segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

A LEI DE MOORE E A COMPUTAÇÃO QUÂNTICA

A VIDA É UMA HISTÓRIA CONTADA POR UM IDIOTA, CHEIA DE SOM E DE FÚRIA, SEM SENTIDO ALGUM.

Se “computar” é sinônimo de “calcular”, pode-se dizer que o PC é uma calculadora capaz de efetuar uma quantidade monstruosa de operações em intervalos de tempo absurdamente reduzidos. 

Esse milagre é comumente atribuído à CPU, (tida e havia como o cérebro do computador), quando se trata, na verdade, de um compromisso conjunto de diversos componentes. Um computador com processador chinfrim e fartura de memória RAM será muito mais veloz que seria com uma CPU de ponta e pouca RAM.  

CPU é a sigla de Central Processing Unit e designa o processador principal — o nome da caixa que abriga a placa-mãe e seus agregados é gabinete (ou case). No alvorecer da computação pessoal, era comum a gente se referir ao computador pelo modelo da CPU. Assim, fulano tinha um tinha um “286” (numa alusão ao chip Intel 80286), sicrano, um Pentium 200” (referência à frequência "velocidade" do processador, que era de 200 MHz), beltrano, um K6 II (modelo da AMD que antecedeu o Athlon e concorreu diretamente com o Intel Pentium II), e por aí afora.

Avaliar um computador com base exclusivamente na frequência de operação da CPU deixou de fazer sentido quando as arquirrivais Intel e AMD desenvolveram soluções inovadoras (como coprocessador matemático, cache de memória, multiplicador de clock, etc.) para incrementar o desempenho de seus chips. 

Observação: velocidade do processador corresponde à sua frequência de operação, que é medida em ciclos de clock por segundo. Em tese, o desempenho é diretamente proporcional à velocidade, mas na prática a teoria é outra: uma CPU operando a 3 GHz, por exemplo, realiza 3 bilhões de ciclos a cada segundo, mas o que ela é capaz de fazer a cada ciclo é outra história.

Até então, o poder de processamento do chip dependia diretamente de seu clock (frequência de operação); a partir de então, passou a ser comum dois processadores diferentes, operando à mesma frequência, apresentarem performances distintas.

O melhor aproveitamento do clock permitiu à AMD desenvolver chips com desempenho superior ao dos modelos da Intel de frequências mais elevadas, mas o problema foi fazer os consumidores entenderem que a velocidade real de um Athlon XP 1.700+ era de apenas 1,47GHz por exemplo (a “mágica da performance relativa” é representada pela fórmula P = F x IPC, onde “P” corresponde à performance; “F”, à frequência; e “IPC”, ao número de instruções por ciclo de clock).

Intel levou 30 anos para quebrar a barreira psicológica do giga-hertz (1 GHz corresponde a 1.000.000.000 de ciclos por segundo) e, a partir daí, apenas 30 meses para triplicar essa velocidade — o que só foi possível graças à evolução da nanoeletrônica, que permitiu reduzir cada vez mais o tamanho dos transistores e “empacotar” cada vez mais transistores numa mesma pastilha de silício.

Os transistores, que eram do tamanho de uma cabeça de alfinete no jurássico 4004 (lançado no início dos anos 70), encolheram para apenas micra nos 8088, para 1μm nos 486, para 0,5μm nos Pentium, para 0.09μm nos Pentium 4 Prescott, que integravam 125 milhões de transistores (de 90nm). O Core i5-2435M, lançado pela Intel no terceiro trimestre de 2011, contava 624 milhões de transistores (de 32nm), e a barreira dos 10nm — considerada até pouco tempo atrás o limite físico da microeletrônica — foi quebrada por engenheiros da IBM e da Samsung, que conseguiram fabricar chips com transistores de apenas 7 nanômetros! 

Observação: nanômetro substituiu o mícron como unidade de medida dos transistores. Um nanômetro (nm) corresponde à bilionésima parte de um metro, o que equivale a um milésimo de mílímetro. Assim, em vez de dizer que o processador tal é fabricado com a tecnologia de “0,045μm”, passou-se a dizer “45 nanômetros”. Intel já está se preparando para lançar a 14ª geração (codinome Meteor Lake) de seu chips, que contará com um processo de litografia de 7 nanômetros, marcando a chegada da “gigante dos processadores” a esse nível de miniaturização.

O espantoso nível de miniaturização alcançado nas últimas décadas permite empacotar uma quantidade cada vez maior de transistores em áreas extremamente reduzidas (o tamanho do núcleo de um processador não costuma ter mais de 1cm2), originando chips de altíssima densidade. Para entender melhor, imagine o chip como uma caixa de 1 m3, os transístores de antigamente como bolas de basquete e os atuais como bolinhas de gude.

O que se convencionou chamar de Lei de Moore é uma previsão feita em 1965 por Gordon Moore, um dos fundadores da Intel. Segundo ele, “ a densidade dos transístores dobraria a cada ano e meio”, o que não significa que a velocidade dos processadores cresceria na mesma proporção (como de fato não cresceu). 

Interessa dizer que, quanto menor for o tamanho dos transistores, maior será quantidade que poderá ser embarcada num microchip, permitindo aos fabricantes de microprocessadores aumentar a capacidade de seus produtos sem elevar (ainda mais) sua frequência de operação. Mas não há nada como o tempo para passar.

