Texto pulicado originalmente por Lillian Witte Fibe em
seu Blog hospedado no site de Veja.
Impávida diante da pressão dos poderosos que saqueiam os
cofres públicos nos governos e nos legislativos, sem medo dos bilionários que
enriqueceram mamando nas tetas do contribuinte, a corporação tem dado um show
atrás do outro. Show de competência, de eficiência, de inteligência, e, tanto
quanto possível, longe dos holofotes.
O capítulo prisão de Lula, transmitido ao vivo e a cores,
foi um teste de fogo. No último sábado, 7, a PF não poderia ter dado prova de mais civilidade: executou uma
ordem judicial que parecia impossível, especialmente diante daquela parede
humana no sindicato do ABC que a impedia de se mover. Não usou um cassetete.
Nada. Parecia o FBI que a gente vê nos filmes.
Dias atrás, mais e mais atividades no combate ao crime.Roubo
de servidores municipais― operação na rua com 20 mandados de prisão em
sete estados à caça de ladrões da aposentadoria que deveria prover a velhice de
quem é cotista de 28 fundos de previdência. Lava-Jato e fundos
de pensão, de novo eles. Entre os presos, Marcelo Sereno, velho conhecido do primeiro escalão do PT, de quem foi assessor tido em alta
conta. Ordem do juiz Marcelo Bretas,
executada em São Paulo, Rio e Brasília.Bolsa
família, fraudes em Alagoas.
E por aí vai.
Sério, se nós, eleitores, não reconhecermos, nas eleições de
outubro, o que a Polícia Federal, o
Ministério Público
e o Poder Judiciário vêm fazendo
para melhorar o Brasil de nossos filhos e netos, não teremos nova chance tão
cedo. Tanto criticamos quem erra, mente e rouba, que é preciso olhar para o
lado ótimo do país. Desde o império, a corrupção endêmica foi quase que
anestesiando nosso senso de cidadania.
Não dá mais. E fora da democracia, não tem solução.
Tudo em que Lula encosta a mão, já há muito tempo, fica estragado na hora. Neste seu momento de desgraça, quando não podia mais evitar a prisão e sua única saída era tentar manter a cabeça erguida, fez o contrário – baixou a cabeça e acabou entrando na cadeia como um homem pequeno. Teve a oportunidade plena de fazer alguma coisa mais decente. Foi ajudado pela gentileza extrema da Polícia Federal e demais autoridades encarregadas de cumprir a ordem judicial, que lhe deram todo o tempo do mundo para preparar uma apresentação às autoridades que tivesse um pouco mais de compostura. Foi tratado com uma paciência que não está à disposição de nenhum outro brasileiro. Teve o privilégio de uma “negociação” sem pé nem cabeça para se entregar, como se o cumprimento da ordem dependesse da sua concordância. Mas acabou, apenas, estragando tudo. Conseguiu tornar a sua biografia, que já está para lá de ruim, ainda pior – este capítulo da sua ida para o xadrez, condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concorre, certamente, para ser um dos piores da sua triste passagem pela política brasileira.
O PT, a esquerda em geral e o próprio Lula imaginavam, talvez, uma despedida com mais cara de cinema, ou pelo menos de novela de televisão. O problema, como sempre acontece, é que esses planos bonitos exigem coragem para ser colocados em prática. E onde encontrar coragem, na hora de enfrentar a dureza? Nada de Salvador Allende e de sua heroica resistência até a morte, no Palácio de La Moneda em Santiago do Chile, onde enfrentou à bala a tropa do exército chileno que veio prendê-lo. Allende? Imaginem. O que o brasileiro viu pela televisão, durante as vinte e tantas horas de tumulto que se seguiram ao prazo concedido para o ex-presidente se apresentar à prisão, foi um homem confuso, vacilante, amedrontado, tentando pequenas espertezas – nada que lembrasse um líder em modo de “resistência”. Uma hora parecia querer uma coisa. Dali dez minutos estava querendo o contrário. Sua “trincheira” durante as horas que antecederam a prisão, o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, não era uma trincheira de verdade. Entravam engradados de cerveja, sacos de carvão e carne para churrasco. E que trincheira é esta, que só resiste porque a tropa do outro lado não aparece? Lula, mais uma vez, ficou fingindo que queria briga – mas amarelou, como sempre, na hora em que teria mesmo de ir para o pau.
