HÁ
VERDADEIRAMENTE DUAS COISAS DIFERENTES: SABER E CRER QUE SE SABE. A CIÊNCIA
CONSISTE EM SABER; EM CRER QUE SE SABE RESIDE A IGNORÂNCIA.
Em 2015, a Microsoft lançou o Windows
10 como serviço e em 2016, presenteou-o com o Anniversary
Update. A partir daí, o sistema passou a receber atualizações de versão duas vezes por ano, a primeira entre abril e maio, a segunda entre setembro e outubro. Via de
regra, o update de primavera (com base nas estações do tempo no hemisfério norte) promove mudanças na interface e adiciona
novos recursos e funções ao sistema, enquanto o do outono implementa correções e
ajustes internos. Neste ano, porém, o cronograma se inverteu: a versão
21H1, que começou a ser distribuída no mês passado, não mudou muita
coisa, mas o update programado para daqui a alguns promete surpreender
(volto a esse assunto oportunamente).
Todos as atualizações do Win10 lançadas
até agora causaram aborrecimentos, em maior ou menor grau, a uma parcela de sua base de usuários. Apenas
para citar um exemplo, o patch de outubro de 2018 teve a distribuição suspensa
(tanto pelo site quanto pelo Windows Update) e retomada somente em
dezembro. Por conta disso, a Microsoft passou a distribuir os
patches de forma escalonada e devolveu aos usuários do Win10
Home Edition (o mais popular no âmbito doméstico) o controle sobre a
instalação dos updates.
A primeira medida evita que um patch bugado
que burle a vigilância dos engenheiros de software e não seja relatado pelos
integrantes do Windows
Insider antes de começar a ser distribuído afete simultaneamente toda a
base de usuários (1,3 bilhão) do Win10 — para saber mais sobre bugs,
desenvolvimento de software, versões alfa, beta etc., clique aqui.
A segunda, implementada pelo update de maio de 2019, permite postergar
atualizações por um período (que vai de 7 a 35 dias) supostamente
suficiente para a Microsoft resolver os problemas.
Voltando à edição 21H1, sua novidade mais
“visível”é feed “Notícias
e interesses” (para mais detalhes, clique aqui),
que já vinha sendo disponibilizado para usuários que receberam a atualização
preparatória KB5001391. Meu PC já tinha essa KB quando o
atualizei para a nova versão, mas a atualização opcional KB5003214 (que
instala o tal feed) só me foi oferecida uma semana depois.
Para não fugir à regra, esse patch vem aporrinhando
diversos usuários. Alguns relatam que, depois da atualização, os ícones da Barra
de Tarefas ficaram bagunçados, em branco ou sobrepostos; outros se queixam
de problemas com o ícone de rede e na central de notificações. Ícones se
movendo aleatoriamente ou desparecendo também estão entre os problemas apontados.
A Microsoft está desenvolvendo a correção, mas
ainda não informou quando a disponibilizará. Até lá, se você tiver problemas
com a KB5003214, dê um clique direito em qualquer ponto vazio da Barra
de Tarefas, aponte o mouse para Notícias e interesses, clique em Desligar
e veja se o comportamento dos ícones da Barra de Tarefas voltou ao
normal. Caso negativo:
1) Digite “editar política de grupo” (sem aspas)
no campo de buscas da Barra de Tarefas;
2) Abra o miniaplicativo Editor de Política de Grupo
Local e, em Configuração do Computador, clique na setinha à esquerda
de Modelos Administrativos;
3) Faça o mesmo com Componentes do Windows e
localize e clique em Notícias e interesses;
4) No campo Configurações, dê duplo clique em Habilitar
notícias e interesses na barra de tarefas, marque a opção Desabilitado,
clique em Aplicar, confirme em OK e reinicie o computador.
Observação: A opção Não configurado,
que vem marcada por padrão, produz o mesmo resultado que a opção Habilitado.
Se nem assim resolver, o jeito será desinstalar a KB
problemática, digite “painel” (sem aspas) no campo de pesquisas da Barra de
Tarefas, clique em “Painel de Controle aplicativo”, depois em Desinstalar
um programa > Exibir atualizações instaladas e então localize e remova a
KB5003214.
Outro caminho para desinstalar atualizações do Windows
é clicar em Iniciar > Configurações > Atualização e segurança > Exibir
histórico de Atualização> Desinstalar atualizações, localizar o
item problemático, clicar em Desinstalar e reiniciar o computador.
Também
é possível aceder ao Editor de Política de Grupo Local pelo atalho de
teclado Win+R (o sinal de “+” significa que ambas as teclas devem
ser premidas em conjunto). Na caixa de diálogo do menu Executar, digite
“gpedit.msc” (sem aspas) e clique em OK (ou pressione a tecla Enter).
O widget Notícias e interesses está disponível
para usuários das versões 1909 e posteriores do Win10. Caso ele não
apareça na área de notificação da sua Barra de Tarefas, clique
em Iniciar > Configurações > Atualizar & Segurança > Windows
Update > Verificar se há atualizações. Se ainda assim não
aparecer, talvez ele esteja desativado ou não haja espaço suficiente na Barra de Tarefas.
Observação: O pacote 1909 (November 2019
Update) deixou de ser suportado pela Microsoft no dia 11 de maio
passado, tanto no Win10Home quanto no Pro. As exceções foram as edições Enterprise e Education com atualização
1909, que deixarão de receber suporte em 10 de maio de 2022.
Para ativar o widget, dê um clique direito numa área
vazia da Barra de Tarefas e, no menu suspenso, pouse o cursor
sobre o item Notícias e interesses e selecione o modo de exibição
desejado (as opções são "Mostrar ícone e texto" e "Mostrar
apenas ícone").
Para economizar espaço na barra (que deve estar
configurada para ser exibida horizontalmente na borda inferior da tela do
monitor), escolha o modo somente ícone; para desativar o widget, marque
a opção Desligar.
Para configurar o feed de notícias, pouse o
mouse sobre o ícone do widget e clique nos três pontinhos no canto superior
direito da telinha.
Selecione "Idioma e conteúdo" para acessar
a página de configurações e escolher o idioma, os temas que serão
exibidos e os cards (painéis) informativos você quer manter (note que as
configurações são feitas obrigatoriamente pelo navegadorEdge Chromium,
que deve estar devidamente atualizado).
Clique nos três pontinhos dos cards do Clima
e do Trânsito e selecione sua localização. Para visualizar a temperatura
em graus Celsius ou Fahrenheit, clique no botão Ver a previsão
completa do painel Clima e selecione °C ou °F (isso surte efeito também no ícone da barra).
Para definir quais notícias
devem ser exibidas, clique em “Gerenciar interesses”, faça as escolhas
desejadas, torne a abrir a tela do feed e clique no ícone Atualizar feed.
Quanto mais ajustes você fizer, mais refinado seu feed ficará, pois ele tende a
"aprender" as preferências do usuário.
Quando o ponteiro do mouse pousa sobre um card
de notícias, um "x" é exibido no canto superior
direito. Clique nele para ocultar o card e informe o motivo — se você
não tem interesse no assunto ou se não gosta do órgão de imprensa que forneceu
a notícia.
A exemplo da Cortana (sobre a qual conversamos
no post anterior), o widget pode ser útil para uns e inútil para
outros, conforme o perfil e as preferências pessoais de cada um. Eu gostei da
ideia de ter em um só lugar um leque de informações que até então precisava
alternar entre sites, aplicativos e outros dispositivos para acessar, mas demorei a me acostumar com a exibição recorrente da tela do feed, que
aparece sempre que o cursor esbarra no ícone do widget. Enfim, nada é perfeito.
Para mais informações, clique nos três pontinhos (no
canto superior direito da tela do feed) e selecione a opção Dicas e truques.
QUALQUER
TOLO INTELIGENTE CONSEGUE FAZER COISAS MAIORES E MAIS COMPLEXAS, MAS É PRECISO
GENIALIDADE E MUITA CORAGEM PARA IR NA DIREÇÃO OPOSTA.
Em atenção a quem não acompanha diuturnamente minhas humildes
publicações, segue uma breve introdução ao tema que será tratado no post de hoje.
Vamos a ela.