Continua...

domingo, 6 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE VI)

TSE é historicamente condescendente com crimes eleitorais e vem postergando indefinidamente suas decisões, talvez por não ter estrutura nem disposição para atuar com a celeridade desejável. Em 2017, o ministro Gilmar Mendes, que à época presidia a Corte Eleitoral, foi o mentor da impostura travestida de julgamento da chapa Dilma-Temer e o responsável pelo voto de minerva que livrou a pele do então presidente por “excesso de provas”, como ironizou o relator do processo, ministro Herman Benjamim.

Fiel a seu estilo (que prefiro não comentar), o magistrado se empenhou pela anulação de condenações de réus da Lava-Jato como se travasse uma cruzada em defesa do império da impunidadeAliás, depois de um dos memoráveis bate-bocas com o semideus togado, o ministro Barroso disse à Folha: "No Supremo, você tem gabinete distribuindo senha para soltar corrupto, sem qualquer forma de direito e numa espécie de ação entre amigos.

Indicado para o STF em 2002 pelo então presidente FHCGilmar Mendes é a prova provada de que o grão-duque tucano deixou pelo menos duas heranças malditas (a outra foi a PEC da reeleição). Ele era defensor incondicional da Lava-Jato e inimigo figadal dos criminosos de colarinho branco enquanto os investigados eram Lula e políticos do PT. Foi ele, aliás, quem botou água no chope do ex-presidente quando Dilma o nomeou ministro-chefe da Casa Civil (com o nítido propósito de lhe restituir o foro privilegiado). Mais adiante, porém, passou a articular o sepultamento da prisão em segunda instância (que ele próprio defendia com unhas e dentes) e a conceder habeas corpus a quem fosse preso preventivamente pela força-tarefa de Curitiba.

Em 2016, ao fundamentar seu voto sobre a prisão em segunda instância, Gilmar anotou: "Não se conhece no mundo civilizado um país que exija o trânsito em julgado; em princípio, pode-se executar a prisão com a decisão em segundo grau [...] uma coisa é ter alguém como investigado, outra coisa é ter alguém como denunciado, com denúncia recebida, e outra, ainda, é ter alguém com condenação...". Em 2017, porém, passou a admitir publicamente que poderia mudar de posição se houvesse um novo julgamento.

Também em 2017, Mendes mandou soltar — não uma, mas três vezes — o empresário Jacó Barata Filho, tido como chefe da máfia dos ônibus no Rio. Apesar de os procuradores da Lava-Jato pedirem seu impeachment, o magistrado não se deu por impedido de julgar o caso: "O fato de ser padrinho de casamento da filha do acusado não se enquadra nas regras legais que determinam o afastamento de um magistrado para julgar uma causa em função de relação íntima com uma das partes".

Em 2019, quando a questão prisão em segunda instância voltou à pauta, Mendes votou contra, juntamente com Rosa WeberRicardo LewandowskiCelso de MelloMarco Aurélio Mello e o então presidente da corte, Dias Toffoli — que, como Gilmar, era favorável ao cumprimento antecipado da pena.

No Brasil, criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por causídicos estrelados (caso dos políticos corruptos, que pagam os chicaneiros com dinheiro desviado do Erário) têm acesso a um formidável cardápio de recursos que lhes permite empurrar os processos com a barriga até que a prescrição impeça a punição ou até baterem as botas, o que ocorrer primeiro.

A título de exemplo, a defesa de Luiz Estevão ingressou com 120 recursos até o salafrário ser encarcerado, e Paulo Maluf só foi recolhido à Papuda depois de seu processo tramitar por quase duas décadas, mas bastaram alguns meses para ele ser posto em prisão domiciliar por uma decisão tomada de ofício de Dias Toffoli.

Por outro lado, são falsas as acusações veiculadas em redes sociais de que Gilmar Mendes jamais advogou, que bombou em concursos públicos e que foi alçado ao STF sem passar pelo crivo do Senado (crivo esse que é eminentemente protocolar, como vimos no post do dia 4, as únicas reprovações ocorreram há mais de um século, durante o governo de Floriano Peixoto).

O atual decano do STF graduou-se em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde iniciou o mestrado em Direito e Estado que concluiu na Alemanha (pena não ter ficado por lá). Também foi aprovado em 12° lugar para o cargo de Juiz Federal (1983-1984), em 4° lugar para o de Assessor Legislativo do Senado Federal (nomeação suspensa a pedido do candidato em 1984), em 1° lugar para o de Procurador da República (1984) e em 1° lugar para o de Professor Assistente (Direito Público) da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (1995). Sobre a sabatina na CCJ do Senado, ela realmente foi adiada, mas acabou acontecendo e o indicado, aprovado por 16 votos a 6 na CCJ e por 57 votos a 15 no plenário.

Quem ostenta no currículo duas reprovações em concursos para Juiz de primeira instância — ambas na fase inicial, na qual são testados os conhecimentos gerais do candidato — é o ministro Dias Toffoli, que foi nomeado para o STF graças aos “bons serviços prestados a Lula e ao PT”. Em sua trajetória até nossa mais alta Corte, Toffoli foi advogado do Sindicato dos Metalúrgicos de SBC, consultor jurídico da CUT, advogado nas campanhas de Lula em 1998, 2002 e 2006 e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil da Presidência e Advogado Geral da União. 

