UM BATE-PAPO INFORMAL SOBRE INFORMÁTICA, POLÍTICA E OUTROS ASSUNTOS.
sábado, 14 de maio de 2016
IMPEACHMENT ― CENAS DOS PRÓXIMOS CAPÍTULOS
domingo, 3 de maio de 2020
DE VOLTA À RENÚNCIA DE JÂNIO, SUAS CONSEQUÊNCIAS E OUTRAS CURIOSIDADES — PARTE 5
Durante quase nove horas — das duas e pouco da tarde de ontem até por volta das onze da noite —, Sergio Moro depôs no âmbito de uma investigação — aberta a pedido do procurador-geral da República e deferida pelo STF — na qual Augusto Aras apontou indícios de "falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra", que podem ter sido cometidos pelo presidente da República — ou pelo próprio Moro, caso a denúncia não se mostre verdadeira, já que ambos são investigados.
Bolsomínions atávicos e apoiadores do ex-ministro da Justiça confraternizaram (bem, não exatamente) defronte à sede da superintendência da PF em Curitiba (se o criminoso Lula ainda estivesse cumprindo sua pena na cela vip reservada especialmente para ele naquele edifício, poderia ter assistido de camarote aos protestos).
Até meados da tarde de ontem, Bolsonaro e seu entorno estavam tranquilos. “Moro não tinha provas de coisa nenhuma”, disseram fontes próximas ao presidente, ministros militares palacianos e o triunvirato de rebentos presidenciais que haviam acompanhado de perto a realização de um pente fino no telefone do capitão.
Resta saber se nada foi encontrado porque nada havia ou porque foram prévia e cuidadosamente eliminados quaisquer vestígios comprometedores. Não é preciso ter a mente dedutiva de um Sherlock para concluir que quem nada tem culpa no cartório não precisa que peritos escrutinem seu telefone para se assegurar que não sobrou gato escondido com o rabo de fora.
Duas perguntas que não querem calar:
1) Moro, que foi juiz federal por mais de duas décadas, seria estúpido a ponto de “fazer acusações gravíssimas” contra o presidente da República se não estivesse calçado em elementos capazes de comprovar as acusações? Eu duvido.
2) Se o ex-ministro “não tem provas de nada”, como disseram os puxa-sacos palacianos, o que fizeram ele, os policiais federais e os procuradores durante quase nove horas? Jogaram palitinho? Discutiram o sexo dos anjos?
Pouco antes da oitiva, Bolsonaro se referiu a Moro como Judas (e, en passant, se autopromoveu de Messias a Jesus Cristo) num post pelo WhatsApp sobre o atentado que sofreu em Juiz de Fora em 2018: “O Judas, que hoje deporá, interferiu para que não se investigasse? Nada farei que não esteja de acordo com a Constituição. Mas também NÃO ADMITIREI que façam contra MIM e ao nosso Brasil passando por cima da mesma”.
O teor do depoimento de Moro ainda não veio à público oficialmente. Segundo o Estado de S. Paulo e O Globo, textos e arquivos de áudio do ex-ministro e de seus auxiliares foram entregues à Justiça, mas o conteúdo não foi revelado.
Se ficar comprovado que o presidente cometeu algum crime comum no exercício do cargo, ele poderá ser denunciado ao STF por Aras (que foi escolhido por Bolsonaro para substituir Raquel Dodge no comando da PGR, e certamente morreria afogado se o presidente resolvesse tomar um banho de assento).
Detalhe: O Supremo só poderá dar andamento ao processo com autorização de dois terços da Câmara dos Deputados. Daí a razão de o presidente “que nada tem a esconder” mandar às favas as aparências, sentar-se sobre seus discurso de campanha contra a velha política do toma lá dá cá e passar e negociar cargos e verbas em troca de apoio de deputados venais dos partidos do Centrão.
Para quem não se lembra, assim fez o vampiro do Jaburu quando se tornou alvo das flechadas de Janot, e assim concluiu seu mandato-tampão, ainda que como um presidente pato-manco, subserviente ao Parlamento. Mas Temer era um político cuidadoso, comedido e escorregadio como bagre ensaboado. No mínimo, os 15 como presidente do PMDB ensinaram que, no trato parlamentar, pegam-se mais moscas com açúcar do que com vinagre.
Bolsonaro foi criado no confronto e graças a sua postura beligerante, quase troglodita, renovou seu mandato de deputado do baixo clero sete vezes, e foi também no grito que mobilizou sua militância para eleger-se presidente. Claro que a bandeira do antipetismo também foi fundamental, já que o bonifrate de Lula nunca foi uma alternativa válida para a parcela pensante do eleitorado. Mas isso é outra história. Vamos acompanhar o desenrolar dos acontecimentos e ver que aonde tudo isso vai nos levar.
