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quarta-feira, 14 de junho de 2023

DE VOLTA AO NEGÓCIO DO JAIR


Um pedido mui particular que Pero Vaz de Caminha incluiu na famosa carta a El-Rey plantou a semente do nepotismo em Pindorama. Séculos depois, a "rachadinha" se tornou tão comum para alguns parlamentares quanto o ato de respirar. 

Em "O Negócio do Jair — A História Proibida do Clã Bolsonaro", Juliana Dal Piva relata que o ex-presidente lançou mão dessa prática tão logo se elegeu deputado federal, fazendo escola para os filhos Flávio, na Alerj, e Carlos, na Câmara Municipal do Rio. Mas a maracutaia só ganhou destaque no final de 2018, quando o Estadão publicou que o Coaf havia identificado movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz.
 
Queiroz se tornou íntimo de Jair nos anos 1980 e prestou serviços ao clã até outubro de 2018, quando Zero Um, informado por um delegado da PF de que a Operação Furna da Onça seria "segurada" para não respingar na campanha presidencial, exonerou o assessor e recomendou ao pai que fizesse o mesmo com Natália Queiroz, filha de Fabrício, que figurava na folha de pagamento do gabinete de Jair na Câmara, mas trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro.
 
Em entrevista a Veja, "Jacaré" — outro velho amigo de Jair — revelou que 
Ana Cristina Valle, segunda esposa do então deputado e mãe de Jair Renan, era responsável pela contratação de "funcionários fantasmas" no gabinete do marido e dos filhos. A separação do casal produziu montes de dinheiro: entre 2019 e 2022, madame movimentou R$ 9,3 milhões e comprou uma mansão em Brasília avaliada em R$ 2,9 milhões, embora seu salário fosse de R$ 6,2 mil mensais.
 
A novela Flávio/Queiroz teve inúmeros desdobramentos e foi interrompida diversas vezes — tanto por intervenções diretas do então presidente quanto por decisões de magistrados camaradas. Entre os episódios mais emocionantes, vale relembrar as explicações estapafúrdias dos envolvidos, o vídeo em que Queiroz aparece dançando no quarto do Hospital Albert Einstein (onde estava internado para tratar de um câncer no intestino) e o pagamento em dinheiro vivo de R$ 133,6 mil (referentes aos honorários médicos e serviços de hotelaria) feito pelo sambista de enfermaria. 

Observação: Queiroz passou três semanas em Bangú, mas sua mulher nem chegou a ser presa. No capítulo em que a novela virou comédia, o casal teve a prisão preventiva convertida em domiciliar pelo então presidente do STJ (com quem Jair Bolsonaro disse ter um caso de amor à primeira vista). 
 
O inquérito que sobre as rachadinhas foi arquivado com base no "mandato cruzado" — quando o parlamentar deixa de ocupar um cargo eletivo para assumir outro em uma casa legislativa diferente (o
 STJ anulou as provas e o STF manteve a decisão). Consta que a investigação prossegue, mas em sigilo, e que o primogênito do ex-presidente tinha planos de disputar a prefeitura do Rio no ano que vem, mas foi demovido por seu papai.

Após receber alta, Queiroz foi visto novamente seis meses depois, quando uma equipe de Veja o flagrou na lanchonete do hospital onde fora operado, e descobriu que ele estava morando a poucas quadras dali. Mas o fantasminha tornou a desaparecer e ficou invisível até ser preso no simulacro de escritório de advocacia de Frederick Wassef — o mafioso de comédia que, pego com batom na cueca, insultou a inteligência alheia ajustando sua narrativa em tempo real, como quem troca um pneu com o carro em movimento.
 
A eclosão de escândalos por atacado — marca registrada do governo Bolsonaro — levou a mídia a perder o interesse por Queiroz, que disputou a uma cadeira na Alerj, mas não conseguiu se eleger — o que é surpreendente, considerando à vocação inata do eleitorado tupiniquim para fazer sempre as piores escolhas (vide Damares, Mourão, Pazuello, Tiririca etc.).

E vamos que vamos!

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

SÓ BOA NOTÍCIA


A OMS já fala em quarta onda de Covid na Europa. "Enquanto não vacinar todo mundo, se abrir mão do uso de máscaras, liberarmos aglomerações e não pedirmos o passaporte da vacina, é esperado que ocorram novas ondas. A doença é cíclica e novos ciclos serão evitados vacinando a população", diz a epidemiologista Carla Domingues

No Brasil, que registra 22.030.182 contaminados e 613.066 mortos, segundo dados da Universidade Johns Hopkins, autoridades de alguns estados brasileiros já confirmaram a retomada do carnaval no ano que vem

No estado de São Paulo, ao mais de 70 dos 645 municípios decidiram cancelar a festa dos foliões em 2022 — embora as taxas de ocupação estejam baixas e os índices da doença registrem melhoras no comparativo com os piores meses da pandemia, na avaliação de alguns gestores municipais o momento é de cautela

Como diz o ditado, quem procura acha (e quem insiste acha mais depressa).

Entrementes, a novela das prévias tucanas continua dando o que falar. Com Eduardo Leite no papel de vilão. Mas cada qual tem direito de escolher a corda com a qual quer se enforcar, e o governador do Rio Grande do Sul exerceu esse direito. Seu posicionamento "vai e vem" e algumas acusações, digamos, levianas, serviram de munição para seus adversários e alargaram ainda mais a cizânia intramuros no Tucanistão. O PSDB anunciou nesta terça-feira (23) que contratou um novo aplicativo e espera concluir votação até o próximo domingo. Até o presente momento (são 12h30 de quarta), o troço não funcionou.

Em entrevista à CNN na noite de terça-feira, Sergio Moro criticou "falsas narrativas" sobre suas decisões, disse que condenação de Lula "era o que determinavam as provas" e que é “forçoso reconhecer” que o STF cometeu um “gritante erro judiciário” ao anular a condenação do molusco. Disse ainda que uma das motivações para aceitar o convite de Bolsonaro para assumir o ministério da Justiça foi evitar que a Lava-Jato tivesse mesmo destino da Operação Mãos Limpas. Pena que faltou combinar com os russos, digo, com os corruptos.

Falando em corruptos, a CCJ da Câmara (detalhe: CCJ significa "comissão de constituição e 'JUSTIÇA'". Pausa para as gargalhadas) aprovou na última terça-feira, por 35 votos a 24, a admissibilidade de uma PEC que revoga a PEC da Bengala e reduz em 5 anos a idade para a aposentadoria compulsória de servidores públicos (aí incluídos os semideuses da toga). 

Se o projeto for aprovado, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski (ambos nascidos em 1948) terão de trocar a suprema toga pelo supremo pijama. O não seria ruim se não desse ao despirocado do Planalto a oportunidade de nomear mais dois vassalos, "abrilhantando", assim, um plenário que já conta com Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques, enfim, a pior composição de toda a história do Tribunal.

Falando em "pior composição", o casamento do capitão-negação com o PL do mensaleiro Valdemar Costa Neto, que estava previsto para ocorrer no último dia 22, mas foi suspenso após os noivos trocarem elogios (o capitão mandou o mensaleiro à puta que o pariu, e o mensaleiro mandou o capitão tomar no cu), foi remarcado para o próximo dia 30. E já que falamos no capetão, seu ex-factótum ressurgiu das brumas para conceder uma entrevista ao SBT News.

Acusado de ser o articulador das rachadinhas do primogênito do Sultão do Bolsonaristão, Queiroz disse à repórter Débora Bergamasco que "rachadinha nunca existiu" e que não conhece o mafioso de comédia Frederick Wassef — em casa de quem se escondeu durante cerca de um ano até ser capturado. E mais adiante: O pessoal queriam [sic] me matar, tem que ficar bem enfatizado isso. Eu ia ser queima de arquivo para cair na conta do presidente [Jair Bolsonaro], como aconteceu com o capitão Adriano [da Nóbrega, miliciano morto na Bahia em fevereiro de 2020”. Faltou explicar por que ele seria "queima de arquivo" no caso de uma rachadinha que "nunca existiu", mas enfim...

