UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
domingo, 12 de maio de 2019
BILHETE A JAIR
domingo, 4 de outubro de 2020
AINDA A NOVELA SOBRE A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PENÚLTIMA PARTE
domingo, 11 de outubro de 2020
A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — FINAL
Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência e pensei que os militares, os governadores e principalmente o povo jamais aceitariam minha renúncia. Pensei que iriam exigir que eu ficasse no poder, porque Jango era inaceitável para a elite. Achei também que era impossível que ele assumisse porque todos iriam implorar para que eu ficasse.
Renunciei no Dia do Soldado porque queria sensibilizar os militares, conseguir o apoio deles. Imaginei que o povo iria às ruas seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Achei que voltaria para Brasília com glória.
Ao renunciar, eu pedi um voto de segurança a minha permanência no poder, porque isso é feito frequentemente pelos primeiros ministros lá na Inglaterra. E fui reprovado. Deu tudo errado.
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE
Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos.
O Ato
Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos
de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se
estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual
era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog,
foram covardemente assassinados).
Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.
Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.
Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a
1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello
Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15;
Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974;
Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião
da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi
reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros
13 dias.
Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da
presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse
do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e
elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16,
decretado em 14 de outubro de 1969.
O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados
dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do
regime de exceção (cito as greves
operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento
das Diretas
Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura
política lenta,
gradual e segura, que se consumou com a eleição
indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação
da Constituição Cidadã, em 1988.
Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se
candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi
derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos
cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o
ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo
Maluf — gatuno
de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi
despachado para casa graças ao
bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.
Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7
meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi
recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e
tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco
Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo
Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo
Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os
prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de
primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de
prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio
fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo
ele, “desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".
Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio
repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete
(para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso
de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava
a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro
Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar
no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores,
aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa
do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o
filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese,
por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.
Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações.
Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo
público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu
gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se
mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST).
Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para
reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de
utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.
Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar
tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida
em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a
opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi
acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma
conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João
Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono,
integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da
então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do
mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas
não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio
Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide
paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).
Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da
qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite
do PSD para disputar a presidência da República em 1989,
preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como
viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio
anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá,
no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do
velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos
de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein,
em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três
derrames cerebrais.
Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70
imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o
pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante
a Operação Castelo de Areia, a PF revelou
que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na
Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio
confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali
a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes
definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era
um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista
concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou
o "segredo de Polichinelo".
Continua...
quarta-feira, 6 de janeiro de 2021
... E PODE PIORAR AINDA MAIS
Desde sempre que os brasileiros são vocacionados a eleger representantes ladrões e mandatários populistas e imprestáveis. Jânio Quadros é um bom exemplo. Sua renúncia levou ao golpe de 64 e aos subsequentes 21 anos de ditadura militar. Senão vejamos.
Eleito em outubro de 1960, no apagar das luzes do governo de Juscelino Kubitschek — que se notabilizou por construir Brasília do nada, no meio do nada, para suceder ao Rio como Distrito Federal —, o advogado, professor de português, político e cachaceiro inveterado “homem da vassoura” assumiu a Presidência em janeiro do ano de 1961, prometendo “varrer” toda a sujeira da vida pública brasileira. Depois de passar 206 dias mandando “bilhetinhos” para auxiliares e se preocupando com questiúnculas — como rinhas de galo, corridas de cavalo, biquinis nas praias e maiôs cavados em concursos de misses —, o demagogo, "movido por forças terríveis", renunciou ao cargo.
Na manhã do dia 25 de agosto, após ser acusado por Carlos Lacerda — que viria a ser um dos articuladores civis do Golpe de 1964 e a ganhar o epíteto de “demolidor de presidentes” — de tramar um “golpe de gabinete”, Jânio informou à primeira-dama, dona Eloá, que deixariam Brasília naquela tarde. No Planalto, antecipou aos ministros-chefes das casas Civil e Militar a manchete dos jornais do dia seguinte: “Comunico aos senhores que renuncio, hoje, à Presidência da República. Ajustem o novo Brasil às exigências do Brasil novo. Com esse Congresso, eu não posso governar”.
