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sábado, 8 de fevereiro de 2025

SOBRE PAPAS E ESCÂNDALOS (FINAL)

TALVEZ EXISTA UM DEUS, MAS EU DUVIDO QUE SEJA O DEUS QUE MOISÉS DESCREVEU NO VELHO TESTAMENTO E QUE AS RELIGIÕES PERPETUARAM POR INTERESSES ESCUSOS.

Durante o Renascimento, Inocêncio VIII (r. 1484-1492) e Leão X (r. 1513-1521) abusaram de indulgências para financiar seus luxos e campanhas militares, mas o caso mais notório foi o de Rodrigo Bórgia, nomeado cardeal pelo tio Calisto III e eleito papa no conclave de 1492, quando passou a atender por Alexandre VI

Seus filhos Cesare Lucrécia foram a personificação do nepotismo e da corrupção — ele abandonou o cardinalato para se tornar um líder militar implacável (inspirando Maquiavel a escrever O Príncipe), enquanto ela foi usada como peça de barganha nas alianças do clã, mediante conspirações e casamentos políticos. 

Apesar da fama de cruel e manipuladora, Lucrécia era uma administradora habilidosa e mecenas das artes. Seus atributos negativos podem ter sido exagerados por desafetos e pela propaganda anticlerical da época. Como peça fundamental nas alianças políticas dos Bórgia, ela foi casada três vezes, sempre de acordo com os interesses de sua família. Seu primeiro marido, Giovanni Sforza, foi descartado quando deixou de ser útil; o segundo, Alfonso de Aragão, assassinado em circunstâncias suspeitas (supõe-se que a mando de seu irmão, Cesare Bórgia); o terceiro, Alfonso d’Este, garantiu-lhe uma vida mais estável e respeitável. Apesar das acusações de envenenamento e incesto, sua fama de femme fatale parece ter sido mais fruto da lenda do que da realidade.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Há situações em que virar a página não basta. É preciso arrancá-la. O terceiro mandato de Lula é uma delas, pois prova que eguns mal despachados sempre voltam para nos assombrar. 

Diz um velho ditado que a justiça tarda, mas não falha, No Brasil, ela nem sempre chega, e, quando chega, pode pode mudar de ideia. Foi o que aconteceu com a condenação de Lula, depois que uma epifania revelou ao ministro Fachin, com cinco anos de atraso, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era a vara competente para processar, julgar e condenar o xamã petista. 

Bolsonaro é outro egun mal despachado. Ele fala como se não estivesse inelegível e já fosse candidato à presidência em 2026. Por mal dos nossos pecados, o PL definiu como prioridade a aprovação do Projeto de Lei Complementar 141/2023, que esvazia a Lei da Ficha Limpa e reduz de 8 para 2 anos o período de inelegibilidade dos condenados por abuso de poder político, como é o caso do refugo da escória da humanidade.

Bolsonaro e outros 39 aspirantes a golpistas estão na bica se tornarem réus no STF. Se for condenado pela 1ª turma por abolição do estado democrático de direito, roubo e venda de joias do acervo da União e falsificação de cartões de vacina contra Covid, o ex-mandatário pode ser agraciado com até 28 anos de prisão. 

As chances de votos divergentes seriam maiores no plenário, já que André Mendonça e Nunes Marques devem suas togas ao capetão. Mas o ministro Luís Roberto Barroso, presidente de turno da Corte, deixou claro que o caso só irá a plenário se o relator (Alexandre de Moraes) assim o desejar. 


Liderada por Martinho Lutero em 1517, a revolta protestante resultou na fragmentação do cristianismo ocidental. O Concílio de Trento (1545-1563) tentou reformar a Igreja, mas a estrutura de poder permaneceu intacta. Com a Revolução Francesa (1789) e a unificação da Itália (1870), o poder político dos pontífices foi reduzido, e o fim dos Estados Papais limitou a Igreja às questões espirituais. Mesmo assim, sua influência persistiu, apesar dos escândalos financeiros e de abusos sexuais que abalaram sua credibilidade do Vaticano.
 
Atualmente, a Igreja Católica tende ao conservadorismo, mas sua história de corrupção e ingerência política continua a influenciar o mundo ocidental — com a omissão de Pio XII diante do avanço do nazismo durante a 2ª Guerra Mundial. A renúncia de Bento XVI, em 2013, foi a primeira desde 1415, quando Gregório XII abdicou ao Trono de Pedro o Concílio de Constança. O primeiro papa a abdicar foi Ponciano (r. 230-235), que foi exilado na Sardenha e morreu em decorrência dos maus-tratos impostos pelo imperador Máximo, e o penúltimo foi Gregório XII (r. 1406-1415), que renunciou para pôr fim à crise que levou a Igreja a ter até três papas disputando a autoridade máxima simultaneamente. 
 
Voltando agora à morte de João Paulo I, o Vaticano informou que sua santidade sofreu um ataque cardíaco enquanto dormia, que seu corpo foi encontrado pela manhã pelo bispo irlandês John Magee, seu secretário pessoal, e que a família se opôs à autópsia. Mais adiante, soube-se que quem encontrou o cadáver foi uma das freiras que cuidavam de afazeres domésticos (e que fez voto de silêncio), que o papa morreu no escritório e que o laudo da autópsia não foi divulgado porque acusou envenenamento. Somada ao breve pontificado (33 dias), essa sequencia de contradições, erros e imprecisões deram azo a diversas teorias conspiratórias. 
 
Passados mais de 40 anos, o mafioso Antoni Raimondi, sobrinho de Lucky Luciano, revelou em seu livro de memórias que envenenou o papa a mando do arcebispo norte-americano Paul Marcinkus, seu primo e então presidente do Banco do Vaticano, para evitar que um fraude financeira bilionária viesse a público. Em In God's Name, o escritor britânico David Yallop anota que plano era drogar o chá que o pontífice tomava antes de dormir, entrar em seus aposentos e lhe administrar uma dose letal de cianeto (versão foi dramatizada por Mario Puzzo e Francis Ford Copolla no terceiro capítulo da imperdível trilogia "The Godfather"), e que o Marcinkus se encarregou pessoalmente dessa tarefa.
 
