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domingo, 3 de maio de 2020

DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 5


ATUALIZAÇÃO SOBRE DEPOIMENTO DE SERGIO MORO À PF:

Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.


Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).

Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.

Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.

Duas perguntas que não querem calar:

1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.

2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?

Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.

O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.

Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento). 

Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.

Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.

Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.

POSTAGEM DO DIA:

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República tanto por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) quanto por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes do julgamento final de seu impeachment, em 29 de dezembro de 1992, o caçador de marajás de araque apresentou sua carta-renúncia, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos (a deposição do cargo era inevitável, e Collor sabia disso, daí dar os anéis para evitar a perda dos dedos). Mas a estratégia não funcionou: por 76 votos a 3, ele foi condenado e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade.

Observação: A observância dos ditames constitucionais não seria tão rígida 24 anos depois, mais exatamente em 31 de agosto de 2016. No julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a gerentona de araque do cargo, mas preservando seus direitos políticos, a despeito de o artigo 52 da Constituição determinar “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Enfim, como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

A eleição de 1989 foi convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 candidatos obteve mais de 50% dos votos em 15 de novembro, e os dois mais votados, Collor e Lula, disputaram o segundo turno em 17 de dezembro, que resultou na vitória do populista de centro direita sobre o demiurgo petista de centro-esquerdaCollor foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês). Na véspera, solicitara a Sarney que decretasse feriado bancário, de modo que o mercado financeiro tivesse mais tempo para se adequar às novas medidas econômicas — que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardariam a fazer água, a exemplo de todas as anteriores.

Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro como unidade monetária, o “Plano Collor” incluiu ações de impacto, tais como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e — agora a cereja do bolo — o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses (a partir de quando seriam devolvidos em suaves parcelas mensais), a pretexto de “enxugar” a liquidez do mercado e conter a escalada dos preços. Entraram na dança cadernetas de poupança, aplicações de overnight e contas correntes com saldo superior a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos). 

A responsável pelo pacote de maldades foi a economista Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Collor, que mais adiante teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio, que passaria a ser jocosamente chamado de “o humorista que casou com a piada”.

Observação: Quando o dinheiro confiscado começou a ser devolvido (em suaves prestações mensais), circulou uma piada segundo a qual um cidadão, irritado com o tamanho da fila do banco, disse que ia matar o presidente. Voltou minutos depois. Perguntado por que havia mudado de ideia, respondeu que a fila deferente ao Palácio do Planalto estava maior que a do banco.

Em janeiro de 1991, ainda sob a batuta de Zélia, o Plano Collor II substituiu seu predecessor, mas foi substituído cinco meses depois pelo Plano Marcílio — ao mesmo tempo em que Zélia deixava o Ministério da Fazenda e o economista Marcílio Marques Moreira era nomeado para chefiar a pasta. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio passou o bastão para Gustavo Krause. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real, já em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, a inflação, após ficar bastante volátil ao longo do governo Collor, alcançou o patamar de 48% ao mês em junho de 1994.

Como dito no início desta postagem, Collor teve seu impeachment julgado no final de 1992. Ao longo do processo (que levou cerca de quatro meses), o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja.

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Oito anos passam depressa, e são mais que suficientes para o eleitor brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer os tapas e cusparada que recebeu nas fuças de políticos tão imprestáveis como quem os elege. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista jamais poderá reclamar de não ser bem representado. Cada povo tem o governo que merece, e num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, Lula sempre será Lula e os idiotas que votaram (e ainda votarão) neles sempre serão idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de se ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Em 2006, conseguiu se eleger senador. Em 2010, tornou a disputar o governo estadual e perdeu. Em 2014, reelegeu-se senador e, em março de 2015, entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Em abril de 2017, foi denunciado por peculato; em agosto, virou réu no STF (Collor é investigado em pelo menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão).

Collor é um político emblemático, um personagem frequente no Supremo e representativo da demora da Justiça, em especial da que envolve os parlamentares com foro privilegiado. Pelas últimas contas, o senador por Alagoas é investigado em ao menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão. Isso sem mencionar o assassinato mal explicado de seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada Paulo César Cavalcante Farias, o PC, do qual o ex-presidente é suspeito de ter tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia citou que Collor já havia sido objeto de 14 inquéritos no STF e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Semanas atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista VejaCollor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos atrás e prever que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua no próximo capítulo.

terça-feira, 28 de outubro de 2025

DO SMARTPHONE AO NOTEBOOK

OUÇA CONSELHOS, MAS JAMAIS ABRA MÃO DE SUA PRÓPRIA OPINIÃO.