Ao comentar a disputa de 2022, Bolsonaro disse que não está preocupado com o demiurgo de Garanhuns nem com o ex-juiz da Lava-Jato, e que "Lula 'não tem mais futuro' e que o tempo do PT 'passou'". Bom seria se fosse verdade. Como bem observou o senador Omar Aziz, referindo-se à qualidade, digamos, discutível de tudo que sai da boca do "mito", por onde passa, Bolsonaro espalha fezes.

Falando no ex-presidiário — convertido "ex-corrupto" pela graça suprema —, em entrevista ao jornal El País o parteiro do Brasil Maravilha minimizou a ditadura de Daniel Ortega na Nicarágua e teve o desplante de comparar o tempo em que o ditador e a chanceler alemã Angela Merkel estão no poder: "Por que que a Angela Merkel pode ficar 16 anos no poder e Daniel Ortega não?”. E mais: “Eu não posso julgar o que aconteceu na Nicarágua. No Brasil eu fui preso”. Como se não bastasse, O PT divulgou uma nota nesta chamando de falso e de má-fé afirmar que Lula teria apoiado ditaduras de esquerda. É a prova provada de que falar merda não é prerrogativa exclusiva do atual inquilino do Planalto. 

Para concluir (em respeito aos leitores que, como eu, ficam com o estômago virado diante de tanta desfaçatez), Paulo Guedes, que é sócio de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, havia dito em outubro que “perdeu muito dinheiro” ao aceitar entrar para o governo. O pronunciamento foi feito depois que documentos mostram que tanto Posto Ipiranga quanto o atual presidente do Banco Central são donos de empresas em paraísos fiscais. 

Em 2014, o superministro tinha cerca de US$ 8 milhões investidos em uma shelf company — empresas fundadas em paraísos fiscais, mas que podem permanecer anos sem atividade à espera de que alguém lhes dê função. Nesta terça-feira, em audiência na Câmara, ele afirmou que foi orientado por advogados a usar a offshore para fazer investimentos e não ter metade de seu dinheiro "apropriado pelo governo americano".

Guedes esqueceu de mencionar que a tal "apropriação" só aconteceria se ele investisse diretamente em empresas norte-americanas como pessoa física — nos EUA, heranças são tributadas em quase 50% (no Brasil, herdeiros pagam entre 3% e 8% sobre o bem transmitido após a morte, a depender do Estado).

A declaração do grande economista chocou alguns parlamentares. “O senhor dizer que coloca o seu dinheiro em offshore para não pagar imposto é quase um tapa na cara do povo brasileiro, que paga tributos, os pequenos e micro que são sobretaxados, enquanto temos um paraíso para acionistas de offshore e especuladores”, disse a deputada psolista Fernanda Melchionna.

O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe investimentos em bens cujo valor ou cotação possam ser afetadas por medidas sobre as quais a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função. Em ao menos duas ocasiões, os deputados apontam que decisões de Guedes podem ter impactado seus próprios investimentos, como no caso do projeto de reforma tributária encaminhado ao Congresso e na decisão do Conselho Monetário Nacional de dispensar contribuintes de declararem seus ativos no exterior em valores inferiores a um milhão de dólares.

Por último, mas não menos importante, fala-se em dividir o Estado do Pará para criar o Estado do Tapajós. Mais um governador e respectiva assessoria (com carros oficiais e toda a mordomia de estilho), mas uma Assembleia Legislativa (idem, idem) e por aí afora. Isso quando o país está falido e o povo não tem merda no cu para cagar, se me perdoam o linguajar.

E viva o eleitor brasileiro.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

TUTTI BUONA GENTE

 

A ministra Rosa Weber autorizou Wilson Lima a não comparecer à CPI do Genocídio (como ele é investigado por desvio de verbas públicas na pandemia, a magistrada lhe concedeu o direito de não produzir provas contra si mesmo). Na versão do governador, o combate aos ataques coordenados por uma facção criminosa em Manaus e outros municípios do seu Estado tornavam sua presença mais importante no Palácio do que no Senado. Dada a ausência do entrevistado da vez, os mestres de cerimônia da Comissão usaram a reunião para votar requerimentos.

***
Alvo de investigações, o clã dos Bolsonaro, sob a mentoria intelectual de Zero Um, vem “fazendo o diabo” (parafraseando Dilma, a inolvidável) para montar uma “bancada jurídica bolsonarista”, seja emplacando magistrados em cortes superiores, seja cercando-se de advogados influentes e chicaneiros experimentados.

Observação: Afora o célebre caso das rachadinhas que envolve Flávio Bolsonaro, órgãos de investigação como a PF e o Ministério Público apuram suspeitas contra Eduardo Bolsonaro, Carlos Bolsonaro e Renan Bolsonaro. As suspeitas incluem tráfico de influência, contratação de funcionários fantasmas e envolvimento na organização de manifestações que pediram o fechamento de instituições como Congresso e Supremo.

Além da indicação do desembargador Kassio Nunes Marques para a vaga aberta com a aposentadoria do decano Celso de Mello, em outubro passado, o Zero Um participou de pelo menos duas escolhas para a Justiça Eleitoral, além de um cargo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Sua ascendência sobre o pai é pública é notória e, segundo a Folha, vem gerando insatisfação entre aliados do governo, cujas sugestões têm sido ignoradas. 

Na edição impressa da semana passada, a revista VEJA trouxe uma matéria de cinco páginas a esse tema, assinada por Daniel Pereira. A reportagem salienta que o filho Flávio é uma das poucas pessoas em que o presidente realmente confia, e foi incumbido pelo pai de garimpar opções “terrivelmente evangélicas” para a vaga que será aberta no STF, no mês que vem, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio. Bolsonaro já orientou o dublê de pastor presbiteriano e Advogado-Geral da União, André Mendonça, a se entender com Senado, a quem cabe aprovar os nomes para o STF — e especialmente com FB, seu líder de fato no Senado.

Por falar nisso, a PF concluiu e enviou ao STF um inquérito repleto de indícios de que o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, e seu rebento, Fernando Bezerra Coelho Filho, receberam R$ 10 milhões em propina das empreiteiras OAS, Barbosa Mello e Constremac/Mendes Junior entre os anos de 2012 e 2014, quando coelho-pai exercia o cargo de ministro da Integração Nacional no governo de Dilma, a inesquecível. 

A corporação indiciou os coelhos pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e falsidade ideológica eleitoral e pediu o bloqueio de R$ 20 milhões dos dois (valor corrigido da propina supostamente recebida pelos roedores). Demais disso, o vice-líder do governo no SenadoChico Serra, foi alvo de um mandado de busca e apreensão em outubro do ano passado. Os agentes encontraram cerca de R$ 30 mil escondidos nos fundilhos do nobre parlamentar. Enfim, dize-me com quem andas e dir-te-ei quem és.

Voltando a Bolsonaro-pai e os irmãos metralha, a preocupação da Famiglia com o Supremo é compreensível, pois lá tramitam inquéritos sobre fake news e atos antidemocráticos — que têm como alvos potenciais Zero Dois e Zero Três — e do ministro Gilmar Mendes a decisão sobre qual instância do Judiciário é competente para julgar Flávio, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e mais uma dezena de personagens da novela das rachadinhas. Segundo VEJA, é justamente o inquérito das rachadinhas que impede o filho do pai de desempenhar em público o papel que desempenha nos bastidores, qual seja o de “primeiro-ministro” do governo do capitão.

Selada no ano passado, quando o presidente estava pressionado pelo STF e pela prisão de Queiroz, a aliança com o Centrão teve como intermediário o onipresente primeiro-filho. Desde então consolidou-se na classe política, notadamente entre os senadores, a percepção de que o melhor caminho para se chegar ao gabinete presidencial não é por meio dos articuladores políticos formalmente constituídos, mas através do filho. Mas o imbróglio das rachadinhas, que se arrasta desde 2018, pode mijar no chope do menino de ouro, que jura inocência e diz que não se beneficiou da movimentação financeira milionária do suposto operador do esquema em seu antigo gabinete na Alerj.

Afeito a teorias da conspiração como Bibo Pai, Bobi Filho alega que há uma orquestração entre promotores do Rio e o juiz Flávio Itabaiana a fim de atingir a imagem da família, e que está sendo vítima de uma armação. E como o negacionismo é multidisciplinar, nega toda e qualquer influência no governo federal. Mas o primeiro-filho conversou com todos os nomes indicados antes que o presidente escolhesse Augusto Aras para o comando da PGR, e deixou suas digitais na nomeação de Marcelo Queiroga para o Ministério da Saúde, apenas para citar dois casos emblemáticos.

