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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

ESQUERDA X DIREITA

É A INGUINORANSSA QUE ASTRVANCA O POGRESSO.

Em sua fase larval, o PT se jactava de não roubar nem deixar roubar, mas bastou seu Pontifex Maximus ascender ao poder para a petralhada institucionalizar a corrupção e transformar o Brasil numa organização criminosa pluripartidária. 
 
Rivalidade na política sempre existiu. Lula começou a semear a cisão 
entre a classe operária e as "elites"quando ainda era líder sindical, e essa polarização se consolidou na disputa acirrada entre ele e Collor, na eleição solteira de 1989.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Existem duas maneiras de ser enganado. Uma é acreditar no que não é verdade, a outra é não acreditar no que é verdade. Os bolsonaristas acham que a vitória de Trump abre as portas para a volta do mito em 2026, ao passo que os lulopetistas acreditam que Lula disputará e obterá um quarto mandato. Já quem não se rendeu ao fanatismo militante tem o dever de duvidar desse efeito Orloff. Se as eleições municipais não servem para projetar com precisão as eleições presidenciais de dois anos depois, menos confiável é o reflexo presumido nos resultados eleitorais em dois países muito diferentes. 
Bolsonaro não ganhou em 2018 devido à ascensão de Trump ao poder em 2016, mas graças uma conjunção de fatores internos. O que nos aproxima dos EUA é o mau humor do eleitorado que a direita sabe bem capturar e a esquerda ainda não faz ideia de como reconquistar. Tudo o mais nos distancia: sistema eleitoral, organização pluripartidária, trauma do passado de golpes e governos autoritários, existência de Justiça Eleitoral, barreiras legais a candidaturas fichas-sujas, Suprema Corte em alerta e a inelegibilidade do capetão-golpista.

Antes do golpe de 1964, a hipótese de um semianalfabeto chegar à Presidência era tão improvável quanto minha ascensão ao Trono de Pedro, mas Einstein ensinou que o impossível só é impossível até que alguém duvide e prove o contrário, e Lula provou — não uma, mas três vezes!
 
Ainda que o PSDB tenha sido o adversário natural do PT durante décadas,
 os tucanos sempre foram de "centro" (se de centro-esquerda ou centro-direita, nem eles próprios sabem; quando há dois banheiros na casa, tucano que é tucano mija no corredor). Com a derrota de Aécio Neves em 2014, o partido perdeu o protagonismo e iniciou um processo de autocombustão. 

Observação: De 2018 para cá, as disputas presidenciais lembram a anedota do barítono, que, vaiado, provocou a plateia: "Não gostaram da minha performance? Esperem para ouvir o tenor!
 
O esquema de corrupção administrado pelo Planalto não "existe desde sempre". Ele começou com o Mensalão, evoluiu para Petrolão e desaguou no Tratoraço de Bolsonaro. Com a volta do desempregado que deu certo — que sempre negou o Mensalão e o Petrolão e atribuiu o desastre econômico à breve passagem de Michel Temer pelo Planalto —, a retomada da putaria franciscana eram favas contadas.

Pandora abriu sua caixa de desgraças uma única vez, mas os brasileiros borrifam merda na conjuntura a cada eleição. Nosso país vem sendo administrado como uma usina de processamento de esgoto, onde a merda entra pela porta das urnas, muda de aparência, troca de nome, recebe nova embalagem e sai pela outra porta, na posse do novo mandatário.
 
A merda reprocessada no governo Lula desaguou no governo Dilma e se reprocessou no governo Temer — parte integrante da herança que os desgovernos petistas deixaram para os próximos mandatários. Por um breve período, a Lava-Jato nos deu a impressão de que lei valia para todos. Mas o STF voltou atrás na jurisprudência sobre prisão em segunda instânciaanulou as condenações do xamã da petralhada e pregou no ex-juiz Sergio Moro a pecha da parcialidade. Essa sucessão de descalabros levou a usina de compostagem a produzir o bolsonarismo

Enquanto Lula oscilava entre a prisão e o Planalto, uma combinação mal-ajambrada de mau militar e parlamentar medíocre comia pelas beiradas. À luz da Teoria das Probabilidades, um anormal ser guindado à Presidência era improvável; dois, inacreditável; três, e em seguida, virtualmente impossível. Mas não no Brasil. Lula ocupou o Planalto de 2003 a 2010; Dilma, de 2011 a 12 de maio de 2016; e Bolsonaro, de 2019 a 2022. 
 
Graças à sucessão de decisões teratológicas emanadas do STFLula voltou a desgovernar esta banânia em janeiro de 2023. Bolsonaro está inelegível até 2030, mas alardeia que voltará em 2026, talvez porque a PGR e o ministro Alexandre de Moraes venham protelando sua conversão a réu pela fieira de crimes que lhe são atribuídos. 

Observação: Talvez isso mude agora, à luz dos detalhes estarrecedores revelados pela Operação ContragolpeA PF mirou em especial quatro militares, presos no contexto da suspeita de integrarem um plano que tinha como ponto de partida a decretação de um estado de exceção e, a partir daí, prisão, sequestro ou assassinato do então presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, e da chapa presidencial eleita (Lula-Alckmin).
 
Minha pergunta, caro leitor, é a seguinte: você se enxerga como "de esquerda", "de direita" ou "isentão"? 

Continua...

domingo, 21 de abril de 2024

LIRA DOS OITO ANOS


A lira é um instrumento musical de cordas que simboliza a conexão com o divino e a expressão da alma por meio da música e da arte — dizem que Nero dedilhava a sua durante o Grande Incêndio de RomaLira dos Vinte Anos é uma antologia póstuma de poesias de Álvaro de Azevedo (1831-1852), e Arthur Lira, o imperador da Câmara que, na reta final do segundo mandato, começa a perceber que o Olimpo não tem escada. 

No início do próximo ano legislativo, Lira dará adeus ao cetro e à coroa e trocará a mansão oficial com geladeira cheia, mordomo de libré e um batalhão de serviçais pelos rigores maldição que marcou a trajetória de antecessores que não souberam se reinventar, como Marco Maia, que não conseguiu se reeleger deputado pelo RS, e João Paulo CunhaHenrique Eduardo AlvesEduardo Cunha, que fizeram escala na cadeia — o primeiro, carbonizado pelo mensalão, renunciou ao mandato; o segundo, após exercer 44 anos de mandatos ininterruptos como deputado, perdeu uma eleição para o governo do RN, tentou retornar à Câmara, mas foi novamente barrado pelo eleitor; e o terceiro, artífice do impeachment de Dilma, foi afastado do cargo pelo STF e cassado pelos colegas. 

