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quinta-feira, 7 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS (CONTINUAÇÃO)


Vimos que uma das primeiras derrotas de Moro como o “superministro” a quem Bolsonaro havia prometido carta-branca foi a transferência do Coaf para o Ministério da Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro. 


Outro foco de tensão surgiu com a nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e PenitenciáriaMoro teve que recuar da escolha devido a uma campanha de bolsonaristas nas redes sociais, nas quais os aloprados lembraram que, além de divergir do capitão em temas como armamento e política de drogas, Szabó havia se posicionado contra ele durante a campanha eleitoral de 2018.

 

Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo. As pressões se referiam principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão. Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo, em 2019, por se posicionar de forma contrária às intervenções. Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o mandatário afirmou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.

Depois de tudo que Bolsonaro disse na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, nem a Velhinha de Taubaté acreditaria que ele não interferiu “politicamente” na PF. Não interferiu uma, mas diversas vezes. E quase sempre para proteger sua prole (quatro dos seus cinco filhos são alvo de investigações, a exemplo do pai, que responde a pelo menos meia dúzia de inquéritos). Mas a PF parece ser mais crédula do que a finada personagem de Luíz Fernando Veríssimo: como também foi dito no capítulo anterior, o órgão concluiu que o presidente não cometeu crime por interferências na instituição.

 

Bolsonaro coleciona interferências na PF e em outras áreas ligadas ao governo como filatelistas colecionam selos postais. Quando questionado, reafirma sua autoridade com um “quem manda sou eu”, deixando claro o poder de sua patética esferográfica Bic — como fez em fevereiro do ano passado ao substituir Castello Branco por Silva e Luna na presidência da Petrobras, suscitando comparações com os governos petistas. "Não adianta a imprensa falar que eu intervi [sic]. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", postou o presidente (ou seu ghost writer) numa de suas redes sociais. 


Em 2019Bolsonaro defendeu publicamente que a Petrobras rompesse contratos com o escritório de advocacia de Felipe Santa Cruz — então presidente da OAB e desafeto do capitão. 


No mesmo ano, "o presidente que não interferiu na PF segundo a própria PF" avançou sobre decisões internas do órgão ao anunciar a substituição do então superintendente da PF no Rio de JaneiroRicardo Saadi — na época, a PF divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente no estado do Amazonas, Alexandre Saraiva.


Bolsonaro ignorou a lista tríplice do MPF por duas vezes ao indicar o jurista soteropolitano Augusto Aras para o comando da PGR. A condução do processo foi chamada de retrocesso e criticada por sugerir risco à autonomia do MPFAras já abriu diversas apurações para investigar supostos ilícitos de seu suserano, mas sempre a contragosto e sem jamais encontrar algo que o desabone, a despeito de as evidências estarem diante de seu nariz. 


Bolsonaro bancou a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara para ter um aliado no comando da Casa e, de quebra, um cão de guarda para seus quase 150 pedidos de impeachment. Para favorecer o aliado, o "mito" prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares e ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do Centrão — e chegou mesmo a admitir a intervenção.


Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil, foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois. Em outro episódio envolvendo o BB, ele não só mandou tirar do ar uma campanha publicitária com atores que representavam a diversidade racial e sexual, mas também determinou que campanhas de natureza mercadológica de estatais passassem a ser submetidas previamente à Secretaria de Comunicação Social (também nesse caso ele acabou recuando). Em outra oportunidade, anunciou ter implodido o Inmetro (com a substituição da então presidente do órgão por um militar do Exército) porque “não gostou” das mudanças que envolviam tacógrafos e provocaram reclamações de motoristas e taxistas. 

 

Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU para tarefas que podem ser consideradas como extrapolação de seu escopo institucional. Numa ocasião, mandou o órgão tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página presidencial no Facebook. Em 2020, desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, mandando-a recorrer da decisão do ministro Alexandre de Moraes depois que a instituição publicou nota informando que não contestaria a decisão do STF. 

 

Bolsonaro mobilizou o Ministério da Justiça para impetrar um pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro Abraham Weintraub. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça — posteriormente alçado ao STF com as bênçãos do capitão —, foi considerada inapropriada, já que a tarefa caberia à AGU ou a um advogado pessoal (enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de Bolsonaro dar um caráter político, e não técnico, à manifestação num momento em que o Judiciário estava sob ataque). 


Bolsonaro exonerou o presidente do Inpe porque ele divulgou dados que desmentiam a falaciosa posição do governo sobre o desmatamento da Amazônia — o capitão queria que as informações fossem discutidas com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas. Dois dias após a exoneração, indicou em entrevista ter ordenado ao ministro da Ciência e Tecnologia a exoneração do subordinado. “Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando”, afirmou o sultão do bananistão.