POSTAGEM DO DIA:
“Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos — e eu não podia ser mais um”, disse o José Sarney em recente entrevista à revista Veja. Tivesse dito isso nos estertores de sua desditosa passagem pelo Palácio do Planalto, o ex-presidente entraria para a história não só como mandatário inepto, mas também como profeta, pois seu vaticínio se cumpriria no apagar das luzes de 1992, com o impeachment de seu sucessor, Fernando Affonso Collor de Mello.
A opinião pública já vinha desgostosa com a petulância e o despreparo da equipe collorida, um bando de jagunços comandados por um presidente tão investido da aura de salvador que exalava arrogância por todos os poros. Quando a caça às bruxa ganhou vulto, criou-se o clima de linchamento propício ao afloramento dos sentimentos mais mesquinhos. A cada dia se produziam mais escândalos, como se a mera exposição de um amplo sistema de propinas não fosse suficiente. Um dia era o Fernandinho do pó, no outro era o sujeito que fazia macumbas no porão da Casa da Dinda, que cantou a cunhada, que era maníaco-depressivo e que ficava em estado catatônico e precisava receber remédio na boca. Enfim, cada um colhe o que planta, e quem semeia ventos colhe tempestades.
Continua no próximo capítulo.
segunda-feira, 25 de outubro de 2021
A HORA DO IMPEACHMENT — PARTE II
Tudo
é questão de ponto de vista. Os 106.296 pontos de fechamento do Ibovespa, na última
sexta, ficaram parecendo uma alta depois de o índice ter atingido 102.854
pontos no pior momento do dia. Ainda assim, trata-se de uma queda de 1,34%.
Para minimizar o estrago causado pelo colapso do teto de gastos do país em prol de medidas populistas, Bolsonaro e Guedes tentaram terminar o dia menos pior com uma coletiva de imprensa, e obtiveram sucesso até certo ponto, embora o posto Ipiranga tenha reafirmado que manterá tudo aquilo que disseminou o caos na semana: o Bolsa Família turbo ficará fora do teto de gastos, que agora é retrátil — voltará a ser usado em algum momento — e que haverá ainda o pagamento de R$ 400 aos caminhoneiros, inconformados com a alta nos preços dos combustíveis.
Guedes deixou claro que ficará ao lado do chefe até o fim, diferentemente da sua equipe, que debanda a cada nova medida fiscalmente irresponsável. Foi o único consolo para a Faria Lima — se nem o "superministro" consegue controlar Bolsonaro e a turma do Centrão, é bom nem pensar no que aconteceria se ele pedisse o boné.
"Entendemos que teto é símbolo, mas não deixaremos passarem fome para tirar 10 em fiscal", afirmou Guedes durante a entrevista. O problema é que estão elevando os gastos sem parar, de auxílio em auxílio, sem cortar outras despesas.
No início, a falastrice da dupla até que pegou bem — apesar de todo o caos e das quedas em Nova York, a B3 chegou a sair do vermelho. Mas a alta foi pífia e não se sustentou, e o balanço da semana causaria arrepios até em Stephen King, o mestre do terror: a Bolsa acumulou queda de 7,3%, o dólar fechou a semana com alta de 3,16% e os juros futuros seguiram escalando o Everest chamado risco fiscal brasileiro.
Observação: Noves fora Bolsonaro, ninguém ganha com a permanência de Guedes à frente da Economia. Na verdade, todo mundo perde — como vem perdendo desde quando ele e o capetão assumiram seus cargos. Sob essa parelha, o Brasil caiu de oitava para décima terceira economia, voltando ao mapa da fome com o surgimento de dezenas de milhões de miseráveis. O economista liberal que colocaria o país nos trilhos era uma fraude — a exemplo da fraude que o nomeou. Ambos estão destruindo o Brasil, e agora falam em privatizar a Petrobras — o que seria bom, não fosse o fato de a intenção de mimí e cocó ser obter mais recursos para vitaminar o Bolsa Família e torrar na campanha presidencial. Guedes passou de ministro a cabo eleitoral e provável tesoureiro da campanha do capetão. E salve-se quem puder, pois tudo indica que essa junta reeditará o desastre produzido pela gerentona de araque buscando a reeleição a qualquer custo, quebrando o País e depois dizendo “tchau queridos”. Foi constrangedora (para não dizer patética) a coletiva em que Bolsonaro disse que está com Guedes e não abre (faria melhor se não abrisse a boca), enquanto Zero "Rachadinha" Um, da primeira fila, liderava o cordão dos puxa-sacos. Até onde a vista alcança, ao terror das empregadas domésticas resta somente o apoio da Famiglia Bolsonaro (e só Deus sabe até quando). Se serve de consolo para o povão que padece sob o capetão, seu algoz será vítima de Guedes no ano que vem, e não se reelegerá, pelo bem do Brasil.
Impeachment vem do inglês "to impeach" — o ato de incriminar ou acusar, especialmente uma autoridade, de má conduta ou traição. A expressão é uma adaptação anglófona do francês, "empêcher", que em português significa “impedir”. Em sentido literal, é o processo que impossibilita as ações de alguém. Na política, é o impedimento do exercício do mandato de uma autoridade.
