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domingo, 3 de maio de 2020

DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 5


ATUALIZAÇÃO SOBRE DEPOIMENTO DE SERGIO MORO À PF:

Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.


Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).

Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.

Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.

Duas perguntas que não querem calar:

1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.

2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?

Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.

O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.

Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento). 

Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.

Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.

Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.

POSTAGEM DO DIA:

Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.

Collor se destaca dos demais ex-presidentes da Nova República tanto por ter sido o primeiro escolhido pelo voto popular (coisa que não acontecia desde a eleição de Jânio Quadros, em 1960) quanto por ter inaugurado a lista dos impichados. Pouco antes do julgamento final de seu impeachment, em 29 de dezembro de 1992, o caçador de marajás de araque apresentou sua carta-renúncia, numa tentativa desesperada de preservar seus direitos políticos (a deposição do cargo era inevitável, e Collor sabia disso, daí dar os anéis para evitar a perda dos dedos). Mas a estratégia não funcionou: por 76 votos a 3, ele foi condenado e apenado com a perda do mandato e oito anos de inelegibilidade.

Observação: A observância dos ditames constitucionais não seria tão rígida 24 anos depois, mais exatamente em 31 de agosto de 2016. No julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff, uma vergonhosa tramoia urdida pelos então presidentes do Senado e do Supremo — respectivamente Renan Calheiros, alvo de 17 inquéritos, 13 deles na Lava-Jato, e Ricardo Lewandowski, que ganhou toga graças a sua devoção canina a Lula — “fatiou” a pena, defenestrando a gerentona de araque do cargo, mas preservando seus direitos políticos, a despeito de o artigo 52 da Constituição determinar “a perda do cargo com inabilitação, por oito anos para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”. Enfim, como dizia Maquiavel, “aos amigos, os favores; aos inimigos, a Lei”.

A eleição de 1989 foi convocada exclusivamente para a escolha do novo presidente. Nenhum dos 22 candidatos obteve mais de 50% dos votos em 15 de novembro, e os dois mais votados, Collor e Lula, disputaram o segundo turno em 17 de dezembro, que resultou na vitória do populista de centro direita sobre o demiurgo petista de centro-esquerdaCollor foi empossado em 15 de março de 1990, prometendo abater com um único tiro o “tigre da inflação” (que avançava a uma velocidade de 80% ao mês). Na véspera, solicitara a Sarney que decretasse feriado bancário, de modo que o mercado financeiro tivesse mais tempo para se adequar às novas medidas econômicas — que teriam efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardariam a fazer água, a exemplo de todas as anteriores.

Além de substituir o cruzado novo pelo cruzeiro como unidade monetária, o “Plano Collor” incluiu ações de impacto, tais como a redução da máquina administrativa com a extinção ou fusão de ministérios e órgãos públicos, a demissão de funcionários públicos, o congelamento de preços e salários e — agora a cereja do bolo — o confisco dos ativos financeiros pelo período de 18 meses (a partir de quando seriam devolvidos em suaves parcelas mensais), a pretexto de “enxugar” a liquidez do mercado e conter a escalada dos preços. Entraram na dança cadernetas de poupança, aplicações de overnight e contas correntes com saldo superior a NCz$ 50 mil (cinquenta mil cruzados novos). 

A responsável pelo pacote de maldades foi a economista Zélia Cardoso de Mello, ministra da Fazenda de Collor, que mais adiante teria um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio, que passaria a ser jocosamente chamado de “o humorista que casou com a piada”.

Observação: Quando o dinheiro confiscado começou a ser devolvido (em suaves prestações mensais), circulou uma piada segundo a qual um cidadão, irritado com o tamanho da fila do banco, disse que ia matar o presidente. Voltou minutos depois. Perguntado por que havia mudado de ideia, respondeu que a fila deferente ao Palácio do Planalto estava maior que a do banco.

Em janeiro de 1991, ainda sob a batuta de Zélia, o Plano Collor II substituiu seu predecessor, mas foi substituído cinco meses depois pelo Plano Marcílio — ao mesmo tempo em que Zélia deixava o Ministério da Fazenda e o economista Marcílio Marques Moreira era nomeado para chefiar a pasta. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio passou o bastão para Gustavo Krause. Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real, já em 1994, sob a presidência de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso no Ministério da Fazenda, a inflação, após ficar bastante volátil ao longo do governo Collor, alcançou o patamar de 48% ao mês em junho de 1994.

Como dito no início desta postagem, Collor teve seu impeachment julgado no final de 1992. Ao longo do processo (que levou cerca de quatro meses), o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja.

A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Oito anos passam depressa, e são mais que suficientes para o eleitor brasileiro, conhecido pela memória curta, esquecer os tapas e cusparada que recebeu nas fuças de políticos tão imprestáveis como quem os elege. Aliás, quem vota em candidato incompetente, desonesto e populista jamais poderá reclamar de não ser bem representado. Cada povo tem o governo que merece, e num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, Lula sempre será Lula e os idiotas que votaram (e ainda votarão) neles sempre serão idiotas.

Depois de se reabilitar politicamente, Collor disputou o governo de Alagoas (que já havia exercido antes de se ser eleito presidente), mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Em 2006, conseguiu se eleger senador. Em 2010, tornou a disputar o governo estadual e perdeu. Em 2014, reelegeu-se senador e, em março de 2015, entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato. Em abril de 2017, foi denunciado por peculato; em agosto, virou réu no STF (Collor é investigado em pelo menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão).

Collor é um político emblemático, um personagem frequente no Supremo e representativo da demora da Justiça, em especial da que envolve os parlamentares com foro privilegiado. Pelas últimas contas, o senador por Alagoas é investigado em ao menos outros seis inquéritos, todos oriundos da Lava-Jato e referentes ao escândalo do Petrolão. Isso sem mencionar o assassinato mal explicado de seu coordenador e tesoureiro de campanha, amigo de fé, irmão e camarada Paulo César Cavalcante Farias, o PC, do qual o ex-presidente é suspeito de ter tido algum tipo de envolvimento (o motivo seria queima de arquivo). Em 2014, durante sessão que absolveu Collor dos crimes de corrupção supostamente cometidos durante sua presidência, a ministra Carmem Lúcia citou que Collor já havia sido objeto de 14 inquéritos no STF e quatro ações penais, e absolvido em todos "por falta de provas".

Semanas atrás, em entrevistas ao GLOBO e à revista VejaCollor acusou Bolsonaro de cometer os mesmo erros que ele próprio cometeu 30 anos atrás e prever que o atual governo terá um final tão funesto quanto o seu. Mais um profeta de botequim cujo vaticínio tem chances reais de se concretizar.

Continua no próximo capítulo.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

COLLOR PRESIDENTE? SÓ FALTAVA ESSA!


Desde a redemocratização desta Banânia, há quase 30 anos, elegemos quatro presidentes: Fernando Collor, Fernando Henrique, Lula e Dilma. Não, eu não me esqueci de Sarney; só não o incluí porque ele não foi eleito pelo voto popular.

