UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
domingo, 12 de maio de 2019
BILHETE A JAIR
terça-feira, 11 de agosto de 2020
DA PRAGA DA CASERNA AO CAPITÃO CAVERNA — NONA PARTE
A título de contextualização, sugiro reler os dois capítulos anteriores desta sequência, começando por este e seguindo por este. Dito isso, vamos adiante.
Nos dias que sucederam ao golpe de 1964, uma violenta repressão atingiu os setores politicamente de esquerda. Centenas de Inquéritos Policiais-Militares para apurar atividades consideradas subversivas foram instaurados, e milhares de pessoas foram presas e torturadas. Parlamentares foram cassados, cidadãos tiveram seus direitos políticos suspensos e funcionários públicos civis e militares foram demitidos ou aposentados.
Por outro lado, grande parte do empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais e vários governadores de estados (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) festejaram a intervenção militar, que diversos setores de classe média pediam e estimulavam, talvez achando que essa seria a única maneira de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de controlar a crise econômica. Mas o que era para ser transitório e durar poucos meses tornou-se provisoriamente (ou quase isso). Os fardados não eram imundes à picada da mosca azul, e cinco generais se revezaram no poder ao longo dos 21 anos seguintes.
Sem imaginar o que vinha pela frente, Jânio concorreu ao governo de São Paulo nas eleições de 1962, mas foi derrotado por Adhemar de Barros. Em 1964, com a tomada do poder pelos generais, teve os direitos políticos cassados e, embora os tenha recuperado graças à lei nº 6.683 (que ficou conhecida como Lei da Anistia), somente voltou a disputar uma eleição em 1982 (para governador de São Paulo), na qual foi derrotado por André Franco Montoro, seu antigo correligionário no PDC.
Três anos depois, com o apoio de empresários, entidades conservadoras (como a TFP e Opus Dei) e políticos influentes, como Paulo Salim Maluf e Antonio Delfim Netto, Jânio se elegeu novamente prefeito de São Paulo, derrotando o tucano Fernando Henrique Cardoso e o petista Eduardo Matarazzo Suplicy.
Observação: FHC, franco-favorito nas pesquisas, deixou-se fotografar sentado na cadeira de prefeito — a foto foi publicada pela Revista Veja —, que Jânio desinfetou no dia da posse, declarando: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".
Em sua última empreitada político-administrativa, o velho manguaceiro repetiu os lances populistas de sempre: pendurou um par de chuteiras no gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na pública), proibiu o uso de sunga e biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava a sede da prefeitura), mandou publicar no Diário Oficial do Município os célebres bilhetinhos que enviava a seus assessores, obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que exibiriam A Última Tentação de Cristo (filme de Martin Scorsese), embora o longa só fosse entrar em cartaz após o término de seu mandato.
Nas eleições municipais de 1988, a despeito de os candidatos João Mellão Neto (PL) e Marco Antônio Mastrobuono (PTB) terem integrado seu secretariado, Jânio apoiou o peemedebista João Oswaldo Leiva (lançado pelo então governador Orestes Quércia). Por uma ironia do destino, quem venceu o pleito foi a calamidade petista Luíza Erundina de Souza (provando para além de qualquer dúvida razoável que São Paulo é a maior capital nordestina do país), amparada quase que exclusivamente por uma plataforma de esquerda antijanista. Para não pagar o mico de transferir o cargo para a musa de Uiraúna, Jânio encarregou seu Secretário de Assuntos Jurídicos de representá-lo na cerimônia e escafedeu-se para sua amada Londres, onde passou as festas de final de ano.
A saúde fragilizada levou Jânio a desistir de concorrer à presidência em 1989 — ironicamente, na primeira eleição direta desde aquela que ele próprio venceu em 1960 — e apoiou Fernando Collor, que derrotou o imprestável retirante nordestino que disputaria outros três pleitos presidenciais até finalmente ser eleito (em 2002). Depois da vitória de Collor, o velho tutumumbuca reuniu a imprensa para anunciar sua aposentadoria definitiva da política — com a morte da mulher, em 1990, seu já precário estado de saúde se agravou ainda mais.