Findo o desfile do
Dia do Soldado, Jânio encarregou o ministro da Justiça de entregar ao
presidente do Senado sua carta-renúncia e voou para a Base Aérea de Cumbica,
levando consigo a faixa presidencial (que a essa altura não mais lhe pertencia) e a
esperança de o pedido não ser aceito — ou de o renunciante de festim ser reconduzido
ao cargo por uma manifestação de apoio popular, o que lhe permitira governar sem ser "incomodado pelo Congresso". Mas faltou combinar com os russos.
Mais preocupados em impedir a posse de Jango, os militares esqueceram Jânio, e o povo só poderia ser mobilizado por um partido janista se seu líder tivesse permitido sua existência.
Assim, enquanto o país mergulhava na crise provocada pelo veto à promoção do vice a titular, o já ex-presidente embarcou com a mulher num cargueiro com destino à Europa, o presidente da Câmara assumiu (decorativamente) a chefia do Executivo e os ministros militares (que governaram de fato nas semanas seguintes) implementaram a toque de caixa o parlamentarismo.
Com os poderes limitados e tendo Tancredo Neves como primeiro-ministro, o “vice comunista” foi autorizado a assumir a presidência como chefe de Estado. Mas a experiência parlamentarista foi tão conturbada quanto curta: um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963 restabeleceu o presidencialismo.
Jango finalmente assumiu o cargo que era seu por direito, mas foi deposto, quinze meses depois, pelo golpe de 1964. Fica evidente, portanto, que a incipiente democracia tupiniquim havia entrado em parafuso em 25 de agosto de 1961, com a renúncia do populista cachaceiro.
Sobre o golpe: Em 1964, partidos de esquerda, grupos comunistas e seus associados discutiam qual a maneira de derrubar o capitalismo burguês e implantar a ditadura do proletariado, se pela luta armada ou pelo caminho reformista. Naquela época, a ampla maioria da esquerda era reformista — pelas chamadas reformas de base, processo que começava com a agrária e incluía um amplo cardápio de estatizações.
Jango, filiado ao PTB getulista, estava claramente no campo da esquerda. Ainda que houvesse comunistas em seu governo e no entorno, o presidente nada tivesse de comunista, a exemplo de ilustres membros do seu gabinete durante o curto período parlamentarista, como os primeiros-ministros Tancredo Neves e Santiago Dantas, que eram, no máximo, socialdemocratas, trabalhistas ou nacionalistas.
Como o grupo comunista era claramente minoritário, o sucesso de Jango levaria o Brasil a uma economia mais estatizada, com o aumento dos gastos públicos em todos os setores, dos sociais à infraestrutura (mais ou menos como aconteceu no governo ditatorial do general Ernesto Geisel, um nacionalista e estatizante da primeira linha, e no governo Lula, mas isso é outra conversa).
Em 1964, no auge da “Guerra Fria” o mundo estava dividido entre os EUA e a URSS. As plataformas reformistas — aqui, no Chile, na Argentina etc. — procuravam se aproximar não propriamente da União Soviética, mas do “Bloco do Terceiro Mundo”, que se declarava independente, mas pendia para a esquerda, ou seja, era adversário dos EUA, que, nessa disputa, patrocinavam ditaduras direitistas para, como se dizia na época, evitar a ditadura comunista.
Não havia a menor possibilidade de uma vitória comunista. Nem pela via reformista, nem pela luta armada. A melhor chance de uma guerrilha no Araguaia ou no Vale do Ribeira era a de ser massacrada, como de fato aconteceu. Mas foi nesse quadro que parte da elite brasileira, representada por partidos e associações civis, bateu às portas dos quartéis.