Esse conceito foi colocado em prática pela primeira vez no século XIV, no longínquo ano de 1376, quando um britânico chamado Lord Latimer foi alvo de afastamento da Câmara dos Comuns — o Parlamento Inglês —, acusado, entre outras coisas, de corrupção. Os autores da Constituição dos Estados Unidos adaptaram o sistema britânico e ajudaram a espalhar o conceito pelo mundo. Hoje, 94% dos países presidencialistas incluem mecanismos constitucionais capazes de destituir suas autoridades. E não é como se esse fosse um recurso pouco utilizado. De 1990 a 2020, num intervalo de apenas três décadas, houve pelo menos 272 acusações de impeachment contra 132 diferentes chefes de Estado, em 63 países no mundo — só a Noruega apelou para esse dispositivo oito vezes desde 1927.
Embora a saída definitiva do cargo seja algo relativamente raro, isso ocorreu aproximadamente uma vez a cada dois anos nos últimos 30 anos — foram os casos, por exemplo, do filipino Joseph Estrada, em 2001, e da coreana Park Geun-hye, em 2017. Entre 1978 e 2019, a América Latina viu dez presidentes de seis países serem destituídos do cargo por meio do impeachment — ou da renúncia — como tentativa de fugir do impeachment. Isso aconteceu, por exemplo, com o venezuelano Carlos Andrés Pérez, em 1993, e com o peruano Pedro Pablo Kuczynski, em 2018.
O Brasil teve cinco processos de impeachment contra presidentes da República. O primeiro deles em 1954, contra Getúlio Vargas, que acabou rejeitado pelo parlamento, mas a pressão política foi tamanha que Vargas se suicidou dois meses depois, com um improvável tiro no peito. Dada a morte do caudilho, Café Filho, seu vice, herdou seu lugar, mas logo se afastou do cargo por problemas de saúde. A posição mais alta do país foi ocupada pelo então presidente da Câmara, um sujeito de quem a maioria de nós nunca ouviu falar: Carlos Luz.
Luz entrou para a história por dois motivos. Em primeiro lugar,
é dele o recorde do mandato presidencial mais curto da República — míseros 3
dias. Em segundo lugar, ele foi o primeiro presidente brasileiro afastado do
cargo por um processo de impeachment.
Quando Café
Filho recebeu alta médica e tentou reassumir a presidência, ele também
acabou afastado — o que significa dizer que tivemos dois processos
bem-sucedidos de impeachment em 1955. Para além desses, Fernando Collor,
em 1992, e Dilma Rousseff, em 2016, tiveram o mesmo destino.
Muitos
países estabelecem bases relativamente subjetivas para o impeachment. Na
França, o presidente pode ser afastado por qualquer "violação de seus
deveres que seja claramente incompatível com o exercício de seu mandato".
Na Tanzânia, o presidente pode ser destituído se ele "se comportar de
maneira que diminua a estima do cargo de presidente".
Dezessete
países dão a uma câmara alta — o Senado — a palavra final sobre o impeachment;
61 concedem essa palavra a tribunais ou conselhos constitucionais. No Brasil,
os senadores decidem se o presidente deve ser afastado, mas é o STF que
garante a legitimidade do processo.
Um
mandatário tupiniquim sofre impeachment quando comete um crime de
responsabilidade, conforme previsto na Constituição Federal e
na Lei do Impeachment. São crimes de responsabilidade atentar
contra 1) a existência da União; 2) o livre exercício do Poder Legislativo, do
Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das
unidades da Federação; 3) o exercício dos direitos políticos, individuais e
sociais; 4) a segurança interna do País; 5) a probidade na administração; 6) a
lei orçamentária; e 7) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Jair Messias Bolsonaro recebeu cerca de 140 pedidos de impeachment
desde que assumiu a presidência. Ao todo, esses pedidos foram assinados por
mais de 1.550 pessoas e 550 organizações. Nenhum presidente na história do
Brasil recebeu tantos pedidos de impeachment — Dilma teve
68; Lula, 37; Temer, 31; e FHC, 24. Ou
seja, é preciso somar o total de pedidos de impeachment dos últimos 20 anos
para ombrear com o número alcançado pelo mandatário de turno em 1.000 dias de
desgoverno. Entre eles há a lista de dezenas de crimes, em diferentes
categorias — incluindo o repetido discurso de ameaça à independência e harmonia
entre os Poderes.
O
impeachment oferece às democracias presas em crises de natureza política a
chance de um "hard reset", além de funcionar como freio contra
os abusos e as ameaças de poder, mecanizado para defender o país da
incapacidade, da traição e da negligência de um presidente.
A
democracia é um modelo político superior às ditaduras não porque carrega uma
fórmula mágica que elege os melhores, mas porque tem instrumentos capazes de
impedir que os piores permaneçam no poder.
Ao
fim e ao cabo, a melhor resposta para um apologista de ditadura ocupando a
presidência da República — desqualificado, impotente e desacreditado pelas
demais instituições republicanas — é a própria democracia. Mas não há
impeachment sem participação popular.