A partir de então, Jânio passou o resto de seus dias em casas de repouso e quartos de hospitais. Em fevereiro de 1992, ele bateu a cacholeta no Hospital Israelita Albert Einstein, onde vegetava após ter sofrido três derrames cerebrais. Seis meses antes, nesse mesmo quarto, ele havia confidenciado a Jânio Quadros Neto sua versão da renúncia (sobre a qual falaremos oportunamente).
Convém frisar que a célebre frase “fi-lo porque qui-lo” (ou “fi-lo
porque o quis”, que seria a forma mais correta) não
foi uma resposta a um jornalista que teria questionado o ex-presidente sobre a renúncia.
Na verdade, Jânio a proferiu quando ainda ocupava o Palácio do Planalto, durante uma reunião com
governadores e outras autoridades (como veremos numa próxima postagem). Ressalte-se que ele nunca disse que renunciou movido por “forças ocultas” ou “misteriosas”;
essa expressão lhe foi atribuída pelo Repórter
Esso.
Entre um sem-número de tiradas tão sarcásticas quanto ácidas do velho político, cito as seguintes:
— O senhor sabe quem foi Benjamin Franklin? Pois bem!
Ele ensinou que "intimidade pode gerar duas coisas: filhos e/ou
aborrecimentos". Como eu não pretendo ter com o senhor nem uma coisa nem
outra, exijo respeito” (ao passar uma descompostura num jovem que se
dirigiu a ele de forma desrespeitosa, tipo “ó Jânio!”, como se fossem
íntimos).
— Os servidores públicos são mulher de César (a quem não basta ser honesto, é preciso parecer honesto).
— Aprendi no berço com minha mãe, que não há homem meio honesto e meio desonesto. Ou são inteiramente honestos ou não o são (frase autoexplicativa).
— Não vivo do governo: morro nele, na sobrecarga
terrível das responsabilidades e das angústias (idem).
— O PMDB é uma arca de Noé, sem Noé e sem a arca (idem).
Conta o professor Deonísio da Silva que Jânio,
então candidato a governador de São Paulo, enfrentou em Ribeirão Preto
uma autêntica armadilha que lhe fora preparada por seu notório adversário, Adhemar
de Barros. Também candidato, Adhemar paga um repórter para que vá à
entrevista coletiva de Jânio e lhe faça uma única pergunta.
— O senhor sabe que a família interiorana é moralista e
conservadora. Gostaria de lhe perguntar: por que o senhor bebe?
A resposta veio bem ao estilo de Jânio:
— Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, comê-lo-ia.
O flagrante revela um cuidado específico que Jânio
tinha na colocação dos pronomes, um drama para jejunos em português. ‘Comê-lo-ia’
equivale a ‘o comeria’. A síntese, desjeitosa para a fala, que prefere ‘comeria
ele’, soa pernóstica. Não em Jânio apenas, aliás.
Em outra ocasião, o humorista Leon Eliachar lhe
pergunta:
— Se eleito, colocará os pronomes nos seus devidos lugares?
Sua resposta:
— Os pronomes não aguardam a minha eleição para que se
coloquem nos seus lugares. Estão sempre neles. A boêmia dos verbos é que mutila
a boa ordem das frases. Há que lhes perdoar. Não se desgrudam da ideia de
movimento. (Atualmente, é mais usual boemia, sem acento).
E provocando o candidato, Leon alude a famoso
comercial:
— Só ESSO dá ao seu carro o máximo?
Jânio:
— Não entendi a pergunta. Pressinto-a sutil como o próprio
interpelante. Resta-me, pois, neste instante de perplexidade, o recurso à
passagem de volta: só isso dá ao seu cargo o máximo?
Eliachar faz a última pergunta:
— O oval da ESSO é oval ou aval?
Jânio tira de letra:
— Sugiro-lhe, amistosamente, uma consulta a qualquer
psicanalista. O Brasil é tão mencionado no seu questionário, quanto a ESSO.
Nélson Valente, autor do livro Luz… Câmera… Jânio
Quadros em Ação (o avesso da comunicação), de onde foram extraídos os
trechos aqui citados, conclui piedosamente: “Ele podia dormir sem essa”.