Abrilhantam também o invejável currículo de Toffoli o fato de ele não ter despido a farda de militante petista quando vestiu a suprema toga e ter ido buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — ou, como bem o definiu J.R. Guzzo, “uma fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro, mais um na multidão de altas autoridades que constroem todos os dias o fracasso do país” —, de quem Toffoli absorveu a arrogância incontida, a grosseria, a falta de limites, o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível e outros hábitos pouco elogiáveis.

Em 2019, a Receita Federal investigou a Faculdade da qual Mendes é sócio fundador e os honorários advocatícios de Guiomar Feitosa Mendes, esposa do ministro-deus (há também suspeitas de suposto favorecimento no julgamento de processos no STF, mas isso é outra conversa). A declaração de imposto de renda do casal vazou, e 18 pessoas, entre parentes e conhecidos, foram listadas como potenciais investigados no caso. 

Segundo matéria publicada na revista Época, a luxuosa vivenda do casal Mendes, que fica no Setor de Mansões à beira do Lago Paranoá, poderia se passar por um clube — a julgar pela piscina, com uma onça preta de cerâmica bebendo água e uma edícula cheia de boias coloridas em formato de macarrão — ou por uma fazenda urbana — com uma vista espetacular da cidade, árvores frutíferas, viveiros, patos, galinhas, cachorros, gatos, emas e até um pônei (dias antes, a revista eletrônica Crusoé publicou que os bens do casal totalizariam R$ 20 milhões, entre imóveis e bens espalhados pelo país.

Gilmar disse ser alvo de ataques desde que chegou ao STF e atribui o fato a seus posicionamentos críticos ao que considera excessos ilegais. Época discorreu sobre inúmeros casos em que ele atuou como “voz contrária a interesses diversos” (nas palavras do próprio). Sobre a esposa do ministro, a matéria menciona apenas que ela disse nunca ter tido problemas com a Receita, que é de família rica, que tem tudo declarado, que a investigação era um absurdo.

Não são esses detalhes da vida pregressa do ministro que me levam a lhe dedicar estas linhas, mas sua beligerância ao classificar de "inusitado" e "esdrúxulo" o episódio envolvendo a Equipe Especial de Fraudes da Receita Federal, que aponta indícios de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência do ministro e da mulher. Depois que a revista Veja trouxe o assunto a conhecimento público, Gilmar cobrou providências do presidente do STF para apurar “eventual ilícito” cometido pelos auditores. 

Como Lula, o todo-poderoso de araque parece achar que está acima da lei. Ave, César!

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sábado, 5 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE V)

 

A prisão após condenação em primeira instância foi regra geral de 1941 até 1973, quando então a Lei nº 5.941, (que ficou conhecida como Lei Fleury por ter sido criada sob medida para favorecer o delegado torturador e exterminador de militantes comunistas Sérgio Paranhos Fleury) passou a garantir que réus primários e com bons antecedentes pudessem aguardar em liberdade a decisão da segunda instância.

Em 2009, o Supremo entendeu que a ausência de eficácia suspensiva dos recursos extraordinário e especial não era obstáculo para que o condenado recorresse em liberdade, limitando a prisão antes do trânsito em julgado a situações em que sua decretação se dá a título cautelar. 

O entendimento anterior foi restabelecido sete anos depois, quando então ficou estabelecido que a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado e autorizado, consequentemente, o início do cumprimento provisório da pena.

Exceção feita ao período compreendido entre 2009 e 2016, os criminosos eram presos assim que fossem condenados em primeira ou em segunda instância — conforme acontece na maioria das democracias do Planeta. Mesmo tendo vigido por apenas 7 anos, a obrigação de aguardar o trânsito em julgado favoreceu um sem-número de criminosos de colarinho branco — que geralmente têm cacife para contratar criminalistas especializados em empurrar os processos até que a prescrição fulmine a pretensão punitiva estatal.

Operada a prescrição, os réus, mesmo reconhecidamente culpados, livram-se da punição, o que é um acinte num país em que, a pretexto de assegurar ao acusado o direito à mais ampla defesa, quatro instâncias do Judiciário oferecem um vasto cardápio de apelos, recursos, embargos e toda sorte de medidas eminentemente protelatórias.

Atribui-se a Otto Von Bismarck a máxima segundo a qual "os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis", e a Augusto Nunes a de que "o Brasil é um país com muitas leis e falta de vergonha na cara". Ocorre que é impossível viver em sociedade sem a observância de determinadas regras, como a de que o direito de um termina onde começa o direito do outro, e vice-versa.

Em tese, as leis deveriam ser feitas com vistas a melhorar a vida das pessoas. No Brasil, a maioria das normas jurídicas não melhora coisa nenhuma. Pelo contrário: consegue piorar tudo, até porque os legisladores — agentes público-políticos que integram o poder Legislativo nas esferas municipais, estaduais e federal — atuam como os açougueiros de Bismarck com suas salsichas. 