Rodrigo Maia, um dos presidentes mais longevos da Casa do Povo, viu naufragar o plano de fazer seu sucessor graças a Bolsonaro e seu tratoraço (o emedebista Baleia Rossi foi feito picadinho por Arthur Lira). Representante do Rio de Janeiro, "Botafogo" virou secretário do governo paulista sob João Doria; vigiado pela Abin paralela do capetão, foi acossado pelo bolsonarismo nas redes sociais; antevendo um novo fiasco se tentasse a sorte das urnas, migrou para a iniciativa privada. 
 
Alheio à síndrome do que está por vir, Lira desafina, digo, desafia o ocaso exercitando o pecado capital da soberba. Apaixonado pela própria voz, chamou de "incompetente" o articulador político do Planalto Alexandre Padilha. O tiro ricocheteou no dono da articulação. Lula atirou de volta: "Só de teimosia, Padilha vai ficar muito tempo nesse cargo". Pressentindo o cheiro de queimado, o deputado Elmar Nascimento, candidato de Lira à própria sucessão, tentou apagar, nos bastidores, o incêndio que afugenta o governo para candidaturas alternativas. 
 
Os poderes de Lira decrescem na proporção direta do avanço do calendário eleitoral. Premidos pela necessidade de acomodar aliados nas prefeituras de seus redutos, os deputados estão mais interessados nas urnas do que na agenda econômica do ministro Fernando Haddad — o que transforma a irascibilidade de Lira numa aposta arriscada: com sua "teimosia", Lula sinaliza a disposição de demonstrar que a divindade da Câmara e o pedaço do Centrão que carrega o seu andor têm mais a perder do que o Planalto. 
 
Dono e senhor da pauta Câmara, Lira pode facilitar ou infernizar o segundo ano de um governo que mantém um olho na inflação dos alimentos e outro na curva descendente das pesquisas. Dono do Diário Oficial, Lula como que convida Lira e sua turma a lançarem um olhar para a caixa registradora da Codevasf, da CEF e dos ministérios terceirizados ao centrão. 

Nesse jogo, uma mão suja a outra. O xamã do PT não ignora que seu governo alimenta parlamentares que estarão na trincheira inimiga em 2026. Minoritário no Congresso, move-se como se desejasse esclarecer que todos que quiserem continuar comendo na mesa do governo terão ao menos que lavar os pratos. 
 
Lira abespinhou-se com o Planalto contra um pano de fundo manchado pelo caso Marielle. Um pedaço do Centrão uniu-se à milícia parlamentar bolsonarista na malograda articulação para abrir a cela do deputado Chiquinho Brazão. O soberano da Câmara enxergou as digitais do articulador político do Planalto na difusão da maledicência segundo a qual sua debilidade ficou gravada no painel eletrônico que manteve o preso na tranca. Daí os disparos contra Padilha, que, para desassossego de Lira, continua dando expediente na Presidência da República. 

A presença de Chiquinho Brazão e seus cúmplices em presídios federais evidencia uma mudanças dos ventos na PF, que desmonta velhas blindagens. O mesmo ânimo parece pautar as ações da PGR depois que a fábrica de escudos que operava sob Augusto Aras encerrou suas atividades. Nesse contexto, até os aliados já avaliam que Lira, cultor de mumunhas orçamentárias e sócio fundador da confraria do antigo orçamento secreto, brinca de corda sem atentar para o nó que asfixiou alguns dos seus antecessores.
 
Com Josias de Souza

domingo, 30 de janeiro de 2022

A ÚNICA VACINA

 

Eu considerava a reeleição de Dilma o maior estelionato eleitoral da nossa história recente (e não foi por falta de concorrentes de peso), mas Bolsonaro deixou a mulher anta no chinelo e, entre outras bandeiras de campanha que enfiou em local incerto e não sabido, merece especial destaque a de "acabar com a 'velha política' do toma-lá-dá-cá", que jamais passou de mera demagogia. Ninguém fica na Câmara durante 27 anos sem se dar conta de como a banda toca, ou por outra, de que ex-presidentes que tentaram peitar o Congresso — como Jânio, Collor e Dilma, por razões diferentes e não necessariamente republicanas — perderam seus mandatos.

Ao nomear Ciro Nogueira ministro-chefe da Casa Civil, Bolsonaro entregou ao Centrão as chaves do reino e do cofre. Segundo apurou o EstadãoR$ 25,1 bilhões em emendas parlamentares foram destinadas a deputados e senadores da chamada “base aliada”. O STF considerou irregular o uso político dos recursos Mas e daí? Desde sempre que o capitão cria factoides para manter acirrada sua base ideológica e desviar a atenção da mídia de um tema polêmico para outro. 

Em abril de 2020, durante uma manifestação subversiva defronte ao QG do Exército, Bolsonaro discursou: “Nós não vamos negociar nadaTemos de acabar com essa patifaria. Esses políticos têm de entender que estão submissos à vontade do povo brasileiroÉ o povo no poder”. Para não dizer que nada aconteceu, alguns oficiais tiraram selfies e sorriram para a multidão. O inquérito que está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes avança a passos de bicho-preguiça, juntamente com outras cinco investigações — inclusive a que apura a “suposta” interferência do capitão na PF.

Em agosto de 2021, Bolsonaro convocou uma blindadociata para pressionar o Congresso a aprovar a PEC do voto impresso — que acabou sepultada. Em seu enésimo comício em Santa Catarina, o "mito" referiu-se ao presidente do TSE como "aquele filho da puta do Barroso" — o vídeo foi prontamente apagado do Facebook, mas a ação não foi rápida o bastante para impedir que a cena viralizasse nas redes sociais. Discursando a apoiadores no feriado de 7 de setembro, chamou Alexandre de Moraes de “canalha”. Mas seu destempero foi alvo de críticas, nada além disso. 

O réu que preside a Câmara e serve de cão-de-guarda a cento e tantos pedidos de impeachment latiu, mas não mordeu; o presidente do Congresso reagiu com a mineirice que lhe é peculiar; o presidente do STF foi mais incisivo, mas tudo voltou a ser como antes no quartel de Abrantes depois que o tiranete despirocado leu a patética missiva redigida a rogo pelo folclórico vampiro que tem medo de assombração.

Os números mostram como o Congresso ampliou seu controle sobre o Orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes do atual governo, mas cresceu a olhos vistos sob Bolsonaro. Os R$ 25,1 bilhões efetivamente pagos em 2021 representam três quartos dos R$ 33,4 bilhões que foram empenhados (quando o dinheiro é reservado no Orçamento), índice acima de anos anteriores, segundo os dados do Portal do Orçamento do Senado. Para este ano — em que boa parte dos parlamentares disputará eleições — o valor previsto é ainda maior, de R$ 37 bilhões

Para não correr o risco de esse dinheiro ser represado, Bolsonaro assinou um decreto no último dia 13 tirando do Ministério da Economia e dando à Casa Civil a palavra final sobre a gestão orçamentária. Na prática, a liberação dos recursos ficará a cargo do ministro Ciro Nogueira, mandachuva do Progressistas e comandante do Centrão, que passará a decidir sobre Orçamento.