Os militares atenderam rapidamente, pois a doutrina que aprendiam
era simplesmente Ocidente versus Pacto de Varsóvia (a frente militar da
URSS). O Congresso chancelou a derrubada de Jango e elegeu
presidente o então chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, marechal Humberto
de Alencar Castello Branco. Mas só o fez porque a alternativa era o
fechamento.
Muitos democratas e
liberais apoiaram o golpe, achando que seria um interregno necessário para
garantir a eleição presidencial de 1965, que seria disputada entre Juscelino
Kubitschek (pelo lado reformista democrático) e Carlos Lacerda (conservador,
liberal, democrata). Mas não tardaram a se arrepender, e foram abandonando o
governo militar à medida que este radicalizava, transformava-se numa verdadeira
ditadura e dava sinais de que tencionava se perpetuar no poder. Lacerda,
apoiador do golpe, terminou cassado e se uniu a JK, também cassado,
numa frente pela democracia.
O Congresso funcionou durante os 21 anos de ditadura — noves fora os breves momentos em que ousou discordar do regime — e “elegeu” todos os presidentes, mas somente depois que os generais de quatro estrelas decidiam quem seria o mandatário de turno.
Partidos políticos foram proibidos, a imprensa, censurada, opositores — tanto democratas quanto comunistas —, presos, torturados e mortos. Quando a política econômica finalmente fracassou — com recessão, dívida externa explosiva e inflação —, a ditadura caiu e os militares se retiraram, liderados por colegas de bom senso num processo conduzido por políticos habilidosos.
Em 1985, Tancredo
Neves (MDB) derrotou Paulo Maluf (ARENA) por
480 a 180 votos de um colégio eleitoral formado por senadores, deputados
federais e membros das assembleias legislativas estaduais. Mas quis o destino o presidente eleito fosse
internado 12 horas antes da posse e dado como morto 38 dias e
7 cirurgias depois — ironicamente, no dia 21 de abril, feriado que
homenageia Tiradentes, o Mártir da Independência.
Observação: Segundo a versão oficial, uma diverticulite obrigou Tancredo a ser submetido a uma cirurgia de emergência horas antes da posse. Também oficialmente, sua morte se deu no dia 21 de abril, depois de outras sete cirurgias. O general João Figueiredo se recusou a passar a faixa ao vice, José Sarney — um reles traidor, segundo o fardado, já que o ex-presidente da ARENA e representante do regime militar no Congresso deixara o partido governista e se juntara à oposição. “Faixa a gente transfere para presidente. Não para vice, esse é um impostor”, disse o general, que deixou o Planalto assim que a votação no Congresso foi encerrada. Ainda assim, a mágoa que o último presidente da ditadura guardava do repulsivo oligarca maranhense era menor que a resistência da caserna ao deputado Ulysses Guimarães.
Continua...
sexta-feira, 17 de julho de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — OITAVA PARTE
Plantar populistas no poder sempre foi a melhor maneira de
colher consequências indesejáveis. Mas seria preciso ter bola de cristal para prever que Jânio Quadros, eleito presidente em 3 de outubro de 1960 e empossado em 31 de
janeiro de 1961, renunciaria dali a pouco mais de seis meses, e que, ao fazê-lo, pavimentaria a estrada que levaria ao golpe de 1964, aos 21 anos de ditadura militar e a quase
3 décadas sem eleições diretas para presidente da República.
Jânio sempre foi evasivo quanto aos motivos pelos quais deixou o gabinete mais cobiçado do Palácio do Planalto menos de 7 meses depois de lá se ter aboletado, sempre demonstrou desconforto quando questionado a respeito, o que alimentou teorias conspiratórias sobre o que, em última análise, não passou de mais um do atos espetaculosas do homem da vassoura (Jânio respaldou sua campanha na promessa de "varrer a corrupção" e adotou como símbolo uma vassoura). Certa vez, durante um almoço em casa de amigos, uma convidada suscitou o assunto, e ele respondeu: “Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”. E foi-se embora sem sequer se despedir do anfitrião.