Marcinkus começou sua carreira como secretário de Estado em Roma e presidiu o Banco do Vaticano de 1971 até 1989. Foi investigado por envolvimento com ações falsas avaliadas em mais de 13 milhões de euros, por participação no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e pelo assassinato do banqueiro Roberto Calvi e do jornalista Mino Pecorelli. Mas as investigações não seguiram adiante por falta de provas de provas, e ele morreu aos 84 anos, no Arizona, sem jamais ter sido formalmente acusado. 
 
Ao longo da história, o nepotismo tem sido uma prática tão comum quanto condenável. Desde os tempos antigos, líderes políticos, religiosos e monarcas favoreceram parentes com cargos, títulos e privilégios, frequentemente à revelia da competência ou do interesse público. O termo, aliás, tem raízes na Igreja Católica, onde papas concediam benesses a sobrinhos ("nipoti"), consolidando um sistema que perduraria por séculos. Mais recentemente, o termo "nepobaby" passou a ser usado para aludir a filhos/parentes de pessoas famosas, que prosperam na carreira graças ao vínculo familiar.
 
Os papas transformaram o nepotismo em arte — caso mais notório foi o de Alexandre VI, mas Júlio IIPaulo III e tantos outros seguiram o mesmo roteiro, distribuindo bispados e fortunas a parentes, muitas vezes sem o menor escrúpulo —, mas muitas monarquias seguiram suas pegadas, garantindo que o sangue valesse mais do que a capacidade. No absolutismo francês, a nobreza se perpetuava com privilégios herdados, enquanto o povo arcava com os custos da corte. No Império Otomano, o sistema de sucessão frequentemente envolvia intrigas e assassinatos dentro da própria família real para garantir que o poder ficasse em mãos "seguras".
 
Com a ascensão das democracias, esperava-se que o mérito finalmente superasse os laços de sangue, mas o nepotismo se adaptou, e dinastias familiares continuam garantindo que o poder permaneça entre os seus — como bem sabe quem acompanha a abjeta política tupiniquim. Nos setores privado e público, filhos de empresários e apadrinhados políticos recebem vantagens que não raro os colocam à frente de candidatos mais qualificados. 
Afinal, vícios e velhos hábitos são difíceis de erradicar.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025

AINDA SOBRE PAPAS E ESCÂNDALOS

MEIAS VERDADES BEM CONTADAS PODEM LEVAR ALGUÉM A CULPAR O INOCENTE E APLAUDIR O MENTIROSO.

 

Poder e corrupção sempre andaram de mãos dadas. Na Igreja Católica, a ascensão política e econômica se deu através de alianças com impérios, manipulação de monarcas, interesses escusos e casos de corrupção de deixar a banda podre do Congresso Nacional se roendo de inveja. Mas nada se compara ao pontificado de Alexandre VI (r. 1492-1503), que foi marcado por acusações de nepotismo, promiscuidade, simonia e corrupção. Não à toa, ele é lembrado como o papa mais corrupto de todos os tempos (detalhes nesta postagem).

Pedro, cujo nome original era Simão, foi o primeiro chefe da Igreja Católica, mas jamais recebeu o título de "papa" e foi crucificado por ordem do imperador Nero, o déspota crossdresser, cruel e violento que governou Roma de 54 a 68 e, dizem as más-línguas, assistiu ao grande incêndio dedilhando sua lira e cantando. 

Depois que Calígula foi assassinado, Cláudio subiu ao trono e se casou com Agripina, mãe de Nero, que já tramava a ascensão do filho ao trono imperial. Com a morte "misteriosa" do marido e Nero no poder, a maquiavélica achou que seria a éminence grise, mas morreu esfaqueada a mando do filho, que se suicidou quando o Senado o declarou inimigo público.
 
Nos primeiros séculos do cristianismo, a Igreja conviveu com a perseguição romana. Em 313, o imperador Constantino legalizou a fé cristã, e Silvestre I assumiu o papado no ano seguinte. Com a queda do Império Romano do Ocidente (476), os papas passaram a atuar como líderes políticos, e a Igreja se tornou a instituição mais poderosa da Europa, detendo, inclusive, o poder de coroar e excomungar reis. 

A rivalidade entre pontífices e governantes era flagrante, e a simonia (comercialização de cargos eclesiásticos) e a interferência na política feudal, tão corriqueiras quanto a corrupção na política dos dias atuais. Leão I (r. 461-468) ficou conhecido por convencer Átila a não saquear Roma em troca de uma pilha de saques. Formosus (r. 891-896) foi exumado em 897, vestido com trajes completos, sentado em um trono papal, levado a julgamento e condenado, seus éditos papais foram considerados inválidos, os dedos que ele usava para oficiar sacramentos foram decepados. Seus restos mortais foram jogados no rio Tibre.
 
Consta que o papa João (r. 855-877) teria sido uma mulher, mas não há provas que sustentem essa versão. Em 964, cansados do comportamento corrupto e venal dos pontífices, os romanos guindaram Bento V ao Trono de Pedro, mas ele renunciou quando o Rei Otto elegeu Leão VIII como "antipapa". Já Bento IX foi papa em três ocasiões entre 1032 e 1048 e o
 primeiro a vender papado.
 
Vários papas morreram dias ou semanas depois do conclave — entre os quais Estêvão (752), Damásio II (1048) e Celestino IV (1241) —, mas o reinado mais breve da história foi o de Urbano VII (1590), que durou apenas 12 dias. 

João Paulo I foi encontrado morto em seus aposentos 33 dias após a unção. Na véspera, dizem, ele havia confidenciado a seu secretário que "alguém mais forte e que merecia estar em seu lugar sentou-se a sua frente durante o conclave". Esse alguém era o cardeal polonês Karol Wojtyla, que se tornou João Paulo II (mais detalhe no próximo capítulo).

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

PONTOS A PONDERAR...

DE PENSAR MORREU UM BURRO.

Quem leu O Príncipe sabe que o bem deve ser feito aos poucos e mal, de uma só vez. Mas a récua de muares que atende por "eleitorado" certamente não leu, e repete a cada dois anos o que Pandora fez uma única vez.
 