 

O Brasil se tornou um país surpreendente porque nada mais surpreende de verdade. A conclusão estapafúrdia da PF sobre a ingerência de Bolsonaro no órgão perde para duas teratológicas decisões supremas: a que avalizou por 8 votos a 3 o delírio fachiniano segundo o qual a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula, e a que confirmou por 7 votos a 4 a decisão da 2ª Turma que reconheceu a parcialidade de Sérgio Moro na condução de quatro processos contra Lula. Vale lembrar que a defesa do petralha ingressou com cerca de 400 recursos na ação referente ao tríplex, e todos foram rejeitados — alguns, inclusive, pelo próprio STF —, e que, no caso do sítio de Atibaia, o TRF-4 confirmou a decisão da juíza substituta Gabriela Hardt. 

 

Observação: Preso numa espécie de “Dilema do Bonde”, Fachin optou por anular as condenações de Lula para evitar um “mal maior” à Lava-Jato — que seria a declaração de parcialidade de Moro. A estratégia retirou de Curitiba os processos do triplex, do sítio e dois outros envolvendo o Instituto Lula, mas que ainda estavam em fase de instrução. Quase nove meses depois, todas as ações enfrentaram reveses na Justiça e Moro foi declarado suspeito, apesar da manobra de Fachin, que anulou os atos decisórios praticados nas quatro ações penais, mas manteve válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões). Na sequência, Moro foi declarado suspeito, o MPF pediu o arquivamento do processo do tríplex (por prescrição) e a nova denúncia no caso do sítio foi rejeitada pela JF do DF.



Continua... 

terça-feira, 5 de julho de 2022

SERGIO MORO DE VOLTA ÀS ORIGENS

 

Em 1º de novembro de 2018, quando aceitou o convite para ser “superministro” da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro embarcou numa canoa que deveria saber furadaNo encontro que teve com o então presidente eleito, o então juiz da Lava-Jato disse que aceitava o cargo "com certo pesar”, pois teria que pedir a exoneração da Justiça Federal. Mas a perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado e a promessa de uma cadeira no STF levaram-no a abandonar 22 anos de magistratura para integrar aquele que viria a ser o pior governo da história desta banânia.

 

Como juiz linha-dura, Moro enquadrou poderosos. Trabalhou em casos de grande repercussão, como o escândalo do Banestado, a Operação Farol da Colina e a Operação Fênix. Também assessorou a ministra Rosa Weber no julgamento do mensalão. Titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, condenou figuras do alto escalão da política e do empresariado, como o ex-ministro José Dirceu, o ex-governador Sérgio Cabral e o empreiteiro Marcelo OdebrechtEm 16 de março de 2016, derrubou o sigilo do áudio em que Dilma dizia a Lula que lhe enviaria o termo de posse como ministro, na tentativa de evitar sua prisão — a nomeação foi impedida pelo ministro Gilmar Mendes, que viu desvio de finalidade na nomeação por causa do áudio.


No governo, Moro foi traído pelo presidente. Na política, filiou-se ao Podemosmigrou para o União Brasilfoi sabotado e teve a pré-candidatura à Presidência sepultada por Luciano Bivar (aquele do laranjal, lembram-se?), que fingiu interesse em concorrer ao Planalto para tirá-lo do jogo depois de o ter tirado do Podemos. 


A falaciosa candidatura do dono do UB visava: 1) favorecer a polarização Lula x Bolsonaro; 2) criar um biombo para deixar os filiados livres, em suas regiões, para apoiar qualquer um dos dois; 3) investir o dinheiro do fundão na eleição de volumosa bancada de deputados federais — lembrando que a participação das legendas nos fundos partidário e eleitoral é diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas, e o sistema proporcional transformaria Moro em puxador de votos. 


Moro condenou Lula a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá. Somente depois que a decisão foi confirmada por unanimidade no TRF-4 — e a pena, aumentada para 12 anos e um mês — que ele determinou, a mando do tribunal, a prisão do condenado. Lula se encastelou por dois dias na sede do Sindicato do Metalúrgicos do ABC, onde discursou a apoiadores contra decisões do Judiciário e de onde finalmente foi levado para uma cela VIP na Superintendência da PF em Curitiba, na qual gozou férias compulsórias por míseros 580 dias.


Em 13 de fevereiro de 2019, já como “superministro”, Moro montou uma operação de guerra que culminou com a transferência de Marcola e outros 21 presos ligados ao PCC da penitenciária de Presidente Venceslau para penitenciárias federais (só no primeiro semestre daquele ano, 113 chefes de facções criminosas de quatro estados diferentes foram transferidos para presídios de segurança máxima). 


Uma de suas primeiras derrotas no governo foi a transferência do Coaf do Ministério da Justiça para a Economia, depois que o órgão identificou “movimentações financeiras atípicas” e mal explicadas na conta de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, amigo de longa data do presidente e factótum da Famiglia Bolsonaro. Depois de tomar chá de sumiço e ficar desaparecido por mais de um ano, Queiroz foi localizado e preso numa propriedade do mafioso de comédia Frederick Wassef, que acontece de ser um dos causídicos que atendem o clã presidencial (ou Famiglia Bolsonaro, como queiram).  

