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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

O MUI SUSPEITO E INESPERADO AMOR FRATERNO ENTRE LULA E VAVÁ


Recapitulando: Terça-feira, 29, Genival Inácio da Silva bate a caçoleta e Lula, diante da chance de fazer um necromício na chácara do vigário, pede permissão pra comparecer ao funeral. O pedido é negado em primeira e segunda instâncias. Quarta-feira, 30, faltando meia hora para o enterro, Dias Toffoli — ex-advogado de Lula promovido por ele a ministro supremo — concede a permissão, mas desde que o ex-chefe se reúna com familiares numa base militar, sem imprensa militantes, apoiadores e celulares. Sem palanque, sem comício e sem uma plateia para comover com suas lágrimas de crocodilo, Lula rejeita a oferta e passa a capitalizar politicamente “a desumana decisão” que o impediu de se despedir do “irmão querido”.

Lula foi bem representado no funeral: Gleisi Hoffmann, a lunática presidente nacional do PT, e Fernando Haddad, o incorrigível fantoche do presidiário, se não chegaram a sapatear sobre o caixão do morto — como fez Lula no enterro da mulher, em 2017 —, também não pouparam críticas a Sérgio Moro (que não teve nada com o peixe) e aos “juízes desumanos” que, segundo a narrativa petista, perseguem seu amado chefe.

Durante uma audiência, o juiz do Trabalho José Augusto Segundo Neto, da 21.ª Vara de Recife conquistou seus 15 minutos de fama ao pedir licença às partes para “manifestar suas condolências ao ex presidente da República, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, pela morte de seu irmão Genival Inácio da Silva aos 79 anos, ao tempo (sic) em que lamenta não possa sua excelência ter participado das homenagens fúnebres ao seu irmão mais velho, ato humanitário, deferido ao (sic) todos os homens, inclusive aqueles eventualmente presos”. Depois dessa tocante homenagem, o magistrado determinou o encaminhamento de cópia da ata ao Instituto Lula (talvez imaginando que, a exemplo do que ocorre na Venezuela, falte papel higiênico em São Paulo).  

Ricardo Noblat, um dos jornalistas mais petistas do país, publicou um comentário que fez jus à “nova” revista Veja, onde vem destilando seu besteirol depois que deixou O Globo: “Rasgaram a lei. E é um escárnio um dos motivos alegados pela PF para subtrair a Lula o direito de ir ao velório do irmão: seus helicópteros estão em Brumadinho. O PT se ofereceu para fretar um avião que transportaria Lula e os agentes federais, mas a oferta sequer foi nem considerada”.

Segundo os fala-merda de plantão, Lula ficou inconsolável por não poder se despedir do irmão Vavá. Mas será mesmo? Em 1978, Aristides Inácio da Silva, pai de Lula e alcoólatra inveterado, foi sepultado como indigente no cemitério de Vicente de Carvalho. Nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo.

Dois anos depois, quando era líder sindical e havia sido preso pela ditadura militar, Lula foi autorizado a comparecer ao velório da mãe, dona Lindu, onde sindicalistas e outros puxa-sacos bradavam Lula Livre e o cantor Agnaldo Timóteo pedia a prisão dos corruptos (?!). Em 2002, em plena campanha, chorou copiosamente para as câmeras de Duda Mendonça ao relembrar a morte da primeira mulher, 30 anos antes, embora não tenha esperado nem dois anos para engatilhar nova família ao lado de Marisa Letícia.

Entre 2003 e 2010, o então presidente perdeu dois irmãos — João Inácio morreu de câncer em 2004 e Odair Inácio, de enfarto em 2005 —, mas não compareceu ao enterro de nenhum deles. Segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o pulha jantava com ministros e assessores na Granja do Torto.

Não se sabe exatamente quantos irmãos teve Lula. Segundo um deles, Roberto Ferreira de Góes, o pai teve 17 filhos; pelas contas de Frei Chico, eles eram em 19; para Jackson Inácio da Silva, 25. Denise Paraná, na biografia de Lula, contabiliza 22. Mas o fato é que Lula nunca foi próximo da maioria deles sobretudo os irmãos por parte de pai. Após a separação dos pais, Lula e os irmãos Vavá e Frei Chico foram criados por dona Lindu, enquanto Aristides buscou outros relacionamentos e teve mais uma penca de filhos — com os quais Lula nunca teve grande ligação.

Em 2017, já em pré-campanha, Lula transformou o velório da ex-primeira dama em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos: ‘Na verdade, Marisa morreu triste. Porque a canalhice que fizeram com ela… E a imbecilidade e a maldade que fizeram com ela… Eu vou dedicar… Eu tenho 71 anos, não sei quando Deus me levará, acho que vou viver muito porque eu quero provar que os facínoras que levantaram leviandade com a Marisa tenham, um dia, a humildade de pedir desculpas a ela’. Em 2018, transformou sua prisão num espetáculo de circo mambembe, com direito a missa campal, showmício e utilização de sindicalistas como escudos humanos. Agora, em sua indefectível aldrabice, apregoa um suspeito e inesperado amor fraternal pelo irmão Vavá.

O PT sempre consegue surpreender e baixar ainda mais o nível. É um escárnio com os vivos e os mortos que um necromício seja aventado em público, que jornalistas de Veja o defendam sem sofrer uma chuva de e-mails exigindo sua demissão e que o Brasil ainda suporte gente que transforme defunto em arma política.

quinta-feira, 21 de julho de 2022

O DESEMPREGADO QUE DEU CERTO


 

O desempregado que deu certo (tão certo que se tornou presidente do Brasil) nasceu em 27 de outubro de 1945. Sétimo filho (noves fora outros quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pobres e analfabetos, o ungido veio ao mundo num casebre depauperado do sítio Várzea Comprida, em Caetés (então município de Garanhuns - PE). A mãe, Eurídice Ferreira de Melo, não foi assistida por uma parteira — a comadre era corpulenta e caiu do jegue a caminho do sítio — nem pelo marido — que havia "retirado" para São Paulo dois meses antes, levando a reboque uma prima adolescente da mulher, que ele havia engravidado.