Quando lançou o Windows 10, em meados de 2015, a
Microsoft passou a fornecer
o sistema como serviço (SaaS) e,
um ano depois, a disponibilizar updates de conteúdo com periodicidade semestral. Via
de regra, a primeira atualização do ano é liberada entre abril e maio e implementa
modificações visuais e de usabilidade. A segunda é lançada entre
setembro e outubro e foca atualizações de bastidores, correções de falhas e
otimizações em geral. Desta vez, porém, a empresa não só inverteu esse “cronograma”
como antecipou algumas das novidades (que não são muitas, diga-se) através de
patches pontuais que foram liberados ao longo do primeiro trimestre. Dito isso, passo ao assunto do dia:
A versão 21H1 do Win10 começou a ser distribuída
no último dia 18, mas de forma escalonada — ou seja, a Microsoft, por
motivos que ora não vêm ao caso, não contempla toda a base de usuários ao mesmo
tempo. Para conferir se seu sistema já foi atualizado, clique em Iniciar>Configurações>Sistema > Sobre e
confira a versão no campo Especificações do Windows. Se sua versão for a
20H2 ou anterior, retorne à janela das Configurações, clique em
Atualização e Segurança > Windows Update> Verificar se há
atualizações. Se a ferramenta não encontrar nada, repita esse procedimento daqui
a alguns dias ou acesse a
página de downloads do Windows 10 e “force” a atualização para a versão
21H1 (como eu fiz na última quarta-feira).
As tão esperadas modificações visuais — menus
exibidos em janelas flutuantes, por exemplo — ficaram mesmo para a versão 21H2 (ou Windows
10 Sun Valley), que será lançada no segundo semestre. Mas a novidade que mais
me interessava — o
feed de notícias personalizável na da Barra de Tarefas, que a Microsoft
já vinha distribuindo para usuários das versões 1909 e posteriores que
instalaram a atualização cumulativa lançada no mês passado — simplesmente não apareceu.
Talvez eu receba dois quando atualizar meu note (o problema será transferir o excedente para o desktop, mas isso é outra conversa).
Brincadeiras à parte, a Microsoft informa que a atualização KB5001391 prepara o computador
para o recurso “Notícias e interesses na barra de tarefas do Windows 10”,
mas salienta que “We are taking a phased and measured approach and broad availability will occur in the coming months”, ou seja, a ativação está sendo distribuída em fases para os usuários. Então, o jeito é aguardar.
Observação: A página que detalha a atualizaçãodescreve o recurso da seguinte maneira: “Com notícias e interesses na barra
de tarefas do Windows, obtemos acesso rápido a um feed integrado de conteúdos
dinâmicos, como notícias, meteorologia, desporto, entre outros, que são
atualizados ao longo do dia. Pode personalizar o seu feed com conteúdos
relevantes personalizados para si. Nas próximas semanas, poderá ver o seu feed
diretamente a partir da barra de tarefas ao longo do dia sem perturbar o seu
fluxo de trabalho. Para obter mais informações, consulte conteúdo
personalizado de relance: Apresentamos notícias e interesses na barra de Windows
10 de tarefas.”
Como eu antecipei, esse update trouxe
poucas mudanças na interface ou nas funcionalidades do Win10, mas
implementou diversas correções e otimizações para o sistema propriamente dito. No
âmbito das alterações “visíveis” destaca-se o tal feed de notícias — que
na verdade é um widget
adicionado à área de notificação (a porção mais à direita da Barra de
Tarefas, que antigamente era chamada de “bandeja do sistema” ou “sistray”).
Observação: O botãozinho exibe a temperatura em tempo real, mas basta clicar nele para ter acesso à previsão do tempo e informações como a cotação da
Bolsa, a situação do trânsito e outras que podem ser configuradas a gosto do
freguês. Também é possível sumir com ele (através da janela das Configurações)
ou deixar apenas as informações sobre o clima. Volto a esse assunto quando o widget finalmente aparecer na minha Barra de Tarefas.
Quanto às demais inovações, tornou-se possível definir
uma câmera externa — que não seja a nativa do computador) como padrão no Windows
Hello (ferramenta de segurança que é usada para fazer o login no
sistema).
O Windows
Defender Application Guard (WDAG) recebeu melhorias de
desempenho e novas opções de segurança para administradores, além de ter ficado
mais ágil na abertura de documentos.
Resolvi publicar a sequência histórica iniciada no post
do último dia 9 devido ao desalento — não sei se o termo define a sensação que tenho ao acompanhar o noticiário, sobretudo a parte que trata da
política tupiniquim, mas não me ocorre outro melhor diante de um país que vai
de mal a pior.
Li certa vez que furacões e tempestades tropicais são batizados
a partir de uma lista de 126 nomes escolhidos pelo comitê da Organização Meteorológica Mundial
e repetidos em um ciclo de 6 anos. E que, desde a implantação dessa lista, 67
nomes já foram retirados — o primeiro foi Hazel, em 1954, e o últimos
foram Dennis, Katrina, Rita, Stan e Wilma,
na violenta temporada de 2005. Talvez fosse a hora de incluir Bolsonaro em tão seleta confraria.
Durante seis meses, o Brasil acompanhou o desenrolar da mais
importante CPI da história desta banânia desde sua redemocratização. Reconheço
que a visibilidade proporcionada pela transmissão ao vivo dos depoimentos e
embates acalorados transformou alguns senadores desconhecidos em celebridades
instantâneas, resgatou a imagem de outros e serviu de palanque eleitoral para a
grande maioria. Mas é impossível negar que o relatório foi devastador para a
imagem do governo como um todo — e para o Sultão do Bolsonaristão em
particular.
Em quase 1.200 páginas,
o senador Renan Calheiros enumerou uma teia de ações e omissões
do governo, listando uma série de decisões equivocadas, exemplos de
incompetência, suspeitas de corrupção e inúmeras situações que ressaltam o
negacionismo e a pregação oficial contra as medidas de prevenção à doença. São
acusações sérias e precisam ser investigadas. Para que todo esse trabalho não
se perca, e imperativo que a encenação política dê agora lugar à realidade e os
fatos ocupem o lugar das teorias.
Convencido pelos colegas, o relator suprimiu o crime de “genocídio”
— até porque exageros motivados por conveniências políticas podem fragilizar a
credibilidade do relatório e comprometer todo o árduo trabalho dos senadores. A
princípio, Renan solicitou o indiciamento de Bolsonaro e outras
65 pessoas — entre as quais 4 ministros do governo (Marcelo Queiroga, Onyx
Lorenzoni, Wagner Rosário e Braga Netto), três ex-ministros (Eduardo
Pazuello, Ernesto Araújo e Osmar Terra) e 3 filhos do
presidente (Flávio, Eduardo e Carlos Bolsonaro). Na versão
atualizada ontem, porém, já havia
81 nomes, sendo 79 de pessoas físicas e dois de pessoas jurídicas.
É a primeira vez na história que uma comissão parlamentar aponta uma lista de
delitos tão extensa atribuídos a um presidente da República.
O relator destaca em seu parecer que Bolsonaro agiu
de modo consciente e sistemático contra os interesses do Brasil, colaborou
fortemente para a propagação da Covid, foi responsável por erros de
gestão e tinha interesse em encorajar os brasileiros a se expor ao contágio sem
proteção, para que pudessem ser infectados pelo vírus sem barreiras. "A
população inteira foi deliberadamente submetida aos efeitos da pandemia, com a
intenção de atingir a imunidade de rebanho por contágio e poupar a economia, o
que configura um ataque generalizado e sistemático no qual o governo tentou,
conscientemente, espalhar a doença", diz o relatório em um dos trechos,
segundo matéria
publicada em O Globo.
O relatório está sendo votado enquanto eu rabisco estas
linhas. Em entrevista à CNN Brasil, o senador Randolfe Rodrigues,
vice-presidente da Comissão, afirmou que Bolsonaro é mencionado 80 vezes
e lidera a lista dos supostos crimes com nove citações. Uma vez aprovadas pela
Comissão, as propostas de indiciamento devem ser encaminhadas ao Ministério
Público e à Câmara dos Deputados. O documento traz ainda 17
propostas legislativas, entre as quais a de instituição dos crimes de
extermínio e de criação e disseminação de fake news, bem como de
alterar a lei 1079/1950, estabelecendo um prazo de 30 dias, prorrogável
por igual período, para manifestação do presidente da Câmara dos Deputados
sobre pedidos de impeachment contra o presidente da República, e
determinando que, uma vez cumpridos os requisitos legais, o recebimento da
denúncia será deferido.