Insatisfação política sem protesto nas ruas não promove afastamento de presidente, mas nota de repúdio. No passado recente, com multidões tomando as ruas, nosso país venceu a inaptidão de líderes à direita e à esquerda, condenados pelo processo de impeachment. É a hora e a vez desse destino alcançar Jair Messias Bolsonaro.
Com Tássia Kastner, Guilherme Jaques e Rodrigo da Silva
P.
S. Retomaremos nossa sequência histórica na próxima quarta-feira.
domingo, 26 de maio de 2019
É O FIM DA PICADA!
terça-feira, 23 de agosto de 2022
O IMPEACHMENT QUE NÃO HOUVE (CONTINUAÇÃO)
Algumas nações estabelecem bases relativamente subjetivas para o impeachment. Na França, o presidente pode ser afastado por qualquer "violação de seus deveres que seja claramente incompatível com o exercício de seu mandato"; na Tanzânia, caso o mandatário "se comporte de maneira que diminua a estima do cargo". Dezessete países dão a uma "câmara alta" — como o nosso Senado — a palavra final sobre o processo, e 61 concedem-na a tribunais ou conselhos constitucionais.
No Brasil, o Congresso decide se o presidente deve ser afastado por crime de responsabilidade, mas é o STF que garante a legitimidade do processo. De acordo com a Constituição Federal e a Lei do Impeachment, são considerados crimes de responsabilidade atentar contra a existência da União; o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurança interna do País; a probidade na administração; a lei orçamentária; e o cumprimento das leis e das decisões judiciais.
Além de proporcionar a chance de um "hard reset" a democracias presas em crises de natureza política, o impeachment funciona como freio contra abusos e ameaças de mandatários com vocação para tiranete, mas também defender o país da incapacidade, da traição e da negligência de um presidente.
A melhor resposta para um apologista desqualificado, incompetente, desacreditado e saudoso da ditadura ocupando a presidência da República é a própria democracia. Bolsonaro coleciona 145 pedidos de impeachment — mais que a soma dos 31 de Temer, 68 de Dilma e 37 de Lula.
O problema é que não há impeachment sem vontade política, e a vontade política advém da pressão popular. Insatisfação sem protesto nas ruas não derruba presidente. No passado recente, o Brasil venceu a inaptidão de líderes à direita e à esquerda, que foram apeados mediante processos de impeachment, mas sempre com multidões tomando as ruas.
Continua...
segunda-feira, 14 de junho de 2021
O PODER, OS PODEROSOS E O QUE SE PODE FAZER
Em entrevista reproduzida pela BBC Brasil, o coronel da reserva Marcelo Pimentel Jorge de Souza disse que os militares voltaram ao poder para ficar, com ou sem Bolsonaro. Segundo ele, os 17 generais que formam o Alto Comando do Exército (dos quais 15 exercem cargos na Esplanada dos Ministérios ou em estatais, autarquias e órgãos de fiscalização) formaram um “Partido Militar” para eleger o ex-capitão, e assim chegar ao poder sem ruptura institucional.
O grupo teria começado a se articular no início da década passada, em parte pelo fato do país ser governado, então, por uma ex-guerrilheira. E foram eles que procuraram Bolsonaro, não o contrário (um registo do encontro está no canal no YouTube de Carlos Bolsonaro).
A candidatura do hoje
presidente foi cuidadosamente planejada para disfarçar o envolvimento do grupo.
Na escolha do vice, por exemplo, falou-se em Magno Malta, no príncipe Luiz
Philippe de Orléans e Bragança e na advogada Janaína Paschoal. Mas a
única dúvida era se seria o general Augusto Heleno ou o general Hamilton
Mourão — devido à idade do primeiro, optou-se pelo segundo.
Pimentel atuou junto com Santos Cruz em 2016, supervisionando um grupo de trabalho do Estado Maior do Exército que era orientado pelo general, que já havia passado para a reserva e mais adiante, assumiu um cargo no primeiro escalão do Governo do capitão, no qual permaneceu por sete meses, até ser demitido devido a ataques de Carlos Bolsonaro e apoiadores do presidente. “Talvez o Mourão passe para o segundo turno, talvez seja o Santos Cruz”, especula o coronel. “Mas o Partido Militar vai estar no segundo turno no ano que vem.”
O general Santos Cruz disse à reportagem que não quer comentar sobre as “divagações” de seu ex-subordinado, e o Exército e o Planalto não retornaram o contato da emissora.
Observação: Sobre a motociata do capetão, Santos Cruz assim se pronunciou: “A mentalidade anarquista do presidente age para destruir e desmoralizar as instituições, e banalizar o desrespeito pessoal, funcional e institucional. Junto com seguidores extremistas, alimenta um fanatismo que certamente terminará em violência.” Talvez fosse bom lhe dar ouvidos.