Amanhã a gente continua...
domingo, 11 de outubro de 2020
A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — FINAL
Eu acreditava que não haveria ninguém para assumir a presidência e pensei que os militares, os governadores e principalmente o povo jamais aceitariam minha renúncia. Pensei que iriam exigir que eu ficasse no poder, porque Jango era inaceitável para a elite. Achei também que era impossível que ele assumisse porque todos iriam implorar para que eu ficasse.
Renunciei no Dia do Soldado porque queria sensibilizar os militares, conseguir o apoio deles. Imaginei que o povo iria às ruas seguido pelos militares. Os dois me chamariam de volta. Achei que voltaria para Brasília com glória.
Ao renunciar, eu pedi um voto de segurança a minha permanência no poder, porque isso é feito frequentemente pelos primeiros ministros lá na Inglaterra. E fui reprovado. Deu tudo errado.
domingo, 4 de outubro de 2020
AINDA A NOVELA SOBRE A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PENÚLTIMA PARTE
quarta-feira, 13 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — QUINTA PARTE
Vale destacar que o mundo vivia um clima de animosidade política devido à Guerra Fria, e que os EUA contribuíram sobremaneira para a deposição de Jango (tido e havido como comunista) e o término do curto período democrático (de 1946 a 1964) que o Brasil viveu com o fim do Estado Novo de Getúlio Vargas. Com a consolidação do golpe e a assunção do governo provisório, o presidente deposto se exilou no Uruguai. Sob a égide dos fardados, intensificam-se as perseguições políticas, a censura, as torturas e o desaparecimento de uma miríade de pessoas — assassinadas a mando dos milicos.
O Ato
Institucional nº 5, decretado em dezembro de 1968, deu início aos chamados "anos
de chumbo" — período mais repressivo da ditadura militar, que se
estendeu até o final do governo Médici, em março de 1974, durante o qual
era comum jornalistas serem demitidos por criticarem o governo (alguns, como Vladimir Herzog,
foram covardemente assassinados).
Observação: Limitados pela Constituição de 1946, os militares precisavam de instrumentos legais para aplicação de suas ações políticas, e assim surgiram os Atos Institucionais, que "pairavam" acima da própria Constituição. Entre os anos de 1964 e 1969, foram decretados nada menos que 17 atos institucionais. O AI-2 instituiu a eleição indireta para presidente e o AI-4 convocou o Congresso para a construção de uma nova Constituição, afinada com os ideais dos militares no poder, mas foi o AI-5 que conferiu ao presidente de turno o poder de suspender direitos políticos, cassar mandatos, fechar o Congresso, e por aí afora. Não à toa, o AI-5 foi considerado um “golpe dentro do golpe”, já que foi gestado e parido por segmentos específicos dentro das FFAA.
Uma parcela substantiva da imprensa apoiou o golpe de 1964, mas esse apoio foi se desvanecendo à medida em que o regime foi endurecendo. A Constituição de 1967, promulgada às vésperas da decretação do AI-5, instituiu o Ministério Público — o que poderia ser considerado um avanço não fosse o fato de o órgão ser subordinado ao Executivo Federal. Já a Constituição Cidadã, de 1988, mudou essa história, mas a dupla Bolsonaro/Aras reverteu-a ao status quo ante, ainda que de modo informal.
Durante a "longa noite de 21 anos" (de 1964 a
1985), governaram o Brasil cinco presidentes-generais. Humberto de Alencar Castello
Branco, "eleito" no dia 11 de abril de 1965 e empossado no dia 15;
Costa e Silva, que governou de 1967 a 1969; Médici, de 1969 a 1974;
Geisel, de 1974 a 1979; e Figueiredo, de 1979 a 1985. Por ocasião
da cassação de Jango, em 2 de abril de 1964, Ranieri Mazzilli foi
reconduzido ao cargo, mas sua segunda passagem pela presidência durou míseros
13 dias.
Em 31 de agosto de 1969, Costa e Silva se afastou da
presidência devido a uma trombose, mas os ministros militares impediram a posse
do vice, Pedro Aleixo, que havia se posicionado contra a edição do AI-5 e
elaborado uma revisão da Constituição de 1967 — seu mandato foi extinto pelo AI-16,
decretado em 14 de outubro de 1969.