 

Observação: Bolsonaro & filhos atuavam de forma tão coesa que era virtualmente impossível dizer onde terminava um gabinete e começava o outro — e, portanto, as responsabilidades de cada um. Desde que vieram a público as primeiras notícias sobre as movimentações financeiras atípicas do factótum, o presidente e seu clã passaram a tratar os brasileiros como um bando de idiotas. Queiroz é um lembrete da falta de transparência de uma família com quatro homens públicos que influenciam os destinos do país pelo fato de o presidente governar como um patriarca de clã e perder a linha (força de expressão; ninguém perde algo que nunca teve) quando era questionado sobre o paradeiro do “espírito que anda”. Queiroz se prontificou a ir para o sacrifício, mas somente se sua família — notadamente a mulher e a filha, que também trabalharam em gabinetes dos Bolsonaro — ficassem protegidas. No dia 16 do mês passado, o TJ-RJ rejeitou a denúncia envolvendo Zero Um no caso das chamadas “rachadinhas”, depois que boa parte das provas de acusação foram invalidadas pelo STJ e pelo STF. Triste Brasil!

 

Acabou que Moro viu sua principal bandeira — o pacote anticrime — ser desfigurada pelo Congresso e sancionada pelo chefe do Executivo sem os vetos recomendados (isso aconteceu entre 9 de maio e 25 de dezembro de 2019). Em 24 de abril de 2020, depois de 14 meses engolindo sapos e sorvendo água pútrida da lagoa, desembarcou do governo e disse à imprensa que havia tomado tal decisão devido às diuturnas tentativas de Bolsonaro de interferir politicamente na PF


Na folclórica reunião ministerial de 22 de abril, o mandatário disse (litteris): "Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estruturaVai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira(a quem interessar possa, segue o vídeo da tal reunião).

 

O desembarque de Moro criou uma crise no governo e levou à abertura de um inquérito a pedido da Procuradoria-Geral (com um “empurrãozinho” dado pelo então decano do STF). Este ano, no entanto, a PF concluiu que não houve crime na conduta de Bolsonaro.


Moro tinha uma biografia respeitável, estabilidade no emprego, um olho na toga e outro no Planalto, uma mulher chamada Rosângela e a vida a lhe sorrir. Desde que rompeu com Bolsonaro e ensaiou uma pré-candidatura presidencial, passou a acumular derrotas. Depois de ser moído politicamente e de ter sua transferência de domicílio eleitoral negada pelo TRE-SPRosângela é tudo que lhe restouNo último dia 14, ele anunciou que seu futuro político está no Paraná e será decidido “mais adiante” (antes tarde do que nunca).

 

Continua...

domingo, 22 de maio de 2022

QUER CONHECER O CARÁTER DE UMA PESSOA? DÊ-LHE O PODER! (FINAL)


Jair Bolsonaro começou a pavimentar o caminho que o levaria ao Palácio do Planalto em 2015, mas, a dois meses do pleito de 2018, todas as pesquisas de intenção de voto apontavam a vitória de Lula — o que causaria estranheza em qualquer democracia que se dê ao respeito, já que o “candidato” era ficha e estava cumprindo pena de prisão. Não obstante, quis o destino (ou alguém cujo nome permanece nas sombras) que um atentado a faca livrasse o candidato do PSL dos debates (nos quais ele teria sido trucidado por Ciro Gomes em rede nacional).


A menos de um mês do primeiro turno, o PT anunciou oficialmente que Fernando Haddad serviria de marionete para o presidiário de Curitiba. As empresas de pesquisa continuaram dando como certa a vitória do bonifrate e a eleição de Dilma para o Senado. Acabou que ambos foram fragorosamente derrotados. De acordo com os dados do TSE, Bolsonaro venceu Haddad por uma diferença de 10,8 milhões de votos válidos (houve 2,5 milhões de votos em branco e 8,6 milhões de votos nulos). E a ex-presidanta ficou a ver navios.

 

Depois de construir uma carreira parlamentar tão longa quanto inexpressiva, o ex-capitão deu uma prova cabal de que o Brasil não é um país sério. Para mostrar que era amigo do mercado e obter o apoio dos empresários, o estatista que acreditava em Estado grande e intervencionista, que sempre lutou por privilégios para corporações que se locupletam do Estado há décadas, foi buscar Paulo Guedes, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


Para demonstrar que era inimigo da corrupção e obter o apoio da classe média, o deputado que, em sete mandatos, percorreu 8 partidos — todos de aluguel —, sempre foi adepto das práticas da baixa política e amigo de milicianos, foi buscar Sergio Moro, que embarcou em uma canoa que deveria saber furada. 