As emendas são indicações feitas por parlamentares de como o Executivo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento. Elas incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, até valores destinados a programas de saúde e educação. Como mostrou o Estadão, o dinheiro foi utilizado nos últimos anos também para comprar tratores com sobrepreço — o chamado “tratoraço” —, e integrantes do próprio governo admitem que há corrupção envolvendo a liberação desses recursos. 

A despeito de suas promessas de campanha, Bolsonaro usou e abusou da liberação de dinheiro quando precisou de apoio dos adeptos da baixa política. O caso mais emblemático se deu em novembro, quando da votação da PEC dos Precatórios, que abriu caminho para criar o Auxílio Brasil — programa populista que o presidente vai usar como bandeira eleitoral para tentar a reeleição. Na véspera, o governo destinou R$ 1,2 bilhão dos cofres públicos para atender aos interesses dos parlamentares alinhados com o governo. 

Pelo voto de cada parlamentar foram pagos até R$ 15 milhões, como admitiram pelo menos dois deputados ao jornal O Estado de S.Paulo. Além disso, o governo priorizou aliados até na hora de liberar as chamadas emendas individuais — aquelas previstas na Constituição e que garantem a mesma quantia para todos os congressistas. Parlamentares de partidos do Centrão como o PL, o Republicanos e o Progressistas receberam cerca de 70% dos valores destinados a eles; legendas de oposição mais críticas ficaram para trás — PCdoB, Novo e PSOL foram os que receberam menos recursos. 

Políticos da base aliada argumentam que usam as emendas para irrigar programas capitaneados pelos próprios ministérios, o que agiliza o pagamento. Foram eles que mais indicaram recursos pelas transferências conhecidas como “emenda cheque em branco” e “PIX orçamentário”, mediante as quais o dinheiro cai diretamente na conta das prefeituras, ou seja, sem passar pelos ministérios.

A Secretaria de Governo contestou as informações da reportagem do Estadão. Alegou que seus dados são obtidos a partir do Tesouro Gerencial — sistema mantido pelo governo. Mas as informações do Siga Brasil, utilizadas pelo jornal, provieram da mesma base de dados. Questionada, a pasta não forneceu as informações que o Executivo afirma dispor.

Há uma frase lapidar de Abraham Lincoln: “Dê poder a um homem e descobrirá o seu caráter”. Demos o poder a Bolsonaro para evitar que o país fosse governado por uma marionete de presidiário e descobrimos, para além de seu caráter, o péssimo temperamento que o move. O Brasil contabiliza mais de 620 mil óbitos por Covid, boa parte dos quais se deve à desídia e ao viés negacionista do presidente e da caterva que o assessora. Também é conhecida sua falta de empatia e de sensibilidade em relação às vítimas do vírus assassino (falo do biológico) e às pessoas que ficaram sem pais, irmãos, filhos, cônjuges e amigos. 

Em face do exposto, parece-me evidente que nenhum brasileiro que perdeu parentes ou amigos para a pandemia entregará seu voto à reeleição de Bolsonaro — conforme, aliás, dão conta as enquetes eleitoreiras. Com exceção dos apoiadores incorrigíveis do mandatário de fancaria, é preciso ser muito masoquista para desejar a continuidade desse funesto governo.

A pandemia vai acabar um dia. O Sars-CoV-2, a exemplo dos demais vírus, vai se adaptar ao ser humano, e este a ele. Mas a eleição de 2022 engendra 2023, e a Bolsonaro não queremos adaptação. Diante da inércia do Congresso e do STF, o sufrágio é a única vacina contra ele.

sexta-feira, 18 de junho de 2021

VALEI-NOS DEUS

No país do futuro que nunca chega, até o passado é incerto. Tanto é que a autoria dessa máxima é atribuída ora ao ex-ministro Pedro Malan, ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.

Por outro lado, não restam dúvidas de que o Brasil deve ultrapassar em breve a macabra, lamentável e vergonhosa marca de meio milhão de mortos pela Covid. E três quartos dessas mortes se deveram ao negacionismo do governo federal, segundo o epidemiologista Pedro Hallal

Quando a pandemia ainda engatinhava, Bolsonaro foi “eleito” “pior líder mundial no combate ao coronavírus pelo jornal americano The Washington Post, e como o capetão tem verdadeira obsessão por reeleições... enfim, cabe à CPI do Genocídio dar nomes aos bois, ainda que se trate de um “segredo de polichinelo”.

Ontem, dada a ausência de Carlos Wizard — apontado como membro do suposto “gabinete paralelo” que orientou Bolsonaro a adotar medidas que transforaram o Brasil em epicentro mundial da Covid —, o presidente da comissão, senador Omar Aziz, disse que vai pedir a condução coercitiva e a retenção do passaporte do empresário tão logo ele retorne ao país.

Como a votação em plenário da medida provisória da privatização da Eletrobras teria início em seguida, Aziz adiou o depoimento do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques — acusado de inserir no sistema do TCU um relatório fraudulento sobre suposta supernotificação de mortes por Covid — e encerrou a sessão.

Observação: O prazo curto de conclusão da privatização e a sensação de que “não tem nada decidido” preocupou os investidores e pressionou os papéis da Eletrobras, que fecharam em queda de 4,14%. O índice B3 da Bovespa fechou em queda de 0,93%, aos 128.057 pontos nesta quinta-feira. Nem mesmo a boa abertura de sessão da bolsa, que chegou a operar em alta por influência dos bancos, foi capaz de sustentar os números até o fechamento — após sete horas de discussão, o Senado aprovou o texto-base da MP, que ainda poderá ser alterado com a votação dos destaques.

Tanto Wizard quanto Silva Marques conseguiram autorização do STF para ficar em silêncio. Ao empresário, o ministro Luís Roberto Barroso deu o direito de ser tratado como investigado (prerrogativa que, na CPI, vem sendo usada como passaporte para a Mentirolândia), mas aprovou a quebra de seus sigilos telefônico e telemático. Ao auditor, o ministro Gilmar Mendes concedeu o direito de se manter em silêncio e não responder perguntas que possam incriminá-lo, conquanto tenha ressaltado que o depoente não poderá “faltar com a verdade relativamente a todos os demais questionamentos não abrigados nessa cláusula”.