Observação: Para quem não se lembra, o macróbio maranhense era vice de Tancredo Neves, que também não entrou para a lista por ter sido escolhido por um colégio eleitoral formado por 686 deputados, senadores e delegados estaduais. A votação ocorreu em 15 de janeiro de 1985, e a raposa mineira venceu Paulo Maluf ― que se encontra atualmente cumprindo pena no complexo penitenciário da Papuda ― por 480 a 180 votos, com 9 ausências e 17 abstenções. Por ironia do destino, Tancredo morreu em 21 de abril daquele ano, data consagrada a Tiradentes, o “mártir da independência”.

Apenas dois desses quatro ex-presidentes concluíram seus mandatos: Fernando Henrique (1995 - 2002) e Lula (2003 - 2010). Collor assumiu em 15 de março de 1990 e renunciou em 29 de dezembro de 1992, horas antes de ser julgado por crime de responsabilidade (mesmo assim o Congresso cassou seus diritos políticos). Dilma, que também foi expulsa de campo no início do segundo tempo, assumiu em 1º de janeiro de 2011 e destruiu alegremente a nossa economia até maio de 2016, quando foi substituída por Miguel Michel Elias Temer Luria, o vice decorativo escolhido por Lula e que, por outra dessas  ironias do destino, perdeu a oportunidade de entrar para a história como “o cara que recolocou o Brasil nos trilhos do crescimento” e será lembrado como o primeiro presidente denunciado por crime comum durante o exercício do cargo. E O CARA FALA EM CONCORRER À REELEIÇÃO!!!!!!!!!

Quase três décadas depois de eleger o“caçador de marajás” de festim ― e um quarto de século depois de se livrar dele ―, o Brasil vê o dito-cujo falar em se candidatar novamente à presidência, justamente num momento em que o povo anseia por alguém capaz de sepultar os desvarios dos dois extremistas que, segundo as pesquisas, encabeçam o ranking dos preferidos pelos esclarecidos eleitores tupiniquins (como eu costumo dizer, a cada segundo nasce um idiota neste mundo, e os que nascem no Brasil já vêm com título de eleitor).

Quem votou nesse farsante corrupto e arrogante em 1989 ― como fez este humilde escriba, uma vez que a alternativa era o Lula ― pode até alegar que não sabia o que estava fazendo, mas os alagoanos que o elegeram senador em 2006 e o reelegeram em 2014 sabiam muito bem no que estavam se metendo.

Depois de recuperar seus direitos políticos, Collor disputou o governo de Alagoas em 2002, mas perdeu para o então governador Ronaldo Lessa. Em 2010, candidatou-se pela terceira vez ao governo do estado (a primeira foi em 1986, quando ele conseguiu se eleger), mas foi derrotado já no primeiro turno. Em março de 2015, o marajá dos marajás entrou para a lista dos investigados da Lava-Jato; em abril de 2017, foi denunciado por peculato, e em agosto do mesmo ano, tornou-se formalmente réu no STF (vale salientar o falastrão responde a 6 outros inquéritos oriundos das investigações da Lava-Jato sobre o Petrolão).

Num país que parece se sentir mais feliz de cócoras e apreciar o avesso das coisas, a farsa se repete como farsa e a História faz de conta que é outra história. Collor será sempre Collor, e os eleitores idiotas serão sempre eleitores idiotas.

O ex-presidente de nada saudosa memória continua o mesmo; o cenário político é que mudou para pior. Não sei se sua suposta candidatura irá adiante, nem qual a posição que ele ocuparia entre os demais aspirantes ao Palácio do Planalto, mas qualquer pessoa que não tenha neurônios de ameba entende quão absurdo é alguém se candidatar a um cargo que, na condição de réu em ação criminal, não pode ocupar nem mesmo interinamente.

Volto a lembrar que foi exatamente por essa razão que o STF afastou Renan Calheiros da linha sucessória presidencial, no final de 2016, quando o Cangaceiro das Alagoas, então presidente do Senado, se tornou réu por peculato. E o mesmo vale para Lula, cuja situação é ainda mais delicada: além de ser réu em 7 ações penais, o molusco já foi sentenciado a 9 anos e meio de prisão numa delas. Resta saber como ficará sua pretensa candidatura depois que seu recurso for julgado pela 8ª Turma do TRF-4, mas isso já é outra conversa.

Num debate transmitido pela rádio Jovem Pan, Carlos Andreazza disse que a candidatura de Collor é matéria de piada. Marcelo Madureira concordou, relembrou o folclórico supositório de cocaína e emendou: com a candidatura de Collor, está formada a “Santíssima Trindade do Capeta: Lula, Bolsonaro e Collor”. Já Luciana Verdolin relembrou outras histórias e salientou o fato de Collor ser réu na Lava-Jato (parece que não sou só eu que me atenho a esse “detalhe”). Confiram no vídeo a seguir:


Vejam também o que disseram Augusto Nunes e Marco Antonio Villa sobre o estropício:


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domingo, 26 de maio de 2019

É O FIM DA PICADA!



O balanço das repercussões das manifestações pró-governo e contra tudo e todos fica para amanhã, dado o horário em que eu posto o Blog. Até lá, seguem algumas considerações sobre o pseudo caçador de marajás — exemplo pronto e acabado do lobo que perde o pelo, mas não larga o vício, e que é uma das muitas provas vivas do despreparo do nosso eleitorado. Na sequência, mais um texto irreprochável do jornalista J.R. Guzzo.

Collor foi primeiro presidente eleito pelo voto direto após o fim da ditadura militar — ditadura essa que, como viemos a saber recentemente, não passou de uma ilusão de óptica. Ele também se destacou por ter confiscado a poupança do brasileiros e por abrir a lista dos presidentes impichados na nova república. Agora, além de responder na Justiça por rapinar o Erário, Fernandinho é acusado de fazer o mesmo com o patrimônio da família, por não repassar aos sobrinhos sua cota-parte no lucro das empresas do clã.

No âmbito familiar, o ex-presidente impichado e ainda senador — ele renunciou às vésperas de ser defenestrado pelo Congresso, mas teve os direitos políticos cassados mesmo assim — exibe um sólido histórico de transtornos, desavenças e traições. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; no presente, além de ser réu na Lava-Jato e investigado e responder a outros seis inquéritos, é acusado por cinco sobrinhos — que, juntos, detêm 15% da Organização Arnon de Mello — de apropriar-se do patrimônio da família. Perdeu o pelo, como dito no início, mas não abandonou o vício que o notabilizou.  

Fernando (nome dado em homenagem ao ex-presidente, que se tornaria inimigo figadal do irmão) e Victor têm juntos 15% do grupo. Os dois nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil desde a morte de Pedro. Leopoldo teve três filhos, mas eles não podem exigir parte do patrimônio porque o pai vendeu sua participação acionária ainda em vida.
Representantes do clássico coronelismo nordestino, os Collor de Mello usufruem a rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió. Estima-se que o conjunto chegue a 250 milhões de reais. 