Trata-se de uma luta desesperada pela sobrevivência do Brasil velho, corrupto, subdesenvolvido e desigual, paraíso dos parasitas da máquina pública, da venda de favores e dos privilégios para quem tem força, inimigo do trabalho, do talento e do mérito individual. Como dizia Einstein, nada destrói tanto o respeito pelos governos como sua incapacidade de fazer com que as leis sejam cumpridas. Esse é o risco que foi construído no Brasil, e, para piorar, alguns membros das cortes superiores fazem o oposto do que é sua obrigação.

Vivemos numa democracia representativa, onde “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, e a população interfere no funcionamento do governo através do voto (pausa para as gargalhadas). Os três Poderes da República são instituições independentes, cada qual com suas funções específicas. 

Congresso Nacional, que é composto pela CâmaraSenado TCU, tem como principais atribuições votar medidas provisórias, vetos presidenciais, LDOs e o Orçamento Geral da União, dar posse ao presidente da República e a seu vice, e autorizá-los a se ausentar do país por período superior a 15 dias. 

Grosso modo, cabe à Câmara Federal elaborar e revisar as leis (de acordo com as demandas populares e os ditames da Constituição), analisar a admissibilidade dos pedidos de impeachment em desfavor do presidente da República, e ao Senado, aprovar a escolha de magistrados, ministros do TCU, presidentes e diretores do Banco Central, embaixadores e o procurador-geral da República, bem como elaborar projetos de lei e avaliar e aprovar ou rejeitar projetos propostos pelos deputados federais ou pelo Executivo.

ObservaçãoAs atribuições do Congresso estão especificadas nos artigos 48 e 49 da Constituição. Aquelas elencadas no primeiro exigem a participação do Executivo — mediante sanção presidencial —, ao passo que as do segundo tratam de competências exclusivas do Congresso, estabelecidas por meio de Decreto Legislativo. Os presidentes da Câmara e do Senado são eleitos por seus pares e têm mandatos de dois anos — apesar de não poderem ser reconduzidos aos mesmos cargos na eleição imediatamente subsequente ao mandato, prevalece o entendimento de que essa proibição não se aplica quando se trata de uma nova legislatura, de modo que sua reeleição é, sim, possível.

A questão que se coloca é: como respeitar o poder público se o Código Penal diz que é proibido praticar crimes, mas o STF decide impedir a punição dos crimes praticado? Vejam o caso da Lava-Jato, da "suspeição" do ex-juiz Sergio Moro, das condenações de Lula — o molusco cumpriu míseros 580 dias dos mais de 25 anos a que foi condenado em dois processos até ser transformado em "ex-corrupto" e poder dizer aos convertidos que foi absolvido (quando na verdade não foi) porque era inocente (quando na verdade não era).

Vivemos numa democracia claudicante, mas regida por leis que podem ser boas ou ruins, necessárias ou inúteis, razoáveis ou estúpidas. Se causam mais mal do que bem, as leis devem ser revogadas e substituídas por outras que as corrijam. Mas é fundamental que sejam cumpridas por todos e aplicadas a todos da mesma forma e com os mesmos critérios — seja o meliante ex-presidente da República ou punguista de feira, megaempresário ou ladrão de galinhas, médico-estuprador ou corretor zoológico —, e que as decisões tomadas hoje para este ou aquele caso ou circunstância sejam iguais às que serão tomadas amanhã em casos e/ou circunstâncias análogas.

Qualquer pessoa com o Q.I. de um repolho compreende a lógica de um sistema assim, mas nossos homens públicos preferem a morte a sujeitar-se à previsibilidade da lei. E ninguém trabalha tanto para manter a insegurança jurídica no Brasil do que o próprio Poder Judiciário. Como esperar, então, coerência, lógica ou respeito às leis se procuradores, promotores, juízes, desembargadores e ministros são os primeiros a rasgar essas leis quando se trata de aplicá-las a si mesmos ou a seus “bandidos preferidos”?

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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS! (PARTE IV)

 

No Brasil, o crime compensa — e como compensa, escreveu Diogo Mainardi em O Antagonista

Sergio Moro deixou isso bem claro na entrevista que concedeu no último domingo ao Canal Livre, ao comentar a anulação das condenações de Lula e o desmonte das conquistas na luta contra a corrupção.

Boa parte dos logradouros públicos brasileiros tem nome de ladrão — seja ladrão político ou ladrão que comprou político. Todos devidamente homenageados. Tem ladrão de esquerda, de direita, de centro, e de muito pelo contrário: roubam os cidadãos de tudo o que é lado, em raro espetáculo de democracia absoluta. Roubam no pequeno dinheiro das verbas de gabinete, nas emendas parlamentares e nos gigantescos contratos governamentais. 

Lava-Jato foi um ponto tão extraordinariamente fora da curva que chamou a atenção do mundo — e sofreu a reação em curso. A ladroagem é tão explícita no Brasil que ninguém mais repara. Veja-se, por exemplo, a sucessão de mansões no Lago Sul, em Brasília. Quem com o teto de salário de político, juiz ou funcionário público pode ter uma casa daquelas? Ah, é que o sujeito já tinha patrimônio antes. My ass! Contam-se nos dedos da mão direita do molusco eneadáctilo os que eram ricos antes de se lambuzar com dinheiro público. Ah, mas o dinheiro é da mulher ou do marido, profissionais de sucesso, ou dos filhos, que se provaram gênios da raça. My ass!

