Mostrando postagens com marcador insegurança jurídica. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador insegurança jurídica. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

SOBRE O JULGAMENTO DO ENÉSIMO HABEAS CORPUS DE LULA



LULA NÃO É VÍTIMA DE SÉRGIO MORO. O BRASIL É QUE É VÍTIMA DE LULA.

Na postagem do último sábado eu comentei que o pedido de “vista obstrutiva” chegou ao STF de carona com o deputado Nelson Jobim, que foi nomeado pelo ex-presidente FHC. O propósito original, todavia, que era dar mais tempo ao magistrado para formar seu juízo sobre o processo, acabou desvirtuado e o pedido de vista, usado para obstruir as votações.

Na quinta-feira 29, durante o julgamento do “insulto natalino” de 2017, tanto o ministro Luiz Fux quanto o presidente da Corte, Dias Toffoli, lançaram mão desse estratagema; o primeiro para evitar que o indulto representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários condenados por crimes de corrupção, e o segundo para interromper a votação da liminar que impediu Temer de indultar os acusados de crimes do colarinho branco. E a cena se repetiu anteontem, por ocasião  do julgamento do enésimo habeas corpus de Lula no processo do tríplex no Guarujá.

Observação: Vale ressaltar que o pedido da defesa no caso em tela vai além da liberdade do ex-presidente corrupto. O que se pretende é anular o processo com base na suposta parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, a despeito de a condenação ter sido confirmada em segunda instância (e a pena, aumentada de 9 anos e meio para 12 anos e um mês de reclusão) e de mais de 70 recursos da defesa terem sido rejeitados. Mexer com o futuro ministro da Justiça — tido e havido pela opinião pública como a esperança da nação contra os crimes de colarinho e a melhoria da segurança pública — em apoio a uma defesa mais política do que técnica do ex-presidente petralha seria seguir o caminho oposto àquele sugerido pelo próprio Dias Toffoli ao assumir a presidência do STF. A pressão popular, combinada com o risco de inviabilizar as medidas adotadas por um governo legitimado pelas urnas, sugerem uma Corte de maior autocontenção em matérias que não digam respeito a direitos fundamentais. Mas não é assim que pensam Mendes e Lewandowski, sem falar em Marco Aurélio, que torrou a paciência de Cármen Lúcia com seus insistentes pedidos para pautar o julgamento das ADCs sobre a prisão em segunda instância, que estão sob sua relatoria. A então presidente não cedeu, mas Toffoli já disse que levará o assunto a julgamento no início do próximo ano. A ver.

Iniciada a sessão, Ricardo Lewandowski, presidente da segunda turma, comunicou a seus pares que tinha uma “notícia de pedido de adiamento”. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, disse não ter conhecimento desse pedido. Ato contínuo, o advogado Cristiano Zanin ocupou a tribuna para esclarecer que havia entrado com um novo habeas corpus na véspera, e que gostaria que ambos os processos fossem julgados conjuntamente. Fachin argumentou que o novo HC sequer chegou ao seu gabinete, e que o julgamento deveria prosseguir. Lewandowski observou que “é de praxe atender pedidos de adiamento”, mas o relator respondeu que está no STF há algum tempo e sabe disso, e insistiu em seguir com o julgamento.

Gilmar Mendes saiu em defesa de Lewandowski: “Foram tantos casos trazidos a propósito do paciente Lula que, salvo engano, nenhum habeas corpus foi julgado pela turma”. Fachin reiterou que o poder de levar uma processo a plenário é do relator. Lewandowski, pegando a deixa de Gilmar, insistiu que as turmas têm competência de enviar processos ao plenário, e que no caso de Lula era isso que deveria ser feito, pois a suposta suspeição de Moro será julgada em breve pelo Conselho Nacional de Justiça, e a análise do habeas corpus pela turma poderia “influenciar ou desautorizar” esse julgamento.

As tentativas de Gilmar e Lewandowski não prosperaram, já que Cármen Lúcia e Celso de Mello acompanharam o voto do relator e o julgamento do mérito foi iniciado após um breve intervalo. Fachin votou pela rejeição do habeas corpus — instrumento jurídico que, no seu entender, seria inadequado adequado para discutir a suposta parcialidade de Moro —, e Cármen Lúcia seguiu seu voto, acrescentando que a nomeação do ex-juiz da Lava-Jato para o ministério da Justiça e Segurança Pública não pode ser considerado como indicativo de parcialidade. 

