Estudos clínicos realizados com 59 mil voluntários que mudaram a dieta por pelo menos dois anos não comprovaram de forma cabal que a troca da gordura saturada por carboidratos ou proteínas reduza significativamente os riscos de enfarte e outros problemas cardíacos. Por outro lado, um estudo conduzido pela Universidade de Cambridge concluiu que "não há evidências irrefutáveis" que justifiquem a supressão da gordura saturada da alimentação, e que "a manteiga faz parte de uma dieta saudável". A reboque da publicação dessas conclusões, o consumo de manteiga voltou a crescer — e só não cresceu mais devido à alta no preço dos laticínios (detalhes no capítulo anterior).
Ao saber que a manteiga é rica em gordura saturada e colesterol, muita gente passou a usar margarina, que é produzida a partir da batedura de óleo com água e acrescida de adicionados emulsificantes, corantes etc. O problema é que o hidrogênio usado para converter os óleos líquidos em gorduras sólidas e conferir a "cremosidade" que facilita o espalhamento do produto enseja a formação de "gorduras hidrogenadas" — ou "trans" —, que são tão (ou mais) prejudiciais à saúde do que a gordura da manteiga.
A ideia de que uma alimentação pobre em gordura contribui para a redução de doenças cardíacas vem sendo questionada nas últimas décadas. Diversos experimentos demonstraram que uma dieta que incluiu alimentos ricos em gordura poli-insaturada, como nozes e azeite de oliva extravirgem, é benéfica à saúde. Segundo alguns especialistas, o importante é limitar o consumo de gordura saturada a no máximo 10% das calorias diárias (Isso é equivalente a 22 gramas desse tipo de gordura em uma dieta de 2.000 calorias, o que representa cerca de duas colheres de sopa de manteiga).
A manteiga é considerada um ingrediente culinário processado, ao passo que a margarina integra o rol dos alimentos ultraprocessados, que são associados ao diabetes tipo 2 e a doenças cardíacas. Por não haver evidências de longo prazo que comparem especificamente os efeitos nocivos causados à saúde pela manteiga e pela margarina, o consumidor está no mato sem cachorro, ou melhor, peca por ter cachorro e peca por não ter.
O embate entre defensores da manteiga e da margarina parece estar longe de terminar. Se alguns estudos desaconselham dietas com alto teor de alimentos ultraprocessados, outros afirmam que eles são ricos em vitaminas e outros nutrientes benéficos. O pão integral industrializado e os cereais matinais são alimentos ultraprocessados, mas também são ótimas fontes de fibras. No fim das contas, tudo depende da quantidade de gordura que cada um ingere no dia a dia. Até porque julgar alimentos e nutrientes isoladamente não basta, é preciso levar em conta a quantidade e a frequência com que eles são consumidor, o padrão alimentar seguido, a presença de doenças e/ou comorbidades e o estilo de vida de cada indivíduo.
Quem segue uma dieta balanceada e saudável dificilmente terá problemas se espalhar manteiga de alto sabor sobre uma torrada uma vez por semana, mas é essa parcimônia não é observada pela maioria das pessoas. Mal comparando, seria como alguém ir a uma festa, "tomar todas" e culpar a azeitona da empadinha pela ressaca da manhã seguinte. A meu ver, a única vantagem da margarina é poder tirá-la da geladeira e espalhar facilmente sobre o pão — no caso das manteigas com alto teor de gordura, precisamos usar martelo e talhadeira, e mesmo assim acabamos com enorme pedaços do produto no pão.