Pimentel diz ainda que a ida de Pazuello para
o Ministério da Saúde foi um erro de cálculo do Partido Militar: “Tentaram
fazer uma publicidade da capacidade do Exército brasileiro de resolver
problemas, pensando que os números iam cair, e quem estaria à
frente do ministério seria um general da ativa vendido como ‘o rei da logística’.”
A pandemia se agravou e Pazuello deixou o ministério muito
criticado e é alvo de investigação por causa do colapso do sistema de
saúde em Manaus. Ainda assim, virou secretário do presidente e discursou num
ato em apoio a seu governo. Na avalição do coronel, a
decisão do Exército de não punir Pazuello comprova a politização das
Forças Armadas. “Ficou estranha essa decisão, porque com indisciplina não
se transige. É a base da instituição.”
No sábado 12, o presidente promoveu outra “motociata”
e foi multado pelo governo de São Paulo por desrespeitar as leis sanitárias do
Estado. Como se não bastassem as aglomerações produzidas pelo comício, o
capitão transgrediu a lei ao andar numa moto com a placa oculta.
Adulterar placas, lembra o jornalista Guilherme Amado, viola o Código
Penal, que prevê pena
de três a seis anos de reclusão, além de multa, a quem comete esse tipo
de infração.
Observação: Durante a manifestação bolsonarista,
um motociclista perdeu o
controle, caiu e acabou derrubando outros participantes. Uma pessoa ficou deitada no asfalto esperando atendimento médico.
Ao contrário dos índices de aprovação de sua gestão, o presidente — que vestia
uma jaqueta bordada com seu retrato eu usava um capacete com a inscrição “presidente
Bolsonaro” — não caiu.
Ricardo Kertzman anotou em sua coluna na ISTOÉ que não deixa de ser curioso o nome da motociata do capetão ser Acelera para Cristo:
“Cristo? Milhares de irresponsáveis se aglomerando e espalhando o novo coronavírus jamais seria obra Dele? O Motoqueiro Fantasma é um anti-herói do bem. Renascido do fogo do inferno, retorna à Terra para combater o mal. Já o amigão do Queiroz (aquele miliciano que entupiu a conta da primeira-dama com 90 mil reais em ‘micheques’) é o próprio demônio encarnado. Sua missão é destruir, ofender, promover o ódio e a discórdia e, claro, espalhar vírus e causar mortes.
Em culto a si mesmo e à sua personalidade macabra, o devoto da cloroquina sequestra a imagem de Cristo e usurpa o cristianismo em causa própria. O rolê jamais foi para o mais pródigo dos filhos de Deus, e sim para o líder da seita fanática do bolsonarismo, que trajava uma camisa com sua própria foto e um elmo com seu próprio nome. Bolsonaro é tão lunático e tão psicopata que não me surpreenderia a equiparação a Cristo.
Certa feita, Lula, o meliante de São Bernardo, comparou-se a Deus. Essa espécie de gente acaba acreditando naquilo que seus devotos lhe oferecem, ou seja, a divindade sob forma humana (eu disse humana?). Mas, no final do dia, se deparam com a mediocridade e finitude que a imagem carcomida que o espelho atira em suas caras desavergonhadas.”
Bolsonaro cometeu diversos crimes de
responsabilidade, mas é protegido por um “escudo político” que inclui até Lula,
que prefere tentar derrota-lo nas urnas, avalia o professor de direito da
Universidade de São Paulo Rafael Mafei, autor do livro Como
Remover um Presidente — Teoria, história e prática do impeachment no Brasil
Em entrevista
ao Estadão, Mafei afirma que o impeachment é um remédio
amargo que deve ser reservado como último recurso para proteger o país de um
presidente tirano ou criminoso que tenha conseguido vencer as eleições, mas vacilar na sua aplicação quando ele
for indispensável pode ter efeitos trágicos para a democracia.
Uma das hipóteses emergenciais nas quais o uso desse
instrumento seria necessário, segundo Mafei, é o exercício da
Presidência por Jair Bolsonaro. Não há, segundo ele, nenhuma dúvida
jurídica de que o presidente tenha cometido crimes de responsabilidade. Como
exemplos, Mafei cita a violação ao direito à saúde no contexto da pandemia
— que ficou ainda mais claro com os trabalhos da CPI do
Genocídio — e o fato de o mandatário agir de modo incompatível com a
dignidade, a honra e o decoro do cargo ao usar o poder comunicacional de sua
posição para agredir instituições, incitar comportamentos contrários à lei,
estimular indisciplina de instituições militares e a hostilidade entre
instituições militares e civis.
Cerca de 120 pedidos de impeachment dormitam placidamente
sobre a mesa do deputado-réu Arthur Lira, que se elegeu presidente da Câmara
com o apoio do chefe do Executivo e recursos do “orçamento
paralelo” (ou “Tratoraço”, como queiram). Lira não dará andamento a
nenhum deles (a exemplo de como fez seu antecessor) enquanto Bolsonaro
mantiver seu “escudo político” de apoiadores e seus adversários acharem que a melhor solução é derrotá-lo
nas urnas. Mas que respeito terão pelo TSE um presidente e uma matula de
apoiadores que não têm o menor respeito pelo STF? (Falo do Supremo
como instituição, porque a maioria dos togados... enfim, deixa pra lá).