Aristides Inácio da Silva só conheceu Luiz Inácio em 1950, quando voltou ao agreste para rever a família. Só então dona Lindú soube que o marido vivia com Mocinha e que tinha dois filhos com ela. Dias depois, ao voltar para Santos (SP), onde trabalhava como estivador, o pica-doce deixou a mulher grávida de Tiana (que mais adiante seria registraria como Ruth, porque o cartorário achou que Sebastiana era um nome muito feio) e levou embora o filho Jaime, futuro autor da carta que mudaria o destino da família. 
 
Aristides ditava para o filho alfabetizado as cartas em que dizia à mulher que a vida no litoral paulista estava difícil e que ela devia permanecer em Pernambuco. Numa dessas cartas, Jaime escreveu que era para a mãe e os irmãos virem para São Paulo. Castigada pela seca de 1952 e edulcorada pelas palavras do filhos, dona Lindú vendeu o barraco e os poucos teréns, deixou o cachorro com um parente, juntou a prole e tomou um "pau-de-arara" rumo à capital paulista. 

Após 13 dias espremidos no caminhão com outros retirantes, dona Lindú e os sete filhos chegaram ao bairro do Brás, de onde seguiram de trem para o litoral e foram bater à porta da casa onde Aristides morava com JaimeMocinha e dois filhos do casal. O reencontro se deu na antevéspera do Natal, mas não foi nada caloroso. 
 
Observação: Aristides era um homem rude e ignorante, que bebia muito e tratava melhor seus cachorros (ele tinha mais de 20) do que a mulher e os filhos. Segundo Lula, a primeira coisa que o pai fez ao se deparar com a família foi perguntar por Lobo (o tal cão que havia ficado no nordeste). Embora exercesse as funções de ensacador e ganhasse mais que a maioria dos estivadores, o "homem das sete mulheres" tinha amantes e uma penca de filhos para sustentar. Não espanta, portanto, que nenhuma mulher ou ex-mulher que soube de sua morte em 1978 — aos 65 anos, por cirrose hepática — e nenhum dos mais de 25 filhos espalhados país afora se interessou em tirá-lo da vala comum do cemitério da Consolação, no distrito de Vicente de Carvalho, e lhe dar um túmulo e um epitáfio.
 
Aristides ficava dois dias com uma família e dois dias com a outra, mas tratava dona Lindú e os filhos nas patas do coice. Depois de levar uma surra de mangueira do marido, a mão do predestinado subiu a serra (literalmente) e passou a morar nos fundos de um boteco na Vila Carioca (zona sul da capital paulista). Lula continuou com o pai por mais algum tempo e vendeu muita laranja e amendoim e engraxou muito sapato até finalmente ir morar com a mãe. 

Em São Paulo, o futuro presidente trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy antes de se tornar aprendiz de torneiro mecânico na Fábrica de Parafusos Marte. Em 1964, diplomado pelo Senai, empregou-se na Metalúrgica Independência, onde perdeu o dedinho da mão esquerda num acidente pra lá de esquisito — mas que lhe rendeu uma indenização Cz$ 350 mil. Na sua versão, um companheiro teria cochilado e largado o braço da prensa que lhe esmagou o dedinho. 
 
Observação: Acidentes do trabalho eram comuns naqueles tempos. Vavá (o irmão cuja morte o explorador de cadáveres não pode usar politicamente) quase perdeu uma das mãos numa algodoeira. JaimeZé Cuia também se acidentaram — um teve parte dos dedos decepados numa serralheria e o outro, que era mecânico de caminhão, teve a mão esmagada por uma máquina. Mas as probabilidades de alguém perder o dedo mínimo operando um torno mecânico, que já são remotas, caem para quase zero quando o operador é destro e o dedo em questão é da mão esquerda. 
 
Lula deixou a Independência logo depois do acidente. "Tive uma briga com um chefe. Pedi a conta", disse ele ao site ABC de Luta. Na sequência, ele se empregou como meio-oficial-torneiro na Fris-Moldu-Car, que "se apropriou" da narrativa do acidente para reivindicar relevância histórica e escapar da falência através da recuperação judicial

Observação: A empresa guarda o torno onde jura que o ex-funcionário famoso perdeu o dedo, e exibe sua ficha de empregado na recepção da fábrica. Para justificar a afirmação de que o acidente teria ocorrido em suas dependências, alega que a antiga Independência se transformou na Fris. Mas não há registros dessa aquisição nem coincidência entre as datas de funcionamento das duas empresas (mais detalhes no livro O Brasilianista Natural e o Petismo Era Lula - Volume I, escrito pelo ex-engenheiro sênior de metalurgia da CSN Lewton Verri, que conheceu Lula na década de 70). 

A versão da Fris não orna sequer com a boa recordação que supõe que o ex-empregado tenha dela. Lula foi demitido porque pegou o dinheiro das horas extras que deveria fazer no fim de semana e foi para praia: "Quando cheguei segunda-feira, queimadinho que nem um camarão — porque pobre não se bronzeia, se queima que nem camarão —, o cara: 'Por que não veio trabalhar?' 'Ah, fui pra Santos'. 'Então vai ser mandado embora'". 

Depois de seis meses desempregado, ele foi contratado pela Villares e, estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frei nem se chamava Francisco), iniciou sua trajetória sindicalista. 