Churchill ensinou que a democracia é a pior forma de governo, exceto por todas as outras já tentadas, mas ressaltou que o melhor argumento contra ela é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano. Se tivesse conhecido o eleitor brasileiro, o estadista britânico certamente reduziria esse tempo para 30 segundos.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Em entrevista publicada pelo The New York Times, Bolsonaro disse que estava tão animado com o convite do Trump que nem ia mais tomar Viagra. Mas tomou na tarraqueta: horas depois, alegando que em diversas ocasiões o indiciado manifestou-se favoravelmente à fuga de condenados no caso do 8 de janeiro e admitiu em entrevista a UOL a hipótese de ele próprio "evadir-se e solicitar asilo político para evitar eventual responsabilização penal no Brasil", Moraes indeferiu o pedido de liberação de seu passaporte
O ministro anotou ainda que Zero Três, intermediário do convite da família Trump ao pai, também endossou a defesa da fuga de condenados. Na véspera, a PGR havia se manifestado contra a ida do capetão à posse de seu ídolo, sustentando que a viagem serve ao "interesse privado" do ex-presidente, em contraposição ao "interesse público", que "se opõe à saída do requerente do país". A defesa de Bolsonaro recorreu, mas Moraes manteve sua decisão
A manifestação de Gonet e as decisões de Xandão são prenúncios do que vem pela frente na excursão do refugo da escória da humanidade pelos nove círculos do inferno. Em outras palavras, o que o PGR e o supremo togado disseram foi que não convém fornecer material para a fuga de um ex-presidente da República que frequenta o inquérito do golpe como uma condenação criminal esperando na fila par acontecer. Nesse entretempoBolsonaro escalou Celso Vilardi, um dos criminalistas mais experientes do país, reforçar o time de defensores do indefensável.
 
Em momentos distintos da ditadura, Pelé Figueiredo alertaram para o risco de misturar brasileiros e urnas em eleições presidenciais. Ambos foram muito criticados, mas como contestá-los se lutamos tanto pelo direito de votar para Presidente e elegemos gente como Lula, Dilma, Bolsonaro?
 
Não se sabe como o Brasil estaria hoje se golpe de Estado de 1889 não acontecesse, Ou se a renúncia de Jânio Quadros não levasse ao golpe de 64 e subsequentes 21 anos de ditadura militar. Ou se Tancredo Neves não fosse internado horas antes de tomar posse e batesse as botas 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para a sepultura a esperança de milhões de brasileiros e deixando de herança um neto que envergonharia o país e um vice que promoveu a anarquia econômica e administrativa que levou à vitória de um pseudo caçador de marajás sobre um desempregado que deu certo na eleição solteira de 1989.
 
Usamos o tempo verbal "futuro do pretérito" (chamado de "condicional" até 1959) para falar de eventos cuja concretização depende de uma condição ou para fazer pedidos de forma educada. Embora usemos as palavras "pretérito" e "passado" de forma intercambiável no dia a dia, elas possuem nuances diferentes. Assim, o futuro do pretérito é um futuro que poderia ter acontecido, mas não aconteceu porque estava condicionado a algo que não se concretizou. 
 
No imaginário nacional, Tancredo foi o melhor de todos os presidentes, já que, a exemplo da Viúva Porcina no folhetim Roque Santeiro, "foi sem nunca ter sido" — mutatis mutandis, é como nos discursos fúnebres, onde virtudes que o falecido nunca teve são exaltadas. Conta-se que um padre recém-ordenado assumiu sua paróquia um dia antes da morte do prefeito, que era corrupto, rabugento e malquisto pelos locais. Sem elementos para embasar a homília fúnebre, o batina exortou os presentes a relembrar as qualidades do "nosso querido alcaide". Como ninguém se manifestou, a viúva, constrangida, ponderou: "O pai dele era ainda pior."
 
Muita coisa podia dar errado no capítulo final da novela da ditadura. Em 1984, numa conversa com Henry Kissinger, o ainda presidente João Figueiredo confidenciou que uma parte das Forças Armadas apoiava a volta do governo civil e a outra parte estava disposta a tudo para evitar que "os esquerdistas tomassem o país". Figueiredo considerava Tancredo uma pessoa capaz e moderada, mas cercada e apoiada por muitos radicais de esquerda que talvez não conseguisse controlar. 
 
Como estaríamos hoje se Tancredo tivesse presidido o Brasil? The answer, my friends, is blowing in the wind. De 15 de janeiro de 1985 — quando a raposa mineira derrotou o turco lalau, que era apoiado pelos militares, por 480 a 180 votos de um Colégio Eleitoral composto por deputados federais, senadores e delegados das Assembleias Legislativas dos Estados — até 14 de março, quando baixou ao hospital, ecoaram rumores de que os militares não deixariam o presidente eleito tomar posse, e os boatos ganharam força depois o general Newton Cruz revelou que, a três meses da votação, Maluf o havia procurado para propor um golpe 
 
Alguns conspirólogos alardearam que Tancredo havia sido baleado enquanto assistia a uma missa na Catedral de Brasília (faltou luz durante a cerimônia, e alguns presentes disseram ter ouvido um tiro), outros, que ele havia sido envenenado por militares apoiados pela CIA (por uma estranha coincidência, seu mordomo morreu dias depois, vítima de complicações gastrointestinais). A alteração da causa mortis de "infecção generalizada" para "síndrome da resposta inflamatória sistêmica" deixou muita gente com a pulga atrás da orelha — lembrando que alguns anos antes o papa João Paulo I, com apenas 33 dias de pontificado, foi encontrado morto em seus aposentos (após tomar uma mui suspeita xícara de chá0.
 
Observação: No livro "In God's Name", David Yallop popularizou a tese de envenenamento, mas as evidências em que ele se escorou não foram confirmadas pelas investigações, que apontaram "infarto fulminante" como causa mortis. Outras teorias sugerem que o assassinato foi orquestrado por grupos maçônicos ou resultou de uma conspiração envolvendo cardeais que se opunham a suas ideias e às reformas que ele pretendia implementar no Banco do Vaticano. A falta de autópsia e de uma investigação transparente alimentou as teorias conspiratórias, mas a maioria delas se baseia em especulações, rumores e testemunhos duvidosos.
 
A posse de Sarney ecoou como a "gargalhada do diabo" nos estertores da ditadura — que só terminou três anos depois, com a promulgação da Constituição Cidadã, que distribuiu diretos a rodo sem apontar de onde viriam os recursos para bancá-los (e que foi remendada mais de uma centena de vezes em 136 anos, enquanto a constituição norte-americana, que tem apenas 7 artigos, recebeu 27 emendas em 237 anos).
 