Atualização: Deu a lógica: o relatório foi aprovado pelo G7 e rechaçado pelos governistas Moe, Larry e Curly e por um coió autodeclarado "independente", que admitiu que Bolsonaro "errou ao provocar aglomerações e ao dar declarações infelizes sobre a vacina", mas votou contra mesmo assim, afirmando que o relator "se perdeu, errou a mão". Renan, por seu turno, caprichou: "Há um homicida no Palácio do Planalto". Para o senador alagoano, Bolsonaro agiu como “missionário enlouquecido para matar o próprio povo”, e “bestas feras” tentaram ameaçar a Comissão, mas não obtiveram sucesso.
Na manhã de ontem, a lista de indiciados chegou a 79 pessoas. A pedido do senador Alessandro Vieira, o relator incluiu o nome do também senador Luis Carlos Heinze — defensor incondicional da eficácia do "tratamento precoce" e bobagens que tais. Ao final, Vieira voltou atrás (ainda que a contragosto), e Renan acolheu sua solicitação. O relatório deve ser apresentado ao presidente do Senado e encaminhado à PGR na manhã desta quarta-feira. Aras havia dito disse que não será omisso diante dos fatos levantados pela comissão — caso ele não dê sequência às investigações, os senadores estudam cogitam de ingressar com uma ação penal privada subsidiária no STF.
Em sua última manifestação na CPI, o sujo criticou o mal lavado, ou melhor, o senador Flávio "Rachadinha" Bolsonaro leu uma relação de 21 crimes “supostamente cometidos” por Renan durante a pandemia, entre eles o de “perseguição”, e disse que o relatório final era uma “peça política”.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro, de maneira absolutamente irresponsável, colocou o governo na contramão de praticamente todas as recomendações feitas pelas autoridades sanitárias. Foi contra o isolamento social e a obrigatoriedade do uso de máscaras, demorou a comprar as vacinas, infringiu reiteradamente as medidas sanitárias impostas pelos governadores e prefeitos, praticou curandeirismo e charlatanismo, estimulou a população a se aglomerar, incentivou a produção de medicamentos reconhecidamente ineficazes contra a Covid, e por aí segue a procissão. A CPI ouviu vários depoimentos que mostraram ações explícitas de negacionismo e pregação oficial contra as medidas de prevenção, além de obter relatos de omissões que podem ter ampliado a contaminação e o número de mortes.
A despeito do que reza a Constituição de 1988 — que o
próprio Ulysses Guimarães reconheceu ser
imperfeita, tanto que admitia reforma —, não pode caber apenas ao
presidente da Câmara a última palavra sobre os pedidos de impeachment; é
preciso criar uma comissão permanente para avaliar as solicitações ou atribuir
a outra já existente essa função. Para além disso, diferentemente das decisões
de arquivamento de inquéritos determinadas por procuradores e promotores — que
são submetidas a revisão —, as do procurador-geral da República são
"soberanas". E o atual, Augusto Aras, disputa com Geraldo
Brindeiro o epíteto de "engavetador-geral
da República". Para mudar essa vergonha, o relator incluiu uma PEC
que prevê que o procedimento seja seguido "inclusive pelo chefe do
Ministério Público", ou seja, pelo procurador-geral de plantão.
Não faltam motivos para considerarmos o governo Bolsonaro
o pior da história recente — eu achava a nefelibata da mandioca
insuperável, mas o capitão conseguiu me surpreender. Claro que a escolha feita
pelo sempre mui esclarecido eleitorado tupiniquim, no primeiro turno do pleito
de 2018, não nos deixou alternativa que não apoiar o "furação Bolsonaro"
no segundo. Até porque o bonifrate do então presidiário de Curitiba
jamais foi uma opção. Mal sabíamos nós, então, que não tardaríamos a comprovar (da
pior maneira possível) o quão acertado é o adágio segundo o qual "quem
semeia ventos colhe tempestades". Que Deus nos ajude no ano que vem,
se ainda houver um Brasil no ano que vem.
Como diz outro aforismo, "o que começa mal acaba mal".
Mas eu não esperava que esse "mal" pudesse ser "tão pior".
Em fevereiro de 2019, dias antes de Bolsonaro completar 2 meses no cargo
para o qual ele
próprio reconheceu que não foi talhado, eu comentei que me causava
espécie o fato de muitos que defendiam o governo se comportarem nas redes
sociais como petistas
de sinal trocado, como se não tivessem se dado conta de que a disputa
eleitoral terminara, que o treino acabara e que o jogo havia começado, embora o
próprio presidente desse sinais de continuar em campanha. Pena eu não ter feito
uma fezinha no jogo do bicho naquele dia. Segue um excerto da postagem:
"Não há como não ficar apreensivo diante da
ingerência da prole real no governo federal, como se viu no lamentável episódio
que resultou na exoneração do coordenador de campanha, advogado e
pau-pra-toda-obra, Gustavo Bebianno. Escolher seus ministros e
demiti-los a qualquer tempo é prerrogativa do presidente, mas não é aceitável
ele transformar uma questão de somenos numa aula magna sobre as misérias
políticas do governo. (...)Apoiar Bolsonaro no comando
desta nau de insensatos é fundamental. Torcer contra e sabotar projetos
importantes, como a PEC da Previdência e o pacote de medidas
anticrime e anticorrupção, é coisa da escória inconformada com a derrota do
ventríloquo e seu boneco, de quem não se poderia esperar comportamento
diferente (...), mas daí a aplaudir as asnices do governo vai uma longo
distância. (...)Para além do manifesto despreparo e do 'estilo despojado' de Bolsonaro —
que beira o ridículo quando ele se deixa fotografar, numa reunião de cúpula
sobre a reforma da previdência, trajando uma camiseta pirata do
Palmeiras e calçando chinelos Rider —, a constante preocupação do
presidente com supostas conspirações orquestradas por adversários reais e
imaginários gera um clima de desconfiança e incerteza sobre seu processo mental
e sua sistemática atuação em relação aos filhos. Talvez a imagem tosca que ele
transmite seja uma construção planejada e conscientemente administrada, mas daí
a ter um compromisso deliberado com o mau gosto..."
Dois anos e sete meses depois, durante a reunião do G20
em NYC, Bolsonaro voltou a demonstrar que não tem a menor noção
da liturgia do cargo. Para além de outras barbaridades, ele sua comitiva de
puxa-sacos foram fotografados como uma trupe de indigentes comendo
pizza em pé, na calçada. Como bem lembrou o ex-ministro Maílson da
Nóbrega em sua coluna na edição de Veja desta semana, o cargo de
presidente da República tem alto valor simbólico — o modo como ele discursa, se
veste e se dirige ao público repercute, e dele se esperam compostura,
tolerância, sobriedade, temperança e autocontrole.
Bolsonaro não deveria calçar chinelos de plástico em
público, nem receber autoridades trajando camisetas de clubes de futebol. Nada
a ver com elitismo. Na democracia representativa, pressupõe-se que a eleição é
um processo de seleção de pessoas da elite com atributos para o trato da coisa
pública. Isso implica a percepção da liturgia e do significado do exercício do
poder, requerendo posturas compatíveis com essas qualificações. Foi assim com George
Washington.
Herói épico da vitória na Guerra da Independência
contra a Inglaterra, o líder político, militar e estadista norte-americano
renunciou à remuneração de comandante das tropas. Liderou com equilíbrio,
firmeza e dignidade a assembleia que escreveu a Constituição. Lá, perguntado se
o chefe do governo deveria ser tratado como “Sua Alteza”, optou por
chamá-lo simplesmente de “Senhor Presidente”, como é até hoje. A força
de seu caráter foi fundamental para a aprovação do texto final e para sua
ratificação pelos treze estados originais.
Eleito por unanimidade pelo Colégio Eleitoral, Washington
pensou nos mínimos detalhes quando se deslocou, em 1789, de Mount Vernon para
Nova York, onde tomaria posse do cargo (a cidade foi a capital entre 1785 e
1790). Avaliava que cada gesto e cada ação criariam precedentes para os
próximos governos. No discurso de posse, declarou que gostaria de renunciar a
seus honorários. Seu desprendimento não resistiu à lógica. Não foi atendido
nessa pretensão. Se fosse assim, somente os ricos, como ele era, poderiam
exercer a Presidência.