O único gesto do ex-presidente e o seu entorno foi aproveitar a moleza da polícia encarregada de prendê-lo para dar a impressão de que ele se “recusava” a ser preso. Não se recusava coisa nenhuma – só ficou entocado dentro do prédio porque a Polícia Federal não foi buscá-lo. Que valentia existe nisso? O que houve de verdade, na vida real, foi o arrasta-pé de um político assustado, sem ação e obcecado com a própria pele, escondendo-se atrás da moita para ver se a confusão passa e ele pode sair ao céu aberto. As últimas horas que Lula passou em seu esconderijo, antes de tomar o avião que enfim o levou já preso para Curitiba, deixaram claro, também, que nem ele e nem toda a estrutura do seu partido tinham a menor noção do que estavam fazendo. Não tinham um plano, A, B ou C. Não tinham uma única ideia a respeito do que fazer. Não tinham nada. Até a última hora, na verdade, não imaginavam que fosse expedida, realmente, uma ordem de prisão contra ele; não conseguiam acreditar, simplesmente, no que estava acontecendo. Lula e o PT contavam, isto sim, com os escritórios de advocacia milionários que iriam salvá-lo no STF. Contavam com um Marco Aurélio, Lewandowski ou Gilmar Mendes para dar um golpe de última hora no tapetão. Contavam com qualquer coisa – menos a ordem de prisão que acabou por levá-lo ao xadrez da Laja-Jato. Na hora que a realidade teve de ser encarada, entraram em parafuso.
O final desta comédia foi uma tristeza. Durante um dia inteiro, e a maior parte do dia seguinte, um bolinho de gente ficou em volta do sindicato — era o apoio popular que foi possível juntar. Às vezes, nas imagens aéreas da televisão, parecia uma concentração mais encorpada. Mas assim que o helicóptero se afastava um pouco ficava claro que a mobilização do povo brasileiro para defender Lula era só aquele bolinho mesmo – em Mauá, por exemplo, a quinze minutos dali, não havia um único manifestante à vista. Nem em Santo André, ou São Caetano, ou no resto do Brasil. A população estava trabalhando. No carro de som, falando para si próprios, sucediam-se dinossauros velhos e novos, de Luisa Erundina a Manoela D’Ávila, gritando coisas desconexas. Ninguém, ali, tinha qualquer relação com o mundo do trabalho. Nem na plateia, formada por sindicalistas, desocupados ou professores que faltaram ao serviço, com a coragem de quem não pode ser demitido do emprego. Dentro do prédio Lula limitou-se a não resolver nada, cercado por um cardume de puxa-sacos e mediocridades. Não havia, na hora máxima, ninguém de valor, mérito ou boa reputação em torno dele – só os serviçais de sempre, gente que sabe gritar, sacudir bandeira vermelha e atrapalhar o trânsito, mas não é capaz de ter uma única ideia ou fazer uma sugestão que preste. Como o nosso grande líder de massas pode acabar cercado, numa hora dessas, por figuras como Gleisi Hoffmann e Eduardo Suplicy? Muita coisa, positivamente, deu muito errado.
O heroísmo da “resistência” de Lula acabou limitado à agressão de um infeliz que despertou a ira dos “militantes” e foi surrado até acabar no hospital com traumatismo craniano. Ou à depredação no prédio da ministra Cármen Lúcia em Belo Horizonte, mais pichações aqui e ali. Quanto ao próprio Lula, o que deu para verificar é que a soma total de suas ações no momento de ir para a cadeia resumiu-se a empurrar as coisas com a barriga até a hora de entregar os pontos — depois de fingir que “não estava conseguindo” se render por causa de um tumulto barato encenado pela turma que cercava o sindicato. Esperou escurecer para não ser preso à noite, no dia seguinte inventou uma espécie de missa, um discurso que não acabava mais, um almoço “com parentes” e, por fim, armou a farsa do tal bloqueio dos portões de saída por parte dos seus “apoiadores”, o que o “impediria” de se entregar. Chegou ao limite extremo da irresponsabilidade, mais uma vez – e só quando não deu para continuar fazendo a polícia de idiota, como fez durante dois dias seguidos, embarcou no camburão da PF, e depois, no avião rumo à Curitiba. No tal discurso, com frases mal copiadas de Martin Luther King, chegou a dizer que é a favor – isso mesmo, a favor – da Lava-Jato, depois de passar os últimos dois anos fazendo os ataques mais enfurecidos contra a operação anti-corrupção. Agora, na hora de ir para a cadeia, diz que é contra a roubalheira, e que só está preso por causa “da imprensa” – o que, além de falso, é mais uma demonstração de que está cuspindo no prato no qual tem comido há anos. Afirmou, enfim, que estava indo para a “prisão deles”. Mentira. Não é prisão deles. É do Brasil inteiro e do sistema legal que ainda existe por aqui.