Essa é apenas a parte visível do iceberg, pois há outros bens, de caráter reluzente, que também têm sido alvo de disputa. Segundo matéria publicada em VEJA, o inventário da matriarca, Dona Leda (1916-1995), é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, como uma pulseira de 18 gramas de ouro e 21 esmeraldas e um colar de ouro de 18 quilates de 102 gramas com onze fios de pérolas e brilhantes, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e obras de arte, como uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Cândido Portinari. Embora as peças façam parte do testamento da matriarca, os herdeiros não sabem onde elas foram parar, e apontam o dedo para Fernando Collor, sabidamente useiro e vezeiro em misturar o que é dele e o que é dos outros.

Depois de ser escorraçado da política no pós-impeachment, Collor voltou-­se para os negócios da família. Em meados dos anos 90, assumiu o controle do grupo, então em boa saúde financeira. Hoje, a Organização Arnon de Mello soma mais de 200 milhões de reais em passivos. De acordo com a PGR, o ex-caçador de marajás de festim usou as empresas da família para lavar R$ 50 milhões, como na compra de um Porsche Panamera, por R$ 550mil, em nome da TV Gazeta. No mês passado, a PGR pediu ao STF a condenação do político a 22 anos e oito meses de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.

As denúncias de irregularidades na distribuição de dinheiro entre os parentes e as acusações de lavagem de dinheiro, ambas ainda sob investigação, são o fio que puxa uma história de relações muito confusas, que não raro terminaram em rompimento. É triste, para dizer o mínimo, a saga da dinastia Collor. O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30 — antes de voltar-se contra a administração e ser exilado —, além de senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar. O clima de competição ganhava estímulo dentro de casa, onde a mãe também distribuía carinho de forma desigual. Leopoldo era o favorito na infância, mas na vida adulta ela transferiu o posto de queridinho para Pedro — quando este alavancou as empresas da família, no começo dos anos 90. Feliz, ela tinha feito um testamento em que daria 50% de seu patrimônio a Pedro. Depois que o filho fez as denúncias a VEJA, o documento foi desfeito e D. Leda decidiu testar metade da fortuna às duas filhas mulheres, Ana Luísa, morta em 2013, e Ledinha (ambas sem herdeiros).

Em 1998, outro abalo familiar. Leopoldo emprestou dinheiro ao irmão para a compra do Dossiê Cayman — um calhamaço de documentos falsos para prejudicar FHC. A mutreta foi descoberta, o tucano conseguiu se reeleger e Collor jamais quitou a dívida. Foi o ponto-­final em uma relação de raiva, inveja e competição. Com recursos escassos, os filhos de Leopoldo começaram a andar de transporte público e a comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar. Por anos, Leopoldo trabalhou como diretor comercial da Rede Globo no Brasil, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Morreu, em 2013, de câncer na garganta, em São Paulo. Não foi feito inventário por uma razão simples: não havia nada em seu nome. Collor impediu o jornal da família de noticiar a morte do irmão.

Fernando Affonso Collor de Mello tem cinco filhos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, quase não falam com o pai. Dos cinco filhos de Arnon e D. Leda, Fernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente. Os filhos mais velhos de Collor são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo. Procurado por VEJA, o marajá dos marajás, em nota envida por meio de seus advogados, refutou as acusações de que esconde o patrimônio familiar: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente”. Como se vê, as desculpas esfarrapadas e a postura arrogante também se repetem.
Passo agora a reproduzir o texto de J.R. Guzzo:

Se existe uma coisa fácil de identificar, no meio deste Brasil tão confuso de hoje, é o sujeito que gosta de ladrão. Falo de gente que manda ou influi em alguma coisa na vida pública — uma “autoridade”, como se diz. A descoberta da turma que dá expediente no Pró-Crime não exige prática nem habilidade. Basta olhar para qualquer dos Três Poderes da República e prestar atenção no seguinte: se a autoridade A, B ou C toma a decisão de mudar daqui para ali a apreciação de qualquer ato de ladroagem, ou o julgamento da conduta de qualquer político, o cidadão já pode ir tirando o cavalo da chuva: a bandidagem de primeira classe conseguiu, mais uma vez, bater lindamente sua carteira — ou, pelo menos, está tentando fazer o possível para isso, e quase sempre leva, quando tenta.

A recente traficância em torno de quem manda no Coaf é um exemplo clássico da primeira modalidade de vigarice que o submundo da “engenharia política” aplica em você. Chega a ser cômico, de tão grosseiro que é, o “modo de usar” manipulado pela politicalha no caso. Que raio pode ser esse Coaf? Uns 99% dos brasileiros não sabem o que é isso, nem querem saber. Mas tenha certeza de que aquele 1% que sabe, porque trabalha no pedaço, sabe extremamente bem o que é esse negócio, para o que serve, como tirar vantagem dele e tudo o mais que se pode imaginar de ruim a respeito. Trata-se de um “Conselho de Controle de Atividades Financeiras” — criado para produzir “inteligência financeira” destinada a combater crimes como a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo. Pois bem: 14 membros de uma Comissão Mista do Congresso, por uma diferença de três votos, decidiram mudar o Coaf “daqui para ali”. Em vez de ficar no Ministério da Justiça, de Sergio Moro, passará para o Ministério da Economia, de Paulo Guedes.

Mas as atividades do Coaf não se ligam muito mais à esfera da Justiça e da polícia do que da economia? Sim, só que ninguém está pensando nisso — o que estão pensando, isso sim, é onde ficaria mais seguro, para eles, encaixar a repartição que vigia a lavagem de dinheiro. Quer dizer que os funcionários da Economia são mais frouxos do que os da Justiça, ou mais dispostos a proteger os criminosos? De jeito nenhum. Não há a menor suspeita de que a equipe de primeira linha montada pelo ministro Guedes possa se meter nesse tipo de coisa. Mas aí é que está: a avacalhação dos políticos brasileiros chegou a tal extremo que qualquer mudança feita por eles levanta automaticamente as piores desconfianças. É como foi dito acima: se mexeram no Coaf, é porque estão atrás de alguma safadeza em seu benefício. O fato de 100% dos deputados e senadores do PT presentes na comissão terem votado a favor da alteração acaba com a conversa: é o selo de garantia definitivo de que a intenção da operação é apoiar a roubalheira.

A segunda modalidade de atuação do Pró-Crime, que muda a esfera onde se julgam os acusados de violar o Código Penal, ficou expressa na também recente decisão do STF, pelo voto decisivo de seu presidente, Dias Toffoli, de mudar para as Assembleias Legislativas o poder real de apreciar os crimes cometidos por deputados estaduais. O Supremo resolveu que eles têm, agora, a mesma “imunidade” dos parlamentares federais. É a ação da “banda podre” do STF, reforçada ultimamente pelo ministro Celso de Mello. De Toffoli, julgado oficialmente, e por duas vezes, sem qualificação mínima para ser juiz de direito, é isso mesmo o que se poderia esperar; ele é um desses casos de “o passado me condena, e o presente também”. De Celso Mello, firma-se a convicção de que a melhor contribuição que pode dar ao país é fazer aniversário no dia 1° de novembro do ano que vem — quando chegará aos 75 anos de idade e terá de ir embora do STF.