Mafei apresenta em seu livro uma análise detalhada
dos impeachments de Collor e Dilma. O primeiro
serviu para o país estabelecer as regras do procedimento, mas teve um ar festivo, a despeito de o impeachment ser
Remover do cargo um presidente descomprometido com as
instituições, perigoso para a sobrevivência e para a integridade delas, e que
não possa ser contido de outra maneira é, em última análise, permitir que o destino da democracia de um país fique rendido nas
mãos de um tirano ou de
Observação: Ao longo de seus 130 anos de história republicana, o Brasil teve 35 presidentes que chegaram ao poder pelo voto popular, por eleição indireta, via linha sucessória ou por golpe de Estado. Oito deles, a começar do primeiro, foram de alguma maneira apeados do poder.
Observação: O art. 2º Título X, no Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, dispõe que: “no dia 7 de setembro de
1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) que devem vigorar no País.” Mais adiante, a emenda nº 2, de 25 de agosto de 1992, antecipou o
plebiscito para 21 de abril de 1993 e determinou que seus efeitos vigessem a
partir de 1º de janeiro de 1995. Mas faltou combinar com os burros, e aí
deu zebra — uma zebra que emprenhou e pariu o presidencialismo de
coalizão (ou de cooptação, como queiram).
É importante salientar que, quando o impeachment de Collor começou a ser cogitado, o que se tinha era a lei de 1950 e o Brasil jamais havia vivenciado um impedimento de chefe do Executivo (nem mesmo de governador de Estado). Quando a Câmara aprovou a abertura do processo, o Senado não tinha ideia de como conduzi-lo, e assim coube ao Supremo esclarecer as regras do jogo.
Num almoço que reuniu os
então presidentes do STF e do Senado, o ministro Sydney
Sanches entregou ao senador Mauro Benevides duas folhas com o rito
do impeachment, escrito quase que integralmente pelo ministro Celso de Mello, e disse: “Se vocês seguirem isso aqui, nós não vamos interferir em nada”.
O processo que resultou na renúncia de Collor (que foi julgado culpado e inabilitado politicamente por 8 anos) foi como que uma micareta cívica. Mas o impeachment não só é um processo traumático como
acarreta um custo político astronômico. Essa percepção é importante para evitar
que se lance mão da medida em situações que não a exijam. Por outro lado, se
ela for realmente indispensável, vacilar na sua aplicação pode ter efeitos
trágicos para o país. Nos anos 1970, quando o então presidente norte-americano Richard
Nixon renunciou para não ser cassado, um dos primeiros atos de Gerald
Ford foi perdoar o antecessor para pôr uma pá de cal sobre o assunto.
Mafei diz não ter dúvidas de que Bolsonaro
cometeu crimes de responsabilidade, sobretudo no contexto da pandemia. Segundo
ele, dois crimes estão claramente configurados. O artigo sétimo da Lei do Impeachment tipifica como crime de responsabilidade violar, patentemente, qualquer
direito social assegurado na Constituição
A CPI tem evidenciado que o presidente claramente optou por sacrificar a saúde dos brasileiros e inviabilizar políticas essenciais no combate à pandemia, pois, se a economia fosse mal, sua reeleição estaria comprometida, mas se a saúde fosse mal e centenas de milhares de pessoas morressem (como de fato aconteceu), a culpa seria dos governadores e prefeitos. É por isso que Bolsonaro insiste na tese de que o STF o afastou do comando do gerenciamento da crise. Somada a seu discurso negacionista, essa falácia estimula seus apoiadores de raiz a demonizar qualquer um que defenda o distanciamento social (e, por extensão, do uso de máscaras e demais medidas preventivas).
O segundo crime do capetão consiste na violação ao artigo 9º da Lei do Impeachment, no tocante a proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo. Bolsonaro falou muita bobagem em seus 28 anos de deputância, mas o que disse como deputado tem um impacto insignificante se comparado ao das aleivosias que ele regurgita como presidente.
Observação: O dispositivo legal retrocitado visa justamente
impedir que o chefe do Executivo use seu poder retórico e verbal para agredir
instituições, incitar comportamentos contrários à lei, estimular indisciplina
de instituições militares e hostilidade entre instituições militares e
instituições civis. Se o comportamento de Bolsonaro não viola a
dignidade, a honra ou o decoro do cargo, esse crime precisa ser elidido da lei,
posto que não existe e, portanto, não é possível cometê-lo.
Bolsonaro é um criminoso político que desafia o impeachment escudando-se em seus apoiadores e no fato de seus adversários insistirem em derrotá-lo nas urnas. A estes, cumpre lembrar que a prudência recomenda não ferir quem não se pode matar. Atores políticos que já estiveram no círculo de proximidade do presidente hoje se bate pelo impeachment — caso de Alexandre Frota, Kim Kataguiri e Joice Hasselmann, entre outros —, mas para isso seria preciso que todos se unissem e que o impeachment em si fosse o “plano A”.