Observação: A palavra "direito" é mencionada 76 vezes na Carta, enquanto "dever" aparece apenas quatro e "produtividade" e "eficiência". duas e uma vez, respectivamente. O que esperar de um país que tem 76 direitos, 4 deveres, 2 produtividades e 1 eficiência? Na melhor das hipóteses, uma política pública de produção de leis, regras e regulamentos que quase nunca guardam relação com o mundo real.
 
O último dos 5 generais-presidentes da ditadura — que dizia preferir o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo e que daria um tiro no coco se fosse criança e seu pai ganhasse salário-mínimo — se recusou a transferir a faixa para Sarney (faixa a gente transfere para presidente, não para vice, e esse é um impostor), lembrando que o obelisco da política de cabresto nordestina trocou a ARENA pelo MDB para integrar a chapa de oposição.

Sarney nem imaginava o tamanho da encrenca que seria assumir a presidência sem ter indicado os ministros nem participado da elaboração do plano de governo, mas herdado dos militares uma inflação de 220% a.a. Durante sua aziaga gestão, ele enfrentou mais de 12 mil greves e foi vítima de pelo menos um atentado. Em março de 1990, além da faixa presidencial, ele entregou a Collor uma superinflação de 1.800% a.a. e mudou seu domicílio eleitoral do Maranhão para o recém-criado estado do Amapá, onde conseguiu se eleger senador. Em 2014, aos 83 anos, deixou a vida pública para se dedicar à literatura em tempo integral — conta-se que um belo dia a governadora Roseana Sarney telefonou para informar que um dilúvio havia deixado metade do Maranhão debaixo d’água, e ouviu do pai a singela pergunta: "Sua metade ou a minha?
 
Tancredo, Ulysses e Covas lideraram a campanha pelas "Diretas Já", que reuniu mais de 1 milhão de pessoas no Anhangabaú em 1984. O movimento fracassou, mas o político mineiro foi escolhido pelo Colégio Eleitoral. Se ele, e não Sarney, tivesse presidido o Brasil de abril de 1985 a março de 1990, talvez a estabilidade econômica alcançada em 1994 com o Plano Real (conquista que Lula 3 vem tentando reverter) tivesse chegado mais cedo, livrando-nos dos nefastos planos Cruzado, Bresser, Verão e Collor.

Talvez Collor não se elegesse presidente e Lula assistisse à visita de Obama ao Brasil pela TV — sem à oposição ao "Rei-Sol", é possível que xamã da petralhada continuasse como deputado federal (cargo para o qual ele foi eleito em 1986) ou se aboletasse no Senado. Sem Collor, sem Zélia nem sequestro dos ativos financeiros e o congelamento da poupança, que derrubou quase à metade a venda de imóveis residenciais. 
Sem essas medidas heterodoxas e a sucessão de planos econômicos escorados no congelamento de preços e salários, a redução da miséria brasileira poderia ter começado muito antes, e hoje mais gente teria casa para morar.

Nada garante que seria assim, mas poderia ter sido. Só que não foi. 

Triste Brasil.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

HABEMUS PAPAM

 

O título desta postagem advém do fato de que a indesejável mistura de política com religião trouxe matizes de conclave a uma sucessão presidencial que a imbecilidade chapada do eleitorado tupiniquim já havia convertido em pleito plebiscitário. Dito isso, segue o texto que escrevi no início da tarde de ontem — antes de conhecer o resultado das urnas, portanto —, convicto de que, parafraseando um inusitado rompante de coerência do ainda presidente, o candidato que tivesse mais votos venceria a disputa. 

 

Uma vez que a polarização infeccionou mais de 80% da récua de muares travestidos de eleitores, é possível (e até provável) que seu candidato a presidente, caríssimo leitor, tenha vencido a disputa. Em sendo o caso, meus parabéns. Ao Brasil, minhas condolências. 


A menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o país do futuro que nunca chega amargará mais quatro anos de desgoverno abjeto e ímprobo (nunca é demais lembrar que maus governantes não brotam nos gabinetes por geração espontânea; se estão lá, é porque foram votados, e se você votou nessa caterva, não pode reclamar de não estar devidamente representado).

 

Mudando de um ponto a outro, depois de ser nomeado bispo por João XXIII e cardeal pelo Papa Paulo VI, Albino Luciani foi eleito papa na terceira votação do conclave que se seguiu à morte de Paulo VI, superando Giuseppe Siri por 99 votos a 11, e entrando para a História como o primeiro pontífice desde Clemente V a recusar uma coroação formal e o pioneiro na adoção de um nome papal duplo — que ele escolheu para homenagear seus dois antecessores, Paulo VI e João XXIII.

 

João Paulo I morreu 33 dias depois de ter sido guindado ao Trono de Pedro e um dia após ter confidenciado ao bispo John Magee, seu secretário, que: "Alguém mais forte que eu, e que merece estar neste lugar, estava sentado à minha frente durante o conclave. Ele virá, porque eu me vou". Esse alguém era o cardeal polonês Karol Wojtyla, que se tornou João Paulo II


Na época, chegou-se a comentar à boca pequena que o finado tinha bom coração, mas não estava à altura do ambiente maquiavélico do Vaticano, e que sua morte decorreu de um complô. Consta que ele sentiu fortes dores no peito durante o chá da tarde do dia 27 de outubro de 1978, e que foi encontrado morto, na manhã seguinte, pela freira que o acordava havia muitos anos (e que fez voto de silencio após esse trágico episódio).  No entanto, a versão oficial do Vaticano dá conta de que um dos secretários do papa — Diego Lorenzi — teria encontrado o corpo, e que a causa mortis fora um infarto do miocárdio (associado às terríveis pressões do cargo). 

 

Essas e outras declarações inconsistentes deram azo a diversas teorias da conspiração. No livro In God's Name, o escritor britânico David Yallop afirma que o papa foi morto porque estava prestes a desvendar escândalos financeiros que envolviam o Vaticano. Passados mais de 40 anos, o mafioso Antoni Raimondi, sobrinho de Lucky Luciano, revelou em seu livro de memórias que envenenou o João Paulo I a mando de seu primo, o arcebispo norte-americano Paul Marcinkus — então presidente do Banco do Vaticano. A ideia era evitar que o pontífice de tornar públicos documentos que comprovavam uma fraude financeira bilionária (ainda segundo o mafioso, João Paulo II não revelou o escândalo do banco do Vaticano por temer pela própria vida, mas isso é outra conversa).