Tudo isso é mais um chute nas instituições. Elas vêm sendo destruídas há 30 anos, aliás, como resultado direto da obediência à “Constituição Cidadã” — que foi feita, vejam só, para dar instituições ao Brasil.

quarta-feira, 28 de junho de 2023

COLLOR LÁ... PARTE 3

 

AtualizaçãoO julgamento que pode tornar Bolsonaro inelegível será retomado amanhã. Ontem, o ministro Benedito Gonçalves votou pela condenação do ex-presidente e pela absolvição de Walter Braga Netto, candidato a vice na chapa, por “não ter sido demonstrada sua responsabilidade” na acusação. Amanhã devem votar os ministros Raul AraújoFloriano de Azevedo MarquesAndré Ramos TavaresCármen LúciaNunes Marques e Alexandre de Moraes.

Nunca saberemos se Pedro Collor se insurgiu contra o irmão porque PC Farias pretendia lançar a Tribuna de Alagoas (que concorreria com a Gazeta de Alagoas, da família Collor) ou por ele ter "dado em cima" de sua mulher, Thereza, como consta do livro "Passando a Limpo — A Trajetória de um Farsante". Vale destacar que essa versão é contestada pela ex-primeira-dama, segundo a qual a ex-cunhada não "fazia o tipo" de seu marido; ele é que "fazia o tipo" dela. 
 
Observação: No livro Tudo o que eu vivi, Rosane Malta (como passou a assinar após o divórcio) trás a lume intrigas familiares, rituais macabros realizados na Casa da Dinda (inclusive com fetos humanos), a morte de PC Farias e o destino do dinheiro do esquema de corrupção. Consta que tinha planos de entrar para a política, mas deu com os burros n'água. Em 2020, o portal Extra publicou que ela estava vivendo um affair com o advogado que a estava ajudando a receber pensões alimentícias atrasadas

 

Em entrevista à Veja em maio de 1992, Pedro revelou que PC era o testa-de-ferro do presidente em um esquema de cobrança de propinas e arrecadação ilegal de recursos — que, como se descobriu mais adiante, chegou a movimentar US$ 1 bilhão entre propinas pagas por empresários e dinheiro desviado dos cofres públicos. 

A CPI instalada para apurar as denúncias confirmou que o ex-tesoureiro e fiel escudeiro do presidente agia em todos os níveis do governo, e que despesas pessoais do primeiro-casal eram pagas com cheques de contas fantasmas.
 
O caldo entornou quando veio à tona que o prosaico Fiat Elba dirigido por Eriberto França, motorista da então secretária particular do presidente, foram pago com cheque de uma das contas fantasmas. O depoimento de Eriberto revelou também que Ana Acioli (a tal secretária) e o próprio PC sacaram dinheiro de suas contas às vésperas do confisco imposto pelo Plano Collor. 
 
A defesa alegou que os recursos para pagamento das contas pessoais do primeiro-casal provinham de um empréstimo tomado no Uruguai para financiar a campanha do presidente, mas a CPI não engoliu essa versão e, após 85 dias de trabalho, a despeito de todos os esforços envidados pela tropa de choque comandada por Roberto Jefferson, aprovou (por 16 votos a 5) o relatório final do senador Amir Lando.
 
Collor foi afastado em 29 de setembro e cassado três meses depois. Nesse meio tempo, o helicóptero que levava Ulysses Guimarães e sua mulher, dona Mora, de São Paulo (SP) para Angra dos Reis (RJ) caiu no mar (os corpos jamais foram encontrados). De acordo com o livro de Rosane, essa foi a primeira manifestação do que ficou conhecido como "a maldição do impeachment" — uma série de mortes estranhas e trágicas de pessoas ligadas a Collor ou a seu afastamento da presidência.
 
Observação: Também segundo o livro, Mãe Cecília era frequentadora assídua do Alvorada, onde recebia as entidades que falavam com o presidente. Anos depois, em uma entrevista, a mãe de santo revelou que, aos poucos, os santos foram se acostumando com o bom e o melhor — só queriam champanhe e uísque importado e faziam questão de fumar charuto cubano. Collor bancava tudo isso, para que os trabalhos espirituais tivessem efeito.
 
Collor assumiu a presidência com 71% de aprovação e deixou o Planalto com 9%. Não conseguiu reaver seus direitos políticos, mas o STF arquivou o processo contra ele e PC por corrupção passiva. Depois das mortes do irmão e da mãe, ele se mudou para uma casa de frente para o mar em Miami, onde se autoexilou até 1998. Nesse meio tempo, PC Farias e a namorada, Susana Marcolino foram encontrados mortos, com um tiro no peito de cada um (embora a casa fosse guardada por 4 seguranças, ninguém ouviu nada "porque era época de festas juninas"). Após retornar ao Brasil, filiou-se ao PRTB e lançou sua candidatura à prefeitura de São Paulo, mas foi impugnado. Em 2000, foi denunciado por peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica, mas o STF só julgou o processo em 2014, quando os crimes de corrupção passiva e de falsidade ideológica já estavam prescritos. 

De volta a Alagoas, ele disputou o governo estadual em 2002, mas foi derrotado por Ronaldo Lessa. Elegeu-se senador em 2006, voltou a disputar governo em 2010 (e foi eliminado no primeiro turno), renovou o mandato de senador em 2014, ameaçou concorrer à Presidência em 2018 (mas desistiu), lançou-se novamente candidato ao governo (e desistiu às vésperas do primeiro turno) e voltou à carga em 2022 (com o apoio Bolsonaro), mas terminou em terceiro lugar.

Collor entrou para o rol de investigados da Lava-Jato em 2015 e se tornou réu em 2017. Agora, 30 anos depois de seu impeachment, foi finalmente condenado pelo STF. A PGR pediu 22 anos prisão, mas a pena ficou em 8 anos e 10 meses (o crime de associação criminosa prescreveu, já que o réu tem 73 anos, e os prazos prescricionais correm pela metade para os septuagenários). Demais disso, terá de devolver R$ 20 milhões aos cofres públicos (em divisão solidária com outros dois condenados), pagar 90 dias-multa — cada dia-multa equivale a cinco salários-mínimos da época dos crimes, corrigidos pela inflação —, e ficará inabilitado para o exercício de cargo ou função pública pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade. 


Collor ainda não for preso porque cabem recursos (meramente procrastinatórios) ao próprio STF. Quanto às acomodações em que desfrutará suas férias compulsórias, o Código de Processo Penal prevê a possibilidade de cela especial para determinadas autoridades, mas somente em caso de prisão provisória. O réu em tela foi prefeito (biônico), deputado, governador, presidente da República e senador, mas tudo isso é passado. Pela letra fria da lei, ele deveria cumprir a pena em uma cela comum. Mas a lei... ora, a lei. 

 

ObservaçãoEm tese, o Rei-Sol (ou Réu-Sol) não terá direito a prisão domiciliar, já que essa regalia não é prevista em condenações a regime fechado. Mas não se espante se, a exemplo de Maluf e outros picaretas, ele alegar que está "debilitado por motivo de doença grave" e algum togado caridoso lhe conceder um "habeas corpus por motivos humanitários" (como fez Toffoli no caso de Maluf).