Um romano de 2 mil anos atrás, não lembro o nome, disse: “Nenhum homem de bem se torna rico de repente”. O problema não é ser rico, é a locução adverbial. Há muitos “ricos de repente no Brasil, e não só no meio político. Uma penca de malandros da iniciativa vaso sanitário, também conhecida como privada, aprendeu a fazer ótimos negócios em Brasília e adjacências estaduais ou municipais. Além de abrigar advogados especializados em embargos auriculares, esse ecossistema conta com gafanhotos conhecidos como consultores ou gerenciadores de crises, cuja tarefa consiste em tirar ladrão dos holofotes da imprensa. Outra chusma especula no mercado financeiro em cima da desgraça alheia. Somos o país da locupletação adverbial.

Sim, vale a pena roubar no Brasil, sempre valeu. Sim, o crime compensa no Brasil, sempre compensou. Ou não estaríamos pessimamente colocados nos rankings de corrupção feitos por organismos internacionais. Mas tudo bem: seja do esgoto oficial, seja da iniciativa vaso sanitário, eles devolvem uma parte ínfima do que embolsam aprovando esmolas assistenciais para continuar no poder, promovendo "circos" para o povo ou patrocinando ações caritativas com o dinheiro do pagador de impostos que surrupiaram — o que é marketing gratuito. 

O quadro é emoldurado por aqueles que choram lágrimas de crocodilo em vídeos na internet ou passeiam de helicóptero para ver pobre se ferrando em enchentes que não são desastres naturais, mas desastres de desumanidade em cidades precárias e horrendas. 

Vale a pena roubar no Brasil. Vale a pena roubar o Brasil.

***

A exemplo das operações Satiagraha e Castelo de Areia, a Lava-Jato jamais foi vista com bons olhos por políticos em geral e por corruptos em particular, sobretudo porque se embrenhou nos esquemas de financiamento de campanhas e nas relações entre o empresariado e os donos de cargos eletivos.

Com o impeachment de Dilma e a troca de comando no Planalto, a pressão aumentou barbaramente — como evidenciou o diálogo vazado e publicado em maio de 2017 pela Folha, no qual ouvia-se o então senador Romero Jucá, unha e carne com o então presidente Michel Temer, sugerir a Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, que uma "mudança" no governo federal resultaria em um pacto para "estancar a sangria" (representada pela Lava-Jato, na qual ambos eram investigados).

Segundo o então procurador-geral Rodrigo Janot, as nomeações de JucáSarney Filho e Fabiano Silveira para o ministério de Temer tinham por objetivo criar uma “ampla base de apoio” para conter as investigações. Depois que Eunício Oliveira foi eleito presidente do Senado, a Câmara confirmou sua intenção de também ser comandada por um alvo da Lava-Jato (falo de Rodrigo Maia, codinome “Botafogo” na delação da Odebrecht, que era acusado de ter recebido dinheiro para defender os interesses da empreiteira e de favorecer a OAS).

No início de fevereiro, o então secretário-executivo do Programa de Parcerias em Investimentos do governo foi promovido a ministro da Secretaria Geral da Presidência — cargo recriado por Temer para abrigar Moreira Franco. A nomeação se deu três dias depois que o STF homologou as delações da Odebrecht e foi vista como uma forma de livrar o sogro de Rodrigo Maia das “garras” de Sergio Moro.

Ao contrário do que ocorreu quando Lula estava na mesma situação, o STF autorizou a nomeação de Moreira Franco, e Temer decidiu indicar seu ministro da Justiça — Alexandre de Moraes — para a vaga aberta na Corte com a morte de Zavascki. A nomeação chamou atenção porque o então ministro, que era homem de confiança de Temer, poderia vir a julgar o presidente caso ele fosse denunciado pela PGR (apenas em uma delação da Odebrecht no âmbito da Lava-Jato, o vampiro do Jaburu fora citado 43 vezes).

Amigo pessoal de Temer e crítico contumaz Moro, o ministro Gilmar Mendes pouco falou sobre as decisões do juiz de Curitiba enquanto a Lava-Jato tinha o PT e o governo Dilma na mira. No retorno do recesso de 2017, porém, sua alteza voltou à carga e passou a criticar as prisões provisórias, vistas pelos defensores da força-tarefa como importantes para o avanço das investigações.

Temos um encontro marcado com as alongadas prisões que se determinam em Curitiba. Temos que nos posicionar sobre este tema que conflita com a jurisprudência que desenvolvemos ao longo desses anos”, disse a divindade suprema. Em despacho publicado três dias depois, sem citar o ministro nominalmente, Moro afirmou que não cederia “à pressões políticas”.

No apagar das luzes de 2019, Dias Toffoli, presidente do STF e autor do Voto de Minerva que sepultou a prisão em segunda instância, disse que a Corte não se oporia se Congresso alterasse o artigo 283 do Código de Processo Penal para definir de uma vez por todas em que momento a prisão de um criminoso condenado deve ocorrer. Com o voto do eminente ministro, a jurisprudência sobre a prisão em segunda instância, que já vinha capengando desde 2016 — graças à virada de casaca de Gilmar Mendes — voltou a ser a de que o cumprimento da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença, o que no Brasil significa dizer "no dia de São Nunca".