Washington foi um mestre na arte da liturgia do
cargo. O termo denomina os ritos e as cerimônias das igrejas cristãs, mas a
área política adotou a ideia por seu conteúdo solene. Bolsonaro é o
antípoda de Washington. Voltando ao lamentável episódio da pizza, houve
quem idealizasse a cena como o retrato de um presidente autêntico, mas o que se
viu ali se viu desleixo e comportamento lamentáveis.
Altos servidores precisam dar-se ao respeito. Washington
foi talvez o presidente que mais honrou o cargo. Aqui, o desapreço de Bolsonaro
pela forma como procede na Presidência bem diz de seu despreparo para ocupar a
posição mais excelsa desta banânia. Vituperar aos berros as instituições — como
fez na Avenida Paulista no último dia 7 de setembro —, chamar de canalha um
ministro do STF e arvorar-se de rei medieval ao dizer que não cumpriria
determinação judicial são provas eloquentes de seu destempero e desequilíbrio.
São muitos os casos de comportamento reprovável. Não é
estranho, pois, que Bolsonaro não se preocupe em seguir, com bons modos,
a liturgia do cargo. Estranho é que ele ainda continue ocupando o cargo. Vamos
esperar que o relatório da CPI mude alguma coisa. Aturar esse indigitado
por mais catorze meses, ninguém merece. Nem mesmo quem votou nele.
Retomo amanhã a sequência histórica a que me referi no início deste texto.
Jair Messias Bolsonaronasceu no município paulista de Campinas, cursou a Academia Militar das Agulhas Negras e se formou em Educação Física e
mestre em saltos pela Brigada Paraquedista do Rio de Janeiro.Em 1986, quando
servia no 8º Grupo de
Artilharia de Campanha, ganhou projeção nacional ao escrever, na seção Ponto
de Vista da revista Veja, o artigo intitulado “O salário estábaixo”. A insubordinação lhe rendeu 15 dias de prisão e 150
telegramas de solidariedade das mais variadas regiões do país, além do apoio de
oficiais e de mulheres de oficiais, que realizaram manifestação defronte ao
complexo militar da Praia Vermelha, no Rio.
No ano seguinte, Veja noticiou a invasão da prefeitura de
Apucarana (PR) pelo capitão Luís Fernando Valter de Almeida — que, à frente
de 50 homens, leu manifesto contra os baixos salários das forças armadas — e
divulgou um plano em que Bolsonaro e o também capitão Fábio Passos da
Silva pretendiam “explodir bombas em várias unidades da Vila
Militar, da Academia Militar das Agulhas Negras (...) e em vários quartéis” (a operação só seria executada se o reajuste concedido aos militares
ficasse abaixo de 60%, e serviria para “assustar” o ministro do Exército).
Os capitães “negaram
peremptoriamente, da maneira mais veemente, por escrito, do próprio punho,
qualquer veracidade daquela informação”, mas, após o surgimento de
provas documentais (na ocasião da reportagem realizada na Vila Militar, Bolsonaro
havia desenhado um croqui, no qual, de forma didática, explicara à repórter o
funcionamento de uma carga de dinamite) e depoimentos testemunhais, o ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves, deu sinal verde para uma sindicância que concluiu que os insurretos deveriam
ser expulsos das forças armadas. Ainda assim, o Superior Tribunal Militar acolheu
a tese da defesa, segundo a qual os acusados "foram vítimas de um processo viciado", e a expulsão dos capitães não aconteceu. Mas a carreira
militar de ambos terminou ali.
Bolsonaro passou para a reserva e chegou
a cogitar de trabalhar como limpador de casco de navio, aproveitando o curso de
mergulho que fizera anos antes, mas sua notória aversão ao batente levou-o a aproveitar a repercussão de sua reforma nos meios
militares para se eleger vereador pelo e, na
sequência, deputado federal, ambas as vezes pelo PDC. Em 1993, ajudou a fundar o PPR — fruto
da fusão do PDC com o PDS — e voltou a provocar polêmica ao defender o retorno
do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso.
Observação: A
despeito da evidente contradição, o deputado que defendia o fechamento do
Congresso — dizendo que preferia “sobreviver no regime militar a morrer
nesta democracia” — tornou a se candidatar em 1994 e foi reeleito com 135 mil votos. O TRE-RJ
anulou a eleição por suspeita de fraude e realizou um novo pleito, mas Bolsonaro
confirmou sua reeleição e foi empossado em fevereiro do ano seguinte.
Em agosto de 1995, com a criação do PPB — resultado da fusão do PPR
com o PP —, Bolsonaro migrou para a nova agremiação e foi
reeleito, em 1988, com 102.893 votos. Em junho de 1999, a Mesa Diretora da Câmara decidiu
propor ao plenário sua suspensão por um mês, por ter defendido o fechamento do
Congresso e afirmado que “a situação do país seria melhor se a ditadura
tivesse matado mais gente”, incluindo o presidente Fernando Henrique
Cardoso. Acabou que a Mesa recebeu uma retratação e decidiu aplicar apenas
uma censura, mas voltou atrás quando Bolsonaro alegou que sua assinatura
havia sido falsificada. Mesmo assim, a proposta nunca chegou a ser votada pelo
plenário da Câmara.
Questionado por empregar em seu gabinete a companheira Ana
Cristina Vale, o pai e a irmã dela, Bolsonaro alegou que estava
se divorciando e argumentou que, por não ser casado com Ana Cristina, a
contratação não caracterizava nepotismo. Em dezembro, durante um almoço de
desagravo ao ex-comandante da Aeronáutica, Walter Braüer,
o ex-capitão defendeu o fuzilamento do presidente Fernando Henrique Cardoso
— chegando mesmo a dizer que o fuzilamento era até “algo honroso para certas
pessoas”. O líder do governo na Câmara pediu a cassação de seu mandato, mas,
mais uma vez, a proposta nunca chegou ao plenário da casa.
No início de 2000, Bolsonaro defendeu a pena de
morte para qualquer crime premeditado e a tortura em casos de tráfico de
drogas. Atacou os homossexuais, dizendo não “admitir abrir a
porta do meu apartamento e topar com um casal gay se despedindo com beijo na
boca, e meu filho assistindo a isso”, e seguiu defendendo os interesses das
FFAA. Inconformado com o aumento da ingerência civil sobre os
militares a partir da criação do Ministério da Defesa pelo governo FHC,
chamou o ministro de “canalha”, “patife” e “imoral”,
acusou-o de postergar o reajuste dos militares e de estar “servindo aos
interesses dos EUA no país”.
Reeleito em 2002 com 88.945 votos, nosso herói declarou-se contrário à reforma da previdência. Trocou o PPB pelo
PTB, que deixou em 2005 para se filiar ao PFL, que deixou meses
depois para ingressar no PP (nova denominação do PPB, sua antiga legenda).
Quando Roberto Jefferson denunciou o esquema do mensalão, Bolsonaro endureceu
seus ataques ao PT e aos políticos do partido envolvidos nos escândalos.
Chamou José Dirceu de “terrorista” e José Genoíno
de “delator”. Chegou mesmo a levar à CPI do Mensalão o coronel reformado
Lício Augusto Ribeiro Maciel, responsável pela prisão e interrogatório do
petista em 1972, para desmentir a versão de que ele teria sido torturado para
entregar os companheiros.
Em outubro de 2005, por ocasião do referendo sobre a
comercialização de armas de fogo, Bolsonaro, crítico contumaz das
campanhas de desarmamento anteriores, mandou confeccionar cartazes com frases
como “O exército do PT é o MST” e “Entregue suas
armas: os vagabundos agradecem”, e posicionou-se entre os defensores e
organizadores da campanha do “não”, dizendo ser favorável “ao
desarmamento, sim, mas dos bandidos”
(ao final, venceram
os partidários do “não”, com 63% dos votos).
Reeleito para o quinto mandato consecutivo com 99.700 votos,
Bolsonaro se envolveu em mais uma polêmica, dessa vez por
conta da situação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, no estado de
Roraima. Na ocasião, o representante indígena no debate atirou água no ex-capitão.
Em 2009, o PCdoB entrou com representação contra ele, por quebra de
decoro.