Triste Brasil!

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — DÉCIMA PARTE

 

Uma espécie de "Maldição Kennedy" tropicalizada parece perseguir Fernando Collor de Mello e sua família. Seja na vida pública, seja na (vida) privada, as histórias se repetem (ou o passado se harmoniza, melhor dizendo). Na carreira política, escândalos; no âmbito familiar, um roteiro de transtornos e desavenças com sólido histórico de traições. 

Em 1992, o caçador de marajás de festim renunciou à Presidência para escapar do impeachment que teve como estopim as denúncias do irmão Pedro Collor (morto em 1994). Décadas depois, ele caiu na rede da Lava-Jato, e hoje responde a pelo menos seis inquéritos. No passado, brigas com os irmãos Pedro e Leopoldo e crises no casamento com Rosane; agora, uma nova e ruidosa confusão aporrinha o “Rei Sol”, que é acusado por cinco sobrinhos — dois filhos do irmão Pedro e três de Leopoldo (morto em 2013) — de se apropriar do patrimônio da família sem promover uma divisão correta.

Representantes da clássica oligarquia nordestina, os Collor de Mello fruem da rara combinação de dinheiro e poder. Seus negócios englobam bens como a TV Gazeta, afiliada da Globo, duas rádios, um jornal, uma gráfica e um edifício de treze andares em Maceió, com valor estimado em R$ 250 milhões (em 2019). E essa é apenas a parte mais visível do império; há outros bens de caráter reluzente que também têm sido alvo de disputa.

O casal Arnon de Mello e Leda Collor formou um clã de poder político e financeiro de longa data. Como se diz hoje em dia, eles não tinham nada de novos-ricos. O pai dela foi ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, nos anos 30, antes de voltar-se contra a administração e ser exilado. Arnon foi senador e governador de Alagoas. O dinheiro e o tumulto eram equivalentes dentro do lar, e o clima de competição ganhava estímulo dentro de casa. 

O patriarca demonstrava mais amor por Fernando, em quem via vocação política, mas Leopoldo era o favorito da mãe. Nos anos 1990, quando Pedro alavancou as empresas da família, Dona Leda lhe destinou 50% de seu patrimônio, mas mudou o testamento em favor das filhas Ana Luísa (morta em 2013) e Ledinha depois que ele denunciou o irmão caçula.

O inventário de Leda Collor  (1916-1995) é descrito em 162 páginas, quatro delas dedicadas a joias e pedras preciosas, além de vasos chineses, lustres de cristal Baccarat e uma tela a óleo com a imagem da própria Leda pintada por Portinari. Embora as peças fizessem parte do testamento, não se sabe onde elas foram parar. Os sobrinhos do ex-presidente, que nunca viram um centavo do lucro das empresas nem receberam balanço contábil, apontam o dedo para o tio, que tampouco restituiu a Leopoldo o dinheiro que tomou emprestado para comprar o Dossiê Cayman

Depois do impeachment e com a morte de Pedro Collor, o ex-presidente se dedicou à Organização Arnon de Mello, então em boa saúde financeira. De acordo com a PGR, ele usou as empresas para lavar R$ 50 milhões e comprou um Porsche Panamera em nome da TV Gazeta. Em 2019, os negócios da família somavam mais de R$ 200 milhões em passivos. 

Por anos, Leopoldo Collor trabalhou como diretor comercial da Rede Globo, frequentando festas chiques regadas a champanhe. Em 2013, ele morreu de câncer na garganta. Por determinação do irmão caçula, sua morte não foi noticiada pelo jornal da família. Não foi feito inventário porque não havia bens a dividir. Seus filhos passaram a andar de ônibus, comer ovo como “mistura” no almoço e no jantar e atrasar o pagamento de contas básicas, como de água e luz.

Dos cinco filhos de Arnon e Dona LedaFernando e Ledinha são os únicos vivos. Ambos estão rompidos. Apesar do atávico desconforto familiar, os primos buscam reinventar essa narrativa pacificamente, tentando um caminho de futuro. O ex-presidente tem cinco filhos de três relacionamentos. Arnon e Joaquim, os dois mais velhos, do casamento com a empresária Lilibeth Monteiro de Carvalho, não falam com o pai, mas são amigos dos herdeiros de Pedro e Leopoldo

Sobre as acusações de ter escondido o patrimônio familiar, os advogados de Fernando Collor se manifestaram através de nota: “A defesa não vai responder a nenhuma questão relativa às empresas do ex-presidente; isso faz parte da relação entre ele e os sócios, e não faz sentido discutir publicamente questões das empresas”.

Como se vê, as desculpas e a postura arrogante também se repetem.

terça-feira, 19 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — NONA PARTE

 

A revista Isto É que chegou às bancas na última sexta-feira traz na capa uma imagem do sumo pontífice do bolsonarismo boçal com um bigode igual ao do líder nazista Adolf Hitler, feito com a palavra “genocida”. Sectários e apoiadores do "mito" reagiram à imagem na manhã de sábado com a hashtag #istoelixo. O deputado estadual mineiro Bruno Engler postou vídeo cobrando a ação no Ministério Público por discurso de ódio: "Jornalista não é Deus. Vocês não podem fazer a merda que bem entenderem, isso aqui é crime e vocês devem responder por isso”, afirmou o parlamentar.

Outro perfil relembra várias frases do mandatário para comentar a reclamação dos seus aliados cm relação à capa da revista, entre as quais: “O GADO reclamando sobre uma capa, mas na verdade #istoelixo: O erro da ditadura foi torturar e não matar", "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff… o meu voto é sim"; "Ele merecia isso: pau-de-arara. Eu sou favorável à tortura". E por aí vai.

A matéria de capa da revista trata da entrega do relatório final da CPI do Genocídio, que, de acordo com a publicação, faz o país ajustar contas com sua história. “Bolsonaro e 40 seguidores, incluindo ministros e auxiliares próximos, serão indiciados por delitos analisados e compilados por juristas. Para a efetiva punição, é necessário superar a blindagem institucional que ele conseguiu construir”, diz a reportagem.

Em sua coluna na revista, Ricardo Kertzman, que é judeu, diz que amigos seus, também judeus, indignados pela comparação, lhe perguntaram: "Como você pode aceitar isso calado". Segundo ele, nenhum desses amigos leu a matéria ilustrada pela capa — que é polêmica, sim! —, apenas se deixaram levar pelo que viram e pelo que lhes foi soprado aos ouvidos em grupos de WhatsApp (bolsonaristas, claro).

O (des)governo Bolsonaro não é nazista e o ‘mito’ não é Hitler, diz o articulista. Mas, segundo ele, as práticas e posturas bolsonaristas são semelhantes ao nazismo "Eu mesmo já escrevi a respeito e nenhum judeu, à época, me encheu o saco. Por quê?", pergunta Kertzman. Tamanha suposta indignação não tem a ver mais com preferências políticas do que com religião? O evento pregresso — a matéria em questão — não seria a verdadeira razão de tanto barulho? Como refutar o que publica a IstoÉ, se amparada em fatos reais e provas documentais? Especificamente a questão dos ‘experimentos científicos’, algo espetacularmente assombroso, que é simplesmente inquestionável?