Para obter o apoio das Forças Armadas, o oficial de baixa patente, despreparado, agressivo e falastrão, condenado por insubordinação e indisciplina e enxotado da corporação, foi buscar legitimidade em uma fieira de generais, que embarcaram em uma canoa que deveriam saber furada. 


Não podia mesmo dar certo. 

 

Ao longo de sua desditosa gestão, Bolsonaro reafirmou ad nauseam sua autoridade com frases como “quem manda sou eu”, “minha caneta funciona” e “não sou um presidente banana”. Com a Com exoneração de Bento Albuquerque, no último dia 11, restaram no governo apenas três dos 22 ministros empossados em janeiro de 2019 (Paulo Guedes, Augusto Heleno e Wagner Rosário).

As “acusações” feitas por Sergio Moro ao desembarcar do Ministério da Justiça — sobre a ingerência política do presidente no comando da PF — foram claramente comprovadas na gravação da reunião ministerial de abril de 2020. 


Observação: Entre outras coisas, o mandatário esbravejou: “Eu não vou esperar foder [sic] a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meus, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” Mesmo assim, a PF concluiu que não houve crime nesse caso (o inquérito ainda está em andamento, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes).

A CPI do Genocídio imputou a Bolsonaro nada menos que 9 crimes relacionados às políticas públicas de combate à pandemia. Para além das acusações relacionadas à compra da Covaxin e à suposta interferência na PF, o mandatário é investigado por disseminar desinformação sobre a eficácia da vacinação, promover ataques a ministros do STF, divulgar mentiras sobre a urna eletrônica e o TSE e vazar informações sigilosas em uma transmissão ao vivo na internet.

Durante a janela partidária, deputados bolsonaristas et caterva seguiram seu líder e migraram em massa para o PL, que passou a ter a maior bancada na Câmara. O PSL, que elegeu a maior bancada em 2018 na esteira de Bolsonaro & filhos, fundiu-se ao DEM para formar o União Brasil e foder a candidatura de Moro — que deveria ter ficado no Podemos ou, melhor ainda, na 13ª Vara Federal de Curitiba; talvez assim a Lava-Jato continuasse fazendo o bom trabalho que fez por mais de 6 anos, Lula estivesse cumprindo pena e nós não teríamos em outubro próximo uma reedição do pleito plebiscitário de 2018.

 

Por mal de nossos pecados, Bolsonaro tem chances reais de se reeleger. Não o conseguirá valendo-se da mesma estratégia que o levou ao Planalto em 2018, já que Gustavo Bebianno está morto e o napoleão de hospício Adélio Bispo, fora de circulação. Tampouco o fará pela via do antipetismo ou cascateando promessas vãs, como apoiar a Lava-Jato, acabar com a reeleição, enxugar a máquina pública, privatizar estatais, defender a liberdade de imprensa, reduzir a carga tributária, acabar com indicações políticas e não trocar cargos e verbas por apoio parlamentar, e tantas outras que ele enfiou onde o sol não bate depois que subiu a rampa. 

 

Em 2018, uma parte do eleitorado que apoiou Bolsonaro por absoluta falta de opção não comemorou sua vitória, mas sim a derrota da marionete do presidiário. Agora, a menos que surja uma opção para além de reconduzir o “ex-corrupto” à Presidência ou reeleger um histrião que finca um pé no palanque e usa o outro para escoicear nossa frágil democracia, só resta aos eleitores cansados de votar em que não querem para evitar a vitória de alguém que querem menos ainda anular o voto ou simplesmente se abster. 

 

A “porcínica” terceira via — aquela que foi sem nunca ter sido — era vista como a solução para furar a polarização, mas tornou-se parte do problema. Egos avantajados, falta de projetos e carência de apoio popular eliminaram um a um os postulantes. Restaram João Doria, que não empolga e não consegue unir o próprio partido, e Simone Tebet, que, pelo menos por enquanto, é uma ilustre desconhecida. Ciro Gomes está propenso a tentar outro voo solo, mas dificilmente aterrissará no Planalto — como não aterrissou em 1998, 2002 e 2018. 

 

A não ser que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o embate final será mesmo entre a mistura do mal com o atraso e o sociopata com pitadas de psicopatia, que só existem como candidatos porque se retroalimentam.


E viva o povo brasileiro!

sexta-feira, 22 de abril de 2022

A VIDA É FEITA DE ESCOLHAS...


A vida é feita de escolhas, escolhas têm consequências e o problema com as consequências é que elas sempre vêm depois. Numa encruzilhada da vida, se escolhermos virar à direita, abdicamos de seguir em frente ou a esquerda, por exemplo. Quando o resultado não é o esperado, somos assombrados pelo bendito “se”. 


O presente nada mais é senão a consequência da somatória das escolhas que fizemos no passado, mas o futuro do pretérito, também chamado pelos gramáticos de condicional, referencia um presente que poderia ter existido se nossas escolhas fossem outras. 