Não se sabe se o ábaco surgiu na China, no Egito ou na Mesopotâmia, mas sabe-se que ele foi criado milhares de anos antes da era cristã e que sua desenvoltura na execução de operações aritméticas só foi superada no século XVII, quando Blaise Pascal criou uma engenhoca que Gottfried Leibniz aprimorou com a capacidade de multiplicar e dividir. 

Já o processamento de dados teve início no século XVII com o Tear de Jacquard  e evoluiu com o tabulador estatístico criado por Herman Hollerith — cuja empresa daria origem à gigante IBM. No início dos anos 1930, Claude Shannon aperfeiçoou um dispositivo de computação movido a manivelas mediante a instalação de circuitos elétricos baseados na lógica binária. Mais ou menos na mesma época, Konrad Zuse criou o Z1 — primeiro computador binário digital. 

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Enquanto a defesa de Bolsonaro se equipa para usar o caso Collor como pretexto para evitar que seu cliente seja trancado na penitenciária da Papuda, os deuses da jurisprudência oferecem um espetáculo que desmoraliza o caráter "humanitário" da prisão domiciliar em três atos.

No primeiro, Collor, condenado a 8 anos e 10 meses de prisão em regime inicial fechado, foi autorizado a cumprir a pena em sua mansão na orla de Maceió depois de passar uma semana em um presídio alagoano. No segundo, sua tornozeleira eletrônica saiu do ar por 36 horas. No terceiro, o apagão do monitoramento ocorreu nos dias 2 e 3 de maio, mas o Centro de Monitoramento Eletrônico de Pessoas de Alagoas demorou cinco meses para comunicar a falha ao STF.

Graças a uma trapaça do destino, o relator do processo de Collor é Alexandre de Moraes, o mesmo que cuida do caso da trama do golpe. Abespinhado, o magistrado exigiu explicações. A resposta veio na última sexta-feira (24). A Secretaria de Ressocialização e Inclusão Social do governo de Alagoas alegou que desconhecia o e-mail do gabinete de Moraes. Superada a dúvida quanto à origem e à segurança da comunicação, as providências cabíveis foram imediatamente adotadas, com o envio integral dos relatórios requisitados ao e-mail.

A honestidade preenche requerimento, marca hora e leva chá de cadeira. A corrupção sempre encontra seus atalhos. Num mundo convencional, o endereço eletrônico de Moraes poderia ser obtido com um simples telefonema. No universo dos privilegiados, a coisa é diferente.

Na prática, o governo de Alagoas coloca Moraes em posição constrangedora. O ministro havia ameaçado devolver Collor ao presídio. Os responsáveis por monitorar o trânsito do "preso" entre a sauna e a piscina do seu elegante domicílio prisional pedem ao ministro que faça o papel de bobo em benefício do bem-estar do condenado.

Os homens nunca foram iguais, mas não eram tão desiguais até que veio a civilização. E alguns viraram Collor, que desfrutou da impunidade por 33 anos. Denunciado por assaltar R$20 milhões de um cofre da Petrobras em gestões petistas, demorou oito anos para ser condenado. Embora a sentença fosse suprema, ficou solto por dois anos após a condenação.

Poucas horas depois da detenção de Collor, sua defesa encaminhou petição a Moraes alegando que seu cliente tem 75 anos e é atormentado por doença de Parkinson, apneia grave do sono e transtorno afetivo bipolar — moléstias que exigiriam cuidados contínuos e acompanhamento médico especializado, coisas indisponíveis na cadeia.

A defesa esqueceu de combinar a estratégia com o paciente. Na audiência de custódia que antecedeu o encarceramento, Collor, sorridente, vendia saúde. Acompanhado de um dos seus advogados, foi interrogado por videoconferência pelo juiz Rafael Henrique, da equipe de Moraes. A certa altura, o doutor perguntou: "O senhor tem alguma doença, faz uso de algum medicamento de uso contínuo?" E Collor, categórico: "Não".

Os advogados omitiram que o Rei Sol talvez sofresse de uma amnésia que o levava a esquecer dos outros males que o afligiam. De repente, surgiram os atestados médicos que justificavam a concessão da prisão domiciliar em caráter "humanitário", abrindo um atalho que os advogados de Bolsonaro certamente trilharão.

O Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades para qualificar o seu sistema prisional. Há três décadas, Collor vangloriava-se no Planalto de ter "colhões roxos" — expressão precursora do célebre "imbrochável." Quando vende saúde, a desqualificação é poupada. Quando finalmente é condenado, o desqualificado alega que não pode servir de exemplo para a qualificação das cadeias.

O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy, 70, foi condenado por aceitar contribuições espúrias do antigo ditador líbio Muammar Kadafi para a campanha eleitoral da qual saiu vitorioso, em 2007. Preso na semana passada, cumprirá pena de cinco anos na penitenciária La Santé, em Paris, trancafiado na ala de isolamento de uma das prisões mais seguras da França.

Enquanto isso, o brasileiro é como que condenado a conviver com uma dúvida perpétua: os criminosos de grife vão para a cadeia nos países ricos porque as cadeias são melhores ou as cadeias são melhores porque a elite as frequenta? 

Nas pegadas de Collor, o Brasil está na bica de desperdiçar com Bolsonaro mais uma chance de aprimorar as instalações e os serviços de suas prisões com a qualificação progressiva da população carcerária.

A II Guerra Mundial deu azo ao surgimento do Mark I, do Z3 e do Colossus. Na década seguinte, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia construíram o ENIAC, que teria causado um formidável apagão quando foi ligado pela primeira vez (talvez isso não passe de lenda urbana, mas houve realmente flutuações e quedas de energia pontuais na Filadélfia, mesmo porque o monstrengo consumia 10% da capacidade total da rede elétrica da cidade). 

Embora fosse um monstrengo de 18 mil válvulas e 30 toneladas, ele era capaz de realizar "apenas" 5 mil somas, 357 multiplicações ou 38 divisões simultâneas por segundo — uma performance incrível para a época, mas que qualquer videogame dos anos 1990 já superava com um pé nas costas. Suas válvulas queimavam à razão de uma a cada dois minutos, e como sua memória interna só comportava os dados da tarefa em execução, qualquer modificação exigia que os programadores corressem de um lado para outro da sala, desligando e religando dezenas de cabos.

 

O EDVAC veio à luz em 1947, já com memória, processador e dispositivos de entrada e saída de dados. Foi seguido pelo UNIVAC, que utilizava fita magnética em vez de cartões perfurados. Mas foi o advento do transistor que revolucionou a indústria dos computadores — notadamente a partir de 1954, quando o uso do silício como matéria-prima barateou significativamente os custos de produção.


Os primeiros mainframes totalmente transistorizados foram lançados pela IBM no final dos anos 1950. Na década seguinte, a Texas Instruments revolucionou o mundo da tecnologia com os circuitos integrados, compostos por conjuntos de transistores, resistores e capacitores, e usados com sucesso no IBM 360 (lançado em 1964). Já no início dos anos 1970, a Intel desenvolveu uma tecnologia capaz de agrupar vários circuitos integrados (CIs) numa única peça silício, dando origem aos microprocessadores e viabilizando o surgimento do Altair 8800 (vendido sob a forma de kit e responsável, ainda que indiretamente, pela fundação da Microsoft), do PET 2001 (lançado em 1976 e considerado o primeiro microcomputador pessoal) e dos Apple I e II (este último já com unidade de disco flexível).

 

O sucesso estrondoso da Apple incentivou a IBM a criar seu PC (acrônimo de Personal Computer), cuja arquitetura aberta e a adoção do MS-DOS acabaram se tornando padrão de mercado. A primeira interface gráfica com sistema de janelas, caixas de seleção, fontes e suporte ao uso do mouse foi criada pela Xerox e incorporada ao LISA por Steve Jobs. Quando a Microsoft lançou sua interface gráfica que rodava sobre o MS-DOS, a Apple já estava anos-luz à frente, mas foi o Windows, e não o macOS, que se tornou o sistema operacional para microcomputadores mais popular do planeta.

 

Tudo isso para dizer que o que hoje chamamos de computador — seja um desktop, um notebook, um smartphone ou um tablet — evoluiu ao longo dos séculos em etapas que misturam avanços científicos, engenhocas eletromecânicas e uma boa dose de ousadia criativa. No início, eram máquinas enormes, barulhentas e com um apetite pantagruélico por energia. Os primeiros sequer tinham disco rígido, quanto mais mouse, tela colorida ou sistema operacional amigável, e a interação com o usuário era feita por meio de cartões perfurados, fitas magnéticas e comandos crípticos. Mas já dizia o poeta que não há nada como o tempo para passar.