Zero Um nega em público a influência que tem no reinado paterno, mas atua como eminência (não tão) parda com maestria e lida muito bem com as vantagens de quem tem acesso privilegiado ao centro do poder. Interlocutores palacianos dizem que temas relacionados a justiça e agências reguladoras passam por ele, que fala com o pai diariamente.

A influência de Flávio Bolsonaro nas nomeações do pai é criticada por auxiliares do presidente, segundo os quais o capitão tem se desgastado de maneira desnecessária com aliados de primeira hora para agradar o filho. Alguns dizem com ironia que se tornou uma briga perdida competir com as  indicações do menino” — referindo-se às indicações feitas pelo senador.

Flávio é hoje o filho que detém mais influência sobre as decisões de Jair Bolsonaro, que já manifestou a assessores próximos receio de que as acusações contra seu primogênito tenham novas reviravoltas. No final do ano passado, de acordo com um deputado governista, o presidente temia uma possibilidade de prisão e, “de cada dez assuntos que discutia, dois se referiam à situação do filho”.

Flávio frequenta regularmente o Alvorada — pela manhã, quando, segundo ele, o humor do presidente é melhor do que no final da tarde — e o Palácio do Planalto, onde participa de reuniões (sua participação quase nunca é registrada oficialmente). Também é “arroz de festa” em reuniões ministeriais, nos encontros para discutir o Renda Cidadã e nas discussões sobre o enfrentamento da pandemia. Foi ele quem sugeriu ao pai a defesa de que a atividade econômica do país não podia parar por causa da doença.

A influência de Flávio também é relatada no Senado, onde ele é chamado de “senador-ministro” por participar de reuniões de líderes — mesmo sem ter este posto — e falar em nome do governo. Mas a condição de filho do presidente também o alija de algumas discussões, como quando o Legislativo ensaiava como reagir às manifestações de apoiadores de Jair Bolsonaro aos outros Poderes.

Em cortes superiores, os ministros João Otávio de Noronha, do STJ, e Ives Gandra Martins Filho, do TST, também têm uma relação próxima com o presidente. No Supremo, porém, a leitura é que os dois se aproximaram de Bolsonaro pelo sonho de serem nomeados para a Corte, e que, embora tenham contato com Bolsonaro, não há uma relação de confiança.

Noronha foi o responsável por retirar Fabrício Queiroz da prisão e colocá-lo em regime domiciliar — evitando que aumentasse a pressão para que Queiroz, apontado como operador do esquema da rachadinha do filho senador e amigo do pai presidente desde 1984, firmasse um acordo de colaboração premiada. Gandra, por sua vez, chegou a se reunir com Jair Bolsonaro em 2018, logo após ele ter sido eleito presidente, sem falar que o pai do magistrado foi responsável por endossar e dar tração à tese da militância bolsonarista de que o artigo 142 da Constituição permite a intervenção do Exército quando um Poder invade a competência de outro.

Em meados do ano passado, Flávio Bolsonaro trocou o apartamento funcional que ocupava por uma chamativa mansão num dos pontos mais bonitos, seguros e valorizados de Brasília. O imóvel foi comprado por R$ 6 milhões. Na época, o senador explicou que financiou metade da dívida e que a outra metade teria sido quitada com recursos da venda de um apartamento que ele tinha no Rio de Janeiro e de uma franquia de chocolates. Mas não revelou maiores detalhes do negócio, nem a identidade do comprador.

Como se trata de uma transação privada, os envolvidos não têm obrigação de esmiuçá-la ou torná-la pública. A questão é que isso acabou gerando uma série de rumores sobre o já atribulado histórico patrimonial de Flávio, principalmente porque não foi localizado nenhum registro formal da operação nos cartórios, o que serviu para reforçar teorias maliciosas.

Na verdade, houve um acordo entre as partes para manter tudo em segredo. O comprador do apartamento foi o empresário baiano Gervásio Meneses de Oliveira, que pagou R$ 2,6 milhões pelo imóvel, mas ainda não o colocou em seu nome. E não o fez, segundo ele, para evitar a exposição. A VEJA, o empresário contou que fazia algum tempo que procurava um apartamento no Rio de Janeiro, quando soube por um corretor de uma oferta “excelente” num condomínio localizado na Barra da Tijuca. O negócio foi sacramentado através de um contrato de promessa de compra e venda.

Uma pessoa próxima a Gervásio disse à reportagem que ele ficou sabendo do apartamento por intermédio de amigos comuns, dele e de Flávio Bolsonaro, mas o empresário afirma que, no início da negociação, nem sabia que o filho do presidente estava na outra ponta. “Fiz uma coisa pra me dar prazer, mas já vi que isso vai acabar em chateação”, reclama, ao ser indagado sobre o assunto. Assim, para “evitar chateação”, ele resolveu adiar o máximo possível o registro do negócio no cartório.

Em novembro de 2020, o MP-RJ denunciou o primogênito do capitão e outras dezesseis pessoas pela prática dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. O apartamento na Barra da Tijuca, que agora pertence ao empresário baiano, teria sido comprado com dinheiro oriundo da chamada “rachadinha”, o esquema ilegal de apropriação de parte dos salários dos funcionários no período em que Flávio era deputado estadual.

Gervásio também tem problemas na Justiça. Em 2020, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo denunciou-o por corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Ele foi acusado de pagar propina a uma desembargadora do Tribunal Regional da Bahia para que ela interferisse num processo em que uma de suas empresas foi condenada a pagar uma dívida de R$ 96 milhões. Em outro processo, tramitando no Tribunal de Justiça da Bahia, ele é acusado de formação de quadrilha e crime contra a Lei de Licitações. Uma investigação do Ministério Público o apontou como beneficiário de um esquema que fraudava concorrências para a contratação de prestadores de serviços. O esquema desviou R$ 625 milhões dos cofres públicos.

Procurado por VEJA, Gervásio informou que iria dar sequência a alguns procedimentos burocráticos ainda pendentes para concluir a transferência do apartamento para seu nome e rechaçou as insinuações de que teria comprado o imóvel para se aproximar do senador e, por caminhos transversos, de outros figurões da República, especialmente da Justiça. Questionado sobre a transação, o Flávio Bolsonaro não quis se manifestar.

Em tempo: Causa revolta a covardia do Exército em determinar sigilo de um século para o processo administrativo aberto contra o general Eduardo Pazuello. A sociedade tem o direito de saber a respeito de tudo sobre o processo e o Exército tem o dever (não é favor, é dever e obrigação) de informar. Militares acham-se magnânimos quando contam parte de sua história. Já passou da hora de aprenderem que só existem para servir à sociedade na manutenção da ordem constitucional ou na defesa da Nação em caso de ameaça armada estrangeira. E que têm de prestar contas à sociedade. Ano passado, Jair Bolsonaro decretou um século de sigilo sobre sua carteira de vacinação. Agora vem o Exército e, contrariando dispositivo da Controladoria Geral da União, coloca em sigilo o processo contra Pazuello. A CGU é clara: “os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros até o julgamento”. E o julgamento já foi. 

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

É DANDO QUE SE RECEBE. OU NÃO.

 


A eleição de Arthur Lira (por 302 votos a 145) e de Rodrigo Pacheco (por 57 a 21) foi uma vitória de Bolsonaro. Mas uma coisa é capítulo do dia, outra bem diferente é como a novela vai terminar.

Com notável sensibilidade para detectar bons negócios, o Centrão vislumbrou nas aflições da Famiglia Bolsonaro múltiplas oportunidades. Na sucessão interna do Congresso, o acerto que consolidou a aliança com o Planalto incluiu proteção contra o impeachment, veto à instalação de uma CPI sobre a pandemia e blindagem para Flávio Rachadinha em troca de verbas públicas e cargos federais, que o presidente empenhou com o ânimo de quem contrata um seguro contra acidentes.