Trazer à lembrança a imagem do demônio nazista é sempre ruim e, dentro do possível, pode e deve ser evitado. Mas quando isso não ocorre, não há motivo para revolta meramente baseada em uma inexistente equiparação. Relativizar Hitler e o nazismo é algo asqueroso. Aliás, a depender da maneira, é até crime. Inclusive no Brasil. Mas, repito: onde foi que a revista fez isso? E mais: alguém aí se lembrou das vítimas (de carne e osso) do bolsonarismo?

Kertzman conclui dizendo que, se considerasse inadequadas — sob a ótica de uma equiparação indevida e reducionista do nazismo — a capa e a matéria da IstoÉ, ele seria o primeiro a criticar a abordagem. Mas ressalta que não só não considera a reportagem e a ilustração inadequadas, como aplaude o conteúdo e felicito os autores e editores pela coragem e ousadia de chamar aquilo que lembra o nazismo pelo nome de… nazismo! Muito do que aí está se deve à leniência e ao descaso com que Bolsonaro e suas ideias e ideais foram tratados durante os quase 30 anos em que ele foi um reles deputado. Hoje, no Poder maior do País, o "mito" continua a ser quem foi.

Que cada qual tire as próprias conclusões. Dito isso, passo à matéria do dia.

Empunhando lanças contra os "marajás" e a corrupção endêmica na política, Collor derrotou Lula na eleição solteira de 1989. Sabemos agora que dava-se início, então, a uma interminável batalha entre o bem e o mal, na qual o mal é o mal e bem, ainda pior. 

Três meses após a posse de Collor, suspeitas de corrupção pairavam sobre o segundo escalão do governo, e dali para o Palácio do Planalto foi um pulo. O caçador de marajás de fancaria tinha como comparsa o folclórico Paulo César Cavalcante Farias, mais conhecido como PC, que atuou como tesoureiro na campanha collorida e passou a desempenhar com desenvoltura o papel de lobista e elemento de ligação entre o empresariado e o governo federal. Anos mais tarde, ele se transformou num arquivo vivo e foi despachado para a terra-dos-pés-juntos num assassinato seguido de suicídio que jamais seria devidamente esclarecido (detalhes mais adiante).

Collor foi engolfado pelas denúncias de corrupção em maio de 1992, depois que o irmão Pedro Collor apresentou à Revista Veja diversos documentos que indicavam corrupção no governo. Especula-se que Pedrão pleiteou uma parte do butim e não foi atendido, mas há quem diga que ele botou a boca no trombone porque descobriu que o irmão garanhão vinha arrastando a asa para sua esposa, Thereza Collor.

Ironicamente, tudo começou com um prosaico Fiat Elba pago com um "cheque-fantasma", segundo a revelação do motorista Eriberto França. Em suma, Pedro detalhou o esquema PC e o motorista revelou que dinheiro sujo fora usado não só na compra do Elba, mas também para pagar contas do presidente. Estimava-se na época que US$ 6,5 milhões teriam sido desviados para bancar gastos pessoais de Collor — dinheiro de pinga em comparação com o que o PT e cia. roubaram no Mensalão e no Petrolão, que virou dinheiro de pinga diante da malversação de recursos públicos registrada durante a pandemia de Covid no atual governo. Mas isso é outra conversa.

A população assistiu indignada à escalada de acusações contra Collor e seu factótum, enquanto entidades civis como OABCNBBUNEUBES e centrais sindicais deflagraram o "Movimento pela Ética na Política". Em agosto de 1992, o relatório final de uma CPI instaurada a pedido do PT apontou ligações de Collor com o Esquema PC

Collor foi alvo de 29 pedidos de impeachment — o que é uma mixaria diante dos 150 pedidos que dormitam na gaveta do deputado-réu Arthur Lira. Emparedado pelas manifestações dos caras-pintadas, o PGR de turno, Aristides Junqueira, abriu um inquérito para investigar os crimes atribuídos ao presidente, Zélia, PC FariasJorge Bandeira de Melo.  

Zélia era uma versão melhorada de Dilma — até porque nada nem ninguém foi capaz de ombrear com a gerentona de araque até Bolsonaro entrar na disputa. Mas a deslumbrada, travestida de bambambã da Economia, atuou como mentora intelectual do confisco da poupança dos brasileiros (detalhes no capítulo anterior) e se notabilizou pelo tórrido affair que manteve com o também ministro Bernardo Cabral, conhecido como Boto Tucuxi — segundo o folclore paraense, o boto em questão surge à noite, travestido de homem galante e sedutor, para "cortejar" caboclas ribeirinhas — e, mais adiante, por ter ingressado no rol de ex-esposas de Chico Anysio, o "comediante que se casou com a piada”.

O pedido abertura do impeachment de Collor foi assinado pelos presidentes da ABI e da OAB e autorizado pela Câmara Federal, por 441 votos a favor, 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção, em 29 de setembro de 1992, e o processo foi instaurado no Senado no dia 1º de outubroCollor foi afastado do cargo no dia seguinte e penabundado em 30 de dezembro. O julgamento começou na véspera, depois que o réu apresentou sua renúncia. Seu objetivo não era escapar da cassação, que eram favas contadas, mas evitar oito anos de inelegibilidade. Por alguma razão — afinal, não há como cassar o mandato de quem a ele já renunciou, e a inabilitação ao exercício de cargos públicos é uma pena assessória, inerente à cassação — Collor foi condenado por 76 votos a 2.

ObservaçãoComo nem todos são iguais perante a lei — ou nem sempre a lei é igual para todos —, a estocadora de vento seria impichada em 31 de agosto de 2016, mas preservaria seus direitos políticos graças a uma vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Senado e do STF, respectivamente Renan CalheirosRicardo Lewandowski. Palmas para a Justiça brasileira!

Em junho de 1993, já indiciado em 41 inquéritos criminais, PC teve a prisão decretada, mas embarcou no Morcego Negro — pilotado por Jorge Bandeira de Mello — e se escafedeu. Após 152 dias foragido, despistando seguidamente a PF e a Interpol, e quatro meses depois de desaparecer em Buenos Aires, PC ressurgiu em Londres, 11 kg mais magro, sem seus famosos bifocais e disfarçado de príncipe árabe... e tornou a fugir enquanto se discutia sua extradição. O carequinha só seria capturado dali a três meses, depois que um turista brasileiro o viu caminhando lépido e fagueiro pelas ruas de Bangkok, na Tailândia.

PC foi extraditado, julgado e condenado a 4 anos de prisão por sonegação fiscal e 7 por falsidade ideológica. Collor cumpriu sua quarentena, disputou o governo de Alagoas, perdeu, elegeu-se senador e renovou o mandato até 2022. Em dezembro de 1995, depois de cumprir dois anos da pena, PC foi posto em liberdade condicional. Na cadeia, ele havia conhecido Suzana Marcolino, que lhe fora apresentada por uma antiga funcionária de uma de suas muitas empresas. A partir de então, a moça (24 anos mais nova do que ele) passou a ganhar joias, roupas caras, carro de luxo e uma generosa conta bancária. 