Continua...

segunda-feira, 17 de junho de 2024

AINDA SOBRE O MAQUIAVEL DE MARÍLIA

Em 2009, a morte do supremo togado Menezes Direito deu ao então presidente a oportunidade de retribuir com a suprema toga os bons serviços prestados por seu AGU como advogado do Sindicato dos Metalúrgicos, consultor jurídico da CUT, assessor jurídico do PT e subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil sob José DirceuSegundo o art. 101 da Constituição, aspirantes a togados supremos devem ter mais de 35 e menos de 65 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico; segundo Lula, que se ufanava de jamais ter lido um livro na vida, seu apadrinhado ter bombado duas vezes em concursos para Juiz de Direito não constituía impedimento — opinião compartilhada pelos 59 senadores que chancelaram a indicação presidencial. 

No novo habitat, Toffoli buscou apoio em Gilmar Mendes, de quem absorveu a arrogância e a grosseria,  julgamento da ação penal 470, ele votou pela absolvição de Dirceu (que foi apontado como "chefe da quadrilha do mensalão") e pediu transferência para a 2ª Turma do STF, que ficou responsável pela Lava-Jato, assim que a
 "primeira lista de Janot" foi divulgada. Foi ele quem sugeriu tirar de Curitiba os casos não relacionados diretamente à Petrobras, foi ele quem concedeu prisão domiciliar a Paulo Maluf (a foto do turco lalau se arrastando para o camburão apoiado numa bengala merecia integrar os arquivos de dramaturgia da Rede Globo) e foi dele o pedido de vista que interrompeu a votação da limitação do foro privilegiado quando já havia maioria a favor.
 
Léo Pinheiro revelou em sua proposta de delação que a OAS executou reformas na casa do eminente ministro, mas a informação vazou e o então procurador-geral Rodrigo Janot (notório admirador do lulopetismo) melou o acordo. A Lava-Jato descobriu que um consórcio suspeito de firmar contratos viciados com a Petrobras repassou R$ 300 mil ao escritório de advocacia da esposa do magistrado, mas investigação não foi adiante, a Lava-Jato morreu, e não é de bom-tom falar mal dos mortos.
 
Em 2018, pouco antes de o mais jovem ministro do STF se tornar o mais jovem presidente do Tribunal,  J.R. Guzzo, então colunista de Veja, anotou num texto magistral que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior passaria a presidir a mais alta corte de Justiça do país. Que ele não só era uma nulidade em matéria de direito, mas também um fenômeno de suspeição e parcialidade sem paradigma no mundo civilizado, e que quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de excelência, tratavam o Brasil como um país de idiotas. 
 
No finalzinho do mês passado, o doutor em direito e ciência política e professor da USP Conrado Hübner Mendes publicou um artigo sob o título "É isto um juiz?". Em seu discurso de posse, relembrou o articulista, o magistrado afirmou que queria "enxergar um porto seguro" nessa "era de ponderações, imprevisibilidade e incertezas", mas sua falta de credenciais acadêmicas e profissionais e a atuação pouco conhecida como advogado de partido foram lembradas de modo recorrente durante sua sabatina no Senado. E não levou muito tempo para que ele revelasse seu estofo jurídico.

O eminente magistrado assumiu a presidência do STF pregando “harmonia” e invocando o papel de “mediador”, mas deixou como legado um inquérito sem fim que transformou o tribunal em polícia e censor. Ao longo de sua gestão, esmerou-se em impor travas à Lava-Jato e ao combate à corrupção. A virtude que mais confere unidade a sua trajetória não está em sua jurisprudência, mas em sua lealdade a Lula. Embora tenha negado um pedido da jornalista Mônica Bergamo para entrevistar seu padrinho na prisão, o apadrinhado mudou de posição no ano seguinte. 
 
Ao autorizar Lula a comparecer ao velório do irmão Vavá meia hora antes do enterro e determinar que ele se reunisse com os familiares numa base militar, longe da imprensa, de militantes e de celulares, sua excelência 
forneceu munição para o então presidiário mais famoso desta banânia capitalizar "a desumana decisão” que o impediu de dar o último adeus ao "irmão querido".
 
Observação: Aristides Inácio da Silva, pai de Lula, morreu de cirrose em 1978 e foi sepultado como indigente — nenhuma mulher, ex-mulher ou filho se dignou de lhe conceder um túmulo e uma lápide. Dois anos depois, durante uma breve passagem pela prisão da ditadura, o então sindicalista foi autorizado a comparecer ao velório da mãe. Durante sua primeira gestão, Lula perdeu os irmãos João InácioOdair Inácio, mas não compareceu ao enterro de nenhum dos dois (segundo o Conexão Política, enquanto o corpo do primeiro era velado, o petista jantava com ministros e assessores na Granja do Torto). Em 2017, já em pré-campanha, transformou o velório de Marisa Letícia em comício e o cadáver em arma contra seus adversários políticos. 
 
No primeiro ano do governo Bolsonaro, o ministro congelou o inquérito que investigava o primogênito do mandatário e outros 935 processos fornidos com dados do Coaf. No mesmo ano, quando ainda presidia o STFhospedou um general em seu gabinete como forma de estreitar relações, e anunciou uma nova interpretação do autoritarismo brasileiro em pleno Salão Nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco: " Hoje não me refiro mais a golpe nem a revolução, mas a movimento de 1964".
 
"Toffoli é nosso", disse o então presidente. "Muito bom termos aqui a Justiça ao nosso lado", enfatizou. Derrotado nas unas, o aspirante a tiranete foi aconselhado pelo togado a sumir: "Presidente, sua presença na cerimônia de posse só vai mostrar um país dividido, as pessoas vão vaiar" (conforme relato de Recondo e Weber no livro "O Tribunal"). 

Sua lealdade a Augusto Aras foi inspiradora. Depois de organizar livro em homenagem ao PGR, apoiar sua recondução e indeferir pedido de investigação por crime de prevaricação contra ele, que se disse "estrategicamente discreto" por arquivar mais de 70 representações contra o ex-presidente, o togado discursou na despedida: "Não fosse a responsabilidade, a paciência, a discrição e a força do silêncio de sua Excelência [referindo-se a Aras], talvez não estivéssemos aqui, não teríamos, talvez, democracia."
 