Reeleito em 2010 com 120.646 votos, Bolsonaro
foi candidato à presidência da Câmara e obteve 9 votos — contra 375 do
parlamentar eleito, Marco Maia, 106 de Sandro Mabel e 16 de Chico
Alencar. Em abril de 2011, criticou o que batizou de “kit gay” e
atacou o deputado homossexual Jean Willys (“Eu não teria orgulho
de ter um filho como você”). No mês seguinte, meteu-se em nova polêmica
envolvendo o projeto de lei que criminalizava a homofobia.
Em 2014, já de olho
no Palácio do Planalto e diante da recusa de Ciro Nogueira, dono PP,
em lançar sua candidatura à Presidência, filiou-se ao PSC. Como a sigla também não lhe fez a vontade, reelegeu-se mais uma vez deputado
federal (com 464 mil votos). Durante o impeachment de Dilma, dedicou
seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como
torturador durante a ditadura militar, o que lhe rendeu mais uma denúncia ao
Conselho de Ética da Câmara (dessa vez por apologia à tortura).
Em 2017, concorreu
novamente à presidência da Câmara, mas obteve míseros quatro votos (o vencedor
foi Rodrigo Maia). Ainda em 2017, sem garantias sobre o lançamento de
sua candidatura ao Planalto, cogitou de migrar para o PSDC e chegou a
assinar um compromisso de filiação ao PEN.
Em 2018, Gustavo Bebianno articulou a filiação de Bolsonaro
e filhos e ao PSL de Luciano Bivar. Na condição de pré-candidato
à Presidência, o ainda deputado se dedicou a fazer campanha Brasil afora. Sua candidatura foi oficializada em julho de 2018 e recebeu o apoio
formal do PRTB, que indicou como postulante a vice o general Hamilton
Mourão. À época, Bolsonaro ressaltou que, embora não tivesse amplas
estruturas partidárias e dispusesse de pouco tempo
de propaganda na televisão, confiava na espontaneidade dos seus apoiadores, que
se mobilizariam em plataformas digitais e viabilizariam uma campanha massiva,
mas de baixo custo.
No evento de lançamento da candidatura ao Planalto,
defendeu a fusão de ministérios, a privatização de braços da Petrobras e o fim da "indústria de multas", fazendo referência às estradas e também a órgãos
associados à defesa do meio ambiente e à fiscalização de condições de trabalho.
Foram lançadas ainda as candidaturas dos filhos 01 ao Senado e 03
à Câmara Federal (o primeiro pelo Rio de Janeiro e o segundo por São Paulo).
Nas pesquisas divulgadas ao longo de 2018, o candidato do PSL chegou
a ser apontado como o segundo na preferência dos eleitores, atrás apenas do presidiário Lula,
que ainda recorria da condição de inelegível, embora já apontasse o duble de
poste e bonifrate Fernando Haddad como seu preposto. Iniciada
oficialmente a campanha, Bolsonaro seguiu com sua agenda de
viagens pelo Brasil até ser esfaqueado, internado e submetido a uma série de intervenções cirúrgicas. O
caso teve ampla repercussão e não só colocou o candidato em evidência como lhe
serviu de pretexto para escapar dos debates televisivos.
Tendo o antipetismo como principal cabo eleitoral, Bolsonaro
confirmou sua liderança no primeiro turno (e ajudou a eleger diversos parlamentares e que o apoiaram em campanha — entre os quais os filhos Flávio Rachadinha, que conquistou uma cadeira no Senado, e Eduardo Bananinha, que passou a integrar a segunda maior bancada na Câmara Federal) e derrotou Haddad
no segundo, (com 55% dos votos
válidos) eleger.
Na condição de presidente eleito, iniciou
as tratativas para composição de seu quadro ministerial, que prometeu balizar
por critérios técnicos (e não ideológicos). Empossado em 1 de Janeiro
de 2019, defendeu ampla agenda de reformas, assumiu compromissos com o combate
à criminalidade e à ideologia de gênero, alardeou um modelo conservador e
tradicional para a "família", implementou um mote com os dizeres "Mais
Brasil e menos Brasília" e defendeu o porte de armas, o excludente
de ilicitude e o livre mercado como diretriz econômica. E deu no que deu.
Bolsonaro foi casado com Rogéria Nantes Nunes Braga Bolsonaro,
vereadora no Rio de Janeiro entre 1993 e 2001 — com quem teve os filhos Flávio,
Carlos e Eduardo, que também seguiram pelo política —, contraiu
segundas núpcias com Ana Cristina Vale, com quem teve outro filho (Jair
Renan), e, em 2007, com Michele Bolsonaro, com quem teve a menina Laura, hoje com 11 anos de idade.
No âmbito judicial, o "mito" éinvestigado em seis inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito (esse no TSE) investiga ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado. Por último, mas não menos importante: dos cinco filhos que o capitão teve em três casamentos, quatro são investigados pela PF (a exceção fica por conta da caçula).
FONTES: Portal da Câmara dos Deputados; Portal do
Estado de São Paulo; Portal da Folha de São Paulo; Portal O Globo; Portal
Jornal do Brasil; Portal IstoÉ; Portal Veja; Portal do Tribunal Superior
Eleitoral; Portal de notícias do Jornal Extra; Portal do El País; Portal
do jornal Estado de Minas.
Jânio Quadros, mato-grossense de nascimento, cresceu em Curitiba (PR), formou-se em Direito pela USP (Faculdade do Largo de São Francisco) e, antes de ingressar na política, em 1947, quando se elegeu suplente de vereador pelo Partido Democrata Cristão, lecionou português e geografia em colégios tradicionais de São Paulo e direito processual penal na Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Com a cassação dos mandatos de parlamentares do partido
comunista (PCB), passou a titular e exerceu o cargo até 1950, quando conquistou uma cadeira na Câmara Federal.
Na sequência, foi prefeito de São Paulo e governador
do Estado. Em 1958, concorreu a deputado federal pelo Paraná evenceu, mas viajou para o exterior e não participou de uma única sessão no Congresso.
Ao retornar, disputou a presidência de República e obteve 48,26% dos votos,
derrotando Henrique Lott (32,94%) e Adhemar de Barros (18,79%). João Goulart, do PTB, foi
reeleito vice-presidente (note que a Constituição de 1946, vigente àquela
época,não exigia a formação de uma chapa com candidatos a presidente e
vice do mesmo partido, e cada qual era eleito em uma votação separada).
Jânio foi empossado Presidente em 31 de janeiro de
1961 e renunciou
sete meses depois, em 25 de agosto. Durante seu breve mandato, como bom
populista que era, manteve-se em evidência criando factoides (qualquer
semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência). Proibiu o uso
do maiô e do biquíni em concursos de Miss e do lança-perfume
nos bailes de carnaval, a exibição de anúncios nos intervalos das
sessões de cinema e as rinhas de galo em todo o território nacional, e foi à televisão exibir os grossos
calhamaços que eram as edições de domingo dos jornais Estado de São
Paulo e Jornal do Brasil — a pretexto de travar uma
cruzada contra o desperdício de papel, que à época era importado. Determinou ao Estado-maior do Exército que estudasse um plano
de invasão das Guianas, enviou o vice-presidente à China, em missão extraordinária, e um grupo comandado pelo jornalista João Dantas, diretor do Diário de Notícias, à
área socialista. Como se não bastasse, condecorou o líder da revolução cubana Che Guevara com
a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Nada
disso agradou aos parlamentares — é bom lembrar que, a exemplo de Collor,
nos anos 1990, e de Dilma, no início da década atual (e, por que não
dizer, de JairBolsonaro, pelo menos até se agarrar ao Centrão para não ser expelido do cargo), Jânio nunca contou com o apoio do Congresso. Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, percebeu que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN e se colocou como porta-voz da campanha contra o presidente.
Não tendo como acusar Jânio por corrupção — tática que havia usado contra
seus dois antecessores — Lacerda, em discurso feito em 24 de agosto de
1961 e transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, denunciou uma
suposta trama palaciana e acusou o ministro da Justiça de tê-lo convidado a
participar de um golpe de estado para fechar o Congresso. No dia seguinte
depois de receber uma reprimenda dos três ministros militares durante as
comemorações do Dia do Soldado, Jânio apresentou sua carta-renúncia — cujo teor eu reproduzo a seguir:
"Fui vencido pela reação e assim
deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e
noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas
baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua
verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o
progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
"Desejei um Brasil para os
brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que
subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de
indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis
levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de
colaboração.