Farejando a derrota, Gilmar pediu vista, e com isso o julgamento foi suspenso e só será retomado depois que os autos forem devolvidos — neste ano ou no começo do próximo, adiantou o laxante togado, ainda que, pelo regimento da Corte, a devolução deve ocorrer, no máximo, na segunda sessão subsequente à do pedido de vista (os ministros raramente respeitam esse prazo e ninguém parece dar a mínima).

Resumo da ópera: quando tudo levava a crer que a defesa de Lula seria derrotada mais uma vez, o pedido de vista de Gilmar lhe lhe deu novo fôlego ao produzir, ainda que por vias tortas, exatamente o resultado desejado por Zanin, visto que uma derrota na 2ª turma “esvaziaria” o julgamento no CNJ. A estratégia poderia ser vista como uma chicana entre tantas outras produzidas pelos advogados de Lula, não fosse pelo fato de que desta vez a iniciativa partiu de um ministro da Corte, regiamente pago com o dinheiro dos nossos impostos para funcionar como julgador, e não como advogado do paciente Lula.

Há tempos que o Supremo vem se aperfeiçoando na esdrúxula arte de decidir não decidir, permitindo, por tabela, que criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por advogados estrelados atopetem os escaninhos do Judiciário com um sem número de apelações — no processo do tríplex, a defesa de Lula apresentou mais de 70 recursos. 

Curiosamente, o ministro que salvou o rabo do petralha com seu pedido de vista nesta terça-feira foi o mesmo tentou impedir que o colega Luiz Fux fizesse a mesma coisa na semana passada, durante o julgamento do “insulto natalino” de Temer. Para quem na se lembra e não quer se dar ao trabalho de ler minha postagem a propósito, quando o plenário da Corte havia formado maioria pró-indulto, Fux pediu vista do processo, mas Mendes sugeriu que a votação prosseguisse. Na sequência, ignorando solenemente a prerrogativa de Luiz Fux de desfrutar de um prazo para supostamente estudar os autos, o laxante togado propôs a suspensão imediata da liminar que o Luís Roberto Barroso expedira para frear os ímpetos de Temer, o clemente, mas a sessão foi adiada por um pedido de vista do atual presidente da Corte.

Observação: Até pouco tempo atrás, quando Toffoli ainda integrava a 2ª turma, o colegiado implementava uma política de celas vazias; com o colega na presidência e Cármen Lúcia no “Jardim do Éden”, Gilmar se escora no pedido de vista para impedir que a ala da tranca prevaleça. 

Para concluir: Horas antes do julgamento do HC de Lula, ao embarcar num voo comercial com destino a Brasília, Lewandowski ouviu de um advogado que também estava na aeronave: “Ministro, o Supremo é uma vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando vejo vocês”. Lewandowski pediu que fossem chamados agentes da PF para cuidar do “passageiro impertinente”, a despeito da pertinência de sua observação. Ao pousar em Brasília, o rapaz foi conduzido até a Superintendência da Polícia Federal, onde prestou depoimento em foi liberado em seguida. Em protesto contra o autoritarismo do ministro, o MBL projetou (literalmente) o sentimento de muitos brasileiros na fachada do prédio do STF, conforme se vê na foto acima.

Segundo Josias de Souza, o Supremo parece ter tomado gosto pelo comportamento de alto risco e se prepara para rediscutir a regra que permitiu a prisão de condenados em segunda instância — uma jurisprudência que já foi reafirmada pelo menos três vezes pela maioria da Corte. Na semana passada formou-se no plenário uma maioria de 6 votos a favor de um decreto presidencial que concede indulto a condenados por corrupção, e a proclamação do resultado foi adiada por um pedido de vista; agora, outro pedido de vista, desta vez na 2ª turma, posterga uma provável derrota de Lula em mais um habeas corpus

Há de tudo no Supremo — de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado que mantém negócio privado. Só não há segurança jurídica. Existem na prática não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte. O Supremo parece atirar contra a própria cabeça sem se dar conta de que a roleta russa também é uma modalidade de suicídio. Mas não se deve falar isso em voz alta. Eles podem chamar a Polícia Federal.

sexta-feira, 13 de julho de 2018

O CASO PT-FAVRETO E A INSEGURANÇA JURÍDICA QUE ASSOLA O PAÍS



Ao contrário do que afirmam alguns posts no Facebook, a imagem acima não mostra o desembargador Favreto beijando o deu pai da Petelândia. O homem que aparece na foto não é o desembargador do TRF-4, mas sim José Eduardo Dias Toffoli. A foto foi clicada durante a posse do ministro, em 2009, no momento em que seu irmão, que é portador da Síndrome de Down, cumprimentou o molusco abjeto. Feito esse esclarecimento, sigamos adiante.