A história está cheia de políticos que crescem com a própria prisão. Não foi o caso de Lula.
A decisão de demitir Fernando
Segovia, tomada por Raul Jungmann
assim que foi empossado ministro extraordinário, sugere que a autonomia da Polícia Federal será preservada, a
despeito das recorrentes tentativas de intervenção nas investigações sobre Michel Temer e seu bando.
Para chegar ao comando da PF, o ex-diretor, que foi apadrinhado por José Sarney e Eliseu Padilha, fez muitas promessas, mas não conseguiu cumprir
nenhuma delas. Seu antecessor, Leandro Daiello, em mais de 10 anos no cargo, mudou a instituição
e deu autonomia aos delegados. Quando deixou o posto, sua equipe dizia
que “se Segovia tentasse interferir em algum inquérito, sairia preso dali”. Não chegou a tanto, mas não faltou muito: o ministro Barroso, do STF, cobrou-lhe explicações por ele ter sugerido que as investigações contra Temer (que ainda estão em curso) seriam
arquivadas, e a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu à Corte que o afastasse caso continuasse dando
declarações desse tipo.
Observação: O ex-diretor chegou a afirmar até que poderia abrir investigação
interna para apurar a conduta do delegado Cleyber
Malta Lopes, responsável pelo inquérito, devido aos
questionamentos enviados a Temer no caso. Na ocasião, a defesa do presidente
disse que as perguntas colocavam em dúvida a “honorabilidade e a dignidade
pessoal” do presidente.
Jungmann começou
a articular a troca do comando da PF antes mesmo de assumir a nova pasta. Segovia, bem relacionado com ícones da velha política tupiniquim, considerava-se
“imexível”. Só que não. Além das entrevistas polêmicas, suas extravagâncias nos pouco mais de 3 meses à frente da PF
contribuíram para o desfecho ― dentre outras bizarrices, ele pediu uma esteira
ergométrica para o gabinete e decorou sua mesa com uma foto onde aparece
trocando um beijo ardente com a esposa. As pressões para mantê-lo persistiram
até a manhã da última terça-feira, mas Temer
finalmente cedeu, até para não ficar a suspeita de que Jungmann seria um ministro enfraquecido ― e Jungmann em nada se parece com o colega da Justiça, Torquato Jardim, que engoliu a seco a
nomeação de Segovia.
Ao saber da demissão por sua assessoria, Segovia ligou para interlocutores de Temer para confirmar a veracidade da
informação. Estava incrédulo, porque tinha acabado de sair de uma reunião com Jungmann e nada havia sido suscitado a
propósito. Temer já não
estava satisfeito com as promessas não cumpridas, o que pesou em
sua decisão de avalizar a troca. Além disso, as declarações sobre o inquérito dos portos
jogaram luz sobre uma investigação da qual pouco se falava e quase arrastaram o
presidente para uma nova investigação.
Segundo O ANTAGONISTA, a gota d’água para a demissão foi a revelação de que os delegados da PF seriam obrigados a fornecer o número de um inquérito toda vez que precisassem de reforços para uma operação. Segovia voltou atrás, mas o estrago já estava feito.
Rogério Galloro, que
substituiu Segovia no comando da PF, deve trocar toda a cúpula nomeada pelo
predecessor, aí incluída a diretoria executiva, que o próprio Galloro ocupou quando era o número 2 de
Leandro Daiello.
Dizem que a vida de presidente da República é dureza, que o
cargo traz solidão, limita amigos, amplia o rol dos puxa-sacos, e por aí vai.
Na prática, todavia, a teoria parece ser outra. Afinal, se fosse mesmo essa
pedreira, por que FHC teria se
empenhado tanto em aprovar, em 1997, a emenda constitucional que instituiu a
reeleição, e assim garantir um segundo mandato? (para quem não se lembra, ele
governou de 1995 a 2002).