O plano era drogar o chá que João Paulo I tomava antes de dormir, entrar em seus aposentos e lhe administrar uma dose letal de cianeto (essa versão foi dramatizada por Mario Puzzo e Francis Ford Copolla no terceiro capítulo da imperdível trilogia "The Godfather"), e que o arcebispo Marcinkus se encarregou pessoalmente dessa tarefa. Raimondi diz só ficou na porta, pois assassinar o papa com as próprias mãos lhe garantiria um bilhete só de ida para o inferno (o curioso código de ética da Onorata Società será discutido em outra oportunidade).

 

Marcinkus começou sua carreira no Vaticano como secretário de Estado em Roma e chegou a ser um dos guarda-costas de Paulo VI. Em 1971, ele foi nomeado presidente do banco do Vaticano (cargo que ocupou até 1989). Quando assumiu o posto, foi interrogado pelo departamento da Justiça norte-americano sobre seu envolvimento com ações falsas avaliadas em € 13.07 milhões (de um total estimado quase € 1 bilhão), mas não houve provas suficiente para avançar com a investigação  até porque, sob o pretexto de não quebrar o sigilo que envolvia as operações conduzidas pelo banco, o arcebispo se recusou a revelar detalhes sobre o esquema de corrupção. 

 

Observação: Em 1982, Marcinkus foi implicado no escândalo do colapso do Banco Ambrosiano e, mais adiante, nos assassinatos de Roberto Calvi e do jornalista Mino Pecorelli, que vinha escarafunchando a podridão que cercava o banco do Vaticano. Mas sua participação na emissão das ações falsas e nos assassinatos e raptos relacionados com o escândalo não restaram provadas, e ele morreu aos 84 anos, no Arizona, sem ter sido formalmente acusado por crime algum.

 

Voltando ao aviltante cenário político tupiniquim, o desafio, para os pesquisadores, será explicar como este país alcançou um nível de deterioração das instituições democráticas que seria inimaginável em 2018, quando vinha de um traumático processo de impeachment e de um momento marcado por sucessivas acusações de corrupção.

 

As manifestações em prol da deposição de Dilma começaram em 2013, mas a ascensão de Temer ao Planalto, em 2016, não produziu um sentimento de esperança como o de 1992, quando Fernando Collor foi apeado e Itamar Franco assumiu a Presidência. As forças democráticas, desorganizadas, sem lideranças de expressão nacional nem programa político e tendo o PT na oposição, produziram um enorme vazio político, nenhuma renovação frente à dualidade eleitoral, que vinha desde 1994 (entre PT e PSDB), nem quaisquer soluções programática para os problemas nacionais que surgiram após a trágica crise de 2015 e 2016. 

 

Segundo o historiador, youtuber e suplente de deputado federal Marco Antonio Villa, o Brasil virou uma enorme delegacia de polícia, com um entra-e-sai constante de acusados. As propostas de ação político-econômica foram deixadas de lado. Mas não chegamos aonde chegamos por acaso. O desafio, agora, é encontrar o caminho da superação desse descalabro — que, aliás, pode estar numa insuspeita xícara de chá.


Que Deus nos ajude.

sábado, 12 de março de 2022

NÃO CONFUNDA PALHAÇO PRESIDENTE COM PRESIDENTE PALHAÇO


Não é justo atribuir aos políticos a culpa pelas mazelas dos brasileiros. Políticos não brotam em seus gabinetes por geração espontânea; se os três Poderes da República foram tomados por criminosos de colarinho-branco (pode-se argumentar que os juízes de cortes superiores não são eleitos pelo voto popular, mas quem os indica e quem chancela a indicação o são), a culpa é de um eleitorado incapaz de tirar água de uma bota, mesmo com as impressas no calcanhar.

O brasileiro já votou em rinoceronte para vereador, em macaco para prefeito, em palhaço de circo para deputado e — a cereja do bolo — num analfabeto, num poste e num dublê de mau militar e parlamentar medíocre para presidir este país. É graças a essa caterva (falo da récua de muares munidos de título eleitoral) que a eleição de outubro próximo tem tudo para ser uma reedição piorada do pleito plebiscitário de 2018.

Situações surreais como essas não são exclusividade nacional. Nos EUA, Donald Trump venceu Hillary Clinton em 2016 (apesar de a candidata democrata ter obtido mais votos) e uma corja de vândalos invadiu o Capitólio, quatro anos depois, para protestar contra a derrota de seu ídolo. Questionado sobre a situação no leste europeu, Trump afirmou que Putin não teria invadido a Ucrânia se ele ainda estivesse na Casa Branca. Como se costuma dizer, presunção e água benta, cada um toma a que quer.

Sobre Vladimir Putin, o buraco é ainda mais embaixo. Três dias após a invasão da Ucrânia, Diogo Mainardi escreveu em sua coluna que o carniceiro russo já havia sido derrotado. Que havia perdido o rublo, a Copa do Mundo, o ouro do Banco Central, as estantes Ikea, o primeiro bailarino do Bolshoi, os cintos da Gucci, a sucursal do New York Times, as villas no lago de Como, o Facebook, os parlamentares de direita e esquerda na Europa e nos Estados Unidos, o centroavante Lukaku. Até as empresas que tentaram resistir ao boicote, como Pepsi e McDonald’s, tiveram de fechar suas lojas na Rússia, constrangidas por seus consumidores e acionistas. E isso tudo em apenas duas semanas. Até o Brasil, que faz parte de outro sistema solar, condenou déspota. 

Uma pesquisa divulgada dias atrás mostrou que, enquanto Bolsonaro e Lula abanavam o rabo para o tirano eslavo, o povo brasileiro queria mais era mijar no seu túmulo. O problema é que esse сукин сын continuará matando pessoas (inclusive civis) até alguém lhe dar uma dose de seu próprio próprio veneno — um chazinho como aquele que "acalmou ad aeternum" o papa João Paulo I estaria de bom tamanho, e talvez fosse até bom essa moda pegar.

Por aqui, um aumento brutal no preço dos combustíveis foi prontamente repassado por donos de postos (não todos), pouco se importando com o fato de o combustível servido nas bombas ter sido comprado antes do reajuste (isso se chama “crime contra a economia popular”). Esse "reajuste" terá efeitos nefastos na inflação e afetará a população em geral, já que praticamente tudo que é produzido no Brasil é transportado através de nossa esburacada, enlameada e detonada malha rodoviária (salvo raras e honrosas exceções).