Anteontem, a comissão recebeu o ex-governador do RJ, Wilson Witzel, que se valeu do habeas corpus deferido pelo ministro Nunes Marques para deixar os senadores (notadamente Eduardo Girão) falando sozinhos, mas não sem antes dar uma demonstração da habilidade que o levou de ilustre desconhecido a governador de Estado em 2018 (embora não tenha sido suficiente para evitar seu impeachment).

Primeiro, Witzel usou o palanque fornecido pela comissão para se defender das acusações que resultaram em sua deposição e atacar o ex-aliado Jair Bolsonaro. Quando passou a ser atacado pela tropa de choque palaciana, o depoente esgrimiu o HC e “vazou” (como dizem os cariocas). Mas não antes de acusar Bolsonaro de “montar uma narrativa” destinada a responsabilizar governadores pelos prejuízos da pandemia; revelar o envolvimento de milicianos na organização de atos contra a adoção de medidas restritivas à disseminação da Covid no RJ; prometer dar detalhes sobre o caso do porteiro do Condomínio Vivendas da Barra (desde que possa fazê-lo em sigilo, no que foi prontamente aceito pela CPI); afirmar que os hospitais federais no RJ têm um dono e que a CPI pode descobrir quem é esse dono.

Observação: Depois, em privado, Witzel afirmou que o dono é Flávio Bolsonaro (aquele das rachadinhas de da mansão de R$ 6 milhões), que manda e desmanda, inclusive indicando fornecedores. Flavio e Witzel bateram boca durante a sessão. Acusado de usar a comissão como palanque político, o ex-governador retribuiu a gentileza: “Senador, o senhor pode ficar tranquilo que eu não sou porteiro. Não vai me intimidar, não. Mas, senador Flávio Bolsonaro, vossa excelência é contumaz ao dar declarações atacando o Poder Judiciário, especialmente o juiz Flávio Itabaiana.”. Pouco antes, Witzel havia dito que o desafeto era “mimado e mal educado”.  

Questionado pela imprensa sobre quando será o novo encontro, Witzelque dali a poucas horas se tornaria réu pela segunda vez — afirmou que caberá ao presidente da comissão definir a data, e aproveitou para reforçar que “a perseguição” contra si começou com fatos relacionados ao assassinato da vereadora carioca Marielle Franco.

A Política é tão inevitável quanto a morte e os impostos, e os políticos fazem parte do pacote. Mas não deixa de ser curioso (para dizer o mínimo) o fato de que, enquanto os partidos “de centro” (não confundir com o “Centrão”) se esfalfam para encontrar alguém capaz de afastar Lula ou Bolsonaro do segundo turno em 2022, um acordão costurado entre deputados de todos os matizes político-partidário-ideológicos aprovou o PL 10.887/18, que reforçará ainda mais a impunidade dos agentes públicos.

No caso da sucessão presidencial, a articulação exige conciliar postulantes como Doria, Ciro e Leite — para citar apenas os mais emblemáticos, lembrando que Huck já decidiu suceder ao Faustão e que a possibilidade de Moro concorrer é tão remota quanto a de um porco assoviar. Mas a proposta que revisa a lei de improbidade administrativa foi aprovada por larga maioria (408 votos a 67), e agora segue para o Senado.

No que tange à maracutaia urdida pelos deputados, o texto elaborado pelo petista Carlos Zarattini prevê, entre outras alterações, punição apenas para agentes públicos que agirem com dolo, ou seja, com intenção de lesar a Administração Pública. Para surpresa de ninguém, Arthur Lira — que foi eleito presidente da Câmara com o apoio do chefe do Executivo Federal (e seu “tratoraço”) — comemorou a aprovação do texto: “Parabenizo aqui todo o esforço da Casa em votar um tema que há muito tempo carecia de uma regulamentação mais justa que trouxesse a coerência da lei para as realidades atuais. Vale lembrar que o pajé do Centrão já foi condenado por improbidade administrativa em duas ações e é alvo de outros três processos.

A improbidade administrativa tem caráter civil, ou seja, não se trata de punição criminal. São atos que afrontam os princípios da administração pública, atentam contra o Erário e resultam em enriquecimento ilícito. Entre as penas previstas estão o ressarcimento do prejuízo causado, a indisponibilidade dos bens e a suspensão dos direitos políticos. Pelo texto aprovado, o agente será punido somente se agir com vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito.

Numa fase em que o sistema político brasileiro desvira a página do esforço anticorrupção, não causa estranhamento o fato de a Câmara ser acometida de um surto pilântrico — como Josias de Souza bem definiu a “suavização” da Lei de Improbidade, que ladrilha o caminho que conduz à impunidade.

Alegava-se que a lei de improbidade, velha de três décadas, pedia uma modernização. E o acordo que submeteu o interesse público a uma tocaia dissolveu divergências. Deram-se as mãos gregos e tucanos, petistas e bolsonaristas. Encaminharam contra o interesse público 17 partidos. Apenas três se posicionaram contra: PSOL, Novo e Podemos.

A chance de reversão no Senado é pequena, porque o Congresso vive uma fase de perda de recato. Depois que a Lava-Jato foi enviada ao forno, os políticos passaram a se esquecer de maneirar. O Congresso, como se sabe, é vital à democracia. Mas a cleptocracia brasileira parece dar razão ao ex-chanceler alemão Otto von Bismarck, que dizia no século 19: “É melhor o povo não saber como são feitas as leis e as salsichas.”

Observação: Se a maracutaia for aprovada no Senado e sancionada pelo grande chefe do Executivo Federal, o Ministério Público terá de contratar psicólogos para verificar se os delinquentes tiveram ou não a intenção de delinquir.

Outra máxima do velho Chanceler de Ferro ensina que “a política é a arte do possível”. No entanto, é impossível encontrar um político honesto no Brasil. Primeiro, porque Política e Honestidade são como vinagre e azeite; segundo, porque cidadãos probos e bem-intencionados raramente chegam ao poder. Se chegam, ou sucumbem à corrupção, ou são cooptados ou eliminados pelos desonestos; terceiro, porque todo político tem duas caras: a que ele expõe em público e a que usa quando transita nos bastidores.

Alianças políticas são construídas entre aqueles que têm ódios em comum (o inimigo do nosso inimigo não é necessariamente nosso amigo, mas pode ser um aliado valioso). De acordo com o filósofo francês François-Marie Arouet — mais conhecido pelo pseudônimo Voltaire — “a política não tem sua fonte na grandeza do espírito humano, mas em sua perversidade”. Já Nelson Rodrigues dizia quenão há nada mais cretinizante que a paixão política, a única sem grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem” , e Sir Winston Churchill, que “a política é quase tão excitante quanto a guerra, e não menos perigosa, mas a diferença é que na guerra só se morre uma vez”.