Em 2018, fomos meio que obrigados a apoiar o bolsonarismo boçal para evitar a volta do lulopetismo corrupto, e a consequência foi o calvário que já dura três anos e quatro meses e, pior, pode ser prorrogado por mais quatro anos — ou sabe-se lá por quanto tempo mais; em se tratando de Bolsonaro, a única perspectiva impossível é a de uma gestão competente de pautada pela probidade.

 

Foi também em 2018 que Sergio Moro escolheu abandonar a magistratura em troca de um ministério no futuro governo, edulcorado pela promessa de uma cadeira no STF. Como consequência, o ex-juiz foi privado do Coaf e obrigado a reverter nomeações, enquanto seu projeto anticorrupção era desmontado. Por algum tempo, ele fingiu não ver, tentou relativizar, mas não se sujeitou ao papel de consultor jurídico informal do enrolado clã presidencial e acabou tendo de engolir sapos e beber a água da lagoa. 

 

Moro abandou a canoa que deveria saber ser furada para tentar salvar o prestígio que ainda lhe restava. Mas já era tarde demais. Odiado por Lula e seus abjetos sectários, viu-se tachado de traidor pelos igualmente abjetos baba-ovos do “mito” de fancaria. A indicação para o STF jamais aconteceu. Segundo a narrativa palaciana, o então magistrado vinculara seu embarque no governo à suprema toga, quando na verdade foi Bolsonaro que lhe prometera a dita-cuja como forma de tê-lo a bordo e de cativar o eleitorado avesso à roubalheira lulopetista. 


Passados dois anos da demissão de Moro — ele “não saiu atirando”, apenas relatou um fato que, se não era público, tornou-se notório depois que o então decano do STF retirou o sigilo da gravação da reunião ministerial de 22 de abril de 2020, o inquérito instaurado para investigar a interferência criminosa de Bolsonaro na PF deu em nada (a exemplo de tantas outras envolvendo o sultão do Bolsonaristão). 


Nesse entretempo, o presidente que, quando candidato, prometeu pegar em lanças contra a corrupção e a velha política do toma-lá-dá-cá, cometeu toda sorte de barbaridades. Flertou incontáveis vezes com o autogolpe. Chamou o presidente do TSE de filho da puta e um ministro do STF de canalha. Tornou-se alvo de mais de 140 pedidos de impeachment e de uma dezena de inquéritos. Quatro de seus cinco filhos são igualmente investigados. Mais recentemente, vieram a lume evidências gritantes de corrupção no MEC. 


Observação: Ontem, a cereja do bolo: sua alteza irreal anistiou o deputado troglodita baba-ovos Daniel Silveira antes mesmo que a condenação transitasse em julgado. Mais uma vez, o sociopata estica a corda. Se será enforcado com ela ou se a pusilanimidade do STF permitir-lhe-á sair impune, com vem acontecendo desde sempre, só o tempo dirá. O pouco tempo que falta até as cada vez mais próximas eleições. Se alguém acha que esse sujeito vai mesmo largar o osso se assim decidir a ospália votante, esse alguém está redondamente enganado.

 

Políticos pegos com manchas de batom na cueca sempre têm alguma desculpa idiota. Lula se disse traído; Dilma, indignada; Bolsonaro afirma não pode saber de tudo — e para evitar que se venha a saber de (mais) alguma coisa que o desabone, decreta sigilo sobre fatos de interesse público. 


Em julho do ano passado, o Planalto impôs um segredo de 100 anos sobre informações dos crachás de acesso em nome dos filhos 02 e 03. Um cumpre na sede do governo federal (diz-se que no “gabinete do ódio”) seu quinto mandato de vereador, quando deveria dar expediente na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. O outro é deputado federal por São Paulo, mas acompanha o pai em viagens internacionais, frita hambúrguer nas horas vagas e chegou a ser cotado para chefiar a embaixada do Brasil nos EUA.

 

Em janeiro de 2021, o Planalto decretou 100 anos de sigilo cartão de vacinação do mandatário negacionista e antivacina, a pretexto de os dados dizerem respeito "à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do presidente”. Em junho de 2021, mandou o Exército impor sigilo de 100 anos ao processo interno isentou de punição o então general da ativa Eduardo Pazuello


Dias atrás, o GSI repetiu a dose em relação às visitas dos pastores Arilton Moura e Gilmar Santos ao Planalto, alegando que “a divulgação poderia colocar em risco a vida do presidente da República e de seus familiares”. Pressionado, o gabinete comandado pelo general Augusto Heleno liberou os registros, que apontam mais de 30 acessos. O pastor Arilton visitou gabinetes de Mourão, ministros e do responsável pela agenda de Bolsonaro; o pastor Gilmar esteve pelo menos 10 vezes na sede do governo. Detalhe: ambos voltaram ao Planalto mesmo após pedido de apuração

 

Voltando a Sergio Moro — que deve estar tão arrependido de ter aceitado participar deste espúrio governo quanto Lula de ter feito Dilma sua sucessora —, lulistas, bolsonaristas, magistrados ditos “garantistas” e parte da mídia promoveram a párias o ex-juiz federal e o ex-coordenador do braço paranaense da maior operação anticorrupção da história desta banânia, que colocou na cadeia dezenas de empresário e políticos que se locupletaram nos governos petistas. 