O descontentamento com a ditadura se intensificou em meados
dos anos 1970, quando começaram a pipocar os primeiros movimentos pelo fim do
regime de exceção (cito as greves
operárias no ABC Paulista, de 1978 a 1980, e o movimento
das Diretas
Já, em 1983). Coube a Geisel dar início ao processo de reabertura
política lenta,
gradual e segura, que se consumou com a eleição
indireta de Tancredo, em 1985, e a promulgação
da Constituição Cidadã, em 1988.
Como o lobo, que perde o pelo mas não larga o vício, Jânio se
candidatou ao governo de São Paulo no ano seguinte ao da sua renúncia, mas foi
derrotado por Adhemar de Barros e teve seus direitos políticos
cassados pela ditadura militar. Em 1978, já apto a disputar eleições, o
ex-presidente manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo
Maluf — gatuno
de marca maior, que passou uma temporada na Papuda, mas foi
despachado para casa graças ao
bom coração do ministro Dias Toffoli — ao governo de São Paulo.
Jânio se filiou ao PTB, que deixou 7
meses depois, para ingressar no PMDB. Como sua filiação foi
recusada pela executiva nacional da sigla, ele votou ao PTB e
tornou a disputar o governo de São Paulo em 1982, quando foi derrotado por André Franco
Montoro. Com o fim da ditadura, o manguaceiro declarou apoio a Tancredo
Neves e venceu Fernando Henrique Cardoso e Eduardo
Suplicy na disputa pela prefeitura de Sampa, contrariando os
prognósticos dos institutos de pesquisa. FHC, na condição de
primeiro colocado nas sondagens, chegou a tirar uma foto sentado na cadeira de
prefeito (que foi publicada pela Revista Veja). Na cerimônia de posse, Jânio
fez questão de ser fotografado com um tubo de inseticida nas mãos para, segundo
ele, “desinfetar a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".
Em sua derradeira empreitada político-administrativa, Jânio
repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete
(para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu o uso
de sunga e de biquini fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde ficava
a sede da prefeitura), obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro
Municipal a expulsar alunos tidos como homossexuais, mandou publicar
no Diário Oficial do Município os “bilhetinhos” que enviava a seus assessores,
aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa
do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o
filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese,
por considerar a obra desrespeitosa à fé cristã.
Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações.
Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo
público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu
gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Também se
mostrou inflexível diante de manifestações de movimentos sociais (como o MST).
Por outro lado, ele criou a Guarda Civil Metropolitana — para
reforçar o policiamento na cidade, embora seus adversários o acusassem de
utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão.
Jânio se afastou diversas vezes do cargo para cuidar
tanto da própria saúde quanto da saúde da mulher, Dona Eloá (falecida
em 1990). Ao fim de sua gestão, quando já se encontrava desgastado perante a
opinião pública (apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração), foi
acusado pelo então vereador Walter Feldmann de manter uma
conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, apoiou João
Leiva, embora Mellão Neto e Mastrobuono,
integrantes de seu secretariado, disputassem a sucessão. Dada a vitória da
então petista Luíza Erundina, ele deixou o cargo dias antes do final do
mandato para passar o réveillon em Londres (cidade pela qual era apaixonado), mas
não sem antes incumbir seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio
Lembo, de transferir o bastão para a maior calamidade travestida de alcaide
paulistano que esta cidade já viu (noves fora Fernando Haddad).
Com a saúde debilitada — em parte devido à manguaça, da
qual era fã incondicional —, Jânio declinou do convite
do PSD para disputar a presidência da República em 1989,
preferindo apoiar o pseudo caçador de marajás — um populista como ele, como
viríamos a descobrir mais adiante, da pior forma possível. Naquele mesmo ano, Jânio
anunciou sua aposentadoria definitiva da política. A morte de Dona Eloá,
no ano seguinte, contribuiu para agravar ainda mais seu estado de saúde do
velhote, que passou os últimos meses de vida entre casas de repouso e quartos
de hospitais e acabou falecendo no Hospital Israelita Albert Einstein,
em 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo decorrente de três
derrames cerebrais.