De tudo que há de pior na política tupiniquim, nada supera os políticos tupiniquins. São eles que transformam o ato nobre de prezar pelos interesses da comunidade na torpe arte de enganar a população para atender aos próprios interesses. Ouvi de Mário Sérgio Cortella que “político que se serve em vez de servir é político que não serve”. Outra epigrama lapidar — cuja autoria eu desconheço — ensina que “na atual conjuntura, brigar por política é como ter crise de ciúmes num puteiro”.

Dias atrás, ouvi no Jovem Pan Morning Show uma sugestão do ex-BBB Adriles Jorge — cuja voz de gralha histérica me era menos desagradável quando ele criticava o lulopetismo corrupto sem pôr nos chifres da Lua o bolsonarismo boçal — que me pareceu tão interessante quanto impossível de ser posta em prática: uma espécie de “vestibular” para políticos e eleitores. Se isso já tivesse sido adotado, não teríamos de nos preocupar com Lula e Bolsonaro no segundo turno no ano que vem, nem tampouco com a récua de muares que se deixam cooptar pelo discurso populista de políticos dessa catadura.   

Enfim, se política e democracia são duas faces da mesma moeda, não há nada mais antidemocrático do que a antipolítica. Mas será mesmo? Não custa lembrar que na prática a teoria costuma ser outra. O Parlamento, que deveria ser o altar sagrado da política e a tradução mais sólida da democracia, tem suas entranhas pútridas expostas dia sim, outro também. E sabe-se muito bem que (infelizmente) não podemos contar com o Judiciário — não com a atual composição do STF... que tende a piorar (ainda mais) com a substituição de Marco Aurélio pelo ministro “terrivelmente evangélico” a ser indicado em breve pelo capetão.

Valei-nos, Deus. 

segunda-feira, 14 de junho de 2021

O PODER, OS PODEROSOS E O QUE SE PODE FAZER


Em entrevista reproduzida pela BBC Brasil, o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza disse que os militares voltaram ao poder para ficar, com ou sem Bolsonaro. Segundo ele, os 17 generais que formam o Alto Comando do Exército (dos quais 15 exercem cargos na Esplanada dos Ministérios ou em estatais, autarquias e órgãos de fiscalização) formaram um “Partido Militar” para eleger o ex-capitão, e assim chegar ao poder sem ruptura institucional. 

O grupo teria começado a se articular no início da década passada, em parte pelo fato do país ser governado, então, por uma ex-guerrilheira. E foram eles que procuraram Bolsonaro, não o contrário (um registo do encontro está no canal no YouTube de Carlos Bolsonaro).

A candidatura do hoje presidente foi cuidadosamente planejada para disfarçar o envolvimento do grupo. Na escolha do vice, por exemplo, falou-se em Magno Malta, no príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança e na advogada Janaína Paschoal. Mas a única dúvida era se seria o general Augusto Heleno ou o general Hamilton Mourão — devido à idade do primeiro, optou-se pelo segundo.

Pimentel atuou junto com Santos Cruz em 2016, supervisionando um grupo de trabalho do Estado Maior do Exército que era orientado pelo general, que já havia passado para a reserva e mais adiante, assumiu um cargo no primeiro escalão do Governo do capitão, no qual permaneceu por sete meses, até ser demitido devido a ataques de Carlos Bolsonaro e apoiadores do presidente. “Talvez o Mourão passe para o segundo turno, talvez seja o Santos Cruz”, especula o coronel. “Mas o Partido Militar vai estar no segundo turno no ano que vem.” 

O general Santos Cruz disse à reportagem que não quer comentar sobre as “divagações” de seu ex-subordinado, e o Exército e o Planalto não retornaram o contato da emissora.

Observação: Sobre a motociata do capetão, Santos Cruz assim se pronunciou:  “A mentalidade anarquista do presidente age para destruir e desmoralizar as instituições, e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional. Junto com seguidores extremistas, alimenta um fanatismo que certamente terminará em violência.” Talvez fosse bom lhe dar ouvidos.

Pimentel diz ainda que a ida de Pazuello para o Ministério da Saúde foi um erro de cálculo do Partido Militar: “Tentaram fazer uma publicidade da capacidade do Exército brasileiro de resolver problemas, pensando que os números iam cair, e quem estaria à frente do ministério seria um general da ativa vendido como ‘o rei da logística’.”

A pandemia se agravou e Pazuello deixou o ministério muito criticado e é alvo de investigação por causa do colapso do sistema de saúde em Manaus. Ainda assim, virou secretário do presidente e discursou num ato em apoio a seu governo. Na avalição do coronel, a decisão do Exército de não punir Pazuello comprova a politização das Forças Armadas. “Ficou estranha essa decisão, porque com indisciplina não se transige. É a base da instituição.”

No sábado 12, o presidente promoveu outra “motociata” e foi multado pelo governo de São Paulo por desrespeitar as leis sanitárias do Estado. Como se não bastassem as aglomerações produzidas pelo comício, o capitão transgrediu a lei ao andar numa moto com a placa oculta. Adulterar placas, lembra o jornalista Guilherme Amado, viola o Código Penal, que prevê pena de três a seis anos de reclusão, além de multa, a quem comete esse tipo de infração. 

Observação: Durante a manifestação bolsonarista, um motociclista perdeu o controle, caiu e acabou derrubando outros participantes. Uma pessoa ficou deitada no asfalto esperando atendimento médico. Ao contrário dos índices de aprovação de sua gestão, o presidente — que vestia uma jaqueta bordada com seu retrato eu usava um capacete com a inscrição “presidente Bolsonaro” — não caiu.

Ricardo Kertzman anotou em sua coluna na ISTOÉ que não deixa de ser curioso o nome da motociata do capetão ser Acelera para Cristo

Cristo? Milhares de irresponsáveis se aglomerando e espalhando o novo coronavírus jamais seria obra Dele? O Motoqueiro Fantasma é um anti-herói do bem. Renascido do fogo do inferno, retorna à Terra para combater o mal. Já o amigão do Queiroz (aquele miliciano que entupiu a conta da primeira-dama com 90 mil reais em ‘micheques’) é o próprio demônio encarnado. Sua missão é destruir, ofender, promover o ódio e a discórdia e, claro, espalhar vírus e causar mortes. 

Em culto a si mesmo e à sua personalidade macabra, o devoto da cloroquina sequestra a imagem de Cristo e usurpa o cristianismo em causa própria. O rolê jamais foi para o mais pródigo dos filhos de Deus, e sim para o líder da seita fanática do bolsonarismo, que trajava uma camisa com sua própria foto e um elmo com seu próprio nome. Bolsonaro é tão lunático e tão psicopata que não me surpreenderia a equiparação a Cristo.