Mas o mundo gira, a Lusitana roda e não há nada como o tempo para passar. Com a volta de Lula ao Planalto, o apadrinhado ingrato vem fazendo das tripas coração para se ajustar à nova conjuntura. Durante a cerimônia diplomação do xamã petista, sussurrou-lhe ao ouvido: "Me sinto mal com aquela decisão e queria dormir nesta noite com seu perdão". Fantasiado de madalena arrependida (Caravaggio deve ter se revirado na tumba), trombeteou que "a Lava-Jato foi o "verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia" e que "a prisão de Lula foi um dos maiores erros judiciários da história do país". 

Não bastasse a vassalagem explícita, o nobre togado despejou uma enxurrada de decisões monocráticas que, entre outras coisas, suspenderam a bilionária multa do acordo de leniência da J&F, anularam todos os processos envolvendo o príncipe das empreiteiras Marcelo Odebrecht e liberaram para diferentes autoridades — inclusive do PT — o acervo completo de mensagens hackeadas de procuradores da Lava-Jato e do ex-juiz Sergio Moro.
 
Em 2016, o então senador Romero Jucá disse que "a sangria" precisava ser estancada". Enquanto se empenha no desmonte da Lava Jato, o STF faz sangrar sua credibilidade junto aos brasileiros, seja no exame colegiado de decisões monocráticas, seja no reparo ao comportamento de magistrados alheios aos autos e/ou aos ditames da ética. Que a Corte perde a majestade só parecem ter dúvidas seus integrantes, que, ao serem (de modo condenável) atacados nas ruas e nas redes, cobram respeito sem se mostrarem respeitáveis. Se a contestação ao papel supremo do Tribunal é danosa para a democracia, ruinosas são as atitudes que dão margem à confrontação. Passa da hora de se pôr um fim a tal embate, mas a iniciativa cabe a quem detém a prerrogativa constitucional de falar por último sobre o que é legal ou ilegal no país.
 
As togas não fazem um favor a si mesmas quando dão margem à interpretação de que estejam prestando favores a outrem ou obtendo vantagens de cunho pessoal. Oferecem, antes, um desserviço à coletividade aliando-se ao espírito do tempo da má educação cívica quando o ideal seria darem o exemplo oposto. Olham o panorama de cima, sem dar mostras de perceberem o tamanho da erosão sofrida na sociedade e do quanto esse desgaste por ser nocivo para a imprescindível confiança nas instituições. Na disseminação da descrença viceja o entusiasmo pela anormalidade barulhenta que confere ao autoritarismo a chance de sugerir aos incautos a pior das soluções.
 
Segundo Gilberto Freyre, o formalismo exacerbado leva os juristas a se isolarem da realidade brasileira. Mas o problema de certos ministros do STF não é o excesso de liturgia, mas, sim a falta dela. A julgar pela desfaçatez com que se dedicam a rega-bofes e encontros com o lobismo político e empresarial, algumas togas já deram alta aos psicanalistas, e o togado a quem me refiro nesta postagem é um dos que desafiam Freud e a própria sensatez. Dizer que os magistrados brasileiros perderam o contato com as pessoas que lhes pagam os salários é muito pouco para traduzir tamanha alienação. Na verdade, eles se desconectaram da realidade.
 
Houve um tempo em que eu me envergonhava de ser brasileiro. Agora, tenho nojo.

sábado, 13 de janeiro de 2024

O 8 DE JANEIRO E A POLARIZAÇÃO (CONTINUAÇÃO)


Sir Winston Churchill ensinou que "a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos", e que "o melhor argumento contra a democracia é uma conversa de cinco minutos com um eleitor mediano." Anthony Downs ensinou que ganha a eleição quem conquista o eleitor mediano, pois os candidatos de esquerda e direita têm garantidos os votos dos eleitores que comungam de suas convicções político-ideológicas.
 
Conhecido como Teorema do Eleitor Mediano, esse axioma vicejou no Brasil de 1994 até 2014, quando então a reeleição de mulher sapiens gerou uma polarização que vazou da política para as ruas. Em 2016, a insatisfação popular deu azo ao impeachment da gerentona de araque e à ascensão de Michel Temer, que prometeu um ministério de notáveis e empossou uma notável confraria de corruptos. Sua "ponte para o futuro" era de vidro e se quebrou quando O Globo publicou uma conversa de alcova gravada à sorrelfa por certo moedor de carne bilionário travestido de x-9. 
 
Alvo de três "Flechadas de Janot" — o PGR que mais adiante reconheceu ter ido armado ao STF para matar o semideus togado e se suicidar —, 
vampiro que tem medo de fantasma empenhou nossas cuecas em troca de apoio das marafonas do Centrão, mas terminou sua gestão como um patético "lame duck" — termo usado pelos americanos para definir políticos que chegam tão desgastados ao final do mandato que até os garçons demonstram seu desprezo servindo-lhes o café frio.
 
Como desgraça pouca é bobagem, desse caldeirão infernal emergiu o amálgama mal ajambrado de mau militar e parlamentar medíocre que, em 2018, fantasiado de outsider antiestablishment e surfando na onda do antipetismo, impôs ao títere
 do então presidiário mais famoso do Brasil uma derrota acachapante. 
 
Observação: Como eu antecipei numa postagem de novembro de 2021, a maldita polarização transformou o pleito de 2022 em mais plebiscito, obrigando-nos (mais uma vez) a escolher o menor de dois males (lembrando que toda má escolha feita por falta de alternativa continua sendo uma má escolha). E não há nada como o tempo para passar. 
 