Suzana montou uma butique de grife em Maceió e era vista com frequência, ao lado do namorado recém-libertado, a bordo de uma luxuosa BMW branca conversível. Apesar da resistência geral da família, o idílio entre os pombinhos foi tórrido. Mas durou pouco: apenas seis meses transcorreram entre a saída de PC da prisão e a fatídica manhã de 26 de junho de 1966, quando ele e Suzana foram encontrados mortos na casa de veraneio na praia de Guaxuma, em Maceió, com um tiro no peito de cada um. 

Um grupo de 11 peritos — liderado pelo legista Badan Palhares, da Universidade Estadual de Campinas — concluiu que Suzana matou o namorado enquanto ele dormia se suicidou em seguida. Em depoimento à polícia, os quatro seguranças que guardavam a propriedade disseram ter ouvido o casal discutindo no quarto logo após o jantar, quando os convidados — o irmão Augusto Farias e a namorada — já tinham ido embora, mas que não ouviram os tiros porque era época de festas juninas. 

Descobriu-se que o revólver encontrado junto aos corpos havia sido comprado por Suzana uma semana antes do crime, e pago com um cheque da conta pessoal da moça. Pessoas próximas ao casal afirmaram que PC — que era chamado de “Morsa do Amor” por ser mulherengo e galanteador — andava traindo Suzana com Claudia Dantas, filha de um cacique político alagoano.

Quem é fã de séries policiais conhece a teoria do “triângulo do crime”, baseada em três pressupostos: motivo, técnica e oportunidade. Suzana satisfazia todos ele: o ciúme, o revólver e a alegada embriaguez de PC naquela noite. Mas muita gente não acreditou que o poderoso chefão do Esquema PC tivesse sido assassinado pela namorada às vésperas de depor ao STF numa investigação sobre suposto pagamento de suborno a membros do governo. Como Gustavo Bebianno, articulador da campanha de Bolsonaro à Presidência e ex-ministro da secretaria-geral da Presidência nos primeiros meses deste funesto governo, PC sabia demais, e a exemplo de Bebianno, havia anunciado que escreveria um livro detalhando todo o esquema.

Contrariando o laudo de Palhares e sua equipe, George Sanguinetti, coronel da PM e professor de Medicina Legal da Universidade Federal de Alagoas, ponderou que, pela localização do ferimento, posição do corpo de PC, estatura de Suzana e ângulo do disparo, “ela só poderia ter apertado o gatilho se estivesse levitando”, e que “passional não foi o crime, e sim o inquérito”.

Outras dúvidas começaram a pipocar quase simultaneamente na imprensa. O corpos dos pombinhos foram exumados e uma nova perícia confirmou a presença de pólvora nas mãos da suposta assassina, mas em pequena quantidade. Não foram encontrados resíduos de chumbo, bário e antimônio, elementos metálicos que integram as substâncias químicas iniciadoras da espoleta. 

O detalhe que mais chamou a atenção na “guerra dos laudos” foi a discussão sobre a altura real de Suzana. De acordo com Badan PalharesPalhares, ela media 1,67 m; segundo o novo laudo, ela tinha 10 cm a menos. Os legistas da segunda equipe recalcularam a trajetória da bala a partir da marca deixada na parede depois de o projétil transpassar o corpo de Suzana e concluíram que, se ela estivesse sentada na cama, como indicava a primeira reconstituição, o tiro deveria ter passado à altura de sua cabeça, e não atingido o pulmão esquerdo, como aconteceu. Ainda assim, o caso seguiu arquivado.

Em 1999, uma série de matérias publicadas pela FOLHA estampou oito fotos de Suzana ao lado de PC e de pessoas próximas ao casal. Mesmo de salto, a moça era mais baixa que o namorado, que media 1,63 m. O caso foi reaberto e o irmão de PCAugusto Farias, e os quatro seguranças que guardavam a casa onde o crime aconteceu foram indiciados. Da feita que Augusto exercia mandato parlamentar, seu processo foi remetido à PGR, que recomendou o arquivamento. O STF acatou a recomendação e o caso foi dado por encerrado.

Os seguranças foram a júri popular, mas o advogado contratado por Augusto para defendê-los alegou falta de provas. Em maio de 2013, todos foram absolvidos. Detalhe: o júri descartou a possibilidade de homicídio seguido de suicídio, mesmo considerando que “não há crime passional com único disparo, que o tiro deflagrado foi de profissional, e que Suzana jamais teria condições de ser a autora do disparo”. 

Segundo o laudo de Sanguinetti, a hemorragia interna com 1 litro de sangue no pulmão esquerdo e meio litro no pulmão direito da moça levava à conclusão de que a motivação do crime foi realmente “queima de arquivo” e que Suzana morreu porque estava no lugar errado na hora errada. Seu telefone celular jamais foi encontrado e o autor dos disparos permanece desconhecido até hoje.

Mais detalhes em Collor presidente: trinta meses de turbulências, reformas, intrigas e corrupção, do historiador Marco Antonio Villa; Relato para a história, do próprio Fernando CollorTrapaça: Saga política no universo paralelo brasileiro, de Luís Costa Pinto; e O pêndulo da democracia, de Leonardo Avritzer

domingo, 17 de outubro de 2021

NÃO PODE DAR CERTO — OITAVA PARTE

Insistir no mesmo erro esperando produzir um acerto é um dos melhores exemplos de idiotice conhecidos. Como se sabe, o primeiro passo para alguém sair de um buraco é saber que está nele. E o segundo é parar de cavar. Mas Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro, pareciam acreditar que um simples decreto poria fim a uma inflação galopante e recolocaria nos trilhos a economia tupiniquim. Como também é sabido, premissas erradas raramente levam a bons resultados.

No dia 28 de fevereiro de 1986 os brasileiros conheceram o funéreo Plano Cruzado. A moeda nacional, que até então era o Cruzeiro, sofreu um corte de três zeros e foi rebatizada como Cruzado. Preços, tarifas públicas e salários foram congelados, levando à queda de produção, que levou ao desabastecimento, que levou ao ágio, que levou à volta da inflação. Greves eclodiam por todo o país. Pecuaristas escondiam os rebanhos, fazendo com que a carne desaparecesse dos açougues (picanha, só no câmbio negro e a peso de ouro), enquanto empresários cobravam ágio e políticos raspavam o tacho do erário para emplacar apaniguados na assembleia nacional constituinte.

ObservaçãoEssa não foi a primeira vez que esse expediente foi utilizado para resgatar a credibilidade do dinheiro brasileiro: ao real, herdado do padrão monetário português e que era mais usado no plural (“réis”, “mirréis”, “contos de réis”), sucedeu o cruzeiro (em 1942), que perdeu os centavos em 1964. O cruzeiro novo foi implementado em 1967 (depois de novo corte de 3 zeros). A moeda perdeu o "novo" em 1970, os centavos em 1984 e de 3 zeros em 1886, quando, como dito, passou a se chamar cruzado. Novo corte de zeros ocorreria em 1989, dando origem ao cruzado novo, que voltou a se chamar cruzeiro em 1990, foi promovido a cruzeiro real em 1993 e, após ter o valor nominal dividido por 2.750, voltou às origens — ou seja, tornou a se chamar real — em 1º de julho de 1994, durante o governo de Itamar Franco (veja a tabela de conversão na imagem que ilustra esta matéria).  