Certa feita, Lula, o meliante de São Bernardo, comparou-se a Deus. Essa espécie de gente acaba acreditando naquilo que seus devotos lhe oferecem, ou seja, a divindade sob forma humana (eu disse humana?). Mas, no final do dia, se deparam com a mediocridade e finitude que a imagem carcomida que o espelho atira em suas caras desavergonhadas.”

Bolsonaro cometeu diversos crimes de responsabilidade, mas é protegido por um “escudo político” que inclui até Lula, que prefere tentar derrota-lo nas urnas, avalia o professor de direito da Universidade de São Paulo Rafael Mafei, autor do livro Como Remover um Presidente — Teoria, história e prática do impeachment no Brasil

Em entrevista ao Estadão, Mafei afirma que o impeachment é um remédio amargo que deve ser reservado como último recurso para proteger o país de um presidente tirano ou criminoso que tenha conseguido vencer as eleições, mas vacilar na sua aplicação quando ele for indispensável pode ter efeitos trágicos para a democracia.

Uma das hipóteses emergenciais nas quais o uso desse instrumento seria necessário, segundo Mafei, é o exercício da Presidência por Jair Bolsonaro. Não há, segundo ele, nenhuma dúvida jurídica de que o presidente tenha cometido crimes de responsabilidade. Como exemplos, Mafei cita a violação ao direito à saúde no contexto da pandemia — que ficou ainda mais claro com os trabalhos da CPI do Genocídio — e o fato de o mandatário agir de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo ao usar o poder comunicacional de sua posição para agredir instituições, incitar comportamentos contrários à lei, estimular indisciplina de instituições militares e a hostilidade entre instituições militares e civis. 

Cerca de 120 pedidos de impeachment dormitam placidamente sobre a mesa do deputado-réu Arthur Lira, que se elegeu presidente da Câmara com o apoio do chefe do Executivo e recursos do “orçamento paralelo” (ou “Tratoraço”, como queiram). Lira não dará andamento a nenhum deles (a exemplo de como fez seu antecessor) enquanto Bolsonaro mantiver seu “escudo político” de apoiadores e seus adversários acharem que a melhor solução é derrotá-lo nas urnas. Mas que respeito terão pelo TSE um presidente e uma matula de apoiadores que não têm o menor respeito pelo STF? (Falo do Supremo como instituição, porque a maioria dos togados... enfim, deixa pra lá).

Mafei apresenta em seu livro uma análise detalhada dos impeachments de Collor e Dilma. O primeiro serviu para o país estabelecer as regras do procedimento, mas teve um ar festivo, a despeito de o impeachment ser um grande trauma e ter um custo político enormeQuanto ao segundo, o escritor pondera que o termo “golpe”, como usado pelos apoiadores da petista, é inadequado para analisar o processo, mas que as ilegalidades cometidas pela ex-presidanta poderiam ter sido enfrentadas por meios menos traumáticos.

Remover do cargo um presidente descomprometido com as instituições, perigoso para a sobrevivência e para a integridade delas, e que não possa ser contido de outra maneira é, em última análise, permitir que o destino da democracia de um país fique rendido nas mãos de um tirano ou de um criminoso que tenha conseguido vencer as eleições. Deodoro da Fonseca, que foi o primeiro presidente do Brasil, vetou a Lei do Impeachment por achar que ela estava sendo trabalhada pelos seus adversários para depô-lo. Quando o Congresso derrubou seu veto, ele simplesmente dissolveu o Legislativo, como se o país ainda estivesse no Império e ele fosse o imperador. 

Observação: Ao longo de seus 130 anos de história republicana, o Brasil teve 35 presidentes que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar do primeiro, foram de alguma maneira apeados do poder.

No caso de Collor, quando a situação começou a ficar insustentável, o parlamentarismo se apresentou com a alternativa, até porque a Constituição Cidadã, promulgada em meio à ressaca da ditadura militar, pavimentara o caminho para esse sistema de governo. Mas o plano não seguiu adiante, uma vez que Collor botou sua tropa de choque em campo para jogar pesado no Senado e derrotar a emenda parlamentarista.

Observação: art. 2º Título X, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, dispõe que: “no dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.” Mais adiante, a emenda nº 2, de 25 de agosto de 1992, antecipou o plebiscito para 21 de abril de 1993 e determinou que seus efeitos vigessem a partir de 1º de janeiro de 1995. Mas faltou combinar com os burros, e aí deu zebra — uma zebra que emprenhou e pariu o presidencialismo de coalizão (ou de cooptação, como queiram).

É importante salientar que, quando o impeachment de Collor começou a ser cogitado, o que se tinha era a lei de 1950 e o Brasil jamais havia vivenciado um impedimento de chefe do Executivo (nem mesmo de governador de Estado). Quando a Câmara aprovou a abertura do processo, o Senado não tinha ideia de como conduzi-lo, e assim coube ao Supremo esclarecer as regras do jogo. 

Num almoço que reuniu os então presidentes do STF e do Senado, o ministro Sydney Sanches entregou ao senador Mauro Benevides duas folhas com o rito do impeachment, escrito quase que integralmente pelo ministro Celso de Mello, e disse: “Se vocês seguirem isso aqui, nós não vamos interferir em nada”.

O processo que resultou na renúncia de Collor (que foi julgado culpado e inabilitado politicamente por 8 anos) foi como que uma micareta cívica. Mas o impeachment não só é um processo traumático como acarreta um custo político astronômico. Essa percepção é importante para evitar que se lance mão da medida em situações que não a exijam. Por outro lado, se ela for realmente indispensável, vacilar na sua aplicação pode ter efeitos trágicos para o país. Nos anos 1970, quando o então presidente norte-americano Richard Nixon renunciou para não ser cassado, um dos primeiros atos de Gerald Ford foi perdoar o antecessor para pôr uma pá de cal sobre o assunto.

Mafei diz não ter dúvidas de que Bolsonaro cometeu crimes de responsabilidade, sobretudo no contexto da pandemia. Segundo ele, dois crimes estão claramente configurados. O artigo sétimo da Lei do Impeachment tipifica como crime de responsabilidade violar, patentemente, qualquer direito social assegurado na Constituição — e a Constituição assegura o direito social à saúde. 

CPI tem evidenciado que o presidente claramente optou por sacrificar a saúde dos brasileiros e inviabilizar políticas essenciais no combate à pandemia, pois, se a economia fosse mal, sua reeleição estaria comprometida, mas se a saúde fosse mal e centenas de milhares de pessoas morressem (como de fato aconteceu), a culpa seria dos governadores e prefeitos. É por isso que Bolsonaro insiste na tese de que o STF o afastou do comando do gerenciamento da crise. Somada a seu discurso negacionista, essa falácia estimula seus apoiadores de raiz a demonizar qualquer um que defenda o distanciamento social (e, por extensão, do uso de máscaras e demais medidas preventivas). 