Os combustíveis e o gás de cozinha vinham subindo de preço descontroladamente, e não só devido à alta do dólar. O problema, como sempre, é a falta de previsão de um mandatário que só tem olhos para a reeleição, e que prefere participar de motociatas e andar de jet-ski a dar expediente no Palácio do Planalto. E como Lula, que institucionalizou a compra de apoio parlamentar com o Mensalão e sangrou a Petrobrás com o PetrolãoBolsonaro se vale do nefando Orçamento Secreto (cerca de R$ 17 bilhões por ano) para comprar votos das marafonas do Parlamento, e isso enquanto a população mais carente sequer têm o que comer.

Voltando aos combustíveis, “em casa onde falta pão todos gritam e ninguém tem razão”. O que se vê é um jogo de empurra. O capetão culpa o ICMS, os governadores culpam o governo federal, todos culpam a Petrobrás — que distribui bilhões aos acionistas e paga ao general Silva e Lula um salário nababesco (mais de R$ 200 mil) — e ninguém faz nada. Ou, quando faz, faz o que Dilma fez durante sua campanha à reeleição.

Lula insiste na falácia da autossuficiência brasileira em petróleo e atribui a alta dos preços à privatização da BR-Distribuidora, mas, para surpresa de ninguém, ele não menciona que faltam refinarias e que ele e seu espúrio partido foram os responsáveis pela cleptocracia que quase quebrou a Petrobras. Esperar o que de um egun mal despachado, um ex-sindicalista malandro, amante da vida fácil e expert na arte de enganar trouxas

Em 2018, o ainda candidato Bolsonaro disse que o preço dos combustíveis já havia ultrapassado todos os limites — mas, uma vez eleito e empossado, não se preocupou em criar o tal fundo de estabilização no início de sua execrável gestão. Mesmo assim, o ministro Paulo Guedes alardeava que o botijão de gás deveria custar cerca de R$ 30 — e já tem gente pagando R$ 150. O que nem um nem o outro disseram é que somente um governo competente e responsável seria capaz de resolver esse e um sem-número de outros problemas. 

Observação: O PL 1.472/2021, em trâmite no Senado, prevê a criação de um fundo de equilíbrio para controlar a volatilidade do preço dos derivados de petróleo. A ideia é utilizar recursos da União (dividendos que a Petrobras paga ao governo federal) como uma espécie de “colchão", visando manter o preços estáveis — ou, no mínimo, reduzir o percentual de aumento  em situações adversas como a atual.

Ao trágico governo em curso restam nove meses, e a nós, decidir entre suportar mais 4 anos de incompetência chapada ou amargar a volta da ladroagem institucionalizada. Não que não exista corrupção nem corruptos no mar de lama que se tornou a Praça dos Três Poderes. Essa falastrice não passa de mera cantilena para dormitar bovinos e já não convence sequer nem mesmo os poucos fãs do “mito” com Q.I. superior ao de um repolho. Na última quarta-feira a Transparência Internacional Brasil apresentou um relatório à OCDE denunciando retrocessos no combate à corrupção, e mencionou, dentre outros descalabros, os R$17 bi (do tal Orçamento Secreto) que o governo federal usou para comprar deputados.

A alta dos combustíveis propiciou mais uma troca de farpas entre os presidenciáveis. Enquanto os bolsonaristas comemoraram a mudança do cálculo do ICMS, o ex-presidiário de Curitiba tuitou: “Agora você tem empresas importando gasolina dos Estados Unidos em dólar enquanto temos auto suficiência (sic) e produzimos petróleo em reais". 

Observação: O ICMS (que é um imposto estadual) terá a alíquota unificada em todo o Brasil e incidirá nos combustíveis apenas uma vez. O pacote aprovado no Senado também incluiu a isenção do PIS e da Cofins (que são tributos federais) sobre o diesel e o gás de cozinha até o final do ano. Na prática, as duas medidas juntas representarão uma redução de R$ 0,60 por litro de diesel. Governadores já anunciaram que vão questionar judicialmente o projeto, alegando queda na arrecadação. Com a mudança, o governo pode evitar, pelo menos por enquanto, a criação de um programa de subsídio direto da a gasolina, algo que o Posto Ipiranga de fancaria quer deixar de lado e disse que só será considerado se a se a guerra no leste europeu continuar por mais "30, 60 dias". Enquanto isso, Bolsonaro voltou a atacar a política de preços da Petrobras (sim, de novo) e chamou o reajuste de ontem de “absurdo”.

Sobre o tuíte do ex-presidiário, o pré-candidato pelo Partido Novo, Felipe D'Ávila, escreveu: "um tweet, quatro mentiras". Sergio Moro também tuitou: "Sabe por que a Petrobras ainda existe, Lula? Porque a Lava-Jato impediu que o governo do PT continuasse saqueando e desviando recursos da maior estatal do Brasil". E Ciro Gomes: "Enquanto isso todos brasileiros sofrem, mesmo vivendo num país que tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo, e vendo concessionárias da Petrobras vendidas a preço de banana. Até quando vamos suportar este absurdo?".

Do alto de sua inesgotável sabedora, o vereador Carlos Bolsonaro comemorou a decisão do desgoverno do pai, alegando que a mudança (no cálculo do ICMS) fará com que “o povo pague mais barato" e criticou governadores que não querem abrir mão da arrecadação em ano eleitoral.

Para não encompridar ainda mais este texto, falo sobre o palhaço que se tornou presidente no post de amanhã.

quinta-feira, 20 de maio de 2021

COMO SE LIVRAR DE LIGAÇÕES ABORRECIDAS

A CIÊNCIA SERVE PARA NOS DAR UMA IDEIA DE QUÃO EXTENSA É A NOSSA IGNORÂNCIA.

Empresas de telemarketing,  de telefonia e de TV por assinatura, entre muitas outras, obrigam-nos a interromper o que estamos fazendo para atender ligações que, se não caem, brindam-nos com uma gravação (não dá nem para a gente xingar o interlocutor) que busca nos empurrar goela abaixo produtos que não queremos comprar e serviços que não desejamos contratar.

Se você é vítima contumaz desses chatos, aqui vai uma boa notícia (coisa rara hoje em dia): A partir das muitas queixas diárias recebidas pelo Procon — para que se tenha ideia da dimensão do problema, apenas em 2017 foram registradas cerca de 16 mil reclamações sobre serviços de telemarketing em São Paulo —, foi implementado um serviço gratuito, muito útil, mas pouco conhecido, que está disponível em São Paulo e nos estados do Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Minas Gerais. 