Dizem que o brasileiro tem memória curta, daí o país chafurdar nesse formidável caos. Faz sentido, já que repetir insistentemente o mesmo erro na esperança de produzir um acerto é a mais rematada burrice. Só que nosso eleitorado parece não levar isso em conta. Tanto é que Lula — cujo projeto de poder quebrou o país, sobretudo depois que Dilmanta assumiu o timão da Nau dos Insensatos — continua em primeiro lugar nas tais pesquisas de intenção de voto, mesmo estando preso e inelegível (e ainda que tivesse sido solto por uma das inúmeras chicanas de seus defensores, ele continuaria inelegível à luz da Lei da Ficha-Limpa).

Para manter vívido em nossa lembrança o episódio burlesco protagonizado por deputados petralhas Wadih DamousPaulo Teixeira e Paulo Pimenta e seu cúmplice no TRF-4, revisito rapidamente o que detalhei nas postagens anteriores, começando por salientar que o pedido de soltura do molusco foi impetrado por seus esbirros logo após o início do plantão do desembargador Rogério Favreto — aliás, se a seleção brasileira tivesse vencido a belga, talvez a chicana funcionasse: mesmo que o STJ ou o STF mandasse prendê-lo novamente, os dias (ou horas) em que ele permanecesse livre produziram desdobramentos ainda expressivos.

Favreto, nunca é demais lembrar, foi filiado ao PT por quase 20 anos e guindado ao TRF-4, por obra e graça da anta vermelha, sem jamais ter sido juiz — ele entrou como representante da OAB numa vaga preenchida pela regra do quinto constitucional, segundo o qual 1/5 das vagas de determinados tribunais deve ser preenchido por advogados e membros do Ministério Público. Foi ele também o único dos magistrados daquele Tribunal a votar favoravelmente à abertura de processo disciplinar contra o juiz Sérgio Moro em 2016, por conta da divulgação da famosa conversa telefônica entre Lula e Dilma.

No último domingo, o desembargador-militante determinou a soltura de Lula em três ocasiões. A primeira se deu cerca de 40 horas após o pedido dos deputados petistas, a segunda, assim que Moro solicitou à PF que aguardasse uma decisão do relator do processo, e a terceira, depois de ter sido por ele contestado.

Sem querer abusar da paciência do leitor, relembro que o argumento de que, como pré-candidato à Presidência pelo PT, o condenado teria direito a estar livre para fazer campanha é, no mínimo, absurdo. Escreveu Favreto em seu despacho de 13 páginas: “Esse direito a pré-candidato à Presidência implica necessariamente na (sic) liberdade de ir e vir pelo Brasil ou onde a democracia reivindicar”. Por essa lógica, quem cumpre pena por condenação criminal e recorre de decisão da segunda instância tem agora uma estratégia infalível para sair da cadeia, qual seja candidatar-se a algum cargo e argumentar que a democracia “reivindica” sua presença pelo Brasil afora.

Levantamento publicado pelo jornal O Estado de S. Paulo aponta que, até o final do mês passado, Lula ingressou com nada menos que 78 recursos contra sua condenação — e perdeu todos, em todas as instâncias. Não cabe, portanto, nenhuma discussão jurídica a esse respeito, pelo menos no âmbito do TRF-4, o que, combinado com a estapafúrdia argumentação do desembargador, deixa claro que coisa toda não passou de uma estratégia política.

O PT sabe que a candidatura de Lula será impugnada, mas precisa manter a falácia se quiser ter alguma chance de retomar o poder. O fato de as pesquisas incluírem o nome do condenado e o colocarem na primeira posição alimenta a esperança da transferência de votos a alguém indicado pelo molusco (já falei sobre isso nas postagens anteriores). Daí o partido insistir na narrativa de que Lula é um “preso político”, vítima de uma conspiração urdida pela Justiça, pelo MPF, pela mídia, pelas “elites” e o escambau, quando na verdade ele não passa de um político preso.

Esticar a corda tanto quanto possível pode até fazer sentido, pois não faltam apedeutas dispostos a engolir esse monumental engodo, mas também pode ser contraproducente na medida em que a demora em adotar o tal “plano B” favorece o crescimento de outros candidatos, dentre os quais Ciro Gomes (também já discutimos isso em outras postagens).