 

Microcomputadores rudimentares, mas já voltados ao consumidor final (como Apple I, Commodore 64 e afins) surgiram nos anos 1970 e começaram a se popularizar entre os usuários domésticos em meados dos anos 1990. Na década seguinte, os "micros" (como as pessoas chamavam seus PCs) já tinham presença garantida em escritórios, escolas e lares de classe média. Os laptops vieram logo depois, seguidos pelos netbooks e, mais adiante, pelos ultrabooks — versões mais compactas e baratas que sacrificavam desempenho em nome da mobilidade.

 

Meu primeiro portátil — um Compaq Evo n1020v Intel Celeron 1,7 GHz/20 GB/128 MB — custou R$ 4,4 mil no início de 2003 (cerca de R$ 12 mil, se atualizado pelo IGPM, ou R$ 30,4 mil, pela variação do salário-mínimo). Hoje, notebooks de entrada custam a partir de R$ 3 mil, como é o caso do IdeaPad 1 da Lenovo, que integra um chip AMD Ryzen 3 7320U e tela grande (15,6 polegadas). Mas ele vem com míseros 4 GB de RAM e SSD de 256 GB, sem falar que no sistema operacional, que é uma distro Linux.

 

Atualmente, qualquer smartphone básico tem mais "poder de fogo" do que os computadores que levaram o homem à Lua — o que explica, pelo menos em parte, por que desktops e notebooks foram relegados a situações que exigem telas de grandes dimensões, teclado e mouse físicos, além de processamento, memória e armazenamento superiores aos que os "pequenos notáveis" de entrada e intermediários conseguem oferecer. Mas quem precisa de um note para fazer o que não consegue fazer com o celular terá de investir cerca de R$ 4 mil num Samsung Galaxy Book 4, por exemplo, que integra um processador Intel Core i3-1315U, 8 GB de RAM, 256 GB de SSD — e vem de fábrica com o Windows 11.

 

Se você quer portabilidade sem abrir mão de uma tela grande e hardware potente, o Galaxy Book 4 Ultra oferece painel AMOLED de 16 polegadas com resolução QHD e taxa de atualização de 120 Hz, Intel Core Ultra 9-185H e Nvidia GeForce RTX 4070 — suficientes para rodar a maioria dos jogos atuais sem problemas —, além de respeitáveis 32 GB de RAM e 1 TB de SSD. Mas não espere pagar menos de R$ 10 mil por essa belezinha.

 

Por último, mas não menos importante: quem é fã do iOS não tem como não gostar do macOS — e, se é para mudar de sistema operacional, nada como fazê-lo em grande estilo. O Apple MacBook Pro M4 é capaz de executar com desenvoltura tarefas exigentes como edição de vídeo, gráficos 3D, desenvolvimento de IA e até simulações científicas. 


Ele oferece ampla gama de portas para periféricos e monitores externos — incluindo três portas USB-C/Thunderbolt 5 e uma HDMI 2.1 —, não esquenta e praticamente não faz barulho. No entanto, como a RAM e a unidade de armazenamento vêm soldadas à placa-mãe, convém escolher a melhor configuração que o bolso suportar, já que upgrades de hardware estão fora de cogitação.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

COLLOR PRESIDENTE? SÓ FALTAVA ESSA!


Desde a redemocratização desta Banânia, há quase 30 anos, elegemos quatro presidentes: Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Não, eu não me esqueci de Sarney; só não o incluí porque ele não foi eleito pelo voto popular.

Observação: Para quem não se lembra, o macróbio maranhense era vice de Tancredo Neves, que também não entrou para a lista por ter sido escolhido por um colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. A votação ocorreu em 15 de janeiro de 1985, e a raposa mineira venceu Paulo Maluf ― que se encontra atualmente cumprindo pena no complexo penitenciário da Papuda ― por 480 a 180 votos, com 9 ausências e 17 abstenções. Por ironia do destino, Tancredo morreu em 21 de abril daquele ano, data consagrada a Tiradentes, o “mártir da independência”.