Mas bastava ler as entrelinhas para inferir que o verdadeiro propósito do então presidente foi causar comoção popular e forçar o Congresso a lhe pedir que reconsiderasse. Tivesse o plano funcionado, Jânio muito provavelmente se sentiria fortalecido e teria posto em prática o plano do autogolpe, que lhe permitiria governar sem ser "incomodado" pelo Legislativo. Vale lembrar que a cúpula militar via em João Goulart, o vice eleito com o apoio da esquerda (naquela época, os cargos de presidente e vice eram preenchidos mediante votações independentes), um herdeiro do getulismo e a porta de entrada para o comunismo no Brasil.
Jânio acertou quanto ao vice e os militares, mas enganou-se em relação ao Congresso, que não só aceitou sua renúncia como se aproveitou do fato de Jango estar em missão na China para nomear presidente interino o deputado Ranieri Mazzilli (então presidente da Câmara Federal), enquanto os ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica formaram uma junta informal para obstar a posse de Jango. Como o que está ruim consegue piorar, a tramoia acirrou os ânimos e aprofundou a crise a tal ponto que foi preciso aprovar a toque de caixa uma emenda constitucional para instituir o parlamentarismo e empossar Jango como Chefe de Estado (ou seja, como presidente decorativo, com poderes reduzidos).
A gestão de Jango seria marcada por diversas turbulências. A fase parlamentarista de seu governo durou 14 meses e teve três primeiros-ministros — Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes de Lima. O Brasil vivenciou ingerências presidenciais nas atividades dos gabinetes ministeriais e decisões unilaterais do Congresso, não raro em total desacordo com o primeiro-ministro. Em janeiro de 1963, após a antecipação do plebiscito marcado originalmente para 1965, o presidencialismo foi restabelecido, mas, devido a diversos fatores que não vêm ao caso neste momento, não foi a panaceia que muitos esperavam. Jango ganhou poderes de chefe de governo, mas meteu os pés pelas mãos e perdeu sua base de apoio (composta majoritariamente por partidos ligados a interesses de latifundiários). Os EUA, que o consideravam "muito à esquerda", passaram a financiar conservadores e reacionários para desestabilizá-lo politicamente, ao mesmo tempo que parte da ala militar defendia a implementação de uma ditadura para pôr ordem no galinheiro.
Em 1964, politicamente emparedado e sem condições de
levar adiante suas reformas, Jango resolveu guinar de vez à esquerda, e no célebre discurso
da Central do Brasil, em 13 de março, reafirmou publicamente seu compromisso de
realizar a qualquer custo as Reformas
de Base. A resposta conservadora não se fez por esperar: seis dias depois, meio milhão de pessoas mobilizadas por grupos direitistas realizaram a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade, pedindo a tomada do poder
pelos militares.
Na virada de 31 março para 1º de abril de 1964 (que coincidentemente é o dia dos tolos), um levante iniciado em Juiz de Fora avançou para o Rio de Janeiro. Jango foi instado por Leonel Brizola — seu cunhado — a resistir, mas negou-se para evitar uma guerra civil. O golpe militar foi completado no dia 2 de abril, quando Auro de Moura, presidente do Senado, declarou vaga a presidência da República. Dias depois, uma vez decretado o Ato Institucional nº 1 para embasar o que viria a seguir, o Marechal Humberto de Alencar Castello Branco assumiu a presidência.
Começavam, então, os célebres anos de chumbo, que perdurariam até 1985.