O segundo crime do capetão consiste na violação ao artigo 9º da Lei do Impeachment, no tocante a proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Bolsonaro falou muita bobagem em seus 28 anos de deputância, mas o que disse como deputado tem um impacto insignificante se comparado ao das aleivosias que ele regurgita como presidente

Observação: O dispositivo legal retrocitado visa justamente impedir que o chefe do Executivo use seu poder retórico e verbal para agredir instituições, incitar comportamentos contrários à lei, estimular indisciplina de instituições militares e hostilidade entre instituições militares e instituições civis. Se o comportamento de Bolsonaro não viola a dignidade, a honra ou o decoro do cargo, esse crime precisa ser elidido da lei, posto que não existe e, portanto, não é possível cometê-lo.

Bolsonaro é um criminoso político que desafia o impeachment escudando-se em seus apoiadores e no fato de seus adversários insistirem em derrotá-lo nas urnas. A estes, cumpre lembrar que a prudência recomenda não ferir quem não se pode matar. Atores políticos que já estiveram no círculo de proximidade do presidente hoje se bate pelo impeachment — caso de Alexandre Frota, Kim Kataguiri e Joice Hasselmann, entre outros —, mas para isso seria preciso que todos se unissem e que o impeachment em si fosse o “plano A”.

Derrotar Bolsonaro nas urnas vai muito além de fazer campanha e apurar o resultado das urnas. Ele já deixou isso evidente ao fazer eco à falácia trumpista de fraude eleitoral e ao insistir no restabelecimento do voto impresso no Brasil (detalhe: nos EUA ainda se utilizam cédulas). Demais disso, já cuidou de aparelhar a PF, a Abin, a PGR, a AGU, a CGU, o Ministério da Saúde, as presidências da Câmara e do Senado e as Forças Armadas.

Observação: Quem não se lembra do motim da PM do Ceará, do descumprimento da Polícia Civil do RJ às restrições impostas pelo STF a operações em comunidades, da ação truculenta da PM pernambucana, que disparou balas de borracha contra manifestantes que saíram às ruas para protestar contra o governo, entre tantos outros exemplos?

A derrota de Bolsonaro nas urnas (que seria providencial, mormente se o candidato vitorioso fosse outro que não certo ex-presidente ex-presidiário e “ex-corrupto”) pode dar azo a uma batalha campal, uma situação caótica muito mais grave que a invasão do Capitólio pela caterva trumpista em 6 de janeiro passado. Alguém deveria dizer isso a Lula, Leite, Doria e a quem mais tencione disputar a presidência em 2022, até porque a janela de oportunidade do impeachment vai se fechando conforme o início oficial da disputa se aproxima.

Bolsonaro se preocupa apenas em proteger a filharada, acirrar sua militância e fazer campanha pela reeleição — embora o fim da reeleição tenha sido uma de suas principais promessas de campanha em 2018 — e nem se dá ao trabalho de fingir que respeitará o resultado das urnas se vier a ser derrotado em 2022. Repete ad nauseam que não confia no processo porque, em 2018, sua vitória no primeiro turno não foi reconhecida, como relembrou na semana passada ao discursar para lideranças evangélicas em Anápolis (GO). Mas a pergunta que não quer calar é: se tem mesmo provas, por que ele não as apresenta? Se havia mesmo um plano para roubar sua eleição, como explicar sua vitória no segundo turno? 

Numa das vezes em que tratou dessa acusação, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, lamentou que o Brasil não é mesmo um país para amadores, lembrando a famosa máxima de Tom Jobim. “Só aqui o ganhador reclama de fraude”, disse o magistrado. 

Em sua carreira política, Bolsonaro venceu oito eleições consecutivas, sendo seis delas já no esquema de voto digital. Mas coerência nunca foi mesmo o forte do presidente, assim como as análises precisas sobre eventos importantes ocorridos na história do Brasil. Fraudes existiam em abundância no passado das velhas cédulas de papel, problema que foi eliminado com as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é constantemente avalizada por auditorias internas e organismos internacionais. “É como voltar aos tempos do orelhão”, disse Barroso.

Essa insistência dos bolsonaristas em praticar o terraplanismo eleitoral serve como tentativa diversionista em meio à atual crise de popularidade do governo, e não passaria de mais uma aleivosia do lunático inquilino de turno do Planalto se não servisse de combustível para movimentos antidemocráticos. Não por acaso, insuflados pelo seu líder, os bolsomínions ameaçam armar um circo semelhante, avisando que não vão reconhecer o resultado do pleito de 2022 sem a impressão do voto. E o mito mitômano lhes dá corda: “Lula só ganha na fraude”.

Como salientou Mauricio Lima na Carta ao Leitor publicada na edição impressa de VEJA desta semana, não bastasse o custo estimado em R$ 2 bilhões de reais para a adaptação do atual sistema, a medida abre uma perigosa brecha para a judicialização das eleições, com o potencial surgimento de hordas de derrotados exigindo nos tribunais a recontagem dos votos. Em meio a tantos problemas da atualidade, tudo de que o Brasil não precisa é ser assombrado por fantasmas do passado.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

DESGRAÇA POUCA É BOBAGEM


Na última segunda-feira, quando os protestos contrários ao governo ocorridos no sábado anterior eram o assunto mais comentado nas redes sociais, Bolsonaro mudou o foco dos internautas anunciando a decisão de sediar a Copa América. Nesta quinta, feriado de Corpus Christi, driblou jornalistas na porta do Alvorada e foi passear de moto em Formosa (cidade goiana que fica a 80 quilômetros de Brasília), onde assistiu a uma missa e conversou com apoiadores locais.

Bolsonaro faz bem em rezar. O menosprezo pelas vítimas da pandemia, a inoperância administrativa, a falta de um plano econômico, as revelações trazidas à luz pela CPI do Genocídio, o Tratoraço e os escândalos no Ministério do Meio Ambiente estão cobrando seu preço. Levantamento feito pelo instituto Paraná Pesquisas mostra que 52,7% dos fluminenses desaprovam o governo e 45,9% consideram seu desempenho ruim ou péssimo — lembrando que o Rio de Janeiro é o reduto eleitoral do presidente. 

Mais de 460 mil pessoas já perderam a vida para a Covid no Brasil. Maio se tornou o terceiro mês com maior número de óbitos (59.010), atrás apenas de abril (82.266) e março (66.673). Na avaliação do epidemiologista Pedro Hallal, o negacionismo foi responsável por mais de 300 mil mortes. Para piorar, o ritmo da imunização segue lento — até a última terça-feira, apenas 10,6% dos brasileiros haviam recebido as duas doses da vacina. E depois a jornalista Daniela Lima, da CNN, que é quadrúpede.