Seis dias depois das eleições de 1986 a dupla dinâmica Sarney & Funaro lançou o Plano Cruzado II, que reeditou os erros anteriores e adicionou mais alguns, como o aumento de impostos, tarifas e preços de produtos e a mudança na forma de cálculo do índice da inflação. Em meio a esse descalabro, CUT e CGT promoveram o maior protesto já visto em Brasília, com direito a saques e depredações. Em fevereiro de 1987, o Brasil anunciou a suspensão unilateral, por prazo indeterminado, do pagamento dos juros da dívida externa. Ao comunicar o calote, Sarney exigiu apoio da população: “Nada de traição ao país, sob o pretexto de criticar o governo". A inflação, que já rondava os 15% ao mês, voltou subir — devido, sobretudo, à volta da indexação generalizada, que causava a assim chamada inflação inercial

Funaro pediu o boné e... avisou o PMDB que era candidato à presidência da República. Seu substituto, Luiz Carlos Bresser Pereira, editou o Plano Bresser, que, a exemplo dos prodígios anteriores, resultou em muito peido e pouca bosta. Em 1988, nova troca de comando na Fazenda trouxe Maílson da Nóbrega, que trouxe o Plano Verão, que virou "Plano Veremos" em poucos meses, mais exatamente no momento em que o governo perdeu o controle da inflação.

Nenhum dos choques econômicos do governo Sarney trouxe bons resultados. Os produtos sumiram das prateleiras, os fornecedores passaram a cobrar ágio e a inflação sempre voltava a subir. Entre os 22 postulantes à Presidência na eleição solteira de 1989, nomes como os de Ulysses Guimarães (líder do PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Mário Covas (PSDB) foram preteridos pelo eleitorado, que alçou ao segundo turno dois populistas demagogos. Pela direta, Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás de araque, e pela esquerda, Luis Inácio Lula da Silva, o desempregado que deu certo, fundador e eterno presidente de honra do partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam.

Com a hiperinflação lhe servindo de palanque, Collor derrotou o demiurgo de Garanhuns e tomou posse em 15 de março de 1990, quando a inflação rondava 2.000% ao ano. Desacreditado em impopular, Sarney mudou seu domicílio eleitoral para o recém-criado estado do Amapá — se o tivesse mantido no Maranhão, seu estado natal e reduto político, ele dificilmente teria conquistado uma cadeira no Senado. 

Na véspera da posse, Collor pediu a Sarney que decretasse 3 dias de feriado bancário para dar ao mercado financeiro tempo de se adequar às novas medidas econômicas — que tiveram efeitos imediatos sobre a inflação, mas não tardaram a fazer água, a exemplo dos "planos caracu" (o governo entra com a cara e o povo...) da gestão anterior. O Plano Brasil Novo (ou Plano Collor, para os íntimos), decretado via medida provisória, foi gestado pela ministra Zélia Cardoso de Mello, que seria protagonista de um tórrido affair com o ministro Bernardo Cabral — conhecido como Boto Tucuxi — e desposaria Chico Anysio (que se tornou "o humorista que se casou com a piada"). 

Para reduzir a pressão inflacionária, a sumidade delirante "enxugou" a liquidez do mercado através de um formidável confisco de ativos financeiros (contas-correntes, cadernetas de poupança e demais investimentos) com bloqueio ao acesso a tudo que excedesse 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 5 mil em valores atuais, quantia que a ministra admitiria, mais adiante, ter sido definida de forma aleatória). Os dinheiro retido foi convertido em cruzeiros (como voltou a se chamar a nossa moeda) e restituído 18 meses depois aos correntistas e investidores, em 12 parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 6% a.a., mas isso não evitou que uma brutal recessão (o PIB encolheu 4,5% em 1990) implicasse um aumento significativo no número de falências, infartos e suicídios.  

Entre os aspectos positivos do governo Collor, cito o início do processo de desestatização e a abertura comercial do país, que se deu com o fim da reserva de mercado e a redução gradual das tarifas de importação. Mas lembro que, durante a campanha, o candidato do PRN e sua equipe de lunáticos jamais revelaram suas desairosas intenções. O caçador de marajás de fancaria prometia acabar com a inflação e melhorar a economia, mas dizia que o faria através do combate à corrupção e da demissão de maus funcionários públicos.

Resumo da ópera: O Plano Collor I foi um fiasco, e sua versão 2.0 não foi muito melhor, pois aumentou tarifas públicas, decretou o fim do overnight e criou a FAF (Fundo de Aplicações Financeiras) e a TR (Taxa de Referência de Juros). Alguns economistas chegaram a dizer que o Brasil havia quebrado, pois os créditos ficaram mais caros e difíceis de obter. Isso sem mencionar que a inflação voltou a subir, o desemprego cresceu substancialmente, estatais foram vendidas a preço de banana e houve um desmonte das ferrovias e cortes de investimentos federais em infraestrutura.

Depois de míseros e miseráveis 5 meses, o Plano Collor II foi substituído pelo Plano Marcílio — assim chamado em "homenagem" ao economista Marcílio Marques Moreira, que sucedeu a Zélia como ministro da Fazenda. Em outubro de 1992, quatro dias antes de Collor ser afastado, Marcílio deixou o Ministério da Fazenda, que passou para o comando de Gustavo Krause

Entre o fim do Plano Marcílio e o início do Plano Real — lançado em julho de 1994, já na gestão de Itamar Franco e com Fernando Henrique Cardoso como dublê de ministro da Fazenda e primeiro-ministro informal — a inflação oscilou bastante, mas baixou dos 2.000% — patamar em que estava quando Collor assumiu — para "apenas" 1119,91% a.a. — índice registrado no final de 1229, quando o caçador de Marajás de fancaria deixou o Planalto pela porta dos fundos. 

Fernando Collor foi acusado de corrupção pelo irmão, Pedro, que, segundo se comentou na época, jogou merda no ventilador porque queria uma parte maior do butim e não foi atendido. Mas há quem diga que o furdunço foi deflagrado porque Fernandinho arrastou a asa para a cunhada Thereza (que, convenhamos, era muito mais atraente que a insossa primeira-dama).

Ao longo dos quatro meses que o processo de impeachment levou para ser instaurado e julgado, o autodeclarado homem macho de colhão roxo descobriu que a mão que afaga é a mesma que apedreja. Desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida — um bando de jagunços comandados por um mandatário investido da aura de salvador da pátria, mas que exsudava arrogância por todos os poros —, a opinião pública protagonizou uma verdadeira caça às bruxas. 

O clima de linchamento propiciou o afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. Novos escândalos surgiam diuturnamente, como se não bastasse a mera exposição de um amplo esquema de propinas. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca

Como diz o ditado, cada qual colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.

Continua...