Apenas dois desses quatro ex-presidentes concluíram seus mandatos: Fernando Henrique (1995 - 2002) e Lula (2003 - 2010). Collor assumiu em 15 de março de 1990 e renunciou em 29 de dezembro de 1992, horas antes de ser julgado por crime de responsabilidade (mesmo assim o Congresso cassou seus diritos políticos). Dilma, que também foi expulsa de campo no início do segundo tempo, assumiu em 1º de janeiro de 2011 e destruiu alegremente a nossa economia até maio de 2016, quando foi substituída por Miguel Michel Elias Temer Luria, o vice decorativo escolhido por Lula e que, por outra dessas  ironias do destino, perdeu a oportunidade de entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento” e será lembrado como o primeiro presidente denunciado por crime comum durante o exercício do cargo. E O CARA FALA EM CONCORRER À REELEIÇÃO!!!!!!!!!

Quase três décadas depois de eleger o“caçador de marajás” de festim ― e um quarto de século depois de se livrar dele ―, o Brasil vê o dito-cujo falar em se candidatar novamente à presidência, justamente num momento em que o povo anseia por alguém capaz de sepultar os desvarios dos dois extremistas que, segundo as pesquisas, encabeçam o ranking dos preferidos pelos esclarecidos eleitores tupiniquins (como eu costumo dizer, a cada segundo nasce um idiota neste mundo, e os que nascem no Brasil já vêm com título de eleitor).

Quem votou nesse farsante corrupto e arrogante em 1989 ― como fez este humilde escriba, uma vez que a alternativa era o Lula ― pode até alegar que não sabia o que estava fazendo, mas os alagoanos que o elegeram senador em 2006 e o reelegeram em 2014 sabiam muito bem no que estavam se metendo.

Depois de recuperar seus direitos políticos, Collor disputou o governo de Alagoas em 2002, mas perdeu para o então governador Ronaldo Lessa. Em 2010, candidatou-se pela terceira vez ao governo do estado (a primeira foi em 1986, quando ele conseguiu se eleger), mas foi derrotado já no primeiro turno. Em março de 2015, o marajá dos marajás entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato; em abril de 2017, foi denunciado por peculato, e em agosto do mesmo ano, tornou-se formalmente réu no STF (vale salientar o falastrão responde a 6 outros inquéritos oriundos das investigações da Lava-Jato sobre o Petrolão).

Num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, e os eleitores idiotas serão sempre eleitores idiotas.

O ex-presidente de nada saudosa memória continua o mesmo; o cenário político é que mudou para pior. Não sei se sua suposta candidatura irá adiante, nem qual a posição que ele ocuparia entre os demais aspirantes ao Palácio do Planalto, mas qualquer pessoa que não tenha neurônios de ameba entende quão absurdo é alguém se candidatar a um cargo que, na condição de réu em ação criminal, não pode ocupar nem mesmo interinamente.

Volto a lembrar que foi exatamente por essa razão que o STF afastou Renan Calheiros da linha sucessória presidencial, no final de 2016, quando o Cangaceiro das Alagoas, então presidente do Senado, se tornou réu por peculato. E o mesmo vale para Lula, cuja situação é ainda mais delicada: além de ser réu em 7 ações penais, o molusco já foi sentenciado a 9 anos e meio de prisão numa delas. Resta saber como ficará sua pretensa candidatura depois que seu recurso for julgado pela 8ª Turma do TRF-4, mas isso já é outra conversa.

Num debate transmitido pela rádio Jovem Pan, Carlos Andreazza disse que a candidatura de Collor é matéria de piada. Marcelo Madureira concordou, relembrou o folclórico supositório de cocaína e emendou: com a candidatura de Collor, está formada a “Santíssima Trindade do Capeta: Lula, Bolsonaro e Collor”. Já Luciana Verdolin relembrou outras histórias e salientou o fato de Collor ser réu na Lava-Jato (parece que não sou só eu que me atenho a esse “detalhe”). Confiram no vídeo a seguir:


Vejam também o que disseram Augusto Nunes e Marco Antonio Villa sobre o estropício:


Visite minhas comunidades na Rede .Link:

domingo, 26 de maio de 2019

É O FIM DA PICADA!



O balanço das repercussões das manifestações pró-governo e contra tudo e todos fica para amanhã, dado o horário em que eu posto o Blog. Até lá, seguem algumas considerações sobre o pseudo caçador de marajás — exemplo pronto e acabado do lobo que perde o pelo, mas não larga o vício, e que é uma das muitas provas vivas do despreparo do nosso eleitorado. Na sequência, mais um texto irreprochável do jornalista J.R. Guzzo.