O passeio desta quinta-feira não constava da agenda oficial do chefe do Executivo e ocorreu um dia depois de seu pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão — durante o qual um panelaço com direito a gritos de “Fora, genocida!” se fez ouvir em São Paulo, Rio e NiteróiRecifeBelo Horizonte, Florianópolis, Vitória, FortalezaPorto AlegreSalvadorBelém e várias regiões do Distrito Federal.

Em sua fala, além de enaltecer a própria gestão e divulgar números distorcidos sobre os avanços da vacinação, Bolsonaro afirmou que todos os brasileiros que assim o desejarem serão vacinados ainda este ano. Curiosamente, o governador João Doria havia anunciado horas antes que toda a população adulta do Estado de São Paulo estará vacinada até o final de outubro.

Na CPI da Pandemia, o senador Otto Alencar fez picadinho do conhecimento científico da Dra. Nise Yamaguchi, defensora de quatro costados do uso da hidroxicloroquina no combate à Covid. Médico como a depoente, o parlamentar fez uma série de perguntas — entre elas a diferença entre um protozoário e um vírus — que sua colega não soube responder, embora seja uma das principais integrantes do gabinete paralelo que dá sustentação pseudo científica às teses estapafúrdias do Executivo.

Já a infectologista Luana Araújo deu uma verdadeira aula aos membros da CPI — e aos milhões de brasileiros que assistiram à transmissão do circo parlamentar. Sobre tratamento precoce, kit-covid, cloroquina e assemelhados, as respostas da médica foram de uma precisão cirúrgica (se me desculpam o trocadilho). A certa altura, ela classificou a discussão de delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente: Nós ainda estamos discutindo uma coisa que não tem cabimento, como se a gente estivesse escolhendo de que borda da ‘Terra plana’ vai pular”.

Sobre sua rápida passagem pelo Ministério da Saúde — interrompida antes da nomeação oficial para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid —, a médica disse que o ministro lhe havia garantido autonomia para agir na secretaria, mas que, dez dias depois, ele próprio comunicou “com pesar” que sua nomeação “não iria passar”. 

Em depoimento anterior à CPI, Marcelo Queiroga reconheceu que a confirmação de Luana no cargo dependia de “validação política”. Pelo visto, nem o próprio ministro tem autonomia para gerir a pasta que supostamente comanda.

A médica não deixou pergunta sem resposta. Esclareceu por que o modelo de testagem escolhido pelo governo está errado e não pode funcionar, explicou com clareza por que as medidas de isolamento e uso de máscara são absolutamente necessárias e mostrou que a ideia de “imunidade de rebanho natural” não faz sentido. 

Luana também deixou claro que todo profissional de saúde é favorável a tratamento precoce — desde que tal tratamento exista — e mostrou a diferença entre a autonomia pessoal do médico para, com a anuência do paciente, prescrever o que quiser, e a política pública de saúde, que tem a obrigação de seguir parâmetros científicos e recomendar medicamentos com eficácia comprovada. Diante da insistência do senador governista Marcos Rogério sobre o tratamento precoce, a resposta da doutora foi didática: “Se eu pegar essa cultura viral [da Covid] e botar no micro-ondas, os vírus vão morrer, mas não é por isso que vou pedir ao paciente que entre no forno duas vezes por dia.” 

Seu depoimento calou a tropa de choque e revelou um segredo de polichinelo: os ministros do capitão não têm poder de decisão, somente executam a política determinada pelo chefe.

Ao recepcionar no Brasil uma Copa América que a Argentina e a Colômbia se recusaram a sediar, escreveu Josias de Souza em sua coluna, Bolsonaro inaugurou uma nova fase da pandemia: a etapa do circo. 

Faz todo sentido, porque a inépcia fez com que a administração da crise ficasse muito parecida com o futebol. A diferença é que o campo não é demarcado, canelada é liberada e gol contra conta a favor. Mal comparando, a pandemia é uma avalanche. Infectadas, as pedras deslizam por um penhasco de incertezas e contágios. Esse movimento, quando foge ao controle, soterra o sistema de saúde, provocando mortes.

Quem enxerga nesse ambiente fúnebre razões para autorizar competições esportivas e promover aglomerações potencializa um desastre que abarrota os hospitais, tira o sono dos profissionais da saúde, sobrecarrega os coveiros e dilacera a alma dos familiares e amigos dos quase 500 mil mortos que a Covid já produziu no Brasil.

Se a sociedade brasileira estivesse próxima da imunização coletiva, a irresponsabilidade já seria intolerável. Num cenário em que a maioria dos brasileiros enxerga na vacina que não chega algo tão indispensável quanto o pão, as concessões ao circo são desvios patológicos.

Em tempo

O Exército informou ontem que o procedimento administrativo contra o ex-ministro da Saúde, por participação no comício bolsonarista no Rio, foi arquivado: “Acerca da participação do General de Divisão EDUARDO PAZUELLO em evento realizado na Cidade do Rio de Janeiro, no dia 23 de maio de 2021, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general. Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do General PAZUELLO. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado”.

Fato é que Pazuello participou de um ato político em meio a uma aglomeração, sem máscara, dias depois de ter defendido o uso da proteção na CPI do Genocídio, da qual ele é um dos principais alvos. Sua postura deixou nítido que ele estava ali a mando do capitão, do qual foi uma patética marionete no comando do Ministério da Saúde. Por ter mentido e omitido em seu depoimento à CPI visando blindar o chefe, o general ganhou um cargo de ASPONE, ou melhor, de secretário de Assuntos Estratégicos, que somará R$ 16 mil aos cerca de R$ 13 mil que ele recebe como general da ativa

Só um idiota não vê que punir o protegido do capetão produziria represálias (quiçá nova troca do comando do Exército). O megalômano lunático e psicótico que acontece de ser comandante em chefe das Forças Armadas acha que essa e outras prerrogativas inerentes ao cargo de Presidente lhe dão o direito de agir como Luiz XIV (L'État, c'est moi), logo não admite que seu poder absoluto seja posto em xeque. 

Não é bem assim (ou não deveria ser), mas nem o Legislativo nem o Judiciário tiveram peito para botar trambelha nesse destrambelhado. Além disso, conforme eu já mencionei em outras oportunidades, ser ministro ou exercer outro cargo de confiança do inquilino de turno do Planalto exige dar o rabo e pedir desculpas por estar de costas. Assim, para não criar nova crise com o Executivo, o general Paulo Sérgio cedeu às pressões do presidente... e criou uma crise no meio militar. 

Durma-se com mais essa.