Com a vitória dos comprados, digo, dos apadrinhados do capitão, a política brasileira volta a viver o seu eterno terror pendular. O roteiro é o de sempre: presidentes da República entram botando banca e vão deslizando docemente para a grande vala comum do Centrão. Sob Bolsonaro, o deslizamento começou no ano passado. A novidade é que o namoro evoluiu para o matrimônio — ou patrimônio. A pretexto de assegurar a assim chamada "governabilidade", azeitou-se o toma lá, dá cá. Sem uma agenda nítida de políticas públicas sobre o balcão, a tal "governabilidade" torna-se um mafuá organizado para justificar novos e velhos cambalachos.

A expressiva maioria de votos obtidos por Lira e Pacheco não reflete necessariamente o apoio que o governo terá nas votações cotidianas. Não por acaso nenhum dos dois eleitos fez em seu discurso sequer menção a qualquer dos pontos caros ao chamado grupo ideológico.

É um equívoco considerar que o Executivo poderá tratar o Legislativo como um quintal do Planalto e adjacências, sobretudo porque a submissão é má conselheira, seja no campo ideológico ou no terreno do fisiologismo. Além disso, tanto Pacheco como Lira foram eleitos com votos dissidentes da oposição. Não foram poucos e cobrarão os devidos preços. Mais que atenção ao Palácio do Planalto, os presidentes da Câmara e do Senado precisam atender às demandas do respectivos colegiados.

Bolsonaro ganhou, mas não levou tudo o que busca transparecer. Imprimiu o carimbo da vitória da agressiva ofensiva de pagamento de emendas em janeiro, mas contribuiu para esse resultado a inestimável contribuição dos erros de Rodrigo Maia e dos ressentimentos cultivados por ele.

Lira pendurou uma galinha morta no pescoço do presidente, que, por enquanto, a vê como um jantar. Mas a ficha vai cair quando ela começar a apodrecer, e o mesmo ocorrerá com sua alteza irreal. O que se verá nos próximos capítulos desse folhetim vai depender do comportamento de Bolsonaro e de quão estapafúrdia e inepta for sua conduta no comando da nação.

Com 28 anos de vida parlamentar, Bolsonaro fez diante do eleitorado uma pose de político atípico. Voltou gradativamente ao normal, revelando-se um típico político brasileiro. Terceiriza cofres públicos ao Centrão desde a prisão de Fabrício Queiroz, operador de rachadinhas da primeira-família. Entregou ao PP de Lira a presidência do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Confiou a um apadrinhado do PL, partido controlado como um cartório pelo mensaleiro Valdemar Costa Neto, a Diretoria de Ações Educacionais do mesmo FNDE. As ideias educacionais dos oligarcas do PP e do PL são desconhecidas, mas o apetite das duas legendas por verbas públicas é de conhecimento geral, inclusive do Poder Judiciário. O que não impediu o presidente de acomodar os prepostos da suspeição na cúpula do FNDE, que tem orçamento anual de R$ 55 bilhões.

O Centrão beliscou no ano passado cargos que controlam um pedaço do Orçamento estimado em R$ 78 bilhões anuais. Entre eles, além do FNDE, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca, entregue ao PP; e a Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério do Desenvolvimento Regional, confiada ao Republicanos. As nomeações continuam sendo enviadas ao DOU. É dando que Bolsonaro espera receber proteção ao seu mandato.

A expressão "é dando que se recebe" está gravada no DNA do Centrão. Retirada da oração de São Francisco, passou a simbolizar a profana prática de exigir vantagens em troca de apoio político no Legislativo. Quem lançou a moda foi o deputado Roberto Cardoso Alves (1927-1996), do PMDB de São Paulo. Robertão, como era chamado pelos amigos, inaugurou a facção franciscana do fisiologismo em março de 1988. Na época, o Congresso Constituinte discutia a prorrogação do mandato do então presidente José Sarney para cinco anos. O eterno donatário da capitania do Maranhão deu e recebeu, e a prática jamais saiu de moda.

Em três décadas, "governabilidade" virou um outro nome para corrupção. Serve de álibi para que políticos invadam as arcas do Estado. A anomalia infelicitou todos os governos desde a redemocratização. Sob Lula e Dilma, ganhou escala industrial. Imaginou-se que a Lava-Jato representaria uma virada de página, mas Bolsonaro e seus novos aliados cuidam para que a página seja virada para trás. O Centrão deixou de ser uma mosca na sopa. Tornou-se a própria sopa.

Com Dora Kramer e Josias de Souza.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

TERMINA HOJE O ANO QUE PARECIA INTERMINÁVEL. QUE O PRÓXIMO SEJA MELHOR.


Nesta noite, quando a décima segunda badalada do relógio soar, estaremos em 2021, ano em que o presidente Jair Bolsonaro terá de descer do palanque e fazer o que não fez até agora: governar o país. Caso não o faça, aumentará as chances de ser expelido do cargo e ficar a ver navios em 2022. 

Se decidir, finalmente, agir como deveria ter agido desde janeiro de 2019, terá inúmeros desafios a enfrentar — um trabalho hercúleo para um parlamentar medíocre, egresso do baixo clero, que não reúne condições intelectuais nem morais para presidir miseravelmente uma reunião de condomínio, e que se cerca de gente ainda mais desqualificada (talvez para não se sentir tão pequeno quanto é).

No âmbito da economia, Bolsonaro terá de lidar com o fim do auxílio emergencial e suas consequências. A despeito das tentativas recorrentes dos frentistas do Posto Ipiranga, não surgiu uma alternativa viável ao Bolsa Família nem uma solução mágica para financiar a "Renda Cidadã". Com o fim do “orçamento de guerra” e a não aprovação da Lei Orçamentária Anual, a poderosa esferográfica Bic do mandatário de fancaria pode ficar sem tinta — pelo menos nos primeiros meses —, levando sua popularidade a subir no telhado justamente quando começam de fato as articulações para o pleito de 2022. E como o ambiente político é norteado pela circunstância econômica, a conclusão é óbvia.

Na política internacional, a célebre frase “é a economia, estúpido”, cunhada pelo marqueteiro democrata James Carville, que previu a vitória de Clinton sobre Bush em 1992, continua vigendo. Bolsonaro & Filhos jamais esconderam que tinham lado na disputa pela presidência americana, e agora descobriram que escolheram o lado errado. A demora em reconhecer a vitória de Biden certamente não facilitará as relações comerciais entre os dois países, como tampouco favorecem as relações do Brasil com a China os constantes ataques do chanceler de festim Ernesto Araújo e do ex-quase embaixador Eduardo “Fritador de Hambúrguer” Bolsonaro. 

Para além disso, as aleivosias do capitão-sem-noção seguem num crescendo assustador — no discurso de abertura da 75ª Assembleia da ONU, por exemplo, ele tratou aos coices (para dizer o mínimo) os países que lhe cobraram responsabilidade ambiental, culpou índios e caboclos pelas queimadas, inflou o valor do auxílio emergencial e responsabilizou os governadores pela crise.

No xadrez político em Brasília, Bolsonaro terá de renovar concessões e acordos para tentar emplacar aliados no comando da Câmara e do Senado — para ele, é vital ter um lambe-botas no comando das duas Casas, sobretudo na Câmara, cujo presidente não só controla a pauta de votações como decide se aceita ou não um pedido de impeachment contra o chefe do Executivo. Atualmente, Rodrigo “Botafogo” Maia está sentado em cima de uma pilha de quase 60 demandas do tipo.

Na esfera judicial, Bolsonaro e seus apoiadores continuam afirmando que não houve denúncias de corrupção neste governo, mas somente porque desconhecem o significado dessa palavra. Curiosamente, o termo é de uso corrente, sobretudo no Brasil. De acordo com o Michaelis, entre outras acepções, “corrupção” significa 1) Degradação de valores morais ou dos costumes, devassidão, depravação; 2) Ato ou efeito de subornar alguém para vantagens pessoais ou de terceiros; 3) Uso de meios ilícitos, por parte de pessoas do serviço público, para obtenção de informações sigilosas, a fim de conseguir benefícios para si ou para terceiros.

Bolsonaro é investigado em um inquérito que tinha tudo para ser concluído antes da aposentadoria do decano Celso de Mello do STF, mas não foi. No fim de novembro, a AGU comunicou ao ministro Alexandre de Moraes que o investigado “declinava do meio de defesa” de prestar depoimento às autoridades e dar sua versão sobre a acusação de interferência política na Polícia Federal. 