Collor foi primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar — ditadura essa que, como viemos a saber recentemente, não passou de uma ilusão de óptica. Ele também se destacou por ter confiscado a poupança do brasileiros e por abrir a lista dos presidentes impichados na nova república. Agora, além de responder na Justiça por rapinar o Erário, Fernandinho é acusado de fazer o mesmo com o patrimônio da família, por não repassar aos sobrinhos sua cota-parte no lucro das empresas do clã.

No âmbito familiar, o ex-presidente impichado e ainda senador — ele renunciou às vésperas de ser defenestrado pelo Congresso, mas teve os direitos políticos cassados mesmo assim — exibe um sólido histórico de transtornos, desavenças e traições. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; no presente, além de ser réu na Lava-Jato e investigado e responder a outros seis inquéritos, é acusado por cinco sobrinhos — que, juntos, detêm 15% da Organização Arnon de Mello — de apropriar-se do patrimônio da família. Perdeu o pelo, como dito no início, mas não abandonou o vício que o notabilizou.  

Fernando (nome dado em homenagem ao ex-presidente, que se tornaria inimigo figadal do irmão) e Victor têm juntos 15% do grupo. Os dois nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio porque o pai vendeu sua participação acionária ainda em vida.
Representantes do clássico coronelismo nordestino, os Collor de Mello usufruem a rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto chegue a 250 milhões de reais. 

Essa é apenas a parte visível do iceberg, pois há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa. Segundo matéria publicada em VEJA, o inventário da matriarca, Dona Leda (1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Cândido Portinari. Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os herdeiros não sabem onde elas foram parar, e apontam o dedo para Fernando Collor, sabidamente useiro e vezeiro em misturar o que é dele e o que é dos outros.

Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-­se para os negócios da família. Em meados dos anos 90, assumiu o controle do grupo, então em boa saúde financeira. Hoje, a Organização Arnon de Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, o ex-caçador de marajás de festim usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550mil, em nome da TV Gazeta. No mês passado, a PGR pediu ao STF a condenação do político a 22 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da dinastia Collor. O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30 — antes de voltar-se contra a administração e ser exilado —, além de senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição ganhava estímulo dentro de casa, onde a mãe também distribuía carinho de forma desigual. Leopoldo era o favorito na infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. Depois que o filho fez as denúncias a VEJA, o documento foi desfeito e D. Leda decidiu testar metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana Luísa, morta em 2013, e Ledinha (ambas sem herdeiros).

Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão para a compra do Dossiê Cayman — um calhamaço de documentos falsos para prejudicar FHC. A mutreta foi descoberta, o tucano conseguiu se reeleger e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-­final em uma relação de raiva, inveja e competição. Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. Por anos, Leopoldo trabalhou como diretor comercial da Rede Globo no Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão simples: não havia nada em seu nome. Collor impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.

Fernando Affonso Collor de Mello tem cinco filhos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai. Dos cinco filhos de Arnon e D. Leda, Fernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente. Os filhos mais velhos de Collor são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. Procurado por VEJA, o marajá dos marajás, em nota envida por meio de seus advogados, refutou as acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente”. Como se vê, as desculpas esfarrapadas e a postura arrogante também se repetem.
Passo agora a reproduzir o texto de J.R. Guzzo:

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Falo de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva: a bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso, e quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como tirar vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Economia são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do STF, pelo voto decisivo de seu presidente, Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1° de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 3

 

AtualizaçãoO julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível será retomado amanhã. Ontem, o ministro Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente e pela absolvição de Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa, por “não ter sido demonstrada sua responsabilidade” na acusação. Amanhã devem votar os ministros Raul AraújoFloriano de Azevedo MarquesAndré Ramos TavaresCármen LúciaNunes Marques e Alexandre de Moraes.

Nunca saberemos se Pedro Collor se insurgiu contra o irmão porque PC Farias pretendia lançar a Tribuna de Alagoas (que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor) ou por ele ter "dado em cima" de sua mulher, Thereza, como consta do livro "Passando a Limpo — A Trajetória de um Farsante". Vale destacar que essa versão é contestada pela ex-primeira-dama, segundo a qual a ex-cunhada não "fazia o tipo" de seu marido; ele é que "fazia o tipo" dela. 
 