"Se permanecesse, não manteria a
confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da
minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
"Encerro, assim, com o
pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários,
para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional.
A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio com um agradecimento e um
apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram
dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta
exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no
sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus
patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente assim seremos dignos
deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa
predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor.
Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria."
Brasília, 25 de agosto de 1961.
Jânio Quadros"
Em edição extraordinária, o Repórter
Esso — que era ouvido por nove entre dez brasileiros, naquela época — atribuiu a renúncia a
"forças ocultas". Jânio jamais disse isso com todas as letras, mas essa versão entrou para a história e deixava o ex-presidente muito irritado quando era perguntado sobre ela. Certa vez, durante um almoço em casa de amigos, questionado por uma convidada, Jânio respondeu: “Renunciei porque a comida no
Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim
quanto a companhia daqui”. E foi-se embora sem sequer se despedir do anfitrião.
Outra resposta atravessada que Jânio teria dado sobre a renúncia é a famosa "Fi-lo porque qui-lo", mas isso não passa de lenda urbana. Na verdade, a frase teria sido dita
numa reunião com os governadores, quando o então presidente anunciou algumas
reformas educacionais que pegaram de surpresa seu ministro da Educação. Após o
almoço, o ministro perguntou a Jânio por que tomara as tais medias sem
avisá-lo com antecedência, e a resposta foi: “Fi-lo porque estou convencido
de que é a melhor solução; fi-lo porque esta nação tem pressa e fi-lo porque
sou presidente. Como vê, senhor Ministro,fi-lo porque qui-lo.”
Na última Copa do Mundo, de tanto tentar cavar faltas, Neymar
Cai-Cai passou mais tempo deitado no gramado do que exibindo em campo a
expertise que o consagrou no esporte bretão. Guardadas as devidas proporções, a
estratégia do craque tem sido emulada por ninguém menos que nosso conspícuo presidente, Jair Messias Bolsonaro.
Quando não cava pênaltis a favor do adversário, o “mito”
cava a própria cova no jogo político, fazendo uma sucessão de gols-contra
jamais vista na história de um país onde faltam máscaras para os profissionais
da saúde e leitos para os doentes, mas abundam políticos
ignóbeis, despreparados e corruptos, bem como descerebrados munidos de título de
eleitor e vocacionados a fazer sempre as piores escolhas. Junte-se a fome à vontade de comer e...
Nunca na história deste país tivemos um estadista na
presidência. Talvez Rui Barbosa ou o Barão do Rio Branco pudessem
ser considerados como tal, mas nenhum deles presidiu o Brasil. Em
contrapartida, populistas vicejaram como ervas daninhas. Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor e Lula são
apenas alguns dos muitos exemplos, além, é claro, do atual inquilino do Palácio
do Planalto — avalizado por quase 48 milhões de votos.
Observação: Bolsonaro foi eleito devido
a uma conjunção de fatores. Entre os mais determinantes, vale citar a
competência do advogado Gustavo Bebianno e do publicitário Marcos
Carvalho na articulação e coordenação da campanha, mas também pesaram, e
muito, a ação do dublê de garçom e esfaqueador Adélio Bispo de Oliveira, e o tradicional brilhantismo do eleitorado tupiniquim. Resumido o leque de postulantes ao bonifrate do
criminoso Lula e seu maior opositor, à parcela pensante da
população restou uma de duas singelas opções: votar em branco, anular o voto ou
simplesmente se abster (como fizeram 42 milhões de eleitores), ou
unir forças com os bolsomínions, não para eleger o capitão, mas para impedir o
retorno do PT. Claro que ninguém imaginava (não àquela altura) a que
ponto chegariam as aleivosias bolsonarianas. Nem a turminha do “quanto pior,
melhor”, que pintava com as cores do Apocalipse
de João uma possível vitória do truculento, racista, misógino,
homofóbico, fascista e desnaturado candidato do PSL. Mas até aí, como
dizia o saudoso João Gilberto, “vaia de bêbado não vale”.
Na sequência sobre a renúncia de Jânio Quadros —
que comecei a publicar em meados de abril, mas não conclui devido à enxurrada
de crises bolsonarianas —, relembrei que o dito cujo pediu o boné com a esperança de ser reconduzido ao cargo por aclamação popular e, empoderado, pintar e
bordar sem interferência do Congresso. Além de mal sucedido, seu
plano megalômano deu azo a uma aventura parlamentarista que durou 15 meses e
pavimentou o caminho para o golpe de 1964 e os subsequentes 21 anos de ditadura militar.
Lembrei também o gradual processo de
abertura política, a rejeição da emenda pró-diretas(Dante de Oliveira), a eleição indireta de Tancredo Neves e a morte inesperada e inoportuna
daquele que levou consigo para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros, e deixou-lhes
de herança José Sarney, oligarca da política de cabresto nordestina e
eterno donatário da Capitania do Maranhão. Discorri sobre a desditosa gestão desse
macróbio (hoje com 90 anos e afastado da vida pública, embora ainda influente
na política), que terminou com a inflação batendo às portas dos 2.000% ao ano. Na
sequência, dediquei algumas linhas à eleição solteira de 1989, na qual os
brasileiros voltaram a escolher seu presidente pelo voto direto (o que não
acontecia desde 1960). E aqui abro um parêntese para algumas reflexões:
A eleição de 2018 foi, sob muitos aspectos, semelhante à de
1989. Em ambas houve mais de vinte postulantes à presidência; ambas foram
decidias no segundo turno pelos dois candidatos diametralmente opostos no
espectro político-ideológico; ambas foram vencidas pelo representante da direita, filiados, em ambas as ocasiões, a partidos nanicos e inexpressivos; ambos agitaram a bandeira da moralidade e posaram de inimigos figadais da corrupção e dos corruptos. Mas
ambos eram populistas e farsantes (se me perdoam a redundância), e não demorou
para que suas máscaras caíssem.
O candidato do PT e seus satélites seria derrotado
outras duas vezes antes de finalmente se eleger, mas sua ambição desmedida, seu ego
gigantesco e seu espúrio projeto de se eternizar no poder foram sua perdição. O
impeachment da gerentona de araque, que o imprestável escolheu para manter o trono aquecido
até que ele próprio pudesse voltar a ocupá-lo pontofinalizou 13 anos, quatro meses e
doze dias de roubalheira lulopetista. Mesmo condenado em dois processos, réu em
pelo menos outros oito e inelegível até 2035, o demiurgo de Garanhuns se fez representar por
um patético bonifrate no pleito do 2018. Mas deu no que deu.
Voltando aos
candidatos eleitos, o de 1989 foi denunciado por corrupção e renunciou
horas antes de ser cassado (sua ideia era preservar ao menos os direitos
políticos, mas o Congresso os caçou mesmo assim). O atual... bem, ele ainda é inquilino
dos Palácio do Planalto e todos o conhecemos bem — e vamos conhecendo cada vez melhor, pois dia sim, outro também, surgem novidades nada abonadoras
sobre essa alma perturbada. E assim fecho o parêntese.
No capítulo mais recente da série sobre a renúncia de Jânio, foquei o vice do
impichado em 1992 — Itamar Franco —, que só escapou da liquidação quando
finalmente promoveu o grão duque tucano FHC a ministro da Fazenda e primeiro-ministro
informal, resignando-se a posar de presidente decorativo. Considerando que
certas coisas tendem a se repetir de forma cíclica, Bolsonaro que se
cuide: Rodrigo Maia vem acompanhado atentamente o esvoaçar dos
urubus que rondam o Planalto, atraídos pelo cheiro da putrefação que emana do que não demora a se tornar os restos mortais deste governo.
Infelizmente, faltou-me tempo para tratar dos dois mandatos
de FHC, das gestões de Lula e Dilma, do mandato-tampão (completado
a duras penas) do vampiro do Jaburu e da ascensão (e possível queda iminente) do
mau
militar e parlamentar medíocre que ocupa atualmente o gabinete mais
cobiçado do Palácio do Planalto, cujas ignomínias me impediram de concluir a
sequência inacabada. Mas fá-lo-ei assim que der. Antes de
encerrar, mais algumas linhas e outras tantas considerações.