Sétimo filho (noves fora quatro que "não vingaram") de um casal de lavradores pernambucanos pobres e analfabetos, Luiz Inácio da Silva nasceu em 1945, conheceu o pai aos 5 anos e retirou para São Paulo aos 7, em 1952, onde morou com o pai, a mãe e os irmãos até que uma surra de mangueira levou dona Lindú a deixar o marido alcoólatra, rude e ignorante e se mudar para um cubículo nos fundos de um boteco do bairro paulistano do Ipiranga, onde Lula trabalhou como auxiliar de tinturaria, engraxate e office-boy até se formar torneiro mecânico e perder o dedo mínimo da mão esquerda num acidente pra lá de suspeito. 
 
Observação: Vale destacar que Aristides Inácio da Silva — que foi alcunhado de "homem das sete mulheres" pelos colegas estivadores, morreu de cirrose em 1978 e foi enterrado numa vala comum: nem dona Lindú, nem as amantes, nem os vinte e tantos filhos que ele espalhou Brasil afora lhe deram um túmulo e um epitáfio. 
 
Estimulado pelo irmão Frei Chico (que não era frade, mas ateu, não se chamava Francisco, mas José, e era membro do Partido Comunista Brasileiro), Luiz Inácio iniciou sua trajetória de sindicalista e ganhou o apelido pelo qual é conhecido até hoje, mas que só incorporou depois de fundar o PT e de ficar em 4º lugar na primeira eleição direta (pós-ditadura) para governador de São Paulo. 

Falando em apelidos, Brizola — que chamava Lula de "cachaceiro" — disse em 1989 que "política é a arte de engolir sapos" — daí o epíteto "sapo barbudo". Em 2002, quando se elegeu presidente pela primeira vez (após três tentativas fracassadas), o xamã do PT ficou conhecido como "Lulinha paz e amor"; em 2006, durante a campanha pela reeleição, ganhou da adversária Heloísa Helena a alcunha de "sua majestade barbuda"; nos bastidores do Planalto, era chamado de "chefe", "grande chefe" e "nine" (numa alusão ao dedo mindinho decepado em 1964, num acidente pra lá de duvidoso); nas planilhas de propina da Odebrecht, identificado como "Amigo" e "Brahma". 
 
Observação: Em meados dos anos 1980, Golbery do Couto e Silva — ex-chefe da Casa Civil em dois governos militares, idealizador do SNI da ditadura e arquiteto da "abertura lenta, gradual e segura" — confidenciou a Emílio Odebrecht que Lula nada tinha de esquerda, que não passava de 
um bon vivant

Em 1986, Lula foi o deputado federal mais votado do país; em 1989, no segundo turno da primeira eleição direta para presidente pós-ditadura, perdeu para Fernando Collor; em 1994, foi derrotado por Fernando Henrique, que tornou a vencê-lo em 1998, sempre no primeiro turno. Em 2002, sua vitória sobre José Serra deu início ao jugo lulopetista que só terminaria 13 anos 4 meses e 12 dias depois, com o afastamento da nefelibata da mandioca. Dois meses antes, ao ser conduzido coercitivamente à PF para depor, Lula esbravejou: "Quiseram matar a jararaca, mas bateram na cabeça, bateram no rabo, e a jararaca está viva como sempre esteve". 
 
Continua... 

terça-feira, 30 de junho de 2020

OS MILITARES E A FALTA QUE FAZ UM MILLEY


A sociedade Bolsonaro & Filhos está a caminho de tornar-se apenas a fachada folclórica do processo a que assistimos bestificados. Imperioso mesmo, para quem se importa com a saúde das instituições e a sobrevivência da democracia, é prestar atenção nos militares.

Nas Páginas Amarelas da última VEJA, um dos generais do Planalto, Luiz Eduardo Ramos, afirmou: (…) é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda”. Vivemos uma quadra em que, como na ditadura, se impõe dissecar cada vírgula, nas palavras dos oficiais.

A fala do general Ramos teve ampla repercussão, com destaque para o conceito de “esticar a corda”. Merece mais atenção ainda o de “outro lado”. Quando a menção é a “esticar a corda”, vem de imediato à mente que, na modalidade, o campeão é o próprio governo. Cinco episódios recentes em que a corda foi esticada são: 1. Presença do presidente em atos pró-ditadura; 2. Exposição, na famigerada reunião ministerial de 22 de abril, da intenção de armar a população; 3. Sistemática sabotagem dos esforços de combate à pandemia de Covid-19; 4. Tentativa de fraudar os números de vítimas da pandemia; 5. Incitação à invasão de hospitais destinados a infectados. As duas primeiras convidam ao golpe e à guerra civil. A terceira e a quarta atentam contra a saúde da população. A quinta desvela uma mente insana, e todas as cinco são esticadas de corda do gênero monstruoso.

A menção ao “outro lado”, segundo tópico a ressaltar na fala do general, vale mais pelo que oculta. Se existe um “outro lado”, ao qual as Forças Armadas não permitirão que estique a corda, é porque elas ocupam o lado oposto. Estamos diante de uma confissão. A de que as Forças Armadas, contra tudo o que rege a teoria a respeito de sua natureza, têm um lado. O ministro do Luís Roberto Barroso costuma argumentar que a confusão entre governo e Forças Armadas é uma impossibilidade lógica. Se assim ocorresse, sendo o governo derrotado numa eleição, seguir-se-ia o inconcebível — as Forças Armadas serem derrotadas. O argumento falha quando se recorda que militares no governo podem: (1) cancelar eleições, como na ditadura de Getúlio, ou (2) torná-las mansas e de resultado predeterminado, como na ditadura militar.