Para manter essas gralhas a distância, acesse o site do Procon e cadastre seu telefone (é possível inscrever até cinco números por consumidor, que podem ser de terminais fixos ou móveis). Se, passados 30 dias da data do cadastro, alguma empresa de telemarketing que insistir em perturbá-lo, você pode formalizar uma denúncia (para mais detalhes, clique aqui), mas note que essa proibição não se aplica a ligações de pedidos de doações nem de empresas que precisem entrar em contato para fazer pesquisas de satisfação ou cobranças.

Nos telefones fixos — que vêm perdendo espaço nas residências em virtude da versatilidade dos smartphones — o BINA (sigla de “B Identifica o Número de A”) permite visualizar o número de quem está ligando. Ou de quem ligou, já que o aparelho registra as chamadas não atendidas. O problema é que essa informação não basta para você saber quem ligou, a menos que seja capaz de associar o número em questão ao usuário da linha. Demais disso, algumas operadoras deixaram de disponibilizar o BINA (como é o caso da VIVO, pelo menos na região onde eu moro).

No caso de ligações recorrentes, não custa pesquisar o número do chato no Google, já que telefones divulgados na Internet por usuários e empresas costumam ser indexados. A depender do caso, os resultados podem ser bastante detalhados — com nome, razão social e até mesmo endereço físico. Serviços de buscas ligados à Deep Web oferecem mais chances de sucesso, mas requerem um navegador capaz de singrar por aquelas águas e alguma expertise para evitar... enfim, isso é conversa para outra hora.

No celular, o número de quem está ligando (ou quem ligou quando seu dispositivo estava desligado, sem bateria ou sem serviço, p.ex.) é exibido no display, mas o titular da linha só é identificado se estiver na sua lista de contatos. Ademais, sempre existe ainda a possibilidade de o número não ser exibido, pois há quem configure o aparelho para ocultar a ID. Não há nada de errado nisso, mas tenha em mente que algumas pessoas não atenderão suas ligações, pois associam “número privado” a trotes ou a golpes. Nem sempre é o caso, mas até aí morreu o Neves.

Observação: A expressão “Até aí morreu o Neves” não tem a ver com a morte de Tancredo Neves. Na verdade, nenhum dos estudiosos da fraseologia da língua portuguesa sabe que Neves é esse. O sentido da frase, como sabemos, é pacífico: diz-se “Até aí morreu o Neves” quando se quer dizer algo como “E daí? O que você diz não traz novidade nenhuma”. Sua origem, no entanto, é obscura. A única tese sobre isso é a do filólogo João Ribeiro, um dos maiores estudiosos brasileiros da matéria, em seu livro “Frases feitas — Estudo conjetural de locuções, ditados e provérbios”. A hipótese vale pela ousadia de ensaiar uma explicação para algo tão nebuloso. Depois de ressalvar que “não há na história ou na lenda nenhum Neves famoso que eu conheça” e que “pode ser que [a frase] tenha origem em algum entremez, vaudeville ou comédia”, Ribeiro apresenta o que chama de “conjetura”: a de que a expressão tenha surgido como variante de outra frase feita clássica da língua portuguesa, “Morreu Inês” ou, na versão mais usada hoje, “Inês é morta”, que significa “Agora é tarde demais”. Inês, ao contrário de Neves, sabe-se quem é: a fidalga Inês de Castro, a “rainha morta”, amante do futuro rei de Portugal D. Pedro I (não confundir com o nosso), assassinada em 1355 a mando do pai deste, D. Afonso IV. A tragédia de Inês tem gorda presença na história, na literatura, na lenda e na imaginação popular. De acordo com a curiosa especulação de Ribeiro, um mal-entendido — motor clássico de invenções linguísticas — poderia ter transformado “morreu Inês” em “morreu o Neves”. Antenor Nascentes disse que a tese de Ribeironão parece muito provável”. Mas o fato de ser a única disponível não nos permite descartá-la depressa demais.

Como eu dizia antes de tratar da morte do Neves, o fato de a ID de quem está ligando não ser exibida não significa necessariamente que a chamada seja maliciosa. Aliás, “ID” é um diminutivo da palavra inglesa “identity”, que significa “identidade” na tradução literal para a língua portuguesa, mas remete à identificação do usuário em serviços online, redes sociais e dispositivos computacionais.

Para não espichar demais este texto, deixo a conclusão para a próxima postagem.

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

O SUCESSO TEM MUITOS PAIS. O FRACASSO É ÓRFÃO


"É... Acho que eu exagerei..." (comentário de Sergio Cabral ao retornar à cela após ser condenado pela enésima vez). Bolsonaro também exagerou na dose de mentiras, agressões e crimes contra a vida dos brasileiros, como evidenciou o panelaço da sexta, 15, comparável às “homenagens” prestadas à nefelibata da mandioca nas semanas que antecederam seu afastamento, só que com requintes de gritos de "Assassino!", "Genocida!", "Fora Bolsonaro!"...

O jornalista Ricardo Kotscho publicou em sua coluna que "genocida não é só Bolsonaro, mas toda a sua equipe de ineptos e cretinos que desmoralizam as Forças Armadas, produzem o desemprego e a queimada das florestas e pantanais, a destruição do ensino público, da cultura, da ciência e da soberania nacional e promovem a desindustrialização de um país condenado a morrer, de Covid ou de fome, enquanto mais de 35 milhões de pessoas já foram vacinadas mundo afora".

Diante deste cenário fúnebre, o professor de história, escritor e compositor Luiz Antonio Simas desabafou nas redes sociais: "Apoio qualquer coisa contra esse governo: passeata, guerrilha, panelaço, greve, jantar beneficente, sujeito gritando sozinho no banheiro, desabafo em analista, despacho na encruza, novena, frente ampla, mandinga do livro de capa de aço de São Cipriano, ciranda, bingo e bazar".

Segundo o sempre bem informado Ricardo Noblat, é crescente o número de deputados e senadores de todos os partidos que "passaram a levar a sério a abertura de um processo de impeachment, porque o desgoverno chegou a um ponto insustentável, colocando em risco a vida da população". E com efeito.