Essa mesma emenda constitucional beneficiou o plano de poder
da petralhada, pois permitiu que Lula
governasse de 2003 a 2010. E o mesmo se aplica a Dilma, que também pode se reeleger, embora tenha sido abatida em
pleno voo depois de 1 ano, 4 meses de 12 dias de seu segundo mandato ― não antes,
infelizmente, de usar toda a sua incompetência administrativa para gerar e
parir a maior crise econômica da história deste país; mas o que seria de se
esperar de uma “gerentona de araque” que, na década de 90, conseguiu quebrar duas lojinhas de
badulaques importados em apenas 17 meses?
Graças à atuação diligente dos nossos nobres representantes
no Congresso, a reeleição está com os dias contados. Mas a medida só foi
aprovada depois que os parlamentares concederam umbônus a si mesmos: em junho do ano passado, por 348 votos a favor
e 110 contra, eles fixaram em cinco anos
o mandato para todos os cargos eletivos (mudança que só começará a valer a
partir das eleições municipais de 2020 e presidenciais de 2022), e como se não
bastasse, rejeitaram o trecho previsto no relatório do deputado Rodrigo Maia que botava fim no voto
obrigatório para todos os brasileiros com idade entre 18 e 70 anos.
Voltando ao mote desta postagem, vale dizer que a vida de
ex-presidente é bem confortável: além de não sofrer a pressão do cargo, quem lá
chegou e de lá saiu com vida faz jus, pelo resto de seus dias, a um gordo salário mensal (R$ 33.763,00), plano médico ilimitado (e acho que
também cartão de crédito corporativo,
mas não tenho certeza), 8 servidores de
sua livre escolha―4 para segurança e apoio pessoal, 2
para assessoria e 2 motoristas, com salários que variam de R$ 2.227,85 a R$ 11.235,00 ―, além de 2 carros oficiais, com
manutenção, combustível e renovação periódica, tudo bancado pelos contribuintes. Assim, nossos 5 ex-presidentes
vivos ― Sarney, Collor, FHC, Lula e Dilma ― custam cerca de R$
5 milhões anuais ao Erário, embora não ofereçam qualquer contrapartida de
ordem prática à nação. Mas não é só: menos
de 24 horas após ter sido notificada pelo Senado da sua deposição, Dilma conseguiu se aposentar com o
estipêndio mensal de R$ 5.189,82 ― o que é espantoso, considerando que o
tempo médio de espera para que uma pessoa consiga atendimento em uma agência do
INSS é de 74 dias, e de 115 no Distrito Federal, onde foi feito o pedido
da petralha.
A despeito de toda essa mordomia, o futuro da nefelibata da
mandioca não é dos mais alvissareiros. Embora (ainda) não seja ré na Lava-Jato ― ao contrário de seu
antecessor e mentor, que já é réu em 3
processos e investigado em pelo menos mais 2 (*) ―, Dilma é citada por
diversos delatores como beneficiária de vultosas somas desviadas da Petrobrás,
que teriam abastecido seu caixa de campanha em 2010 e 2014. Isso sem mencionar
que ela é suspeita de tentar obstruir as investigações da Lava-Jato em três situações distintas: a primeira envolve a
nomeação do ministro Marcelo Navarro
Ribeiro Dantas para o STJ com a
suposta intenção de conceder a liberdade para empreiteiros presos em Curitiba;
a segunda remete à investida feita pelo ex-ministro Aloizio Mercadante, sob o comando da petista, para tentar evitar
que Delcídio do Amaral botasse a
boca no trombone; a terceira tem a ver com uma manobra espúria para nomear Lula ministro-chefe da Casa Civil, dias
depois de ele ter sido conduzido
coercitivamente para depor na Polícia Federal, com o propósito de lhe
restabelecer a prerrogativa de foro privilegiado e livrá-lo dos tentáculos da Lava-Jato. E isso é só o começo: novas delações estão sendo negociadas e novos fatos espúrios devem vir à luz ― pelo andar da carruagem, o céu é o limite. Ou o inferno, melhor
dizendo. O resto fica para outra vez pessoal. Abraços e até lá.
(*)O MPF
está apurando a atuação de Lula na
liberação de diversos empréstimos do BNDES
para obras na África e na América Latina. Não apenas para a Odebrecht, mas também para outras
empreiteiras já envolvidas no petrolão. Ao todo, outros cinco procedimentos
investigatórios estão em andamento na Divisão
de Combate à Corrupção da unidade do MPF
no Distrito Federal.