Vivemos os trinta primeiros anos do atual período republicano sem saber o nome dos generais de plantão. O último de que tivemos notícia foi o do general Leônidas Pires Gonçalves, que deu palpites no período da transição democrática. Hoje eles voltam ao procênio, e o primeiro a fazê-lo foi o general Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército. Em abril de 2018, tempo de pré-campanha eleitoral, ele lançou nota de advertência ao STF na véspera do julgamento da legalidade da prisão em segunda instância cujo resultado poderia livrar o ex-presidente Lula da prisão. Hoje os militares crescem no governo (são quase 3000) num ritmo que ameaça o venezuelano, ao mesmo tempo que, como no período do segundo Getúlio ou de Jango, multiplicam-se seus manifestos e notas — explícitas e cafajestes da parte dos militares de pijama, ambíguas e ameaçadoras quando dos palacianos.

Que querem os militares? Eis a questão. É intuitivo supor o que não querem — a volta da esquerda ao poder. O horror do Lula parece ter substituído na cabeça deles o horror ao comunismo. Espanta que, em nome dessa causa, avalizem um tipo como Bolsonaro, e deem respaldo não só às esticadas de corda enumeradas acima como a políticas que vão da degradação do meio ambiente ao desprezo racista de camadas da população. O “bestificados” escrito na primeira frase deste texto alude ao famoso comentário do político e jornalista Aristides Lobo sobre o passeio a cavalo do marechal Deodoro que passou à história como “proclamação da República”: “O povo assistiu a tudo aquilo bestificado, atônito, surpreso (…)”. 

É uma sina do povo brasileiro assistir “bestificado” a movimentos dos militares. Falta-nos, nesta difícil hora, um general Milley, o chefe do Estado-Maior Conjunto americano que se desculpou por ter participado de uma presepada do presidente Trump. Um Milley, cioso de seu papel e da dignidade da farda, seria decisivo para a nossa democracia e iria além. Poderia salvar o próprio Exército do que ameaça se revelar uma das maiores frias de sua existência.

Texto de Roberto Pompeu de Toledo publicado em VEJA de 24 de junho de 2020, edição nº 2692

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

DURO NA QUEDA (TERCEIRA PARTE)


O último presidente denunciado no exercício do cargo foi Michel Temer, em 2017. Rodrigo Janot — que teria ido armado ao STF para dar um "tiro na cara" do ministro Gilmar Mendes e se suicidar, mas foi impedido por uma "intervenção divina", conforme ele mesmo detalhou no livro Nada Menos que Tudo — moveu dois processos contra o ex-presidente. O terceiro foi aberto por Raquel Dodge, em dezembro de 2018.
 
Antes de Janot, o último procurador-geral da República a denunciar um presidente foi Aristides Junqueira (1989-1995). A despeito de ter renunciado ao cargo horas antes julgamento, Collor foi impichado e teve os direitos políticos suspensos, mas o STF o absolveu dois anos depois. Em 2002, o caçador de marajás de araque disputou o governo de Alagoas e ficou em 2° lugar. Em 2006, foi eleito senador. Em 2010, candidatou-se novamente ao governo de Alagoas, mas foi eliminado no primeiro turno. Em abril de 2017, a PF concluiu um dos inquéritos contra ele e o acusou de peculato. Mesmo sendo réu, o "Rei-Sol" tornou a disputar o governo de Alagoas 
— e ficou em 3º lugar. O julgamento estava marcado para o dia 20 de outubro do ano em curso, mas foi adiado. Seu mandato de senador termina em fevereiro do ano que vem. 
 
Geraldo Brindeiro chefiou a PGR de 1995 a 2003. No fim do primeiro biênio, foi alcunhado de "engavetador-geral" 
— por arquivar três inquéritos contra políticos aliados do governo, retardar resposta sobre ações contra ministros e engavetar a investigação que apurava a compra de votos para a aprovação da emenda que permitiu a reeleição de FHC. Lula e Dilma não foram denunciados no cargo. A exclusão do nome do pajé do PT provocou críticas contra os ex-procuradores-gerais Antonio Fernando de Souza (2005-09) e Roberto Gurgel (2009-13), que atuaram no caso.
 
Depois que Augusto Aras assumiu o comando da PGR, em setembro de 2019, Bolsonaro foi alvo de poucas representações. O fluxo de notícias-crime aumentou com a chegada da pandemia, em março de 2020. Desde então, advogados e políticos de oposição foram ao STF pedir sua investigação por promover aglomerações, incitar o descumprimento de regras sanitárias e até retirar máscara do rosto de uma criança. Também ganharam volume os pedidos de investigação por ataques às instituições. Os mais recentes foram enviados à corte após Bolsonaro reunir embaixadores para lançar dúvidas infundadas sobre o sistema eleitoral, mas tudo indica que também esse caso acabará no gavetão de Aras.
 
Em agosto de 2021, após uma série de ataques de Bolsonaro à Justiça Eleitoral, um grupo de 27 subprocuradores-gerais elaborou manifesto pedindo ao PGR pedindo "a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo, seja mediante apuração e acusação penal, seja por manifestações que lhe são reclamadas pelo Judiciário". No mesmo mês, subprocuradores aposentados acusaram o vassalo do presidente de não cumprir sua "missão constitucional".
 
Em julho deste ano, Aras mandou arquivar sete apurações pedidas pela CPI do Genocídio contra Bolsonaro. Sob seu comando, a PGR já arquivou 104 pedidos de investigação contra o "mito" dos apatetados, que foi alvo de 151 representações no STF, sendo 131 notícias-crime (pedidos de investigação) e 20 interpelações judiciais, em geral cobrando explicações por declarações do presidente. Em dezembro do ano passado, ao responder a questionamento do STF sobre as providências tomadas diante dos ataques do presidente ao sistema eleitoral, o procurador-geral informou à ministra Cármen Lúcia que havia aberto 25 apurações preliminares contra o presidente em 2021 — nenhuma das quais evoluiu para uma acusação formal.
 