No Brasil, a corrupção é como a Hidra de Lerna — bicharoco mitológico com corpo de dragão, hálito venenoso e nove cabeças de serpente capazes de se regenerar. Tudo ia de vento em popa até que, um belo dia, o semideus togado que manda e desmanda no STF virou a casaca, passando de apoiador a inimigo figadal da Lava-Jato. E o resto é história recente.

terça-feira, 5 de abril de 2022

INTERFERÊNCIA, EU?

Depois de tudo que Bolsonaro falou na reunião ministerial de 22 de abril de 2020, nem a Velhinha de Taubaté acreditaria quando ele diz que não interferiu “politicamente” na Polícia Federal. Não interferiu uma, mas diversas vezes — na maioria delas para proteger sua prole (quatro dos seus cinco filhos são alvo de investigações, a exemplo do pai, que responde a pelo menos meia dúzia de inquéritos). Mas a PF parece ser mais crédula do que a finada velhinha: a conclusão da investigação foi a de que o presidente não cometeu crime por interferências na instituição.

O Brasil se tornou um país surpreendente porque nada mais surpreende de verdade. A conclusão estapafúrdia da PF nem se compara à teratológica decisão suprema que avalizou o delírio fachiniano segundo o qual a 13ª Vara Federal de Curitiba não era competente para julgar Lula e, por 8 votos a 3, anulou tanto as condenações quanto as provas referentes a quatro processos — dois dos quais tiveram sentenças condenatórias ratificadas pelo TRF-4 e pelo STJ.

Bolsonaro coleciona interferências em órgãos e outras áreas ligadas ao governo como os filatelistas colecionam selos. Quando questionado, reafirma sua autoridade com um “quem manda sou eu” — “e eu quero o Ramagem lá”, como afirmou a jornalistas, referindo-se à ordem para que a AGU recorresse da decisão do Supremo que vetou a nomeação de Alexandre Ramagem. Também deixou claro o poder de sua caneta em fevereiro do ano passado, quando substituiu Castello Branco por Silva e Luna, na presidência da Petrobras, suscitando comparações com os governos petistas. "Não adianta a imprensa falar que eu intervi [sic]. Estão na mesma linha da questão da Polícia Federal, que eles não acharam nada de interferência minha no tocante à PF", disse ele em uma rede social no sábado.

Em 2019, Bolsonaro defendeu publicamente que a petrolífera rompesse contratos com o escritório de advocacia de Felipe Santa Cruz — então presidente da OAB e desafeto do capitão. Naquele mesmo ano, o mandatário que “não interferiu na PF”, segundo a própria PF, avançou sobre decisões internas do órgão ao anunciar a substituição do então superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi — na época, a PF divulgou nota afirmando que Saadi seria substituído por Carlos Henrique Oliveira, mas Bolsonaro disse ter acertado previamente que o cargo seria ocupado pelo superintendente no estado do Amazonas, Alexandre Silva Saraiva.

Bolsonaro ignorou a lista tríplice do MPF por duas vezes ao indicar Augusto Aras para o comando da PGR. A condução do processo foi chamada de retrocesso e criticada por sugerir risco à autonomia do Ministério Público. Aras já abriu diversas apurações para investigar supostos ilícitos de seu suserano, mas sempre a contragosto e nunca encontrado nada que desabone o chefe, a despeito de as evidências saltarem diante de seu nariz.

Bolsonaro bancou a eleição de Arthur Lira para a presidência da Câmara para ter um aliado no comando da Casa e, de quebra, um cão de guarda para os mais de 140 pedidos de impeachment protocolados em seu desfavor. Para tanto, prometeu cargos a congressistas e acenou com a liberação de recursos de emendas parlamentares e ofereceu até a recriação de ministérios para acomodar indicados do Centrão. Chegou mesmo a admitir a intervenção: “Vamos, se Deus quiser, participar, influir na presidência da Câmara, com estes parlamentares, de modo que possamos ter um relacionamento pacífico e produtivo para o nosso Brasil”.

Bolsonaro determinou a demissão de André Brandão da presidência do Banco do Brasil. Foi convencido a recuar pelo ministro da Fazenda e pelo presidente do Banco Central, mas recuou do recuo menos de dois meses depois — afinal, quem tem a caneta pode mais, e quem pode mais chora menos. Em outro episódio envolvendo o BB, o "mito" mandou tirar do ar uma campanha publicitária do banco com atores que representavam a diversidade racial e sexual: “A linha mudou. A massa quer o quê? Respeito à família. Ninguém quer perseguir minoria nenhuma, nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira”. O Planalto chegou a determinar que estatais deveriam submeter previamente à avaliação da Secretaria de Comunicação Social campanhas de natureza mercadológica, mas depois acabou recuando.

