Reza um ditado que "
pior do que ficar calado e dar às pessoas a impressão
de que você é um idiota é abrir a boca e dar às pessoas a certeza de que você é
um idiota". Sem ter nada de aproveitável para dizer sobre meio ambiente,
Bolsonaro ausentou-se da
COP26, abstendo-se de demonstrar seu despreparo pessoalmente. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
O ano passado deveria ter sido o ponto de inflexão na luta internacional contra a mudança climática, mas a
Covid mijou no chope dos ambientalistas. Na avaliação do secretário-geral da
ONU, o mundo caminha para uma catástrofe climática — o aquecimento global
de 2,7°C até o final deste século potencializa o risco de fenômenos climáticos
como secas, inundações e incêndios.
No célebre Acordo de
Paris, firmado em 2015, os países assumiram o compromisso de reduzir as
emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura
global a pelo menos 2°C, podendo chegar à meta mais ambiciosa de 1,5ºC. Para
evitar o pior, as nações terão de se comprometer com a proteção de florestas, acelerar
a transição para o carro elétrico e implementar o mecanismo de financiamento de
países ricos a nações em desenvolvimento.
O Brasil, que em outros tempos era respeitado em cúpulas
climáticas, tornou-se, sob Bolsonaro, parte do problema. O mundo olha para a
terra de palmeiras onde canta o sabiá com olhos de um São Tomé às
avessas, que quer ver para não crer.
A delegação canarinha — chefiada pelo
ministro do Meio Ambiente Joaquim Pereira Leite, que não chega a empolgar,
mas é menos tóxico do que seu antecessor — é a segunda maior da COP26,
atrás apenas dos Estados Unidos, mas chegou a Glasgow como protagonista de um
vexame.
Graças a uma "pedalada climática" produzida por Ricardo
Salles antes de deixar o governo, o Brasil trafega na contramão do planeta.
Em plena pandemia, a despeito da paralisia econômica, o país elevou em 2020 a
emissão de gases em 9%, contra uma redução de 7% no resto do mundo. Para que o
governo brasileiro cumpra os acordos climáticos, Bolsonaro terá de se
converter numa espécie de ex-Bolsonaro.
Nosso indômito capitão virou símbolo da estupidez
inimputável. Em algum momento de sua turnê pela Europa, o sultão do
Bolsonaristão — que havia negligenciado a abertura dos trabalhos do último dia
do encontro dos líderes das maiores economias do mundo e esnobado a foto de
encerramento, que reunira os chefes de Estado na Fontana di Trevi — foi questionado
pela imprensa sobre seu comportamento de turista incidental. Em resposta, sua
equipe de guarda-costas, reforçada por agentes cedidos pelo
estado italiano, acionou os músculos contra os jornalistas.
Quando seguranças percebem que a autoridade patrocina
hostilidades, passam a crer que fazem parte de uma milícia onipotente. A
insensatez de Bolsonaro é um estímulo à violência. Com sua retórica
encrespada, o capetão empurra os agentes para a delinquência.
Bolsonaro, que já havia exposto seu arcaísmo no discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU — depois de jantar pizza em pé, numa calçada de Nova Iorque, vestido como um indigente —, realizou o pesadelo que frequentava os sonhos do antichanceler Ernesto Araújo (o ex-chanceler troglodita que difundiu a tese segundo a qual se a atuação do governo bolsonarista faz do Brasil "um pária internacional, então que sejamos esse pária"). Sua participação no encontro do G20 revelou-se mais uma inutilidade a serviço da desmoralização do país, a exemplo de suas viagens internacionais, que não servem senão para reforçar a sensação de que a imagem do Brasil no estrangeiro tornou-se um borrão.
A truculência
de Roma emoldura um problema maior: o apagão mental das autoridades que
deveriam impor limites a Bolsonaro no Brasil. Como dito inúmeras vezes
neste blog, a PGR o enxerga como inviolável e imune, e o Legislativo e o
Judiciário tratam-no como intocável e impune. O brasileiro paga as viagens de seu presidente para que ele
seja pária no estrangeiro. Só Bolsonaro não paga por nada. Todos os seus
defeitos estão perdoados. Seus crimes foram preventivamente prescritos. É como
se vigorasse um entendimento tácito de que "ser ele" já é castigo
suficiente para qualquer um. O problema é que o personagem se esforça para
demonstrar que não é qualquer um.
Bolsonaro deixou de ser qualquer um quando
transformou a Presidência na única repartição pública privatizada durante sua
gestão, e a si próprio num símbolo de todos os privilégios que o déficit
público pode pagar. Graças à inércia das instituições nacionais, esse símbolo
não precisa responder pelo que simboliza. Livre de todos os incômodos, o
capitão entrou para a galeria dos seres inimputáveis, ao lado dos menores de
idade e dos índios isolados.
Vejam a que ponto chegamos: sob Bolsonaro, o Brasil é
presidido pelo símbolo da estupidez inimputável.
Com Josias de Souza