Sob a relatoria do ministro estão outros dois casos, que correm em segredo de Justiça. O mais antigo apura ameaças e disseminação de fake news contra integrantes do STF, e o outro trata da organização de um protesto antidemocrático, realizado defronte ao QG do Exército em Brasília, que pugnava pela reedição do AI-5 e o fechamento do Congresso e do STF

Observação: Semanas atrás, Moraes negou a dispensa prévia do interrogatório do presidente, enviou o tema para análise do plenário e concedeu mais 90 dias de prazo para a conclusão do inquérito que trata da “suposta” ingerência indevida na PF. Vale lembrar que Jair Bolsonaro empregou 102 pessoas com laços familiares ao longo de seus 28 anos como deputado federal. O mandato de Bolsonaro está na mira do TSE, onde tramitam dois pedidos de cassação da chapa que o elegeu. No total, há oito processos contra o presidente e seu vice naquela Corte Eleitoral, sendo quatro deles com informações robustas sobre disparo em massa de fake news pelo WhatsApp

Flávio “Rachadinha” Bolsonaro é investigado há mais de dois anos por um “suposto” esquema de desvio de recursos do gabinete que ocupava na Alerj até ser eleito senador. O MP-RJ apresentou denúncia contra ele, contra Fabrício Queiroz e digníssima esposa, e mais uma dúzia de suspeitos de envolvimento na maracutaia. O fato se tornou público em 3 de novembro, mas acabou ofuscado pela eleição presidencial americana. Cabe agora ao Órgão Especial do TJ-RJ aceitar ou não a denúncia; caso aceite, os acusados se tornarão réus e o processo judicial terá início. O desembargador Milton Fernandes de Souza foi sorteado relator, mas o caso só poderá ser pautado para julgamento depois que o magistrado concluir a análise da denúncia e proferir seu voto. Não há prazo para que isso venha a ocorrer.

Conforme duas reportagens publicadas pela revista Época (clique aqui e aqui para acessá-las), a Abin e o GSI foram mobilizados pela defesa de Zero Um para tentar obter provas de que funcionários da Receita Federal teriam acessado ilegalmente dados sigilosos da movimentação financeira do hoje senador. A publicação diz que o próprio Alexandre Ramagem, diretor da Abin, repassou a FB, via mensagens de WhatsApp, dois relatórios com orientações para sua defesa. Se for confirmado que a primeira-família mobilizou órgãos públicos para atender interesses particulares e tentar atrapalhar a investigação criminal, Bolsonaro pai pode ser processado tanto por crime comum quanto de responsabilidade.

Em junho, Fabrício Queiroz foi localizado e preso num imóvel em Atibaia, pertencente ao dublê de advogado e mafioso de comédia Frederick Wassef, que até então cuidava da defesa de Flávio no inquérito das rachadinhas e atuava como consultor jurídico da Famiglia Bolsonaro. Por razões que a própria razão desconhece, o semideus togado Gilmar Mendes acolheu um pedido de habeas corpus que substituiu a prisão preventiva de Queiroz por prisão domiciliar, além de estender o benefício a Márcia Aguiar, esposa do ex-factótum do clã, que estava foragida. Em novembro, Danielle Oliveira acusou formalmente Wassef de injúria racialo advogado a teria chamado de "macaca", entre outras agressões verbais. Todas as testemunhas do caso já foram ouvidas pelo delegado, menos o acusado.

Após negar que escondeu Queiroz, Fred se contradisse ao tentar explicar por que abrigou o ex-assessor de seu cliente num imóvel que mais parecia um cativeiro. Disse que não sabia do paradeiro do ex-PM, que jamais falou com ele e tampouco tinha conhecimento de que ele estivesse em sua propriedade em Atibaiaembora Queiroz tenha morado lá por pelo menos um ano. Mais adiante, reconheceu que abrigou dito-cujo, mas por “questões humanitárias”. Em outro pronunciamento, afirmou: Todos estão convictos hoje de que o Fred virou o alvo. Se bater no Fred atinge o presidente, eu e o presidente viramos uma pessoa só.” Depois, tentou descolar o presidente do assunto: “Nunca, jamais, o presidente Jair Bolsonaro soube ou teve conhecimento desses atos, desses fatos. Essa é minha inteira responsabilidade.

Wassef abandonou as causas da família Bolsonaro três dias após a prisão de Queiroz. Na noite em que o anúncio foi feito, FB elogiou o trabalho e a lealdade do advogado. Nos meses seguintes, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusoé mostraram como Fred usou sua proximidade com o presidente da República para ganhar milhões de reais de empresários interessados em resolver problemas no governo. Em agosto, outra revelação da Crusoé: O advogado recebeu R$ 9 milhões da JBS. Em outra reportagem, a revista mostrou que partiu de Jair Bolsonaro a iniciativa de pedir uma reunião na PGR entre o causídico e o subprocurador responsável pelo caso da JBS.

Em setembro, Wassef foi alvo de busca e apreensão na Operação E$quema SDenunciado por peculato e lavagem de dinheiro, ele é suspeito de ter obtido R$ 2,7 milhões por meio do escritório da ex-procuradora Luiza Nagib Eluf, contratada pela Fecomércio Rio com uso de dinheiro público do Sesc/Senac Rio. Segundo o MPFCristiano Zanin e Roberto Teixeira — advogados do criminoso Lula — comandaram o esquema entre 2012 a 2018. Estão na mira dos investigadores desvios de valores que chegam a R$ 300 milhões. No entanto, o inquérito foi suspenso em outubro por decisão de Gilmar Mendes.

Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro que dá expediente no Palácio do Planalto, é investigado pela “suposta” contratação de funcionários fantasmas. Seu nome é suscitado nada menos que 43 vezes no inquérito dos atos antidemocráticos. Depoimentos de testemunhas dão conta de que o filho do capitão vem “ajudando” e “cooperando” com os canais suspeitos de ataques às instituições e ao regime democrático.

No final de julho, Anderson Rossi, dono do Foco do Brasil, foi questionado sobre uma possível ajuda do vereador na estruturação de seu canal, que chega a faturar R$ 140 mil por mês. Já a Folha Política, segunda franquia mais rentável entre os canais bolsonaristas, tinha 1,65 milhão de inscritos no início de março; hoje está com 2,19 milhões — um salto de 32%. Ernani Fernandes Barbosa Neto, proprietário do canal, disse à PF ter faturado entre R$ 50 mil e R$ 100 mil por mês.

Em um inquérito que corre atualmente no STF, Zero Dois aparece como suspeito de ser líder do chamado “gabinete do ódio”, um grupo de assessores que se encarregam de espalhar mentiras sobre ministros da Corte e apoiar manifestações antidemocráticas nas redes sociais e em grupos de apoiadores do presidente, pedindo o fechamento do Congresso e do Supremo.

Eduardo Bolsonaro está na mira da PGR, que determinou a abertura de “notícia de fato” para saber se o deputado violou a Lei de Segurança Nacional em declarações postadas nas redes sociais. Além disso, uma apuração preliminar o investiga por pagamentos em dinheiro vivo quando da compra de dois apartamentos no Rio, em 2011 e 2016. 

Nem o filho caçula do presidente, Jair Renan, foge à regra que baliza os “negócios da família”. Embora não tenha cargo público, o pimpolho é suspeito de tráfico de influência. Em 13 de novembro, ele articulou e participou de uma reunião entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e um grupo de empresários da Gramazini Granitos e Mármores — empresa que patrocina a Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia, cuja sede fica num camarote do estádio Mané Garrincha. O compromisso, que não constava na agenda oficial de Marinho, foi revelado pela revista Veja. O ministro informou que o filho do chefe “participou na qualidade de ouvinte e por acreditar que o sistema construtivo teria potencial de reduzir custos para a União”, e que a reunião foi um pedido do Planalto.

As relações da empresa de Renan com o Planalto vão além de promover reuniões entre os investidores de seu negócio e ministros. Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a Astronautas Filmes, produtora de audiovisual que possui contrato milionário com o Governo, realizou gratuitamente a cobertura da festa de inauguração da Bolsonaro Jr. Eventos e Mídia. Somente neste ano, a produtora recebeu R$ 1,4 milhão do governo federal. Em nota, a empresa afirma que não existe nenhum “laço de favorecimento”. O deputado federal Ivan Valente solicitou à PGR que investigue suposto tráfico de influência no caso.