Continua no próximo capítulo...
quinta-feira, 23 de maio de 2019
ENTRE JÂNIOS E BOLSONAROS
Nas visão de Merval Pereira, um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não precisa insuflar manifestações de apoio popular, a não ser que se sinta desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. Daí a mobilização da militância ser contra o Congresso, o Judiciário e a Imprensa — justamente as instituições que têm como finalidade precípua impedir que o Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo num regime presidencialista que dá preponderância quase imperial ao presidente da República.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — TERCEIRA PARTE
Para tudo há limites, e a paciência desde humilde escriba não é exceção. Daí eu ter buscado um descanso do desalentador cenário político contemporâneo nesta breve regressão ao passado, onde tudo começou. Aliás, vale destacar que a inflação tupiniquim não teve início durante a ditadura militar nem na velha república. Diferentemente de como costumamos imaginar, ela remonta à época da colonização, lá pelos idos de 1577, quando se apontou em documentos oficiais um aumento no preço da arroba de açúcar provocado por um crescimento na demanda internacional, um reajuste de 18% naquele ano.
A despeito de ser bastante primitiva, a economia colonial tinha no preço de sua principal commodity o indexador de produtos e serviços, e o resultado foi um aumento em cascata no custo de vida dos então mirrados núcleos urbanos tupiniquins, o que inaugurou uma cultura inflacionária capaz de resistir por mais de 400 anos.
No decorrer dos séculos, outros episódios ligados a acontecimentos específicos provocaram surtos inflacionários, mas nada se compara aos registros modernos, quando, no final dos anos 1980, o Brasil agonizava com a realidade da hiperinflação. Em 1989, último ano do governo Sarney, o índice anual chegou a estratosféricos 1.764,8%; em 1993, durante a gestão de Itamar Franco, registrou-se o inacreditável recorde de 2.477% em doze meses.
Eram
tempos em que o dinheiro perdia o valor da noite para o dia, os salários
sofriam reajustes sem nunca recuperar de fato as perdas e as máquinas remarcadoras
de preços funcionavam sem cessar nos supermercados. A classe média recorria a
aplicações financeiras como o overnight para se proteger dos prejuízos — um
recurso inexistente para os mais pobres, que eram justamente os que mais sofriam
as consequências da escalada ensandecida dos preços.
Essa dinâmica foi encerrada em 1994, com o Plano Real — um engenhoso
e eficaz conjunto de medidas lastreadas numa nova moeda pareada com o dólar, cujos frutos foram colhidos até o final do ano passado, quando o dragão da inflação
voltou a soltar fumaça pelas ventas. A mais recente estimativa dos economistas prevê uma
taxa de 8,51% para 2001 (no acumulado do últimos 12 meses, o índice foi de
9,68% e agora bate às portas dos dois dígitos, devido, sobretudo, a aumentos diuturnos no
preço de alimentos, energia elétrica, combustíveis e gás de cozinha,
entre outros).
Não voltamos aos anos 1980, mas é nítido que a tendência inflacionária esteja dando sinais de que vai despertar. Isso se deve aos impactos econômicos produzidos pela pandemia, mas também — e principalmente — à instabilidade política gestada e parida sob a funesta gestão do mandatário de fancaria que, como um câncer, ameaça evoluir para metástase e se tornar inoperável. Uma evidência incontestável é a cotação do dólar, nas alturas graças às promessas não cumpridas feitas pelo Posto Ipiranga bolsonariano, que agora posa de sectário incondicional do bolsonarismo boçal. Mas tudo a seu tempo. Voltemos ao nosso retrospecto.
Juscelino Kubitschek de Oliveira assumiu a Presidência em 31 de janeiro de 1956 e transferiu a faixa para o populista manguaceiro Jânio da Silva Quadros exatos cinco anos depois. Nesse interregno, a raposa mineira, cujo bordão de campanha era 50 anos em 5, construiu Brasília e abriu a economia para o capital internacional, atraindo o investimento de grandes empresas — entre as quais as montadoras Ford, Volkswagen, Willys e General Motors.