Observação: No livro Tudo o que eu vivi, Rosane Malta (como passou a assinar após o divórcio) trás a lume intrigas familiares, rituais macabros realizados na Casa da Dinda (inclusive com fetos humanos), a morte de PC Farias e o destino do dinheiro do esquema de corrupção. Consta que tinha planos de entrar para a política, mas deu com os burros n'água. Em 2020, o portal Extra publicou que ela estava vivendo um affair com o advogado que a estava ajudando a receber pensões alimentícias atrasadas

 

Em entrevista à Veja em maio de 1992, Pedro revelou que PC era o testa-de-ferro do presidente em um esquema de cobrança de propinas e arrecadação ilegal de recursos — que, como se descobriu mais adiante, chegou a movimentar US$ 1 bilhão entre propinas pagas por empresários e dinheiro desviado dos cofres públicos. 

A CPI instalada para apurar as denúncias confirmou que o ex-tesoureiro e fiel escudeiro do presidente agia em todos os níveis do governo, e que despesas pessoais do primeiro-casal eram pagas com cheques de contas fantasmas.
 
O caldo entornou quando veio à tona que o prosaico Fiat Elba dirigido por Eriberto França, motorista da então secretária particular do presidente, foram pago com cheque de uma das contas fantasmas. O depoimento de Eriberto revelou também que Ana Acioli (a tal secretária) e o próprio PC sacaram dinheiro de suas contas às vésperas do confisco imposto pelo Plano Collor. 
 
A defesa alegou que os recursos para pagamento das contas pessoais do primeiro-casal provinham de um empréstimo tomado no Uruguai para financiar a campanha do presidente, mas a CPI não engoliu essa versão e, após 85 dias de trabalho, a despeito de todos os esforços envidados pela tropa de choque comandada por Roberto Jefferson, aprovou (por 16 votos a 5) o relatório final do senador Amir Lando.
 
Collor foi afastado em 29 de setembro e cassado três meses depois. Nesse meio tempo, o helicóptero que levava Ulysses Guimarães e sua mulher, dona Mora, de São Paulo (SP) para Angra dos Reis (RJ) caiu no mar (os corpos jamais foram encontrados). De acordo com o livro de Rosane, essa foi a primeira manifestação do que ficou conhecido como "a maldição do impeachment" — uma série de mortes estranhas e trágicas de pessoas ligadas a Collor ou a seu afastamento da presidência.
 
Observação: Também segundo o livro, Mãe Cecília era frequentadora assídua do Alvorada, onde recebia as entidades que falavam com o presidente. Anos depois, em uma entrevista, a mãe de santo revelou que, aos poucos, os santos foram se acostumando com o bom e o melhor — só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão de fumar charuto cubano. Collor bancava tudo isso, para que os trabalhos espirituais tivessem efeito.
 
Collor assumiu a presidência com 71% de aprovação e deixou o Planalto com 9%. Não conseguiu reaver seus direitos políticos, mas o STF arquivou o processo contra ele e PC por corrupção passiva. Depois das mortes do irmão e da mãe, ele se mudou para uma casa de frente para o mar em Miami, onde se autoexilou até 1998. Nesse meio tempo, PC Farias e a namorada, Susana Marcolino foram encontrados mortos, com um tiro no peito de cada um (embora a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu nada "porque era época de festas juninas"). Após retornar ao Brasil, filiou-se ao PRTB e lançou sua candidatura à prefeitura de São Paulo, mas foi impugnado. Em 2000, foi denunciado por peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica, mas o STF só julgou o processo em 2014, quando os crimes de corrupção passiva e de falsidade ideológica já estavam prescritos. 

De volta a Alagoas, ele disputou o governo estadual em 2002, mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, voltou a disputar governo em 2010 (e foi eliminado no primeiro turno), renovou o mandato de senador em 2014, ameaçou concorrer à Presidência em 2018 (mas desistiu), lançou-se novamente candidato ao governo (e desistiu às vésperas do primeiro turno) e voltou à carga em 2022 (com o apoio Bolsonaro), mas terminou em terceiro lugar.