Bolsonaro sempre disse ser um “defensor da família”. Após quase dois anos à frente do governo, transparece sua preocupação em proteger pelo menos uma delas: a sua própria. O primeiro passo foi articular a troca no comando da PF, em abril, com a exoneração do diretor-geral da entidade, o delegado Maurício Valeixo. O então ministro Sérgio Moro denunciou a maracutaia. Posteriormente vieram à tona imagens de uma reunião ministerial na qual o capitão-honestidade diz que não esperaria alguém “foder” a família dele, ou amigo, para trocar alguém da “segurança”. A fala também fazia referências ao Rio de Janeiro, onde as investigações bafejam no cangote dos filhos Flávio e Carlos.

Em outra frente, a Famiglia Bolsonaro meteu o bedelho nas eleições para a chefia do MP-RJ — responsável pelas investigações contra dois pimpolhos do presidente. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado por Zero Um por sua atuação no caso da rachadinha no gabinete. Os Bolsonaro cerraram fileiras em torno do procurador Marcelo Rocha Monteiro, bolsonarista assumido, como uma opção para a lista tríplice, definida em dezembro, de onde é escolhido o nome do próximo procurador-geral de Justiça do Estado. No final, ele foi o quarto mais votado.

Cabe ao governador interino optar por manter a tradição e indicar para a chefia um integrante da lista ou fazer um aceno ao presidente nomeando o candidato da Famiglia para o cargo. Publicamente, Bolsonaro alega que esses órgãos estão agindo para prejudicar seus filhos em uma tentativa de atingi-lo — chegando mesmo a dizer tratar-se de perseguição política do então governador Wilson Witzel, que buscava se cacifar para disputar o Planalto em 2022, o que justificaria, segundo o presidente, as tentativas de desmoralizar sua família.

Quanto à novela da vacinação contra a Covid, o desvario mais recente do capitão-mefistofélico aconteceu na última segunda-feira. “São os laboratórios que deveriam ter interesse em vender vacina contra o coronavírus para o Brasil e que nenhum deles apresentou ainda um pedido para liberação do imunizante”, disse ele à récua de apoiadores. "Botei hoje nas mídias sociais que eu falei que não estava preocupado com pressão. Falei mesmo, porque nós temos que ter responsabilidade, certas coisas não podem ser correndo, você está mexendo com a vida do próximo. A imprensa desceu o cacete em mim. Agora, se eu vou na Anvisa, que é um órgão de Estado 'corre aí, não sei o que lá', eu estou interferindo."

Em resposta a essas estapafúrdias declarações, a Pfizer informou que a Anvisa pediu uma série de "análises específicas" para liberação emergencial da vacina no Brasil, e que, por enquanto, seguirá com o pedido por outro formato, o de submissão contínua. De acordo com a farmacêutica, a nota também é uma demonstração de que a empresa "quer, sim, vender para o Brasil, mas que o processo aqui exige mais tempo". 

Um exemplo dessa demora do procedimento, segundo a Pfizer, é a exigência dessas informações exclusivas sobre este país, enquanto nos demais os dados são analisados na totalidade, sem exigir novos recortes. Já a Anvisa disse que está à disposição dos laboratórios para discutir os requisitos para liberação de vacinas seguras e eficazes para toda a população. A diretoria da agência chamou a Pfizer para uma nova reunião (marcada para ontem, quarta-feira).

Observação: Desde março, a Covid-19 causou quase 200 mil mortes no Brasil. Mas o Sars-CoV-2 não é a única praga — e, quiçá, nem a mais letal — que vitima esta pobre republiqueta de almanaque. Outro patógeno dissemina negativismo, ignorância e desfaçatez, enquanto se serve da estrutura do Estado em benefício próprio e dos seus apaniguados. Embora o remédio para essa virose exista e esteja disponível nas prateleiras do Congresso Nacional, o presidente da Câmara não tira seu avantajado buzanfã de cima do receituário, impedindo a medicação do paciente e a consequente erradicação do mal. Praga semelhante vitimou os Estados Unidos, mas lá o imunizante já foi ministrado e o paciente deve receber alta daqui a 20 dias. Aqui pelas nossas bandas... enfim, não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine. Vai passar.

Dezenas de países já começaram suas campanhas de vacinação — 25 dos 27 da União Europeia, além dos Estados Unidos, China, Canadá, Rússia, Bélgica, Luxemburgo e Letônia, entre outros. O Brasil, apesar de ter comprado a vacina desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford (e com produção nacional da Fundação Oswaldo Cruz), ainda não conseguiu aprovar o produto e iniciar a imunização. 

O boletim mais recente da Anvisa aponta que tanto a Pfizer quanto a AstraZeneca entregaram os resultados parciais dos estudos de fase 3 (última etapa) em 5 e 22 de dezembro, respectivamente. Nenhuma das duas — nem qualquer outro laboratório — pediu ainda a liberação de uso emergencial, o que, segundo a agência, pode ser feito com os resultados da terceira fase de testes (Pfizer e AstraZeneca, portanto, já podem fazer o pedido). Por trás desse imbróglio monumental está a rivalidade política do capitão-tinhoso com o governador de São Paulo (que possivelmente o enfrentará na eleição de 2022). Bolsonaro chegou mesmo a celebrar decisão da Anvisa de interromper os testes da CoronaVac após a morte de um voluntário — a suspensão foi revertida dois dias depois, já que o dito-cujo se suicidou. 

Mesmo assim, o capitão-trevoso postou nas redes sociais: "Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar a todos os paulistanos a tomar. O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha". Repare que, a exemplo de Pelé, o capitão-ególatra se refere a si mesmo na terceira pessoa.

Depois que o governo de São Paulo e o Instituto Butantan anunciaram que a CoronaVac superou o índice mínimo de eficácia exigido pelas agências regulatórias, mas não informaram o percentual exato de eficácia do imunizante nem os demais dados do estudo final (devido, até onde se sabe, a uma cláusula que confere à SinoVac o direito de consolidação da base de dados e divulgação de resultados de eficácia e segurança), Bolsonaro levantou dúvidas sobre a eficácia da “vacina chinesa do Doria”. 

Em transmissão ao vivo nas redes sociais na quinta-feira, 24, o capitão-parlapatão alardeou: “A eficácia daquela vacina em São Paulo parece que está lá embaixo, né?”, disse Bolsonaro. “Não vou divulgar o percentual aqui, porque se eu errar 0,001% eu vou apanhar da mídia, mas parece que o percentual tá lá embaixo levando-se em consideração a outra.” E reforçou mais uma vez que, "se houver efeito colateral, as pessoas precisam ir pra cima de um governador que queira obrigar a aplicação", numa clara referência a João Doria.

Dimas Covas, diretor do Butantan, informou que a SinoVac solicitou ao instituto que não divulgasse os dados sobre a eficácia, porque eles precisam analisar os casos e demonstrar os resultados à agência sanitária reguladora da China. Mas disse acreditar que a data será, inclusive, adiantada. Na mesma linha, o secretário de estado de Saúde, Jean Gorinchteyn, confirmou que o planejamento para a vacina continua: “nós iniciaremos nosso programa de imunização estadual no dia 25 de janeiro. Apesar dessa não revelação de dados específicos sobre o grau de eficácia, nós alcançamos o nível exigido, o que nos dá tranquilidade".

Observação: A comunidade científica acredita que o calendário de vacinação proposto pelo governo de São Paulo, com início em 25 de janeiro, talvez precise ser revisto. Como a divulgação dos resultados da fase 3 da vacina foram postergados por 15 dias, pode não haver tempo hábil para providenciar o registro na Anvisa e começar a imunização em janeiro. Além disso, é preciso que antes a China registre a vacina.

Boas entradas a todos, e que Deus nos ajude.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

PONTOS A PONDERAR, A ESTRANHAR E A REPUDIAR

O fanatismo cego e a estúpida dicotomia gestada pelo “nós contra eles” sempre foram o grande responsável pela fé inabalável que a récua de muares descerebrados têm no sumo pontífice do lulopetismo. De um tempo a esta parte, no entanto, efeito parecido vem sendo observado na capela de sectários do bolsonarismo. E o que mais causa espécie — para não dizer asco — é a empáfia com que essa choldra declama seu ramerrão: “nos 20 meses deste governo não houve uma única denúncia de corrupção”. Como assim, cara-pálida? 