JK criou uma miríade de empregos (diretos e
indiretos), mas deixou o país mais dependente do capital externo. Por outro
lado, os rios de dinheiro canalizados para a construção de uma cidade do zero, no meio do
nada, inflou barbaramente a dívida externa. Isso sem mencionar que as novas
oportunidades de emprego provocaram um êxodo rural desordenado, e a migração de
trabalhadores do campo para as cidades e de nordestinos e nortistas para grandes
capitais do sudeste prejudicou a produção agrícola e fomentou o aumento
da pobreza, da miséria e da criminalidade.
Transferir o Distrito Federal para o interior do país era uma ideia antiga, defendida desde o período colonial, e que passou por vontades políticas distintas e muitas mudanças de governo até se transformar em realidade. Não obstante, como sói acontecer em terras canarinhas, havia objetivos escusos nesse projeto.
A pretexto de contribuir para o desenvolvimento da região
Centro-Oeste — que também recebeu um grande número de migrantes nordestinos —, pretendia-se manter o centro das decisões afastado de uma região densamente povoada, de modo a reduzir a quase zero as manifestações de rua contra o governo federal.
JK enfrentou sérias dificuldades, mas conseguiu
manter boas relações com o Congresso e fazer acordos com diversos movimentos
políticos e sociais. Seu partido, o PSD, era muito representativo na
zona rural, e o presidente contava ainda com o apoio do PTB, que era
influente na zona urbana.
Em 7 de agosto de 1976, a imprensa noticiou que o ex-presidente havia morrido quando ia de sua fazenda em Luziânia (GO) para Brasília. JK havia realmente planejado a viagem, mas desistiu na última hora,
e a fazenda, na época, não tinha telefone. Quando soube dos rumores, ele disse
a seu secretário particular Serafim Jardim: "Estão querendo
me matar, mas ainda não conseguiram".
Duas semanas após o alarme falso, o Chevrolet Opala em que JK viajava colidiu violentamente com uma carreta carregada de gesso no antigo quilômetro 165 da rodovia Presidente Dutra. Especulou-se que seu motorista, Geraldo Ribeiro, tivesse perdido o controle do carro após levar um tiro na cabeça. O perito criminal Alberto de Minas declarou ter visto um buraco de tiro no crânio do motorista, mas foi impedido de fotografar pelos policiais. Segundo análise do legista Márcio Alberto Cardoso, o fragmento metálico encontrado — supostamente um projétil de arma de fogo — era um prego enferrujado do caixão.
Uma das muitas teorias conspiratórias acerca da morte de JK sustenta que um explosivo foi colocado durante uma parada no hotel-fazenda Villa-Forte, em Resende (RJ), cujo dono, brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, era ligado ao SNI e tinha sido professor de Figueiredo. Outra versão diz que os freios do Opala foram sabotados. O motorista do caminhão que colidiu com o veículo que levava o ex-presidente declarou que, segundos antes da batida, viu Geraldo Ribeiro "debruçado, com a cabeça caída entre o volante e a porta do automóvel”, e que não tinha dúvidas de que "o condutor se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava o veículo, antes do impacto".
Já o motorista do ônibus acusado de bater na lateral do Opala
e fazê-lo se desgovernar disse que, depois do acidente, foi procurado por dois
homens, que lhe ofereceram dinheiro para que assumisse a culpa. A versão foi
endossada por um passageiro do ônibus, segundo o qual o carro bateu numa mureta
antes de se chocar com o caminhão. Pela versão oficial, o ônibus teria
“abalroado” o veículo, desgovernando-o.
Os peritos refutaram as teses de explosão e sabotagem. Não havia resíduos de explosivo na carcaça do carro nem indícios de que o freio tivesse sido sabotado. De acordo com os laudos, o ônibus bateu de lado no Opala, mas os passageiros não perceberam porque foi um "toque sutil" para um veículo de 12 toneladas. Na época do acidente, os peritos apuraram que havia vestígios da tinta do Opala na lateral do ônibus e vice-versa. Pelas marcas dos pneus no asfalto, o motorista tentou recuperar o controle da direção antes de colidir com a carreta, o que indica que ele não estava desacordado.