O empenho do capitão-cloroquina em menosprezar a Covid e ignorar os protocolos de segurança renderam-lhe o título de pior líder global no enfrentamento da pandemia, e suas convicções negacionistas levaram-no a boicotar o quanto pôde e enquanto pôde a campanha de vacinação. Porém, depois que manauaras começaram a morrer feito moscas e o Airbus A330-900neo da Azul — que deveria trazer da Índia 2 milhões de doses da vacina da AstraZeneca/Oxford — não recebeu sinal verde do governo indiano, o capitão-inveja percebeu que não seria ele, mas sim o governador João Doria, quem sairia na foto ao lado do primeiro brasileiro vacinado contra a Covid (que na verdade foi uma brasileira).

A exemplo do aleijado que culpa a muleta por claudicar, o ministro insalubre da Saúde atribuiu a tragédia amazônica à falta de tratamento precoce — embora não exista tratamento precoce contra a Covid — e, no melhor estilo “pajé Bolsonaro“, pressionou a secretaria municipal da Saúde de Manaus a administrar fármacos sem eficácia comprovada no combate ao Sars-CoV-2, ignorou o pedido de discrição feito pelo governo indiano e trombeteou aos quatro ventos a compra do imunizante, além de mandar colar uma faixa de 64 metros de comprimento (vide imagem) na fuselagem do Airbus.

A despeito do contrato firmado com o Brasil, o governo indiano queria evitar a divulgação da venda de vacinas num momento em que a imunização de sua população não havia sequer começado. Graças à indiscrição "do um que manda e do outro que obedece", o assunto chegou ao conhecimento da imprensa indiana. Agora já não se sabe quando — nem se — os 2 milhões de doses da vacina produzida naquele país chegarão até nós. 

Diante desse cenário, o general que recebe ordens do capitão determinou o confisco da CoronaVac no paiol do inimigo. Na sexta-feira 15, o ministro mandou um ofício ao Butantan exigindo a entrega imediata de 6 milhões de doses da vacina. O instituto respondeu que só disponibilizaria o estoque depois que a pasta esclarecesse quanto do contingente já ficaria em São Paulo e o governador tucano aguardava apenas a aprovação da Anvisa para recorrer ao STF. 

"Aqui o Ministério da Saúde não manda nem intimida ninguém. Neste jogo pela vida, quem errou e perdeu até agora foi o Ministério da Saúde e seu déspota Jair Bolsonaro", ouvia-se pelos corredores do Palácio dos Bandeirantes.

No domingo 17, tanto a CoronaVac quando a vacina da AstraZeneca/Oxford tiveram o uso emergencial aprovado pela Anvisa. O Butantan já tem 10,8 milhões de doses disponíveis para aplicação, enquanto a Fiocruz aguarda chegada do imunizante vindo da Índia, ainda sem data prevista.

A Anvisa devolveu os documentos apresentados pelo laboratório União Química, responsável pela vacina Sputnik V, por não apresentar condições mínimas para submissão e análise pela agência. Por causa disso, o Fundo Russo de Investimento Direto anunciou que em até uma semana irá entregar todas as informações adicionais para o pedido de uso emergencial no Brasil. Isso inclui a permissão para iniciar os ensaios clínicos de fase 3 no país. Esse tipo de estudo é uma das exigências da Anvisa para liberar a utilização emergencial de um antígeno contra a Covid. Nove países já registraram o imunizante desenvolvido pelo Instituto Gamaleya.

O governo federal se comprometeu a distribuir as vacinas para todos os estados e municípios "de maneira exclusiva e simultânea". No entanto, considerando que o ministro intendente da Saúde já se mostrou capaz — dentre outros prodígios — de “esquecer” quase 7 milhões de testes RT-PCR num depósito federal em Guarulhos... sei não.

O furdunço está longe de acabar. Em recado ao governador de São Paulo, o residente da República afirmou que a vacina produzida pelo Butantan "não é de nenhum governador, é do Brasil— o que não deixa de ser um progresso considerável para quem até pouco tempo atrás se referia ao imunizante como “vacina chinesa do Dória”. 

No domingo, o governador paulista protagonizou na capital do estado um evento que marcou o início simbólico da vacinação no país. Irritado, Pazuello o acusou de deslealdade e de promover uma "jogada de marketing" em desacordo com a lei. Disse ainda essa sumidade: 

"Senhores governadores, não permitam movimentos político-eleitoreiros se aproveitando da vacinação em seus estados. O nosso único objetivo neste momento tem de ser o de salvar mais vidas, e não o de fazer propaganda própria". 

Doria rebateu: "A vacina é uma lição para vocês, autoritários que desprezam a vida, que não têm compaixão, que desprezam a atenção, a dedicação e a necessidade de proteger os brasileiros. Vocês não fizeram isso".

Integrantes do Palácio do Planalto admitem em caráter reservado que Doria venceu a batalha neste momento, mas o governo federal vai trabalhar para reverter a situação e capitanear, para o presidente da República, os méritos de uma vacinação em massa a partir de agora. Conforme um assessor palaciano, “perdemos a batalha, mas não a guerra”. Outro trunfo esperado pelo Planalto é o nível de eficácia da vacina de Oxford, que demonstrou eficácia de 70% após a aplicação da primeira dose. Dessa forma, integrantes do governo federal acreditam que, apesar de ela chegar mais tarde, sua efetividade será maior que a da CoronaVac. E isso tende a ser capitalizado por Bolsonaro.

A PGR abriu uma apuração preliminar para analisar a conduta do ministro da Saúde ante a notícia de que ele teria sido previamente avisado “sobre a escassez crítica de oxigênio em Manaus por integrantes do governo do Amazonas, pela empresa que fornece o produto e até mesmo por uma cunhada [...] mas não agiu”. 

Na semana passada Pazuello reconheceu publicamente a crise do oxigênio: “Quando cheguei na minha casa ontem, estava a minha cunhada. O irmão não tinha oxigênio nem para passar o dia. 'Ah, acho que chega amanhã. O que você vai fazer?' Nada. Você e todo mundo vai esperar chegar o oxigênio para ser distribuído”.

Pazuello ainda não é formalmente investigado, mas Aras pode pedir ao STF a abertura de inquérito, como já pediu ao STJ que investigue o governador do Amazonas e a prefeitura de Manaus pelo colapso no sistema de saúde. Bolsonaro, porém, foi poupado pelo PGR.

A conferir.