É certo que Lula et caterva institucionalizaram a corrupção em prol de seu nefando projeto de poder, mas daí a afirmar que o atual governo é a quintessência da probidade vai uma longa distância. Desgraçadamente, o ladrão de Garanhuns e o capitão cloroquina são as duas faces da mesma moeda. Senão vejamos. 

Os desdobramentos da emocionante novela Fabrício Queiroz/Flávio Bolsonaro sugerem que o ex-dublê de assessor e factótum do primogênito do Presidente está para o clã Bolsonaro assim como PC Farias (esteve, porque era um arquivo vivo e já foi devidamente eliminado) para Fernando Collor, e José Carlos Bumlai para a quadrilha Lula da Silva. Comparados a esses exemplos de lisura no trato da coisa pública, os capi das cinco famílias de Nova York eram aprendizes de batedor de carteira.

Fica mais evidente a cada dia que a (sempre negada) rachadinha no gabinete do então deputado Zero Um representa a parte visível de um iceberg com ramificações que vão de lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio a peculato e enriquecimento ilícito. E isso não vem de hoje.

Segundo o Ministério Público, a antecessora de Fabrício Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj comandou o “suposto” esquema de rachadinha até 2008. 

No inquérito em que investiga a suposta contratação de funcionários fantasmas no gabinete de Zero Dois, o MP-RJ encontrou indícios da prática espúria desde 2001, ano em que o pit bull do papai iniciou seu primeiro mandato de vereador na Câmara Municipal da ex-Cidade Maravilhosa. 

Quer mais? Então vamos lá: na sexta-feira retrasada, veio a público a informação de que Michelle Bolsonaro recebeu R$ 89 mil divididos em 27 depósitos feitos por Queiroz e senhora entre 2011 e 2016.

Pode-se argumentar que a nomeação de funcionários fantasmas e a devolução compulsória de parte do salário de assessores são práticas tão arraigadas na política tupiniquim quanto o famoso “jeitinho” do brasileiro, mas isso não torna essas práticas legais nem exime de punição quem se locupleta do dinheiro público.

Os malabarismos que Flávio e Jair Bolsonaro têm feito para não ser engolidos pelo tsunami de merda soprado por Queiroz ombreiam com as chicanas de certo ex-presidente corrupto, condenado e até pouco tempo atrás hóspede compulsório da Polícia Federal em Curitiba. 

Por mal de nossos pecados, mesmo afirmando que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar, o Messias que não miracula tomou gosto por morar à beira do Lago Paranoá. E jamais deixou o palanque, nem mesmo depois que essa maldita pandemia viral ergueu uma pilha de mais de 100 mil corpos. Sua prioridade é sobreviver a um eventual processo de impeachment e poder disputar a reeleição em 2022 — isso se não recorrer a meios menos ortodoxos para espichar ainda mais seu mandato (se não o fez até agora, foi unicamente por falta de oportunidade). Já foram protocolados na Câmara mais de 50 pedidos de impeachment do presidente, mas parece que Rodrigo Maia está mais preocupado a própria reeleição.  

Suspeitas de práticas espúrias são uma constante na trajetória política dos membros da famiglia Bolsonaro, mas só ganharam destaque com a ascensão do capo ao topo do organograma do serviço público tupiniquim.  

O esquema Flávio/Queiroz foi alvo da Operação Furna da Onça — cuja deflagração foi adiada para não prejudicar Flávio e o pai nas eleições de 2018. Prova disso é que informações vazadas por um delegado ligado ao clã levaram à demissão simultânea de Fabrício e sua filha Nathália (em 15 de outubro de 2018) dos gabinetes de Jair e Flávio Bolsonaro, segundo revelou em depoimento ao MP o empresário Paulo Marinho.

Observação: Nathália Queiroz foi contratada como secretária parlamentar de Jair Bolsonaro em dezembro de 2016, com salário de cerca de R$ 10 mil mais benefícios, e apesar de trabalhar como personal trainer, em horário comercial, no Rio de Janeiro, o gabinete do então deputado atestou, em janeiro de 2019, que ela cumpriu a frequência prevista em lei de 40 horas semanais.

Bolsonaro está encantado com os efeitos do coronavoucher em sua popularidade, sobretudo na Região Nordeste — tradicional reduto de Lula, do PT e seus satélites. 

Para quem ganha o teto salarial do funcionalismo público, R$ 600 é “dinheiro de pinga”. Mas a média salarial dos brasileiros é de R$ 2.261 e valor do auxílio emergencial corresponde à metade de 1/2 salário mínimo — e a quase 15 vezes o valor do Bolsa Família, que é o principal (quando não o único) responsável pela subsistência de milhões de desinfelizes que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. Daí porque, se dermos por verdade que a opinião de dois mil e poucos entrevistados pelo Datafolha espelham o que pensam 210 milhões de brasileiros (e eu duvido muito, mas isso não vem ao caso), o chefe do Executivo Federal passou de persona non grata a salvador da pátria aos olhos de um bocado de gente.

Na verdade, o valor da parcela na proposta do Executivo era de R$ 200, mas a demora no envio do projeto levou o Congresso a propor de moto próprio o pagamento de R$ 500, e então o presidente chutou o balde e aumentou o benefício para R$ 600. 

O pagamento desse auxílio custa uma fábula ao Erário (leia-se aos contribuintes) e não pode durar para sempre, mas se o projeto assistencialista batizado de Renda Brasil prosperar e a oferta de empregos voltar a aumentar (o que mais dia, menos dia vai acontecer), essas pessoas vão lembrar que “foi Bolsonaro quem as tirou do sufoco”. E essas pessoas votam. E votam ouvindo o ronco do próprio estômago — e às vezes o coração, mas jamais a voz da razão.

Um eleitorado composto majoritariamente por apedeutas e analfabetos funcionais é tão perigoso quanto um bando de chimpanzés numa loja de armas. E agora que o capetão teve a epifania do assistencialismo milagroso, ventos frios vão soprar para as bandas esquerdistas

Embora Bolsonaro continue se empenhando em transformar o Brasil num pária internacional, a prisão de Queiroz e a quarentena que foi obrigado a cumprir depois de testar positivo para a Covid-19 obrigaram-no a fechar a matraca e reduzir o grau de beligerância em seus pronunciamentos. 

Duvido muito que os presidentes da Câmara e do Senado acreditem  em regeneração, ou que Celso de Mello, Alexandre de Moraes e outros togados supremos sejam engabelados por uma tática tão primária. Já Gilmar Mendes... ah, o Gilmar... 

Mas isso já é outra conversa.   

terça-feira, 23 de junho de 2020

MAIS SOBRE A NOVELA QUEIROZ/BOLSONARO(S) — PARTE 3



O outono se foi, o inverno chegou, e nem sinal de um plano econômico para fazer frente à recessão ou de um médico, sanitarista, farmacêutico ou enfermeiro à frente do Ministério da Saúde — que está acéfalo há mais de um mês, sob um interino que não se sabe se está lá provisoriamente permanente ou permanentemente provisório.

Sobre as quiméricas reformas estruturantes — panaceia que recolocaria o país na trilha do crescimento —, ninguém mais fala. Aliás, surpreendentemente, nosso sempre boquirroto e grandiloquente presidente silenciou sobre a prisão de seu amigo de fé, irmão, camarada e rachadista Fabrício Queiroz. Até onde eu sei, a única vez que Bolsonaro se manifestou sobre o caso foi em sua live semanal, quando disse que a prisão de Queiroz foi “espetaculosa”, e que para ele “o assunto está encerrado”. Para ele, talvez; para a Justiça, a merda só começou a feder.

Meses atrás, Paulo Marinho — que abrigou na própria casa o comitê de campanha de Jair Bolsonaro — revelou à Folha que o filho do presidente, Flávio, teria sido avisado antecipadamente de uma operação a ser deflagrada pela PF que mirava Fabrício Queiroz. O pimpolho demitiu o assessor e a filha do dito-cujo de seu gabinete na Alerj, e então vestiu a máscara dos três macaquinhos sábios. E o capitão fez o mesmo em se próprio gabinete, defenestrando apaniguados do velho amigo de fé, irmão e camarada.

Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas de Queiroz, Bolsonaro e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. 

Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) sempre que imprensa o questiona (questionava, que agora a pergunta não faz mais sentido) sobre o paradeiro do “espírito que anda”, que se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas.

Faltou combinar com o MP-RJ, que decretou a prisão da cara metade do fantasminha camarada e pediu que seu nome fosse incluído na lista dos procurados da Interpol... E agora, José, digo, Jair?

Às vezes eu me pergunto por que alguém que não quer, não pode ou não sabe governar aspira tanto à reeleição, sobretudo quando ela se torna mais improvável (e indesejável) a cada dia. Mesmo que esse alguém seja o ex-capitão que Geisel classificou de “anormal e mau militar”; que foi excluído dos quadros da Escola de Oficiais por indisciplina e insubordinação (mas acabou sendo absolvido das acusações pelo STM); que aprovou dois míseros projetos e colecionou mais de trinta ações criminais ao longo dos quase 30 anos de carreira política, e que, três meses depois de ter subido a rampa do Palácio do Planalto, disse com todas as letras que não nasceu para ser presidente, nasceu para ser militar.

Como bem alertou Pelé em 1973, "os brasileiros não estão preparados para votar" — opinião que o general-ditador João Batista Figueiredo ratificou em 1978, ao dizer que "um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar". Coincidência? Não. Pura sabedoria.

Como ficará a situação de Jair Bolsonaro com a prisão de Queiroz, só o tempo dirá. Além de haver uma miríade de variáveis, cada ator dessa ópera bufa parece empenhado em criar narrativas tão mirabolantes quanto conflitantes. Frederick Wassef é um bom exemplo.

Até meados da semana passada, Fred era um ilustre desconhecido que atuava nos bastidores e se orgulhava de ser (mais um entre muitos) próximo do presidente. Depois que Queiroz foi preso no imóvel que figura nos registros da OAB como sede de seu escritório de advocacia — a exemplo do que informa a vistosa placa afixada no muro frontal da casa —, o causídico se tornou suspeito de ser o “Anjo” que vinha protegendo Queiroz, esposa e outros familiares do fantasma igualmente mergulhados até o pescoço nessa merdeira.

No sábado (20), em entrevista à Folha, o advogado não só negou ter "escondido" Queiroz como também ser o "Anjo". Em outra entrevista, afirmou ser consultor jurídico dos Bolsonaro e advogado de Flávio no caso das rachadinhas. No domingo (21), numa segunda entrevista à CNN Brasil — a quarta no último final de semana — negou que Jair e Flávio Bolsonaro soubessem que Queiroz estava escondido em sua propriedade, e teceu críticas contundentes à advogada do presidente, Karina Kufa.

Observação: Na quinta-feira, Kufa havia soltado uma nota dizendo que Wassef não advoga para Jair Bolsonaro — embora o presidente nunca tenha desmentido o advogado quando ele dizia para meio mundo que o representava. No mesmo dia, Wassef telefonou a Kufa e, aos berros, disse que iria desmenti-la.

Wassef disse que substabeleceria um colega para assumir a defesa de Flávio Bolsonaro e se desculpou: “Qualquer dano de imagem que eu possa ter causado ao presidente e ao senador eu peço desculpas”. Mas em momento algum da longa e confusa entrevista explicou por que Queiroz estava morando na casa dede (de Fred) quando foi capturado. Disse que, a despeito de Queiroz ter sido preso em seu imóvel, ele (Fred) não tem seu telefone e não fala com ele (Queiroz). Perguntado por que o fantasminha camarada foi se tratar do câncer em Atibaia, sendo que é do Rio de Janeiro, o rábula especulou: "Quem sabe ele estava sem dinheiro, abandonado?"

Wassef disse ainda que movimentação atípica não é crime. “Estamos transformando extratos bancários de várias pessoas, uma verdadeira contabilidade. Isso parece mais milhares de operações matemáticas e de contabilidade que uma investigação. (...) Se era tão grave, por que não ofereceram denúncia em um ano? Posso te dar mil explicações para essa movimentação financeira”, concluiu. Mas não deu explicação nenhuma. Repetiu sem parar, interrompendo o entrevistador, que seu cliente é vítima de perseguição, de “Santa Inquisição”, e seguiu com sua narrativa confusa e contraditória, dizendo que nunca foi transferido dinheiro de Queiroz para Flávio Bolsonaro.

Fred deixou patente a impressão de que sua maior preocupação era midiática. Demonstrou mais preocupação com a exposição de seu cliente (agora ex-cliente) do que em refutar as acusações que pesam contra ele. Como se vê, estamos — mais uma vez — diante de uma guerra de narrativas. E como em toda guerra, a primeira vítima é sempre a verdade.

Lauro Jardimem sua coluna no Globo, publicou:

 "Jair e Flavio Bolsonaro têm mais um problema pela frente. E não é pequeno. É um problema de quase dois metros de altura e que está se sentindo humilhado e com raiva: Frederick Wassef, o advogado de Flavio Bolsonaro e ex-hospedeiro de Fabrício Queiroz, está possesso. Sente-se abandonado. De acordo com relatos de pessoas próximas, sentiu-se traído e achincalhado com a nota oficial assinada pela advogada Karina Kufa, desmentindo que ele algum dia tenha sido advogado do presidenteWassef tem reclamado de modo acerbo e raivoso de Bolsonaro. Além de ter detestado que fatos do seu passado e também velhas histórias de Cristina Boner, sua ex-mulher, mas de quem ainda é muito próximo, terem sido remexidos em meio ao furacão da prisão de Queiroz".

A deputada estadual Janaína Paschoal, ex-apoiadora de primeira hora do presidente, disse que os fatos são chocantes, sobretudo porque Wassef dizia não saber o paradeiro de Queiroz. "É algo chocante porque você pensa: 'de quem foi essa ideia [de 'esconder' Queiroz na casa de Wassef]?'. A gente fica sem entender se foi uma iniciativa do advogado, se alguém solicitou". 

Ainda segundo Janaína, o fato de o legisperito ter abrigado Queiroz aproxima o caso do presidente e do filho Flávio, ambos clientes de Fred: "Esse senhor [Wassef] frequenta o Palácio [do Planalto]. Quem olha de fora tem a sensação de que o doutor tem alguma intimidade. De certa forma, o fato traz o caso para perto do presidente. Acho uma ideia tão ruim que tomei um choque".

A deputada comparou o caso Queiroz e os acontecimentos no entorno de Bolsonaro com a "época do PT": "Lembra da época do PT, quando os aloprados do PT faziam dossiês? Tem coisas que acontecem em volta do governo que me lembram muito. De repente o senador poderia avaliar uma colaboração premiada com o MPF, fazer uma colaboração e entregar tudo o que acontecia naquela Alerj. Cai quem tiver que cair. Esses mistérios, a situação desse homem, vai gerando uma instabilidade que prejudica o País. E o presidente prometeu que iria colocar o País acima de tudo".

Bem fez o ex-ministro Abraham Weintraub — outro ideólogo inútil —, que desembarcou nos EUA, no último sábado, valendo-se de seu passaporte diplomático para entrar no país onde o aguarda uma diretoria no Banco Mundial e um aumento de salário de quase 400% — e pago em dólares. Detalhe: o Planalto só publicou a exoneração do imprestável depois de sabê-lo seguro em solo americano. O ex-ministro deve estar morrendo de rir dos trouxas que cá discutem quão escandalosas foram sua indicação para o Banco Mundial e sua saída do país à francesa.

Resumo da ópera: Queiroz é o grande calcanhar de Aquiles da primeira-família. Alegando problemas de saúde decorrentes de um câncer, driblou diversas convocações para prestar depoimentos. Fez uma declaração por escrito em que reconheceu a prática da rachadinha, mas isentou o chefe de qualquer participação ou conhecimento do esquema. De acordo com o MP-RJ, há abundantes indícios de desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Se ele revelar tudo o que sabe, pode garantir não apenas uma cassação de mandato ou prisão a seu ex-chefe, mas também derrubar do altar de mentirinha o santarrão do pau oco e pés de barro que diz ser Messias, mas que não consegue fazer milagres.