Observação: Mesmo tendo sido reprovado em dois concursos para magistratura, Toffoli foi guindado ao STF por Lula, em retribuição aos serviços prestados a ele e ao PT. Sem currículo, sem conhecimento, sem luz própria e sem os laços com a rede protetora do partido nem os referenciais do padrinho petralha, o novato foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político — e de quem o Maquiavel de Marília, já consolidado no habitat, absorveu a arrogância, a grosseria, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível

Vários projetos de lei e PECs visando restabelecer a prisão em segunda instância surgiram na sequência da decisão do STF, mas a Covid fez com que 2020 terminasse com tudo da forma como começou. No começo de 2021, Executivo enviou ao Congresso uma relação de 35 assuntos que gostaria de ver aprovados, mas a prisão em segunda instância não estava entre ele e nem Arthur Lira nem Rodrigo Pacheco usaram o tema como forma de angariar votos nas disputas que os levaram a comandar, respectivamente, a Câmara e o Senado

Somente a insistência dos parlamentares realmente comprometidos com o combate à corrupção conseguiria fazer a coisa avançar e restaurar (ao menos em tese) o império da moralidade, mas eles próprios reconheceram em diversas ocasiões que o momento político não era adequado.

Quando temas como a CPI da Covid e a PEC do Voto Impresso finalmente saíram da frente, abriu-se uma janela de oportunidade para a comissão especial da PEC 199/19 votar o texto que acabou se tornando o preferido dos congressistas e finalmente submetê-lo ao plenário da Câmara, mas uma jogada regimental de última hora travou tudo. Antevendo a derrota, o relator retirou seu parecer, alegando que o relatório não tinha sido discutido com aqueles que haveriam de votá-lo.

Por essas e outras, 2021 terminou sem qualquer definição acerca do assunto, evidenciando que há na Câmara um grupo disposto a usar sua força para que tudo permaneça como está. Aliás, continua em curso no Congresso uma das estratégias para a destruição da Lava-Jato e de seu legado: rejeitar os projetos de lei que fortaleçam a investigação e a punição dos crimes de colarinho branco e aprovar projetos que dificultem a vida de promotores, procuradores e juízes.

Continua... 

CORREÇÃO DE ERROS NO WINDOWS 10 — PARTE III

A CIÊNCIA TRAZ AO HOMEM A INCERTEZA DE UMA CERTEZA.

Vimos que instabilidades, travamentos, telas azuis da morte e inicializações aleatórias que torravam a paciência dos usuários do Windows 3.X/ME se tornaram menos frequentes depois que a Microsoft lançou o WinXP baseado no kernel do Windows NT, e que o Win10 21H2 está para seus antecessores assim como um Ford Mustang Shelby GT500 está para um modelo T do início do século XX. Mas o fato de as aporrinhações não serem tão recorrentes não significa que tenham deixado de existir.

Antes do Win10, eu recomendava migrar para uma nova versão do sistema somente depois que ela recebesse o primeiro Service Pack. No entanto, a política de atualizações implementada em 2015 pôs fim aos Service Packs, já que novas versões do Win10 passaram a ser lançadas a cada seis meses. A questão é que todas as atualizações semestrais e diversos Patch Tuesday implementados desde o primeiro aniversário do Ten deram um bocado dor de cabeça a um sem-número de usuários.

ObservaçãoSe a Microsoft fabricasse carros — disse Bill Gates em algum momento dos anos 1990 —, eles custariam 25 dólares e rodariam 1.000 milhas com um galão de gasolina. A General Motors saiu em defesa das montadoras e, numa resposta bem-humorada (mas nem por isso menos verdadeira), afirmou que o motor dos "MS-Cars" morreria frequentemente, obrigando o motorista a descer do carro, trancar as portas, destrancá-las e tornar a dar a partida para poder seguir viagem, numa evidente analogia com os constantes travamentos do Windows.

Para piorar, a versão Home do Win10 tolheu dos usuários o controle sobre as atualizações. Considerando que os pioneiros são reconhecidos pela flecha espetada no peito, eu sugeria alterar o horário ativo do computador para contornar esse problema, mas uma caudalosa enxurrada de reclamações levou a Microsoft a repensar o assunto. 

Atualmente, as atualizações podem ser pausadas por até 35 dias — tempo mais que suficiente para que eventuais bugs seja identificados e corrigidos. Ainda assim, uma atualização de driver malsucedida ou a instalação de um aplicativo malcomportado pode comprometer a estabilidade do computador ou, em situações extremas, impedir o sistema de reiniciar. 

Se o Windows carrega, pode-se reiniciá-lo no modo de segurança para tentar recolocar o bonde nos trilhos. Essa modalidade de inicialização carrega apenas um conjunto limitado de arquivos e drivers indispensáveis ao funcionamento do computador. Assim, fica mais fácil descobrir se o problema tem a ver com o hardware e, caso negativo, reverter uma atualização do sistema ou de driver, ou mesmo desinstalar um programa que esteja comprometendo a estabilidade computador (volto a lembrar que vale também executar a restauração do sistema; se funcionar, ela evitará uma trabalhosa e demorada reinstalação do zero).

Já se o Windows não inicia, há, basicamente, duas possibilidades: 1) o sistema chega a exibir a tela de logon; 2), O boot empaca antes disso, dificultando, inclusive, o desligamento do computador. A partir da tela de logon é possível acessar as opções de desligamento (clicando no terceiro ícone, da esquerda para a direita, no canto inferior direito da tela) e escolher “desligar”.

Observação: Sugiro evitar a opção “reiniciar”, na qual o boot é refeito tão rapidamente que as memórias voláteis não são “esvaziadas”. O melhor a fazer, nesse caso, é deligar totalmente o computador, aguardar alguns minutos e então liga-lo novamente. Com alguma sorte, o Windows se recuperará automaticamente ou reabrirá no modo de segurança ou no ambiente de recuperação (WinRE).

Se o sistema empaca antes de exibir a tela de logon, não há como desligar ou reiniciar o computador via software. Nesse caso, a solução é manter o botão liga/desliga pressionado e até a máquina desligar, aguardar um ou dois minutos, cruzar os dedos e torne a ligar — com sorte, tudo voltará a ser como antes no Quartel de Abrantes.

ObservaçãoEvite desligar o computador interrompendo o fornecimento de energia elétrica, seja removendo o cabo de força da tomada, seja desligando o estabilizador de tensão. Ademais, isso não funciona nos notebooks, pois a bateria continuará fornecendo energia (a menos que você a remova do respectivo compartimento, mas isso já é outra conversa).

Se não for capaz iniciar normalmente, o Windows tenta fazê-lo no modo de segurança. Se não conseguir, ele exibe as opções avançadas de inicialização. Se nem isso acontecer, ou seja, se a máquina se fingir de morta, deve-se desligá-la e torne a ligar três vezes seguidas — na terceira tentativa, a tela das opções avançadas de inicialização é exibida, permitindo ao usuário decidir o que fazer a partir dali.

Continua...

LANÇAMENTO DO GOOGLE CHROME 100 PODE TIRAR SITES DO AR (OU NÃO)

NA CIÊNCIA, O CRÉDITO VAI PARA O HOMEM QUE CONVENCE O MUNDO DE UMA IDEIA, NÃO PARA AQUELE QUE A TEVE PRIMEIRO.

O lançamento da 100ª versão Google Chrome (prevista para meados de 2022) poderia resultar numa reprise do “bug do milênio”, já que a identificação da nova compilação será feita por um número de três dígitos (em vez de dois), e muitos sites desenvolvidos com o kit Duda retornariam o erro 403, indicando que o acesso à página não é permitido.

Explicando melhor: sempre que acessamos uma webpage, uma string do cabeçalho de requisição conhecida como “user agent” permite ao servidor identificar o navegador, o sistema operacional e outras informações importantes de quem fez uma requisição, visando enviar uma página que seja exibida corretamente no computador (ou no celular) do requisitante.

Se você acessar as configurações do Chrome, clicar em Ajuda e em Sobre, verá que a versão atual do navegador é a 97.0.4692.71. Como nem todos os sites coletam todos os dígitos do número da compilação, quando o user agent apontar para o Chrome 100.x o servidor identificar apenas o “10”, a página requisitada não será exibida — por questões de segurança, o Duda bloqueia acessos de versões do Chrome abaixo de 40 — ou, se for, não contará com a maioria dos recursos implementados no browser do Google ao longo dos últimos anos.

A boa notícia é que o responsável pelos kits de desenvolvimento web envolvidos anunciou uma correção para o problema, de modo que os sites feitos com o Duda devem continuar funcionando corretamente no Chrome 100 e versões posteriores. 

O Google cogitou de mudar a ordem dos números usados para identificar a versão do Chrome, passando de "100.0.1234.56" para "99.100.1234.56", por exemplo, mas o fabricante do kit foi mais rápido e “corrigiu a falha” meses antes da data programada para o lançamento da versão 100 do navegador”, segundo Danny Mann, Diretor de Infraestrutura e DevOps da empresa.

A conferir.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

RESTAURE-SE O IMPÉRIO DA MORALIDADE OU LOCUPLETEMO-NOS TODOS (PARTE III)



Primeiro e segundo colocados nas pesquisas, Lula e Bolsonaro pisoteiam a imagem um do outro sem se darem conta de que expõem os seus próprios pés de barro. Num seminário do PT, o demiurgo de Garanhuns disse que Bolsonaro é o presidente "mais subserviente" ao Congresso da história. Em viagem ao Rio, Bolsonaro comparou o PT de Lula a uma "quadrilha" e disse que o molusco quer "voltar à cena do crime." 

Lula fala do Orçamento paralelo da Era Bolsonaro com a autoridade de um especialista. Na prática, as chamadas emendas orçamentárias secretas, definidas e executadas pelos oligarcas do Centrão, constituem uma nova versão do mensalão petista, que antecedeu o petrolão, ambos criados sob a égide de Lula. Já Bolsonaro discursa sobre "quadrilha" com desenvoltura própria do chefe da organização familiar da rachadinha. Menciona o risco da volta de personagens como o multicondenado José Dirceu sem se dar conta de que já reabilitou os sócios do petismo. 

Não é que a quadrilha quer voltar ao Poder. Ela nem saiu. Bolsonaro concorre à reeleição filiado ao PL de Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do mensalão. Na viagem ao Rio, levou a tiracolo o chefe da Casa Civil Ciro Nogueira, oligarca do PP, parceiro do PT no saque à Petrobras. Nesse tipo de embate ético, contendores como Lula e Bolsonaro correm o risco de convencer um pedaço da plateia de que os dois têm razão.

***

Ironicamente, a operação que exporia as entranhas do maior e mais bem organizado esquema de corrupção de toda a história do capitalismo (segundo a Transparência Internacional) nasceu em 2008, durante o segundo mandato de Lula. No entanto, como foi dito no capítulo de abertura desta sequência, a primeira fase ostensiva da Lava-Jato foi deflagrada em 17 de março de 2014, já sob a égide de Dilma, a inolvidável.

Em março de 2015, o ministro Teori Zavascki autorizou a abertura de 21 inquéritos no STF contra 50 senadores, deputados federais, caciques políticos e afins. Descobriu-se que a empreiteira Odebrecht fora o pivô de um megaescândalo que culminou na condenação de Marcelo Odebrecht — o “príncipe das empreiteiras” — a 47 anos de prisão, e seu pai, Emílio, a 4 anos. Juntamente com setenta e tantos executivos do alto escalão da construtora, pai e filho fecharam o acordo de colaboração/leniência que ficou conhecido como a Delação do Fim do Mundo e envolveu o pagamento de R$ 8,6 bilhões a título de indenização.

A despeito de muitos terem ouvido as trombetas anunciando o Apocalipseo mundo só acabou para Zavascki, que morreu em janeiro de 2017, às vésperas de homologar a megadelação (a ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF, tomou a tarefa para si, e o ministro Edson Fachin ficou com a relatoria dos processos da Lava-Jato na Corte).

Ao autorizar a abertura dos inquéritos da lista de Janot, o ministro Zavascki determinou (por falta de elementos) o arquivamento simultâneo de sete implicações feitas por delatores a políticos como Aécio NevesDelcídio do Amaral e Henrique Eduardo Alves. Como esses casos não resultaram em investigações, não foram incluídos no levantamento feito pelo portal jurídico JOTA, mas todos os envolvidos viraram protagonistas ou coadjuvantes de outras investigações da Lava-Jato.

Ainda segundo o Jota, cerca de 30% dos 193 inquéritos da Lava-Jato e de seus desdobramentos na mais alta corte do país foram arquivados, tiveram a denúncia rejeitada ou resultaram em absolvição total ou parcial dos réus. Vale destacar que isso não significa que os outros 70% resultaram em condenação, até porque a maior parte deles continuava em tramitação. Mas, dos seis réus nas duas únicas ações penais que haviam sido julgadas até então, três foram absolvidos, um teve a pena extinta por prescrição e somente dois foram condenados à prisão. Uma análise dessas decisões mostra que os desfechos se basearam no tripé "falta de provas, extinção de punibilidade e prazo para término das investigações", e que os arquivamentos foram corriqueiros desde o início da Lava-Jato.

ObservaçãoCabe ao Legislativo pôr fim ao nefasto foro especial por prerrogativa de função, mas não são poucos os deputados e senadores que têm rabo preso com a Justiça, de modo que esperar que essa caterva aprove uma proposta que a prejudique seria como dar a Herodes a chave do berçário e estranhar a morte das criancinhas (falo do governador da Judéia por época do nascimento de Jesus, não de um imitador barato que tem feito o diabo para impedir que crianças entre 5 e 11 anos sejam vacinadas contra a Covid).

Processos envolvendo cinco dos seis ex-presidentes eleitos diretamente desde o fim da ditadura militar resultaram na prisão de Lula e levaram Michel Temer a ser preso preventivamente na PF do Rio de Janeiro. O emedebista e seus compinchas foram soltos, cinco dias depois, pelo desembargador Antonio Ivan Athié, que o jornalista J.R. Guzzo classificou magistralmente como “especialista em libertar ladrões do erário que ficou sete anos afastado da magistratura por acusações de praticar estelionato”.

Observação: É importante não confundir prisão preventiva com prisão temporária. Esta última costuma ser decretada durante uma investigação, visando assegurar o sucesso de determinada diligência, por exemplo, e sua duração é de 5 dias (prorrogáveis por mais 5) ou, em caso de crime hediondo, de 30 dias (prorrogáveis por mais 30). Já a prisão preventiva pode ser decretada tanto durante uma investigação quanto no decorrer da ação penal e, ao contrário da prisão temporária, não tem prazo determinado.

Devido a uma ação no STJ por estelionato e formação de quadrilha, Athié ficou afastado do cargo durante sete anos. Outro inquérito contra ele foi arquivado em 2008 pelo STJ a pedido do MPF, que alegou não ter encontrado provas de que o desembargador tivesse proferido sentenças em conluio com advogados. O magistrado retornou às atividades em 2011, depois que o STF trancou a ação.

Continua...