Bolsonaro anunciou ter implodido o Inmetro com a substituição da então presidente do órgão por um militar do Exército. As exonerações na autarquia, vinculada ao Ministério da Economia, foram decididas porque o mandatário não gostou das mudanças que envolveriam tacógrafos e provocaram reclamações de motoristas e taxistas.

Em diferentes momentos, Bolsonaro requisitou a AGU para tarefas que podem ser consideradas uma extrapolação do escopo institucional do órgão. Entre outras, acionou a AGU para tomar providências sobre a reclamação de que seguidores não estariam conseguindo postar fotos na página do presidente no Facebook. Em 2020, desautorizou a AGU no episódio da posse do delegado Alexandre Ramagem no comando da PF, barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, mandando o órgão recorrer da decisão do magistrado depois de a AGU publicar nota informando que não contestaria o ato do STF.

Bolsonaro mobilizou o Ministério da Justiça para impetrar um pedido de habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado pelo STF  explicar os ataques feitos à Corte. A petição, assinada pelo então ministro da Justiça, André Mendonça — que foi guindado ao STF com as bênçãos do capitão, foi considerada inapropriada, já que a tarefa caberia à AGU ou a um advogado pessoal. Membros do governo disseram que enviar um documento com a assinatura de Mendonça foi uma maneira de dar um caráter político, e não técnico, à manifestação, em um momento no qual o Executivo estava em atrito com o Judiciário.

Durante a gestão do ex-juiz Sergio Moro, um dos primeiros focos de tensão do então ministro da Justiça e o presidente se deveu à nomeação de Ilona Szabó como suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Moro teve que recuar da escolha após campanha de bolsonaristas nas redes sociais. Os aloprados lembraram que, além de divergir do capitão em temas como armamento e política de drogas, Szabó havia se posicionado contra ele durante a campanha eleitoral de 2018. Bolsonaro confirmou publicamente, e em duas ocasiões, ter pressionado o ministro pela suspensão da nomeação, afirmando que ela possuía posicionamentos incompatíveis com o governo. E disse ainda que “não foi fácil conseguir a saída por causa da resistência de Moro”.

Observação: Nunca é demais lembrar que o presidente "acabou com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no governo" e que disse isso dias depois de seu líder no Senado ser flagrado, pela PF, com R$ 30 mil escondidos entre as nádegas!

Bolsonaro exonerou o presidente do Inpe depois que ele divulgou dados sobre o desmatamento da Amazônia que desmentiam a falaciosa posição do governo — o capitão queria que as informações fossem discutidas previamente com o Palácio do Planalto antes de serem tornadas públicas. Dois dias após a exoneração, Bolsonaro indicou em entrevista ter ordenado ao ministro da Ciência e Tecnologia a exoneração do subordinado. “Está a cargo do ministro. Eu não peço, certas coisas eu mando”, afirmou o presidente.

Os sinais de interferência do Planalto na Receita Federal, sobretudo na unidade do Rio de Janeiro, começaram no primeiro ano do governo. As pressões se referiam principalmente à troca de servidores em postos de comando do órgão. Em meio a apurações que atingem autoridades e também familiares e pessoas próximas a Bolsonaro, um subsecretário-geral do posto fluminense chegou a ser substituído pelo governo, em 2019, por se posicionar de forma contrária às intervenções. Questionado na época sobre as ingerências na Receita e na PF, o mandatário afirmou: “Fui eleito presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, tô fora”.

Bolsonaro continua presidente e, pior, candidatíssimo à reeleição. Como se não bastasse, tudo indica que, para nos livrarmos dele, teremos de amargar o retorno da cleptocracia lulopetista. Triste Brasil!

Texto baseado em informações publicadas pela Folha

sábado, 2 de abril de 2022

O BRASIL E O PRIMEIRO DE ABRIL



Dia da Mentira é celebrado em alguns países ocidentais, entre os quais o Brasil. Pregar peças (pranks) durante o Fool's Day (Dia dos Tolos) é uma prática que foi importada dos EUA pelos tupiniquins. Mas o Brasil é um ponto fora da curva em muitos sentidos, e 2022 é mais um ano atípico. Até porque é ano de eleições gerais.