Collor entrou para o rol de investigados da Lava-Jato em 2015 e se tornou réu em 2017. Agora, 30 anos depois de seu impeachment, foi finalmente condenado pelo STF. A PGR pediu 22 anos prisão, mas a pena ficou em 8 anos e 10 meses (o crime de associação criminosa prescreveu, já que o réu tem 73 anos, e os prazos prescricionais correm pela metade para os septuagenários). Demais disso, terá de devolver R$ 20 milhões aos cofres públicos (em divisão solidária com outros dois condenados), pagar 90 dias-multa — cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos da época dos crimes, corrigidos pela inflação —, e ficará inabilitado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 


Collor ainda não for preso porque cabem recursos (meramente procrastinatórios) ao próprio STF. Quanto às acomodações em que desfrutará suas férias compulsórias, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de cela especial para determinadas autoridades, mas somente em caso de prisão provisória. O réu em tela foi prefeito (biônico), deputado, governador, presidente da República e senador, mas tudo isso é passado. Pela letra fria da lei, ele deveria cumprir a pena em uma cela comum. Mas a lei... ora, a lei. 

 

ObservaçãoEm tese, o Rei-Sol (ou Réu-Sol) não terá direito a prisão domiciliar, já que essa regalia não é prevista em condenações a regime fechado. Mas não se espante se, a exemplo de Maluf e outros picaretas, ele alegar que está "debilitado por motivo de doença grave" e algum togado caridoso lhe conceder um "habeas corpus por motivos humanitários" (como fez Toffoli no caso de Maluf).


Triste Brasil!

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PARTE

 

Uma espécie de "Maldição Kennedy" tropicalizada parece perseguir Fernando Collor de Mello e sua família. Seja na vida pública, seja na (vida) privada, as histórias se repetem (ou o passado se harmoniza, melhor dizendo). Na carreira política, escândalos; no âmbito familiar, um roteiro de transtornos e desavenças com sólido histórico de traições. 

Em 1992, o caçador de marajás de festim renunciou à Presidência para escapar do impeachment que teve como estopim as denúncias do irmão Pedro Collor (morto em 1994). Décadas depois, ele caiu na rede da Lava-Jato, e hoje responde a pelo menos seis inquéritos. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; agora, uma nova e ruidosa confusão aporrinha o “Rei Sol”, que é acusado por cinco sobrinhos — dois filhos do irmão Pedro e três de Leopoldo (morto em 2013) — de se apropriar do patrimônio da família sem promover uma divisão correta.

Representantes da clássica oligarquia nordestina, os Collor de Mello fruem da rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió, com valor estimado em R$ 250 milhões (em 2019). E essa é apenas a parte mais visível do império; há outros bens de caráter reluzente que também têm sido alvo de disputa.

O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. Como se diz hoje em dia, eles não tinham nada de novos-ricos. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30, antes de voltar-se contra a administração e ser exilado. Arnon foi senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar, e o clima de competição ganhava estímulo dentro de casa. 

O patriarca demonstrava mais amor por Fernando, em quem via vocação política, mas Leopoldo era o favorito da mãe. Nos anos 1990, quando Pedro alavancou as empresas da família, Dona Leda lhe destinou 50% de seu patrimônio, mas mudou o testamento em favor das filhas Ana Luísa (morta em 2013) e Ledinha depois que ele denunciou o irmão caçula.

O inventário de Leda Collor  (1916-1995) é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Portinari. Embora as peças fizessem parte do testamento, não se sabe onde elas foram parar. Os sobrinhos do ex-presidente, que nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil, apontam o dedo para o tio, que tampouco restituiu a Leopoldo o dinheiro que tomou emprestado para comprar o Dossiê Cayman

Depois do impeachment e com a morte de Pedro Collor, o ex-presidente se dedicou à Organização Arnon de Mello, então em boa saúde financeira. De acordo com a PGR, ele usou as empresas para lavar R$ 50 milhões e comprou um Porsche Panamera em nome da TV Gazeta. Em 2019, os negócios da família somavam mais de R$ 200 milhões em passivos. 

Por anos, Leopoldo Collor trabalhou como diretor comercial da Rede Globo, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Em 2013, ele morreu de câncer na garganta. Por determinação do irmão caçula, sua morte não foi noticiada pelo jornal da família. Não foi feito inventário porque não havia bens a dividir. Seus filhos passaram a andar de ônibus, comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar e atrasar o pagamento de contas básicas, como de água e luz.

Dos cinco filhos de Arnon e Dona LedaFernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente, tentando um caminho de futuro. O ex-presidente tem cinco filhos de três relacionamentos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, não falam com o pai, mas são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo

Sobre as acusações de ter escondido o patrimônio familiar, os advogados de Fernando Collor se manifestaram através de nota: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente questões das empresas”.

Como se vê, as desculpas e a postura arrogante também se repetem.