Derrotar Bolsonaro nas urnas vai muito além de fazer
campanha e apurar o resultado das urnas. Ele já deixou isso evidente ao fazer eco à falácia trumpista de fraude eleitoral e ao insistir no restabelecimento do voto impresso no Brasil (detalhe: nos EUA ainda se
utilizam cédulas). Demais disso, já cuidou de aparelhar a PF, a Abin,
a PGR, a AGU, a CGU, o Ministério da Saúde, as presidências
da Câmara e do Senado e as Forças Armadas.
Observação: Quem não se lembra do motim
da PM do Ceará, do descumprimento da Polícia Civil do RJ às restrições
impostas pelo STF a operações em comunidades, da ação truculenta da PM
pernambucana, que
disparou balas de borracha contra manifestantes que saíram às ruas para
protestar contra o governo, entre tantos outros exemplos?
A derrota de Bolsonaro nas urnas (que seria
providencial, mormente se o candidato vitorioso fosse outro que não certo ex-presidente
ex-presidiário e “ex-corrupto”) pode dar azo a uma batalha campal, uma situação
caótica muito mais grave que a invasão do Capitólio
pela caterva trumpista em 6 de janeiro passado. Alguém deveria dizer isso a Lula, Leite, Doria e a quem mais tencione disputar a presidência em 2022, até porque a janela de oportunidade do impeachment vai se fechando conforme o início oficial da disputa se aproxima.
Bolsonaro se preocupa apenas em proteger a filharada, acirrar sua militância e fazer campanha pela reeleição — embora o fim da reeleição tenha sido uma de suas principais promessas de campanha em 2018 — e nem se dá ao trabalho de fingir que respeitará o resultado das urnas se vier a ser derrotado em 2022. Repete ad nauseam que não confia no processo porque, em 2018, sua vitória no primeiro turno não foi reconhecida, como relembrou na semana passada ao discursar para lideranças evangélicas em Anápolis (GO). Mas a pergunta que não quer calar é: se tem mesmo provas, por que ele não as apresenta? Se havia mesmo um plano para roubar sua eleição, como explicar sua vitória no segundo turno?
Numa das vezes em que tratou dessa acusação, o ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, lamentou que o Brasil não é mesmo um país para amadores, lembrando a famosa máxima de Tom Jobim. “Só aqui o ganhador reclama de fraude”, disse o magistrado.
Em sua carreira política, Bolsonaro venceu oito eleições consecutivas, sendo seis delas já no esquema de voto digital. Mas coerência nunca foi mesmo o forte do presidente, assim como as análises precisas sobre eventos importantes ocorridos na história do Brasil. Fraudes existiam em abundância no passado das velhas cédulas de papel, problema que foi eliminado com as urnas eletrônicas, cuja confiabilidade é constantemente avalizada por auditorias internas e organismos internacionais. “É como voltar aos tempos do orelhão”, disse Barroso.
Essa insistência dos bolsonaristas em praticar o
terraplanismo eleitoral serve como tentativa diversionista em meio à atual
crise de popularidade do governo, e não passaria de mais uma aleivosia do lunático inquilino de turno do Planalto se não servisse de
combustível para movimentos antidemocráticos. Não por acaso, insuflados pelo
seu líder, os bolsomínions ameaçam armar um circo semelhante,
avisando que não vão reconhecer o resultado do pleito de 2022 sem a impressão
do voto. E o mito mitômano lhes dá corda: “Lula só ganha na fraude”.
Como salientou Mauricio Lima na Carta ao Leitor publicada na edição impressa de VEJA desta semana, não
bastasse o custo estimado em R$ 2 bilhões de reais para a adaptação do atual
sistema, a medida abre uma perigosa brecha para a judicialização das eleições,
com o potencial surgimento de hordas de derrotados exigindo nos tribunais a
recontagem dos votos. Em meio a tantos problemas da atualidade, tudo de que o
Brasil não precisa é ser assombrado por fantasmas do passado.
segunda-feira, 18 de maio de 2020
ALEA JACTA EST — E QUE DEUS NOS AJUDE A TODOS
Além de debelar a crise sanitária e seus efeitos nefastos na economia, o país precisa combater outro adversário. Este, porém, nada tem de invisível. Tem nome, sobrenome e endereço conhecidos (embora também se apresente como "Airton Guedes", "Rafael Augusto Alves da Costa Ferraz" e "paciente 05"). Trata-se de alguém em quem fomos obrigados a votar a contragosto, para evitar um mal maior. Mas jamais imaginamos que estaríamos criando o monstro que aí está.
Sabíamos tratar-se de um anormal e mau militar (na definição irreprochável do ex-presidente general Ernesto Geisel), que foi defenestrado do Exército por planejar explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias, que se elegeu deputado federal sete vezes seguidas e, ao longo de longos 27 anos e fumaça como parlamentar do baixo clero, aprovou dois projetos e colecionou mais de trinta ações criminais (a maioria movida por políticos de esquerda, mas até aí morreu o Neves).