Juristas avaliam que a postura de Aras começou a ficar clara já no início da pandemia, quando ele pediu o arquivamento de petições que acusavam Bolsonaro de crimes contra a saúde pública ao promover aglomerações em manifestações e passeios pelas ruas. Sobre o incentivo ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada, a vice-PGR Lindôra Araújo argumentou que não havia tratamento para a doença e que Bolsonaro buscou uma alternativa na qual "tinha plena convicção e confiança". A respeito das atividades com aglomeração, ela concluiu que o presidente não desconsiderou a pandemia, mas avaliou que "estavam em jogo diversos outros fatores num cenário macro, como a economia do país".
Para a advogada Tania Maria de Oliveira, coordenadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, Bolsonaro cometeu "crimes encadeados" ao longo da pandemia que precisam ser vistos em conjunto.
 
Conforme foi dito nos capítulos anteriores, nenhuma denúncia foi apresentada contra o imbrochável até o presente momento. Sobre os relatos de crimes envolvendo a compra da vacina Covaxin, o PGR abriu um inquérito por determinação ministra Rosa Weber, que não aceitou o pedido de arquivamento, mas o caso foi encerrado semanas depois, quando a PGR insistiu no arquivamento. O UOL pediu à PGR comentário sobre o levantamento, a ausência de denúncias contra Bolsonaro e a cobrança por uma atuação mais incisiva do órgão, reclamação que já partiu da própria cúpula do Ministério Público Federal em Brasília. Em resposta, o órgão afirmou que as justificativas para cada arquivamento são detalhadas nos processos.
 
Continua...

terça-feira, 19 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — NONA PARTE

 

A revista Isto É que chegou às bancas na última sexta-feira traz na capa uma imagem do sumo pontífice do bolsonarismo boçal com um bigode igual ao do líder nazista Adolf Hitler, feito com a palavra “genocida”. Sectários e apoiadores do "mito" reagiram à imagem na manhã de sábado com a hashtag #istoelixo. O deputado estadual mineiro Bruno Engler postou vídeo cobrando a ação no Ministério Público por discurso de ódio: "Jornalista não é Deus. Vocês não podem fazer a merda que bem entenderem, isso aqui é crime e vocês devem responder por isso”, afirmou o parlamentar.

Outro perfil relembra várias frases do mandatário para comentar a reclamação dos seus aliados cm relação à capa da revista, entre as quais: “O GADO reclamando sobre uma capa, mas na verdade #istoelixo: O erro da ditadura foi torturar e não matar", "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff… o meu voto é sim"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável à tortura". E por aí vai.

A matéria de capa da revista trata da entrega do relatório final da CPI do Genocídio, que, de acordo com a publicação, faz o país ajustar contas com sua história. “Bolsonaro e 40 seguidores, incluindo ministros e auxiliares próximos, serão indiciados por delitos analisados e compilados por juristas. Para a efetiva punição, é necessário superar a blindagem institucional que ele conseguiu construir”, diz a reportagem.

Em sua coluna na revista, Ricardo Kertzman, que é judeu, diz que amigos seus, também judeus, indignados pela comparação, lhe perguntaram: "Como você pode aceitar isso calado". Segundo ele, nenhum desses amigos leu a matéria ilustrada pela capa — que é polêmica, sim! —, apenas se deixaram levar pelo que viram e pelo que lhes foi soprado aos ouvidos em grupos de WhatsApp (bolsonaristas, claro).

O (des)governo Bolsonaro não é nazista e o ‘mito’ não é Hitler, diz o articulista. Mas, segundo ele, as práticas e posturas bolsonaristas são semelhantes ao nazismo "Eu mesmo já escrevi a respeito e nenhum judeu, à época, me encheu o saco. Por quê?", pergunta Kertzman. Tamanha suposta indignação não tem a ver mais com preferências políticas do que com religião? O evento pregresso — a matéria em questão — não seria a verdadeira razão de tanto barulho? Como refutar o que publica a IstoÉ, se amparada em fatos reais e provas documentais? Especificamente a questão dos ‘experimentos científicos’, algo espetacularmente assombroso, que é simplesmente inquestionável?

Trazer à lembrança a imagem do demônio nazista é sempre ruim e, dentro do possível, pode e deve ser evitado. Mas quando isso não ocorre, não há motivo para revolta meramente baseada em uma inexistente equiparação. Relativizar Hitler e o nazismo é algo asqueroso. Aliás, a depender da maneira, é até crime. Inclusive no Brasil. Mas, repito: onde foi que a revista fez isso? E mais: alguém aí se lembrou das vítimas (de carne e osso) do bolsonarismo?

Kertzman conclui dizendo que, se considerasse inadequadas — sob a ótica de uma equiparação indevida e reducionista do nazismo — a capa e a matéria da IstoÉ, ele seria o primeiro a criticar a abordagem. Mas ressalta que não só não considera a reportagem e a ilustração inadequadas, como aplaude o conteúdo e felicito os autores e editores pela coragem e ousadia de chamar aquilo que lembra o nazismo pelo nome de… nazismo! Muito do que aí está se deve à leniência e ao descaso com que Bolsonaro e suas ideias e ideais foram tratados durante os quase 30 anos em que ele foi um reles deputado. Hoje, no Poder maior do País, o "mito" continua a ser quem foi.

Que cada qual tire as próprias conclusões. Dito isso, passo à matéria do dia.

Empunhando lanças contra os "marajás" e a corrupção endêmica na política, Collor derrotou Lula na eleição solteira de 1989. Sabemos agora que dava-se início, então, a uma interminável batalha entre o bem e o mal, na qual o mal é o mal e bem, ainda pior. 