Escrevo este texto na manhã de 1º de abril. Na véspera, aniversário do golpe militar de 1964, o general Braga Netto, que se desincompatibilizou do cargo de Ministro da Defesa para disputar a vice-presidência na chapa encabeçada por Bolsonaro, publicou uma ordem do dia celebrando um "movimento" e um "marco histórico da evolução política brasileira"


Ainda segundo o conspícuo general, os militares agiram para "restabelecer a ordem e para impedir que um regime totalitário fosse implantado no Brasil", embora não haja qualquer evidência histórica que sustente tal afirmação. E Bolsonaro, que se elegeu presidente em 2018 assegurando, entre outras promessas que não cumpriu, acabar com o instituto da reeleição, rosnou que o pleito presidencial de outubro próximo será “uma guerra do Bem contra o Mal”. 


Observação: A nota do general não diz, mas a ditadura militar foi um período de turbulência, de violência arbitrária e de gestão econômica irresponsável. Trouxe recessão, explosão da dívida externa e hiperinflação. Falar em amadurecimento político em uma ditadura é ridículo. Dizer que “trouxe paz”, só se for a paz dos cemitérios. Dizer que o regime observou “o regramento constitucional” é mentira: a ditadura rasgou a Constituição de 1946, criou uma Constituição espúria e, ao praticar a tortura e baixar atos institucionais, não respeitou nem essa própria Constituição.

 

Costuma-se dizer que nunca se mente tanto quanto numa guerra, durante uma campanha eleitoral e depois de uma pescaria. No Brasil, as mentiras — que de um tempo a esta parte passaram a ser chamadas de fake news — tornaram-se o way of live de políticos ímprobos, que, nunca é demais lembrar, não brotam nos gabinetes por geração espontânea; estão lá por obra e graça do esclarecidíssimo eleitorado tupiniquim. 


Quando li que a Polícia Federal chegou à conclusão de que Bolsonaro não cometeu crime por interferências na instituição, pensei tratar-se deu uma clássica pegadinha de 1º de abril. Segundo o relatório, a despeito de todos os dados analisados, de todas as perícias realizadas e das 18 pessoas ouvidas em quase dois anos de investigação, nenhuma prova foi encontrada — as testemunhas alegaram não ter recebido pedidos para interferir ou influenciar investigações da PF. 

 

Vale lembrar que o próprio Bolsonaro confessou, em reunião ministerial gravada no dia 22 de abril no Palácio do Planalto, sua tentativa de interferência. Num trecho da gravação, ele detalhou que as mudanças ilegais na PF eram para proteger seus filhos. “É a putaria o tempo todo pra me atingir, mexendo com a minha família. Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira.” 

 

Em outra oportunidade, Bolsonaro minimizou a repercussão dada pela imprensa a sua participação numa manifestação realizada defronte ao Quartel General do Exercito — que chamou de “Forte Apache” — em prol de uma intervenção militar no Brasil. E ainda afirmou que “o AI-5 não existe”. Ano passado, dias antes das comemorações do Dia da Independência, vociferou que haveria uma ruptura se o STF agisse fora das “quatro linhas da Constituição”. Seus discursos no dia 7 de setembro — tanto na Praça dos Três Poderes, em Brasília, quanto na Avenida Paulista, em São Paulo — foram assustadores. Mas ninguém fez nada a respeito. 

 

A despeito de ser o presidente que mais vituperou o Estado Democrático de Direito, o STF e o Congresso Nacional desde a redemocratização, de colecionar mais de 140 pedidos de impeachment, de ser alvo de seis inquéritos e de ter sido acusado pela CPI do Genocídio pela prática de mais nove crimes (comuns e de responsabilidade), Bolsonaro não só continua no cargo como é candidatíssimo à reeleição. E como nada é tão ruim que não possa piorar, de duas, uma: ou essa tragédia se prolonga por mais quatro anos, ou amargamos a volta do ex-presidiário mais famoso desta banânia, ora paramentado com a esdrúxula plumagem de “ex-corrupto”. E isso não é pegadinha de primeiro de abril.

 

Contando, ninguém acredita, mas também não é pegadinha de primeiro de abril: O deputado bolsonarista Daniel Silveira — que se entrincheirou na Câmara dos Deputados para descumprir decisão judicial que determinou o uso de tornozeleira eletrônica (e só desarmou o circo depois que o ministro Alexandre de Moraes estipulou uma multa de R$ 15 mil por dia e mandou bloquear as contas bancárias do parlamentar) — não só compareceu ao evento de despedida dos ministros que deixaram os cargos para disputar as eleições de outubro como foi defendido pelo presidente


Não podemos aceitar o que vem acontecendo passivamente. Ele [Daniel Silveira] pode ser preso? Deixa para lá. Pode ter os bens retidos? Deixa para lá. Vai chegar em você”, discursou Bolsonaro, que também fez eco às aleivosias de Braga Netto. E sem citar nominalmente nenhum ministro do STF, mas fazendo uma clara alusão a Barroso e Moraes, seus principais desafetos, rugiu o leão do Bolsonaristão: “Cala a boca, bota a tua toga e fica aí sem encher o saco dos outros...

 

Triste Brasil neste primeiro de abril.