É certo que o momento não poderia ser pior para um impeachment, como adverte o presidente da Câmara dos Deputados. Mas o mesmo se poderia dizer em relação à demissão não de um, mas de dois ministros da saúde, em menos de 30 dias, por um presidente que não se sabe se é maquiavélico ou demente. E isso em meio à mais grave crise sanitária dos últimos 100 anos — situação em que alguém experiente e muito bem assessorado no comando do Ministério da Saúde faria toda a diferença.
Bolsonaro — que ganhou no quartel o apelido de "Cavalão" — não quer um ministro da Saúde, mas um fantoche, um áulico que ecoe as suas ideias para o setor. Ninguém com um pingo de dignidade, ou que tenha uma reputação a zelar, ou pura e simples vergonha na cara aceitará o papel de submissão aos “achismos” e obsessões presidenciais, exigência determinante do capitão para a sobrevivência de seus auxiliares. Sendo assim, talvez a única solução seja recorrer à disciplina militar.
Se Cavalão, digo, se Bolsonaro abdicasse do posto de ministro da Saúde para assumir a Presidência — cargo para o qual foi eleito por 57,7 milhões de brasileiros —, algo de bom poderia acontecer, sobretudo se fizesse uma autocrítica e abrisse um canal de diálogo sincero com governadores e prefeitos. Como o único tipo de autocritica que o presidente conhece é a autocritica a favor, o que vem por aí é a continuidade de uma corrida insana, com o capitão trevoso disputando com o vírus o comando da crise.
Impeachments, houve dois na era pós-ditadura: Collor, em 1992, e Dilma, em 2016 (tecnicamente, houve outros casos desde a proclamação da República, mas alguns não resultaram em deposição e outros que... enfim, não é o momento para maiores delongas).
Os autores alegam "omissão do Legislativo" em avaliar a abertura de impeachment do presidente. O decano pediu “prévias informações” a Rodrigo Maia, que classificou o afastamento como “solução extrema” e pontuou que não há norma legal que fixe prazo para a avaliação dos pedidos protocolados no Congresso. A decisão por arquivar, ou não, a ação cabe ao relator, ministro Celso de Mello.
O linguajar rastaquera, os modos rústicos e a ignição instantânea fazem parte do DNA do capitão caverna, mas os temas tratados na reunião parecem ter aguçado os seus maus bofes. Em certos trechos, ele se dirigiu aos subordinados como se estivesse fora de si, e sempre que isso ocorre ele não consegue esconder o que tem por dentro.
Aos devotos que carregam seu andor nas redes sociais, Bolsonaro disse o seguinte: "São dois trechos de 30 segundos que interessam ao processo. Mas, da minha parte, autorizo a divulgar todos os 20 minutos, até para ver dentro de um contexto. O restante a gente vai brigar. A gente espera que haja sensibilidade do relator [Celso de Mello]. É uma reunião reservada nossa.”
Aras está sendo pressionado pelas duas partes. Por um lado, a pressão interna, vinda dos procuradores, é pela denúncia, sobretudo depois de terem visto a gravação e interrogado as testemunhas. Há informações de que, ao receber os primeiros detalhes sobre o vídeo, o PGR soltou um palavrão de espanto diante dos relatos. De outro lado, a pressão vem do Cavalão, digo, do presidente, que acena ao procurador com a vaga do decano no STF, mas insinua que a indicação dependeria da atuação de Aras.
À medida que as provas se acumulam, arquivamento desse processo fica mais difícil. O advogado constitucionalista Gustavo Binemboim, muito antes de o vídeo da reunião ministerial se tornar o busílis da questão, escreveu um artigo em que explica os padrões decisórios consolidados para situações de incerteza no direito processual penal: in dúbio pro societate (em dúvida, a favor da sociedade), pelo recebimento da denúncia, no início do processo; in dúbio pro réu (em dúvida, a favor do réu) quando do julgamento final. “Na instauração da ação penal, prefere-se correr o risco de processar suposto inocente a inocentar possível culpado. No veredicto final, havendo dúvida razoável, prefere-se inocentar eventual culpado a condenar virtual inocente”.
Toda investigação é um quebra-cabeça que vai sendo montado peça por peça. Se alguma for esquecida, não se forma a figura final. Aras precisa levar em conta as atitudes pregressas do Cavalão, digo, do presidente, que desde agosto fala publicamente que quer mudar o comando da PF no Rio. Cabe ainda ao PGR analisar cuidadosamente o ambiente da reunião ministerial. Bolsonaro disse que em nenhum momento se referiu à Polícia Federal; os ministros Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos disseram que ele falou, sim, mas em outro momento da reunião, em outro contexto. Depois, tiveram uma crise de amnésia — que acometeu também o general Heleno. É preciso ver o vídeo inteiro para juntar as peças do quebra-cabeça. Um bom passatempo para o decano na quarentena.