Enquanto o STF exibe um leque de cartões amarelos a Bolsonaro, o incorrigível,o presidente da Câmara continua sentado sobre trinta e tantos
pedidos de impeachment — a pretexto de o momento não ser oportuno; afinal,
estamos em plena pandemia da Covid-19 e amargando uma crise econômica madrasta. Mas o capitão se aproveita da pusilanimidade dos outros
poderes para tentar agigantar os próprios.
O ministro Alexandre de Moraes suspendeu a nomeação
do delegado Alexander Ramagem para o comando da PF, o que provocou uma enxurrada de críticas do presidente ao Supremo e ao Congresso em manifestações subversivas
de apoiadores, articuladas sabe Deus por quem. Vale lembrar que ao “desnomear” o
delegado camarada o
próprio Bolsonaro propiciou a perda de objeto da ação que o PDT
apresentou e sobre a qual Moraes decidiu. No final da tarde da última
segunda-feira, porém,sua insolência nomeou e empossou, na surdina e
a toque de caixa, o delegado Rolando de Souza, braço direito de Ramagem.
O coordenador nacional do MBL, Rubens
Alberto Gatti Nunes, entrou com ação popular junto à 8ª Vara Federal Cível
do Distrito Federal pedindo a suspensão imediata da nomeação. Na ação, Nunes
alega que o presidente escolheu “terceiro alinhado a seus interesses
escusos, como ficou evidenciado em seu primeiro ato após empossado” — a
troca no comando da PF do Rio, área de interesse de Bolsonaro
e seus filhos — e classifica a manobra como uma 'patente burla' à
decisão do ministro Alexandre de Moraes, que barrou a nomeação de Ramagem,
de quem a Folhagem, digo, o delegado Rolando é pessoa de
confiança, o que caracteriza intenção evidente de manter a influência do
primeiro indicado, cuja nomeação foi anulada.
Nunes pede ainda a suspensão imediata da nomeação de em caráter liminar e no
mérito, além da declaração de nulidade do ato de nomeação do novo diretor-geral
da PF, alegando que o 'perigo
de dano é iminente' sob o argumento de que a nomeação deRolando coloca
em risco a continuidade de investigações em andamento, especificamente no caso
dos filhos do Presidente da República, além de parlamentares investigados e
mencionados pelo próprio Requerido em mensagem ao Ministro Moro.
Bolsonaro está preocupado com investigações, sobretudo
o inquérito das fake news, que poderia atingir seus filhos e até mesmo
servidores que atuam no chamado gabinete do ódio. Também lhe causam apreensão a investigação de fatos em tese delituosos envolvendo a
organização de atos antidemocráticos e a apuração sobre as rachadinhasno antigo gabinete do filho Zero Um na Alerj.
"Indiscutivelmente a medida em comento (a
nomeação de Rolando) apunhala não apenas os princípios da moralidade
e legalidade, mas a moral de todo brasileiro o qual deposita a confiança e fé
nas instituições públicas e as vê sendo vilipendiadas por interesses familiares
em favor do "Rei", que se porta acima de tudo, acima do bem e do mal
e imune às normas legais vigentes no país", alega o coordenador do MBL. A AGU se manifestou nos autos, pedindo a intimação da
Procuradoria-Regional da União da 1ª Região para que seja apresentada
manifestação prévia sobre o pedido de tutela antecipada.
Após ser empossado, Rolando convidou o
superintendente do Rio, Carlos Henrique Oliveira, para assumir a direção-executiva
da PF, o que o coloca como número dois do novo diretor. A promoção (que foi um "cair para cima", como se diz no jargão político) foi
vista por delegados como uma forma 'estratégica' de trocar o comando da Polícia
Federal fluminense. No pedido enviado a Justiça, Nunes aborda parte
dos desdobramentos do pedido de demissão do ex-ministro Sérgio Moro.
"O problema é que nas conversas com o presidente e
isso ele me disse expressamente, que o problema não é só a troca do
diretor-geral. Haveria intenção de trocar superintendentes, novamente o do Rio,
outros provavelmente viriam em seguida, como o de Pernambuco, sem que fosse me
apresentado uma razão para realizar esses tipos de substituições que fossem
aceitáveis", disse o ex-ministro da Justiça, ao pedir demissão do cargo.
A superintendência no Rio foi pivô da primeira crise entre o Moro e o presidente ainda em 2019. A troca na chefia é um dos pontos
centrais do inquérito sobre as acusações feitas pelo ex-ministro a Bolsonaro.
Na última segunda-feira, como foi mencionado na postagem anterior, Aras solicitou ao decano do STF uma série de diligências no âmbito da investigação,
incluindo a oitiva de delegados envolvidos na crise entre Moro e Bolsonaro
no ano passado. Nos bastidores, Bolsonaro disse que não compraria
mais uma briga com o Supremo depois que o ministro Alexandre viu “desvio
de finalidade” naquela indicação. Volto a frisar que Moraes também investiga as manifestações subversivas organizadas por apoiadores de Bolsonaro e tem sob sua
alçada o inquérito das fake news.
Na prática, uma tempestade perfeita se forma na
direção de Bolsonaro. As nuvens trazem crise política misturada à
turbulência econômica, além de uma grave pandemia de coronavírus no meio do
caminho. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não
faço milagre”, afirmou Bolsonaro no último dia 28, ao responder a
perguntas de repórteres sobre o fato de o Brasil ter ultrapassado a China em
número de mortes pela Covid-19.
Desde que Moro deixou o governo, levantando suspeitas de que o presidente tinha (e pelo visto continua
tendo) interesse em interferir politicamente na PF, tudo parece
levar ao agravamento da sucessão de crises. Agora, o problema não é apenas
“cortar o combustível do Posto Ipiranga”, como disse o ex-ministro da Fazenda Delfim
Netto em entrevista à Coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy. O mais grave é que o próprio Bolsonaro,
insuflado pela ala ideológica do governo, joga gasolina na crise. Apesar de desconfiar de tudo e de todos, espalhando até
boatos para aliados, com o intuito de identificar quem “vaza” notícias no
Planalto, o capitão é cego como uma toupeira quando se trata de enxergar
tempestades de grandes proporções no horizonte. Mas sua visão é acurada como a
de um falcão quando se trata de ver conspirações (reais ou imaginárias). “É
muita trovoada para pouca chuva”, resumiu o presidente. Só que não.
Se a troca de Moro
por André Mendonça no Ministério da Justiça foi bem recebida no Supremo,
o mesmo não se deu com a substituição de Valeixo na PF. Bolsonaro já admitiu mais uma vez que sempre cobrou
de Moro relatórios diários de inteligência, sob o argumento de que
precisa de informações para administrar o País. Disse, ainda, que a Abin
lhe repassava esses dados. “Não é justo um presidente viver numa situação
dessas. Eu não quero saber de inquérito de ninguém. Não estou sendo investigado”,
disse ele. Não estava, mas agora está. Na segunda-feira, 27, o ministro Celso de
Mello autorizou abertura do inquérito, e no sábado passado Moro
prestou depoimento durante mais de oito horas, além de fornecer seu celular
para que sejam feitas cópias da troca de mensagem entre ele e o presidente e a deputada Carla Zambelli (para não espichar ainda mais esta
postagem, veja trechos do conteúdo do depoimento do ex-ministro neste
link).
Ao se dirigir a apoiadores que rezavam por ele (?!) na
portaria do Palácio da Alvorada, na noite do último dia 28, Bolsonaro calibrou o discurso de campanha. “Eu sou uma das pessoas que mais apanham.
Dói no coração”, reclamou. Antes de se despedir, pediu que os jornalistas
se apressassem nas perguntas. “Se não a mulher me cobra aí. E eu vou dormir
na casa do cachorro”, afirmou, rindo.
Uma coisa são os pecados e as virtudes do presidente Bolsonaro. Outra, muito diferente e que pode afetar diretamente os
interesses dos cidadãos brasileiros, é o que vai realmente acontecer com sua presidência — algo que pode se resumir, no fundo, a uma pergunta só: ele fica
ou ele sai? A primeira coisa é a mais debatida, claro, com paixão, som e fúria.