Três meses após a posse de Collor, suspeitas de corrupção pairavam sobre o segundo escalão do governo, e dali para o Palácio do Planalto foi um pulo. O caçador de marajás de fancaria tinha como comparsa o folclórico Paulo César Cavalcante Farias, mais conhecido como PC, que atuou como tesoureiro na campanha collorida e passou a desempenhar com desenvoltura o papel de lobista e elemento de ligação entre o empresariado e o governo federal. Anos mais tarde, ele se transformou num arquivo vivo e foi despachado para a terra-dos-pés-juntos num assassinato seguido de suicídio que jamais seria devidamente esclarecido (detalhes mais adiante).

Collor foi engolfado pelas denúncias de corrupção em maio de 1992, depois que o irmão Pedro Collor apresentou à Revista Veja diversos documentos que indicavam corrupção no governo. Especula-se que Pedrão pleiteou uma parte do butim e não foi atendido, mas há quem diga que ele botou a boca no trombone porque descobriu que o irmão garanhão vinha arrastando a asa para sua esposa, Thereza Collor.

Ironicamente, tudo começou com um prosaico Fiat Elba pago com um "cheque-fantasma", segundo a revelação do motorista Eriberto França. Em suma, Pedro detalhou o esquema PC e o motorista revelou que dinheiro sujo fora usado não só na compra do Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e cia. roubaram no Mensalão e no Petrolão, que virou dinheiro de pinga diante da malversação de recursos públicos registrada durante a pandemia de Covid no atual governo. Mas isso é outra conversa.

A população assistiu indignada à escalada de acusações contra Collor e seu factótum, enquanto entidades civis como OABCNBBUNEUBES e centrais sindicais deflagraram o "Movimento pela Ética na Política". Em agosto de 1992, o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações de Collor com o Esquema PC

Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment — o que é uma mixaria diante dos 150 pedidos que dormitam na gaveta do deputado-réu Arthur Lira. Emparedado pelas manifestações dos caras-pintadas, o PGR de turno, Aristides Junqueira, abriu um inquérito para investigar os crimes atribuídos ao presidente, Zélia, PC FariasJorge Bandeira de Melo.  

Zélia era uma versão melhorada de Dilma — até porque nada nem ninguém foi capaz de ombrear com a gerentona de araque até Bolsonaro entrar na disputa. Mas a deslumbrada, travestida de bambambã da Economia, atuou como mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros (detalhes no capítulo anterior) e se notabilizou pelo tórrido affair que manteve com o também ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi — segundo o folclore paraense, o boto em questão surge à noite, travestido de homem galante e sedutor, para "cortejar" caboclas ribeirinhas — e, mais adiante, por ter ingressado no rol de ex-esposas de Chico Anysio, o "comediante que se casou com a piada”.

O pedido abertura do impeachment de Collor foi assinado pelos presidentes da ABI e da OAB e autorizado pela Câmara Federal, por 441 votos a favor, 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção, em 29 de setembro de 1992, e o processo foi instaurado no Senado no dia 1º de outubroCollor foi afastado do cargo no dia seguinte e penabundado em 30 de dezembro. O julgamento começou na véspera, depois que o réu apresentou sua renúncia. Seu objetivo não era escapar da cassação, que eram favas contadas, mas evitar oito anos de inelegibilidade. Por alguma razão — afinal, não há como cassar o mandato de quem a ele já renunciou, e a inabilitação ao exercício de cargos públicos é uma pena assessória, inerente à cassação — Collor foi condenado por 76 votos a 2.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, a estocadora de vento seria impichada em 31 de agosto de 2016, mas preservaria seus direitos políticos graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Senado e do STF, respectivamente Renan CalheirosRicardo Lewandowski. Palmas para a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC teve a prisão decretada, mas embarcou no Morcego Negro — pilotado por Jorge Bandeira de Mello — e se escafedeu. Após 152 dias foragido, despistando seguidamente a PF e a Interpol, e quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, PC ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe... e tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. O carequinha só seria capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu caminhando lépido e fagueiro pelas ruas de Bangkok, na Tailândia.

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Collor cumpriu sua quarentena, disputou o governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2022. Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, PC foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova do que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e era vista com frequência, ao lado do namorado recém-libertado, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os pombinhos foi tórrido. Mas durou pouco: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de 26 de junho de 1966, quando ele e Suzana foram encontrados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió, com um tiro no peito de cada um. 

Um grupo de 11 peritos — liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas — concluiu que Suzana matou o namorado enquanto ele dormia se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os quatro seguranças que guardavam a propriedade disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo após o jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já tinham ido embora, mas que não ouviram os tiros porque era época de festas juninas. 

Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos havia sido comprado por Suzana uma semana antes do crime, e pago com um cheque da conta pessoal da moça. Pessoas próximas ao casal afirmaram que PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do Esquema PC tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor ao STF numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Gustavo Bebianno, articulador da campanha de Bolsonaro à Presidência e ex-ministro da secretaria-geral da Presidência nos primeiros meses deste funesto governo, PC sabia demais, e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, George Sanguinetti, coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, ponderou que, pela localização do ferimento, posição do corpo de PC, estatura de Suzana e ângulo do disparo, “ela só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando”, e que “passional não foi o crime, e sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente na imprensa. O corpos dos pombinhos foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade. Não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. De acordo com Badan PalharesPalhares, ela media 1,67 m; segundo o novo laudo, ela tinha 10 cm a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala a partir da marca deixada na parede depois de o projétil transpassar o corpo de Suzana e concluíram que, se ela estivesse sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Ainda assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas ao casal. Mesmo de salto, a moça era mais baixa que o namorado, que media 1,63 m. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa onde o crime aconteceu foram indiciados. Da feita que Augusto exercia mandato parlamentar, seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto para defendê-los alegou falta de provas. Em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, mesmo considerando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, a hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito da moça levava à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo” e que Suzana morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Seu telefone celular jamais foi encontrado e o autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa; Relato para a história, do próprio Fernando CollorTrapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto; e O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer