíram para metástases e, portanto, se tornaram inoperáveis. Mais cedo ou mais tarde, a Ceifadora livrará o Brasil desse mal. Até lá, a abjeta polarização seguirá a todo vapor — a menos que uma “terceira via” surja e se consolide ao longo do ano que vem.


Políticos incompetentes e/ou corruptos que ocupam cargos eletivos não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram eleitos por ignorantes polarizados, que brigam entre si enquanto a alcateia de chacais se banqueteia e ri da cara deles — e dos nossos, de brinde.


Einstein teria dito que o Universo e a estupidez humana são infinitos, mas salientou que, no tocante ao Universo, ele ainda não tinha 100% de certeza. Alguns aspectos de suas famosas teorias não sobreviveram à passagem do tempo, mas sua percepção da infinitude da estupidez humana deveria ser bordada com fios de ouro nas asas de uma borboleta e pendurada no hall de entrada do Congresso.


Não há provas de que boas ações produzam bons resultados. A lei do retorno é mera cantilena para dormitar bovinos, mas insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é a melhor definição de imbecilidade que conheço, e más escolhas inevitavelmente geram péssimas consequências — como temos visto a cada eleição presidencial desde 2002.


Triste Brasil.


sexta-feira, 8 de agosto de 2025

SOBRE SAUDADE, SAUDOSISMO E ALIENAÇÃO.

HÁ QUE EXTIRPAR O CARCINOMA ANTES QUE SE TORNE METÁSTASE.

A palavra saudade (do latim solitas, que significa solidão) não é exclusiva da língua portuguesa. No inglês, homesickness equivale a saudades de casa, e to miss expressa o sentimento de falta de alguém. Expressões com significados semelhantes existem no espanhol — te extraño —, no francês — j’ai regret — e no alemão — Ich vermisse —, mas saudade ficou em 7º lugar entre as palavras mais difíceis de traduzir, segundo a Today Translations. 

 

Sentir saudades de algo bom que se foi é saudável, mas romantizar um passado que nunca existiu é caso de internação. Dizer que a vida era melhor quando não havia Internet nem celulares é cultuar o retrocesso, e almejar a volta da ditadura militar é passar recibo de que Einstein estava certo sobre a infinitude da estupidez humana e José Saramago, sobre o pior tipo de cegueira ser a mental.

 

Em "O Alienista", a obsessão de um psiquiatra por definir o limite entre sanidade e loucura acaba aprisionando toda uma cidade. Ao final, a única pessoa racional é o próprio alienista, que se condena como o único alienado. No mundo real, só a falta de manicômios por que tantos eleitores que expeliram o cérebro na primeira evacuação repetem a cada dois anos, nas urnas, o que Pandora fez com sua caixa uma única vez. 

 

Em momentos distintos da ditadura militar, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Como ninguém os levou a sério, a vitória Collor sobre Lula na eleição de 1989 — a primeira pelo voto direto desde 1960 — resultou em um dos piores governos desde Tomé de Souza. Com impeachment do pseudocaçador de marajás, o vice Itamar Franco passou a titular, e o sucesso do Plano Real assegurou a vitória de Fernando Henrique em 1994.

 

O tucano de plumas vistosas foi o mais próximo de um estadista que presidiu o Brasil desde a redemocratização, mas sucumbiu à mosca azul e se tornou mentor, fomentador e primeiro beneficiário da PEC da Reeleição, abrindo espaço para Lula e Dilma se reelegerem. Michel Temer terminou seu mandato tampão a duras penas e não concorreu à reeleição; Bolsonaro disputou, foi derrotado e partiu para o golpe — que só não prosperou por falta de apoio das Forças Armadas.

 

Bolsonaro iniciou sua trajetória militar em 1973, mas deixou a caserna pela porta lateral depois que a revista Veja revelou que ele e outro capitão pretendiam explodir bombas em instalações militares como forma de pressionar o comando por melhores salários. Eles foram condenados por unanimidade, mas o STM os absolveu por 9 votos a 4 (mais detalhes em O Cadete e o Capitão: A Vida de Jair Bolsonaro no Quartel). Depois de deixar a caserna pela porta lateral, o futuro presidente golpista foi vereador e sete vezes deputado federal, passou por nove partidos (todos do Centrão) e acabou no PL do ex-mensaleiro e ex-presidiário Valdemar Costa Neto, onde disse estar se sentindo em casa

 

A despeito de não passar de projeto mal-ajambrado de mau militarparlamentar medíocre e admirador confesso da ditadura, ele derrotou Haddad em 2018 porque a parcela pensante do eleitorado rejeitou a ideia de ter no Planalto um bonifrate do então presidiário mais famoso do Brasil. Mas emenda ficou pior que o soneto. Bolsonaro conspirou contra o Estado Democrático de Direito em manifestações, motociatas e outros atos de cunho eminentemente golpista. Em 2021, durante um comício em Santa Catarina, referiu-se ao ministro Barroso — então presidente do TSE — como "aquele filho da puta". Discursando nas festividades de 7 de Setembro, levou seus apoiadores ao delírio xingando Moraes de canalha e afirmando que descumpriria as decisões do magistrado. 

 

Se o Brasil fosse uma democracia que se desse ao respeito, Bolsonaro teria sido impichado e processado criminalmente. Mas Rodrigo Maia e Arthur Lira engavetaram mais de 140 pedidos de impeachment, e o antiprocurador-geral Augusto Aras fez o mesmo com dezenas de denúncias por crimes comuns. Para piorar, sua indigesta gestão resultou na "descondenação" de Lula, que o derrotou em 2022. Evitar que um mandatário negacionista, sociopata e aluado se perpetuasse no poder era imperativo, mas eleger Lula era opcional — era "reconduzir o criminoso à cena do crime" (como disse Geraldo Alckmin quando ainda era tucano).  

 

Mas o que esperar de um país onde 29% da população com idades entre 15 e 64 anos é composta de analfabetos funcionais? Onde não se investe em educação porque povo ignorante é mais fácil de manipular com promessas assistencialistas, como Bolsa Família e assemelhadas? Povo instruído não se contenta com circo medíocre nem troca facilmente o voto por saco de cimento, vale gás ou selfie com seu bandido de estimação. Manter o rebanho ignorante é fundamental quando se governa com promessas vazias, slogans publicitários e programas que, em vez de emancipar, amarram.

 

Isso explica por que os brasileiros se dividem entre um ex-presidiário e um psicopata genocida de viés golpista. Mesmo inelegível até 2030 e com uma condenação esperando para acontecer, o "mito" segue liderando a extrema-direita, que o vê como um ex-presidente de mostruário perseguido por um algoz que, entre outras "injustiças", decretou sua prisão domiciliar. Também explica por que o Congresso está apinhado de parlamentares fisiologistas e corruptos, que colocam os próprios interesse acima dos interesses de quem deveriam representar, e por que nosso país é governado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas e sai reciclada, mas ainda como merda, na posse do novo governante. 

 

Quem observa o Congresso de longe fica com a impressão de que Câmara e Senado viraram hospícios, e quem vê de perto descobre que o manicômio é momentaneamente administrado pelos loucos. Entre os espasmos que marcaram a volta das férias — Bolsonaro em prisão domiciliar e seu filho posando de herói da resistência democrática —, surge a maior das excentricidades: amotinada nos plenários das duas Casas, a facção bolsonarista exige a aprovação de um "pacote da paz" — que, trocando em miúdos, seria um pacote "salva-Bolsonaro, já que busca uma lei ou emenda constitucional para um indivíduo certo. Além da anistia, a sem-vergonhice inclui o impeachment de Moraes e o fim do foro privilegiado, com a anulação do julgamento da trama golpista no Supremo e a transferência do caso para a primeira instância do Judiciário, onde tudo voltaria à estaca zero. Tudo em nome da democracia, naturalmente. 

 

É improvável que eles consigam deter a condenação de Bolsonaro em setembro, mas Hugo Motta só conseguiu voltar à mesa da presidência da Câmara na noite de quarta-feira, após longa negociação com a oposição mediada por seu antecessor, Arthur Lira. Segundo o deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante, o presidente da Câmara se comprometeu a colocar em pauta os projetos da anistia e o que coloca fim ao foro privilegiado. Num abraço de afogados, Motta levou junto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. 

 

A anistia "é o esquecimento de uma ou mais infrações criminais" — ou seja, extingue totalmente a punição e os seus efeitos — e pode ser concedida antes de uma condenação. Com uma eventual anistia a crimes comuns e eleitorais, Bolsonaro sairia "zero quilômetro", pronto para concorrer à próxima eleição presidencial — mais ou menos como o STF fez com Lula ao anular suas condenações). Mas vale destacar que anistia tem natureza de lei penal, sendo da competência do Congresso Nacional. Como lei, dependerá de sanção do presidente da República — a menos que saia pela via da emenda constitucional. Por ter natureza de lei, a anistia é interpretada e aplicada pelo Poder Judiciário. E aí o buraco é mais embaixo.

 

No que tange ao processo criminal referente às imputações criminosas de golpe de Estado, atentado violento ao estado democrático de Direito, associação criminosa etc., muito já se discutiu sobre o foro competente. Alegou-se que, sem o manto da presidência nem cargo parlamentar, Bolsonaro não deveria ser julgado pelo STF. Mas a corte chamou a competência para si em razão de se tratar de imputações de crimes contra o Estado nacional e a sua constituição. Foro é matéria processual e, como tal, não se aplica retroativamente. Caso o STF condene Bolsonaro antes de uma eventual alteração legislativa processual, a decisão terá plena validade. 

 

Desde que assumiu o mandato presidencial, Bolsonaro preparou um golpe de Estado para se perpetuar no poder. A intentona não prosperou, mas o golpismo progrediu e passou a atacar a soberania nacional com condutas no estrangeiro a cargo do filho Eduardo, que convenceu Trump — seja por carta barganhando pela impunidade do pai, seja pelo tarifaço e pela arbitrária aplicação da Lei Magnitsky — a se imiscuir em nossas questões, a despeito da Carta das Nações Unidas, que garante a soberania dos Estados nacionais e autodeterminação dos povos.

 

Por tudo isso, nem com anistia, borrachas, deslocamentos de foros e alegadas nulidades e abusos, os democratas deverão jogar a toalha em favor de tiranos de plantão, que vão prosseguir com o esforço para salvar Bolsonaro, nem que isso custe colocar o Congresso e o país em polvorosa. Tiranos são tão perversos que Tomás de Aquino, doutor e santo da Igreja, defendeu a legitimidade do tiranicídio.

 

Resumo da ópera: Tudo visto e examinado, fica evidente  que o culpado por esse e outros descalabros é do populacho que o Criador designou para a porção de terra que viria a ser o país do futuro que nunca chega porque tem um imenso passado pela frente. Com um povo que tem bandidos de estimação, que reconduz criminosos à cena do crime, que canta o hino nacional para pneu de trator, envia sinais de celular para ETs e atende prontamente quando convocado para defender a anistia de um golpista, país nenhum pode dar certo.


Triste Brasil.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

O BRASIL DA CORRUPÇÃO

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL; O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.

A corrupção desembarcou em Pindorama travestida de nepotismo: na epístola em que comunicou o "achamento do Brasil", Pero Vaz de Caminha rogou ao rei de Portugal que intercedesse por seu genro, preso por roubo e degredado para a ilha de São Tomé, na África.

Não se sabe a duração do castigo imposto ao contraparente do escriba nem se o pedido foi atendido, mas sabe-se que a corrupção assola a política tupiniquim desde os tempos de antanho, e que os poderosos de hoje pouco diferem da elite colonial no tocante ao tráfico de influência, nepotismo, favorecimento e abuso de autoridade. Dito em português do asfalto, mudaram as moscas, mas a merda continua rigorosamente a mesma.

 

Mem de Sá, governador-geral do Brasil entre 1558 e 1572, foi acusado de enriquecimento ilícito. Os mercadores de escravos que saíam da África rumo ao Rio da Prata e paravam no Rio de Janeiro para abastecer tinham de pagar propina ao governador da capitania. Dom Lourenço de Almeida, que governou Minas Gerais entre 1720 e 1732, fez fortuna com ouro e diamantes extraídos à revelia da Coroa Portuguesa. Seu governo era auditado a cada três anos, mas ele subornava o responsável pela devassa.

No início do século XVII, a elite local controlava a política e a economia mineira, e, em contrapartida, ganhava do rei o direito à impunidade. As autoridades envolvidas na repressão ao contrabando praticavam contrabando e lucravam muito, pois Portugal fazia vista grossa — se a política da Coroa fosse implantada de forma inflexível, o Império não teria resistido. 


Como o que menos presta é o que mais dura, os políticos de hoje continuam praticando os mesmos atos espúrios que seus antepassados do século XVI. No entanto, seja hoje, seja no passado, a corrupção só pode existir com a conivência da sociedade. 


Houve corrupção no Brasil colonial, nos tempos do Império, na República Velha, na Era Vargas, na Segunda República, na ditadura militar — a ideia de que não houve corrupção durante os anos de chumbo é falsa; a repressão à imprensa impediu que os escândalos viessem à tona e mascarou os abusos do regime — e continua havendo na "Nova República". 


Sarney foi alvo de duas denúncias, mas o dito ficou pelo não dito. Collor foi acusado pelo irmão de envolvimento no "Esquema PC" e renunciou horas antes do julgamento de seu impeachment, mas ficou inelegível por 8 anos e só voltou à política nos anos 2000. No exercício do mandato de senador (2006-2022), assaltou os cofres da Petrobras Distribuidora. Apesar de ter sido condenado pelo STF8 anos de 10 meses de reclusão em 2023, só foi preso na madrugada da última sexta-feira.


Itamar Franco Fernando Henrique não foram acusados de envolvimento com corrupção, O grão-duque tucano comprou votos para aprovar a PEC da reeleição, mas o engavetador-geral Geraldo Brindeiro blindou suas penas vistosas.


 Lula, por sua vez, foi réu em duas dúzias de ações criminais, condenado em segunda instância a 12 anos e 1 mês de reclusão em 2018 e colocado numa cela VIP da PF em Curitiba e solto 580 dias depois, quando o STF proibiu (por 6 votos a 5) que criminosos condenados começassem a cumprir suas penas antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 


Como se não bastasse, uma curiosa epifania revelou ao ministro Edson Fachin  com mais de 5 anos de atraso — que a 13ª Vara Federal de Curitiba carecia de competência territorial para processar e julgar o petista, e tanto suas duas condenações (já transitadas em julgado no STJ) quanto os demais processos que tramitavam contra ele na JF do Paraná foram anulados. 


Em 2022, com as velas enfunadas por ventos antibolsonaristas, o ex-presidiário mais famoso da história desta banânia foi reconduzido ao Palácio do Planalto.


Em 2010, Lula escalou uma nulidade da qual ninguém ouvira falar para "manter o Brasil no rumo do desenvolvimento" até que ele pudesse voltar ao trono. A dita-cuja cuidou da economia do país como lidou com a contabilidade das duas lojinhas de quinquilharias importadas que levou à falência em 1996 — época em que a paridade entre o dólar e o real favorecia esse tipo de negócio.


Em 2016, a "presidanta" de araque foi impichada e se tornou ré por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas como vivemos no país da impunidade, os processos contra ela foram arquivados; como vivemos no país da antimeritocracia, ela foi recompensada com a presidência do Banco dos Brics


Michel Temer passou de vice a titular com o impeachment da nefelibata da mandioca, mas seu governo capenga ruiu com a divulgação da conversa de alcova com o moedor de carne bilionário Joesley Batista. Ele cogitou de renunciar, mas mudou de ideia e, quase dois dias depois, porejando indignação, disse à nação que "a investigação pedida pelo STF seria o território onde surgiriam todas as explicações, e que não renunciaria. Ato contínuo, comprou votos para sepultar as denúncias, tornou-se refém dos deputados venais, terminou seu mandato-tampão como pato-manco e transferiu a faixa para Bolsonaro em janeiro de 2019. 


Sem o escudo do foro privilegiado, o vampiro do Jaburu se tornou réu em quatro processos e chegou a ser preso, mas foi libertado dias depois pelo então presidente da 1ª Turma do TRF-2 — que ficou afastado do cargo durante 7 anos, acusado de venda de sentenças e formação de quadrilha, mas a ação acabou trancada pelo STF. 


Observação: Segundo foi publicado na revista Exame em março de 2019, quando Temer foi preso, o único ex-mandatário da "Nova República" que não corria risco iminente de ir parar na cadeira era Fernando Henrique. Na época, Lula estava cumprindo pena em Curitiba, Sarney era alvo de duas denúncias, Collor respondia a sete inquéritos (e se tornara réu num deles em 2017), Dilma respondia por corrupção e lavagem de dinheiro e o Vampiro do Jaburu era tetra-réu (duas vezes no RJ, uma em SP e outra no DF).


Em 2021, discursando para a récua de convertidos no chiqueirinho do Alvorada, Bolsonaro destacou que não há nada tão ruim que não possa piorar. Para não deixar dúvidas, tentou dar golpe de Estado no final do ano seguinte. Se os ventos não mudarem, ele e seus asseclas serão condenados entre setembro e outubro e poderão passar o próximo Natal atrás das grades.

Os estratagemas usados pela velha elite colonial persistem até hoje nas práticas ilícitas daqueles que se dizem representantes do povo — como atestam o mensalão, o petrolão e o orçamento secreto (ou "emendas de relator"). Até 2019, apenas duas ações penais da Lava-Jato haviam sido julgadas no STF. Numa delas prevaleceu o entendimento de que os elementos eram "apenas indiciais" — e a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, e seu ex-marido foram absolvidos por 3 votos a 2.  Na outra, as togas condenaram o deputado Nelson Meurer, mas declararam a extinção de punibilidade do filho do parlamentar, alegando que a única conduta que geraria a sanção penal era de junho de 2008.

 

Em vista do número de parlamentares que arrastam pendências judiciais e transitam livremente pelos corredores do Congresso, a parcela pensante da população perdeu a confiança no Legislativo e passou a ver o Judiciário como tábua de salvação. 


Como alegria de pobre dura pouco, o STF formou maioria para exumar e ressuscitar uma jurisprudência que vigeu durante míseros 7 anos ao longo das últimas 8 décadas. Com o voto de Minerva de Dias Toffoli, então presidente da Corte, ficou decidido que condenados em segunda instância deveriam permanecer em liberdade até o trânsito em julgado de suas sentenças.

 

Com quatro instâncias e um formidável cardápio de recursos, apelos, embargos e toda sorte de chicanas criadas sob medida para impedir que condenações de poderosos transitem em em julgado, essa caterva só vai presa no Dia de São Nunca. E na improvável hipótese de um caso fugir à regra, sempre há um magistrado de bom coração que expede um alvará de soltura "por razões humanitárias" (como fez o ministro Dias Toffoli no caso de Paulo Maluf).

 

Nossas leis são criadas pelo Congresso Nacional, que é formado por 513 deputados federais e 81 senadores. Em 2017, nada menos que 238 parlamentares eram investigados ou respondiam a processos no STF. Quando se dá às raposas a chave do galinheiro, perde-se o direito de reclamar do sumiço das galinhas, mas o fato de sermos obrigados a conviver com essa dura realidade não significa que devamos aceitá-la passivamente. 


Lula não aceitava. Tanto é que fundou o PT para implementar "uma maneira diferente de fazer política". Mas faltou combinar com a quadrilha do mensalão. Quando a roubalheira da petralhada veio a público, José Dirceu, então braço direito do demiurgo de Garanhuns, disse em entrevista ao Roda-Viva: “Este é um governo que não rouba, não deixa roubar e combate a corrupção".

 

Pausa para as gargalhadas (ou para as lágrimas, a critério do freguês).