Mas presidentes da República, segundo estabelece a lei, não saem do palácio por
causa daquilo que fazem de mal, e nem ficam por causa do que fazem de bem. Saem
ou ficam segundo a decisão específica que o Congresso tomar a esse
respeito. Não vale a pena perder tempo olhando para outro lugar; se você perde
a chave do carro no jardim, não vai encontrar nunca se for procurar no quintal.
É ali, no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que tudo vai se
resolver.
No mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a China em número
de mortos pela Covid-19, a Secretaria de Comunicação da Presidência postou
mensagem sobre “números amplamente positivos” do combate à doença no Placar
da Vida. Com um solavanco atrás do outro na República, ninguém se arrisca a
prever as cenas do próximo capítulo.
Bolsonaro não será julgado pelo que dizem os
analistas políticos, a sociedade civil ou o Tribunal Internacional
de Haia; será julgado por 513 deputados e 81 senadores, no Congresso
Nacional.
Albert Einstein
dizia que o universo e a estupidez humana são infinitos (mas, no
tocante ao universo, ele não estava 100% convencido) e Karl Marx, que a
história sempre se repete como tragédia ou farsa. Diante de tanta estupidez, fica mais difícil a cada dia distinguir tragédia de farsa num país em que
o passado se harmoniza em toda a sua mediocridade.
Se há um elemento que não se pode subestimar, atualmente, é o
limite da estupidez humana. Vivesse no Brasil de hoje e não na França do
século XVII, Descartes
teria dito “penso, logo desisto” em vez de “penso, logo existo”. Como
não há nada mais frustrante do que tentar ver a realidade sob o prisma da
lógica, o pensamento
cartesiano foi descartado.
Nas manifestações do último dia sete (e em outros protestos
antidemocráticos que aconteceram antes delas), bolsonaristas boçais pugnavam pela
volta dos "anos
de chumbo" — um passado que a maioria deles jamais conheceu e,
portanto, não sabe (ou sabe apenas pelos livros de história) o que foi a ditadura
militar implementada pelo golpe
de Estado de 1964. Em atenção a essa récua, relembro que a
renúncia de Jânio Quadros (em 25 de agosto de 1961) deu azo à
malsucedida experiência parlamentarista que resultou na deposição do vice de Jânio,
João Goulart e guindou ao
Planalto o marechal Humberto
de AlencarCastello Branco.
Ao longo dos 21 anos seguintes, outros quatro estrelados
presidiram esta banânia — Artur
da Costa e Silva, EmílioGarrastazuMédici,Ernesto Beckmann GeiseleJoão
Baptista de Oliveira Figueiredo, nessa ordem. Em 1974, porém, Geisel deu
início a um lento processo de reabertura que propiciou a eleição (indireta) de Tancredo
Neves (em 1995). Mas o fim da ditadura não foi uma “consequência natural do
espírito democrático” do "alemão" e de seu sucessor, nem tampouco
transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso.
Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses
Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a Presidência pelo PMDB, mas
acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney
— entregou a Tancredo um
programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em
todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e
dos transportes, entre outras benesses.
Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam
pelo dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro presidente civil da
"Nova República". Mas o que deveria ser uma festa da democracia transformou-se
em luto nacional: Tancredo foi internado na véspera da
cerimônia e faleceu 38 dias e 7 cirurgias depois — em 21 de abril, que,
ironicamente, homenageia Tiradentes, o "Mártir da
Independência".
Depois de algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade
de o então presidente da Câmara Federal (Ulysses Guimarães) assumir o
posto, foi acertado que José Sarney — vice na chapa de Tancredo
— seria empossado. E foi o que aconteceu, conforme eu também já comentei em
outras oportunidades.
O Brasil polarizado pelo execrável discurso lulista do
"nós contra eles" vem reproduzindo uma frase que estava na
boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia
em marcha lenta pareciam raras: “Na época dos militares era
melhor”, dizem os que sequer tinham nascido e, portanto, ignoram a
repressão e a filtragem de notícias negativas à ditadura.
Por alguma razão que escapa ao meu limitado entendimento,
jovens apoiadores da tragédia em forma de gente que (ainda) ocupa o Palácio do
Planalto parecem acreditar que no
tempo do regime militar o Brasil era mais alentador — ideia que seu
"mito" alimenta tecendo elogios aos anos de chumbo. Entre os
argumentos mais utilizados por essa ospália está a conquista do "milagre
econômico", que teria ocorrido entre 1968 e 1973.
De fato, naquela época o Brasil conseguiu crescer
exponencialmente — cerca de 10% ao ano — e atingir, em 1973, uma marca recorde
do PIB, que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado de uma forte queda
de inflação — a taxa medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP)
caiu de 25,5% para 15,6% no período.
O que não se explica diante desse número, entretanto, é o
fato de o crescimento ter sido muito bom para banqueiros e empresários, mas
ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os
militares mudaram a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação,
levando a perdas reais para a população em geral.
A melhora na atividade econômica se explica pela conjuntura
mundial mais favorável, que oferecia crédito externo farto e barato e favorecia
a criação de novos postos de emprego no mercado formal e a expansão do consumo
interno. Mas o "milagre" se deveu principalmente ao dinheiro
proveniente de multinacionais — que encontraram no Brasil um terreno propício
para a expansão sob a tutela dos militares — e de empréstimos advindos de
fundos internacionais.
Por outro lado, a concentração de renda também aumentou
muito naquele período, fazendo com que a desigualdade social conhecesse atingisse
patamares nunca antes alcançados, e os altos índices de crescimento do PIB
não produziram uma melhora nos indicadores sociais — o índice
Giniquase quadruplicou entre 1964 e 1977. E o investimento maciço dos
governos militares na industrialização resultou no êxodo rural — segundo o IBGE,
apenas 16% da população morava no interior do país em 2010).
Para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e
desenvolver o mercado de créditos, a gestão de Castello
Branco adotou um ambicioso programa de reformas (Plano de Ação
Econômica do Governo) que criou diversos mecanismos de incentivo às
exportações, mas foi no governo Médici, com Antonio Delfim Netto à
frente do ministério da Fazenda, que o projeto econômico mirou o crescimento
rápido, com destaque para indústria automobilística e grandes obras de
infraestrutura, como a construção da Ponte Rio-Niterói (que começou em
1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada RodoviaTransamazônica.
No início dos anos 1970, a crise do petróleo,
resultante de conflitos entre países membros Opep, elevou o preço do
barril de US$ 3 para US$ 11,60, castigando drasticamente países
importadores, como era o caso do Brasil, e quebrando o modelo econômico baseado
no alto endividamento externo. Como a estabilidade econômica era um argumento
essencial para a manutenção do governo militar, os economistas chapa-branca decidiram
que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, ainda que se
endividando cada vez mais.
Foi nesse cenário que o Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (IIPND), mais ousado que o primeiro, investiu especialmente
na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobrás, por exemplo, ganhou
subsidiárias, e a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, visando tornar
o país independente da importação de energia, gerar renda através da produção
própria e se valer de parte dessa renda para quitar a dívida externa.
Como o imprevisível costuma ter voto decisivo na assembleia
dos acontecimentos, a crise se prolongou além do previsto e a conta do
crescimento baseado em um alto grau de endividamento ficou
para a redemocratização. Quando os fardados voltaram para a caserna, em
1984, a dívida externa tupiniquim representava 54% do PIB — vinte anos
antes, por ocasião do golpe militar, esse percentual correspondia a 15,7% do
PIB. Como não poderia deixar de ser, a inflação disparou, chegando a 223%
em 1985 e a 1782% durante o malfadado governo Sarney.
Outro falácia tão escabrosa quanto a de ter acabado com a Lava-Jato
porquenão
existe mais corrupção no governo é a de que não havia corrupção durante
a gestão dos militares. No mundo real atual, o sem-número de fatos que
estão apurados por investigações
que miram Bolsonaro e quatro de seus cinco filhos, as relações
promíscuas do clã-presidencial com milicianos e toda sorte de cambalachos descobertos
pela CPI do Genocídio falam por si.
No mundo real dos tempos de antanho,
foi durante a ditadura militar que as relações espúrias entre órgãos públicos e
interesses privados mais floresceram, tanto porque não havia investigação quanto
porque os censores chapa-branca não permitiam a publicação de notícias desfavoráveis
ao governo.