A morte de JK não foi satisfatoriamente explicada até hoje, o que só reforça o fato de que o ex-presidente era temido e visado pelos militares. Por outro lado, isso não significa que ele tenha sido assassinado. Mais de trezentas mil pessoas assistiram ao funeral de JK em Brasília, onde a multidão cantou a música que o identificava o político mineiro: Peixe Vivo.
Seu corpo do ex-presidente foi exumado em 1986, mas os peritos concluíram pelo "acidente de trânsito" (mais detalhes no livro "JK, Onde Está a Verdade"). Em 2001, a Câmara Federal instituiu uma Comissão Externa para averiguar as suspeitas de assassinato, mas a conclusão foi a mesma. Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade — que analisa os crimes políticos ocorridos entre 1946 e 1988 — decidiu rever o inquérito, mas concluiu que a morte foi acidental.
Voltemos a Jânio Quadros, depois de lecionar português e geografia em colégios tradicionais de São Paulo e direito processual penal na Faculdade Presbiteriana Mackenzie, em 1947 o demiurgo mato-grossense se elegeu suplente de vereador pelo PDC. Com a cassação dos mandatos de parlamentares do partido comunista, ele passou a titular e exerceu o cargo até 1950, quando conquistou uma cadeira na Câmara Federal. Na sequência, foi prefeito de São Paulo e governador do Estado.
Em 1958, Jânio foi eleito deputado federal pelo Paraná, mas viajou para o exterior e não participou de uma única sessão no Congresso. Ao retornar, disputou a presidência de República e obteve 48,26% dos votos, derrotando Henrique Lott (32,94%) e Adhemar de Barros (18,79%). No mesmo pleito, João Goulart, do PTB, foi reeleito vice-presidente (vale destacar que a Constituição de 1946, vigente à época, não exigia a formação de uma chapa com candidatos a presidente e vice do mesmo partido, de modo que qual era eleito em uma votação separada).
Jânio foi empossado Presidente em 31 de janeiro de 1961 e renunciou em 25 de agosto daquele ano. Durante seus seis meses e pouco no Planalto, ele se manteve em evidência criando factoides (qualquer semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência), mas jamais contou com o apoio do Congresso.
Ao perceber que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN, o então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, arvorou-se em porta-voz da campanha contra o presidente. Não tendo como acusá-lo por corrupção — tática que havia usado contra seus dois antecessores —, Lacerda denunciou uma suposta trama palaciana e acusou o ministro da Justiça de tê-lo convidado a participar de um golpe de Estado para fechar o Congresso.
O pronunciamento, feito em 24 de agosto de 1961, foi transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão. No dia seguinte, depois de receber uma reprimenda dos três ministros militares em meio às comemorações do Dia do Soldado, Jânio apresentou sua carta-renúncia.
Em edição extraordinária, o Repórter Esso — principal noticiário da época — atribuiu a renúncia a "forças ocultas", e foi essa a versão que entrou para a história, ainda que o ex-presidente jamais tivesse proferido tais palavras. Certa vez, questionado sobre a renúncia por uma convidada durante um almoço em casa de amigos, Jânio respondeu: “Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”. E foi-se embora sem sequer se despedir do anfitrião.
Outra resposta atravessada de Jânio sobre a renúncia é a folclórica frase "Fi-lo porque qui-lo", que não passa de lenda urbana. Mas ele disse algo parecido numa reunião com os governadores, durante o anúncio de reformas educacionais, quando o ministro da Educação, pego de surpresa pelo anúncio, perguntou-lhe por que não havia sido avisado com antecedência. Jânio respondeu: “Fi-lo porque estou convencido de que é a melhor solução; fi-lo porque esta nação tem pressa e fi-lo porque sou presidente. Como vê, senhor Ministro, fi-lo porque qui-lo.”
O detalhe é que o manguaceiro dominava como poucos o idioma de Camões, e sabia melhor que ninguém que a forma correta seria "filo porque o quis".
Continua...