Jânio deixou de herança para a filha cerca de 70
imóveis. Ironicamente, Dirce “Tutu” Quadros chegou o
pai por corrupção — e ela parecia saber das coisas: durante
a Operação Castelo de Areia, a PF revelou
que Jânio tinha US$ 20 milhões em uma conta secreta na
Suíça. Em agosto de 1991, exatos 30 anos após abrir mão da Presidência, Jânio
confidenciou ao neto (no mesmo leito do hospital onde viria a falecer dali
a menos de 6 meses) os verdadeiros motivos de sua renúncia — não sem antes
definir a presidência como “a suprema ironia, pois por um lado era
um inferno, mas por outro era melhor que um orgasmo”). Em entrevista
concedida ao Fantástico em 1999, Jânio Quadros Neto revelou
o "segredo de Polichinelo".
Continua...
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
NÃO PODE DAR CERTO — TERCEIRA PARTE
Para tudo há limites, e a paciência desde humilde escriba não é exceção. Daí eu ter buscado um descanso do desalentador cenário político contemporâneo nesta breve regressão ao passado, onde tudo começou. Aliás, vale destacar que a inflação tupiniquim não teve início durante a ditadura militar nem na velha república. Diferentemente de como costumamos imaginar, ela remonta à época da colonização, lá pelos idos de 1577, quando se apontou em documentos oficiais um aumento no preço da arroba de açúcar provocado por um crescimento na demanda internacional, um reajuste de 18% naquele ano.
A despeito de ser bastante primitiva, a economia colonial tinha no preço de sua principal commodity o indexador de produtos e serviços, e o resultado foi um aumento em cascata no custo de vida dos então mirrados núcleos urbanos tupiniquins, o que inaugurou uma cultura inflacionária capaz de resistir por mais de 400 anos.
No decorrer dos séculos, outros episódios ligados a acontecimentos específicos provocaram surtos inflacionários, mas nada se compara aos registros modernos, quando, no final dos anos 1980, o Brasil agonizava com a realidade da hiperinflação. Em 1989, último ano do governo Sarney, o índice anual chegou a estratosféricos 1.764,8%; em 1993, durante a gestão de Itamar Franco, registrou-se o inacreditável recorde de 2.477% em doze meses.
Eram
tempos em que o dinheiro perdia o valor da noite para o dia, os salários
sofriam reajustes sem nunca recuperar de fato as perdas e as máquinas remarcadoras
de preços funcionavam sem cessar nos supermercados. A classe média recorria a
aplicações financeiras como o overnight para se proteger dos prejuízos — um
recurso inexistente para os mais pobres, que eram justamente os que mais sofriam
as consequências da escalada ensandecida dos preços.
Essa dinâmica foi encerrada em 1994, com o Plano Real — um engenhoso
e eficaz conjunto de medidas lastreadas numa nova moeda pareada com o dólar, cujos frutos foram colhidos até o final do ano passado, quando o dragão da inflação
voltou a soltar fumaça pelas ventas. A mais recente estimativa dos economistas prevê uma
taxa de 8,51% para 2001 (no acumulado do últimos 12 meses, o índice foi de
9,68% e agora bate às portas dos dois dígitos, devido, sobretudo, a aumentos diuturnos no
preço de alimentos, energia elétrica, combustíveis e gás de cozinha,
entre outros).
Não voltamos aos anos 1980, mas é nítido que a tendência inflacionária esteja dando sinais de que vai despertar. Isso se deve aos impactos econômicos produzidos pela pandemia, mas também — e principalmente — à instabilidade política gestada e parida sob a funesta gestão do mandatário de fancaria que, como um câncer, ameaça evoluir para metástase e se tornar inoperável. Uma evidência incontestável é a cotação do dólar, nas alturas graças às promessas não cumpridas feitas pelo Posto Ipiranga bolsonariano, que agora posa de sectário incondicional do bolsonarismo boçal. Mas tudo a seu tempo. Voltemos ao nosso retrospecto.
Juscelino Kubitschek de Oliveira assumiu a Presidência em 31 de janeiro de 1956 e transferiu a faixa para o populista manguaceiro Jânio da Silva Quadros exatos cinco anos depois. Nesse interregno, a raposa mineira, cujo bordão de campanha era 50 anos em 5, construiu Brasília e abriu a economia para o capital internacional, atraindo o investimento de grandes empresas — entre as quais as montadoras Ford, Volkswagen, Willys e General Motors.
JK criou uma miríade de empregos (diretos e
indiretos), mas deixou o país mais dependente do capital externo. Por outro
lado, os rios de dinheiro canalizados para a construção de uma cidade do zero, no meio do
nada, inflou barbaramente a dívida externa. Isso sem mencionar que as novas
oportunidades de emprego provocaram um êxodo rural desordenado, e a migração de
trabalhadores do campo para as cidades e de nordestinos e nortistas para grandes
capitais do sudeste prejudicou a produção agrícola e fomentou o aumento
da pobreza, da miséria e da criminalidade.
Transferir o Distrito Federal para o interior do país era uma ideia antiga, defendida desde o período colonial, e que passou por vontades políticas distintas e muitas mudanças de governo até se transformar em realidade. Não obstante, como sói acontecer em terras canarinhas, havia objetivos escusos nesse projeto.
A pretexto de contribuir para o desenvolvimento da região
Centro-Oeste — que também recebeu um grande número de migrantes nordestinos —, pretendia-se manter o centro das decisões afastado de uma região densamente povoada, de modo a reduzir a quase zero as manifestações de rua contra o governo federal.
JK enfrentou sérias dificuldades, mas conseguiu
manter boas relações com o Congresso e fazer acordos com diversos movimentos
políticos e sociais. Seu partido, o PSD, era muito representativo na
zona rural, e o presidente contava ainda com o apoio do PTB, que era
influente na zona urbana.
Em 7 de agosto de 1976, a imprensa noticiou que o ex-presidente havia morrido quando ia de sua fazenda em Luziânia (GO) para Brasília. JK havia realmente planejado a viagem, mas desistiu na última hora,
e a fazenda, na época, não tinha telefone. Quando soube dos rumores, ele disse
a seu secretário particular Serafim Jardim: "Estão querendo
me matar, mas ainda não conseguiram".
Duas semanas após o alarme falso, o Chevrolet Opala em que JK viajava colidiu violentamente com uma carreta carregada de gesso no antigo quilômetro 165 da rodovia Presidente Dutra. Especulou-se que seu motorista, Geraldo Ribeiro, tivesse perdido o controle do carro após levar um tiro na cabeça. O perito criminal Alberto de Minas declarou ter visto um buraco de tiro no crânio do motorista, mas foi impedido de fotografar pelos policiais. Segundo análise do legista Márcio Alberto Cardoso, o fragmento metálico encontrado — supostamente um projétil de arma de fogo — era um prego enferrujado do caixão.
Uma das muitas teorias conspiratórias acerca da morte de JK sustenta que um explosivo foi colocado durante uma parada no hotel-fazenda Villa-Forte, em Resende (RJ), cujo dono, brigadeiro Newton Junqueira Villa-Forte, era ligado ao SNI e tinha sido professor de Figueiredo. Outra versão diz que os freios do Opala foram sabotados. O motorista do caminhão que colidiu com o veículo que levava o ex-presidente declarou que, segundos antes da batida, viu Geraldo Ribeiro "debruçado, com a cabeça caída entre o volante e a porta do automóvel”, e que não tinha dúvidas de que "o condutor se encontrava desacordado e inconsciente, e já não controlava o veículo, antes do impacto".
Já o motorista do ônibus acusado de bater na lateral do Opala
e fazê-lo se desgovernar disse que, depois do acidente, foi procurado por dois
homens, que lhe ofereceram dinheiro para que assumisse a culpa. A versão foi
endossada por um passageiro do ônibus, segundo o qual o carro bateu numa mureta
antes de se chocar com o caminhão. Pela versão oficial, o ônibus teria
“abalroado” o veículo, desgovernando-o.
Os peritos refutaram as teses de explosão e sabotagem. Não havia resíduos de explosivo na carcaça do carro nem indícios de que o freio tivesse sido sabotado. De acordo com os laudos, o ônibus bateu de lado no Opala, mas os passageiros não perceberam porque foi um "toque sutil" para um veículo de 12 toneladas. Na época do acidente, os peritos apuraram que havia vestígios da tinta do Opala na lateral do ônibus e vice-versa. Pelas marcas dos pneus no asfalto, o motorista tentou recuperar o controle da direção antes de colidir com a carreta, o que indica que ele não estava desacordado.
A morte de JK não foi satisfatoriamente explicada até hoje, o que só reforça o fato de que o ex-presidente era temido e visado pelos militares. Por outro lado, isso não significa que ele tenha sido assassinado. Mais de trezentas mil pessoas assistiram ao funeral de JK em Brasília, onde a multidão cantou a música que o identificava o político mineiro: Peixe Vivo.
Seu corpo do ex-presidente foi exumado em 1986, mas os peritos concluíram pelo "acidente de trânsito" (mais detalhes no livro "JK, Onde Está a Verdade"). Em 2001, a Câmara Federal instituiu uma Comissão Externa para averiguar as suspeitas de assassinato, mas a conclusão foi a mesma. Em 2012, a Comissão Nacional da Verdade — que analisa os crimes políticos ocorridos entre 1946 e 1988 — decidiu rever o inquérito, mas concluiu que a morte foi acidental.
Voltemos a Jânio Quadros, depois de lecionar português e geografia em colégios tradicionais de São Paulo e direito processual penal na Faculdade Presbiteriana Mackenzie, em 1947 o demiurgo mato-grossense se elegeu suplente de vereador pelo PDC. Com a cassação dos mandatos de parlamentares do partido comunista, ele passou a titular e exerceu o cargo até 1950, quando conquistou uma cadeira na Câmara Federal. Na sequência, foi prefeito de São Paulo e governador do Estado.
Em 1958, Jânio foi eleito deputado federal pelo Paraná, mas viajou para o exterior e não participou de uma única sessão no Congresso. Ao retornar, disputou a presidência de República e obteve 48,26% dos votos, derrotando Henrique Lott (32,94%) e Adhemar de Barros (18,79%). No mesmo pleito, João Goulart, do PTB, foi reeleito vice-presidente (vale destacar que a Constituição de 1946, vigente à época, não exigia a formação de uma chapa com candidatos a presidente e vice do mesmo partido, de modo que qual era eleito em uma votação separada).
Jânio foi empossado Presidente em 31 de janeiro de 1961 e renunciou em 25 de agosto daquele ano. Durante seus seis meses e pouco no Planalto, ele se manteve em evidência criando factoides (qualquer semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência), mas jamais contou com o apoio do Congresso.
Ao perceber que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN, o então governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, arvorou-se em porta-voz da campanha contra o presidente. Não tendo como acusá-lo por corrupção — tática que havia usado contra seus dois antecessores —, Lacerda denunciou uma suposta trama palaciana e acusou o ministro da Justiça de tê-lo convidado a participar de um golpe de Estado para fechar o Congresso.
O pronunciamento, feito em 24 de agosto de 1961, foi transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão. No dia seguinte, depois de receber uma reprimenda dos três ministros militares em meio às comemorações do Dia do Soldado, Jânio apresentou sua carta-renúncia.
Em edição extraordinária, o Repórter Esso — principal noticiário da época — atribuiu a renúncia a "forças ocultas", e foi essa a versão que entrou para a história, ainda que o ex-presidente jamais tivesse proferido tais palavras. Certa vez, questionado sobre a renúncia por uma convidada durante um almoço em casa de amigos, Jânio respondeu: “Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”. E foi-se embora sem sequer se despedir do anfitrião.
Outra resposta atravessada de Jânio sobre a renúncia é a folclórica frase "Fi-lo porque qui-lo", que não passa de lenda urbana. Mas ele disse algo parecido numa reunião com os governadores, durante o anúncio de reformas educacionais, quando o ministro da Educação, pego de surpresa pelo anúncio, perguntou-lhe por que não havia sido avisado com antecedência. Jânio respondeu: “Fi-lo porque estou convencido de que é a melhor solução; fi-lo porque esta nação tem pressa e fi-lo porque sou presidente. Como vê, senhor Ministro, fi-lo porque qui-lo.”
O detalhe é que o manguaceiro dominava como poucos o idioma de Camões, e sabia melhor que ninguém que a forma correta seria "filo porque o quis".
Continua...
quinta-feira, 23 de maio de 2019
ENTRE JÂNIOS E BOLSONAROS
Nas visão de Merval Pereira, um presidente democraticamente eleito há cerca de cinco meses não precisa insuflar manifestações de apoio popular, a não ser que se sinta desconfortável com as limitações que as instituições democráticas lhe impõem. Daí a mobilização da militância ser contra o Congresso, o Judiciário e a Imprensa — justamente as instituições que têm como finalidade precípua impedir que o Executivo exorbite de seus poderes, sobretudo num regime presidencialista que dá preponderância quase imperial ao presidente da República.
quinta-feira, 16 de abril de 2020
A RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES
A exoneração de Mandetta são favas contadas. De acordo com a Folha, o ministro avisou sua equipe que Bolsonaro vai demiti-lo ainda nesta semana, mas que se comprometeu a permanecer no cargo até que seu substituto seja escolhido. Auxiliares diretos do presidente batem na tecla de que a aprovação da classe médica é essencial para que o próximo ministro possa mudar os rumos da pasta da Saúde com legitimidade da sociedade, mas a questão é que o corpo médico, em massa, apoia a postura de Mandetta. O que o ministro tem feito no Brasil é o que médicos e cientistas recomendam em todos os lugares do mundo. É o único rumo.
Dito isso, vamos adiante.
A todo momento somos forçados a tomar decisões: que roupa vestir, onde almoçar, aonde ir no final de semana, enfim... Numa encruzilhada, por exemplo, pode-se tanto dobrar à esquerda ou à direita quanto seguir em frente ou dar meia volta e retornar.
Qualquer que seja a decisão tomada e o caminho seguido, sempre haverá consequências — algumas previsíveis (até porque tomar decisões sensatas consiste justamente e sopesar os prováveis resultados), outras nem tanto (até porque o inesperado costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos). E como dizia o Conselheiro Acácio, o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois.
Para quem não sabe ou não se lembra, Jânio, "movido por forças misteriosas", renunciou à presidência 8 meses depois de assumi-la, apostando que seria reconduzido ao cargo pelo clamor popular. Mas, como se costuma dizer, o imprevisto pode ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos... Jânio apostou no cavalo errado e perdeu. E como veremos em detalhes nos próximos capítulos desta sequência, o Brasil e todos os brasileiros também perderam.
Certa vez, perguntado sobre os motivos que o levaram a renunciar, Jânio respondeu: "Fi-lo porque qui-lo". Há tantas versões sobre essa famosa frase quanto explicações para a renúncia do ex-presidente (como também veremos numa próxima postagem). A propósito, conta-se que durante um almoço em casa de amigos, uma convidada lhe perguntou o motivo que o levou a renunciar. “Renunciei porque a comida no Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim quanto a companhia daqui”, respondeu Jânio. Ato contínuo, levantou-se e deixou o recinto sem sequer se despedir do anfitrião.
Mas não há bem que sempre dure nem mal que nunca termine, e em 1974 o ditador-general Ernesto Geisel deu início a um processo gradativo de abertura política, que foi concluído no governo seguinte, já sob a batuta do também general. João Batista de Oliveira Figueiredo — que certa vez reconheceu: “Estou fazendo uma força desgraçada para ser político, mas não sei se vou me sair bem: no fundo o que gosto mesmo é de clarim e de quartel”.
Mas as frases pelas quais o ultimo-general presidente mais se notabilizou foram “prefiro o cheiro dos cavalos ao cheiro do povo“ e “se fosse criança e meu pai ganhasse salário mínimo, eu daria um tiro no coco”. Ao deixar o governo, disse sua excelência: “Que o doutor Tancredo dê ao povo o que eu não consegui. E que me esqueçam”. E se recusou a passar a faixa presidencial a Sarney (a quem considerava “ilegítimo”).
Muita água rolou desde a renúncia de Jânio até a redemocratização, de modo que é preciso fazer uma breve regressão no tempo para compreender melhor essa história. Vamos a ela.