Depois do circo montado no último domingo, o PT vem insistindo que a PF descumpriu a ordem de um desembargador, e assim transformar a campanha eleitoral numa discussão jurídica (sem o menor sentido) sobre a prisão de Lula e seu suposto direito a disputar as eleições. Vale tudo para manter essa lorota, inclusive bombardear os tribunais com toda sorte chicanas e torcer para que uma delas caia nas mãos de um magistrado simpatizante com a causa petista, ou que seja julgada pela 2ª Turma do STF.

Num momento em que a popularidade do presidente da República cai a níveis abissais e a credibilidade do Legislativo desce pelo esgoto da corrupção, insegurança jurídica é tudo de que o Brasil não precisa. E como se não bastasse a cizânia que se instalou no STF, onde embates entre ministros garantistas e seus pares ditos punitivistas extrapolam os limites do razoável, vem o “caso Favreto” botar mais lenha na fogueira.

Inspirado nas dissidências entre os ministros da nossa mais alta Corte, useiros e vezeiros em ignorar, em suas decisões monocráticas, a jurisprudência definida (ainda que por 6 votos a 5) em 2016, o desembargador plantonista do TRF-4 resolve descumprir a resolução 71 do Conselho Nacional de Justiça, segundo a qual o plantão do Judiciário não se destina à reiteração de pedido já apreciado no órgão judicial de origem ou em plantão anterior. Isso sem mencionar que a instância competente para julgar o caso em habeas corpus é o STJ, uma vez que todos os recursos da defesa do petralha no âmbito do 4º Regional já se esgotaram.

O propósito dessa barafunda é forçar a rediscussão da prisão após condenação em segunda instância — o que em algum momento terá de acontecer, mas fazê-lo menos de 2 anos depois da última de 3 votações, e às vésperas do pleito eleitoral mais conturbado da história recente deste país, não é, decididamente, uma boa ideia. Até porque mudança no placar seria desastrosa pelo efeito cascata que produziria, soterrando os Tribunais sob uma avalanche de pedidos de habeas corpus, com corruptos, estupradores, assassinos, e criminosos de toda espécie voltando alegremente às ruas, onde aguardariam livres, leves e soltos o dia de São Nunca em que suas sentenças transitassem em julgado.

Em defesa dessa tese, basta lembrar quanto tempo transcorreu entre o ajuizamento do processo contra o ex-deputado Paulo Maluf e sua efetiva prisão, em dezembro do ano passado, que foi convertida em prisão domiciliar em maio deste ano, por “razões humanitárias”, pelo magnânimo ministro Toffoli (leia mais sobre sua excelência no post anterior). Com isso, o turco lalau, que supostamente estava à beira do desencarne, foi despachado para o hospital, e de lá para sua suntuosa mansão nos Jardins (bairro nobre da capital paulista), onde passa muito bem, obrigado.

Voltando ao “caso Favreto”: em meio ao caos que eclodiu no último domingo, o STF se fingiu de morto. Cármen Lúcia limitou-se mineiramente a emitir uma nota e não tomou qualquer decisão. Destacou a presidente da Corte que a “Justiça é impessoal”, que “o Poder Judiciário tem ritos e recursos próprios que devem ser respeitados”, que a “democracia brasileira é segura” e que “os órgãos competentes do poder em cada região devem atuar para garantir que a resposta judicial seja oferecida com rapidez e sem quebra da hierarquia, com rigor absoluto no cumprimento das normas vigentes”. Mas não foi além disso.

Como diz um velho adágio lusitano, “em casa onde falta o pão, todos gritam e ninguém tem razão”. Em nota, a OAB afirmou que “diante do quadro convulsionado criado a partir de decisões conflitantes envolvendo o ex-presidente Lula, enfatizamos que as tensões políticas que já há algum tempo sacodem o país apontam para a necessidade de realçarmos o papel moderador da Justiça. Os embates político-partidários, naturais em uma democracia, não podem encontrar eco no Judiciário e as motivações ideológicas e as paixões não podem contaminar a ação dos julgadores. Assistimos hoje, perplexos, a uma série de decisões conflitantes que traz profunda insegurança a todos. Enfatizamos que a segurança jurídica, indispensável em um Estado Democrático de Direito, se conquista exaltando e respeitando o ordenamento jurídico e o devido processo legal. Ao país não interessa o tumulto processual, a insegurança jurídica, a subversão das regras de hierarquia. É fundamental garantirmos a estabilidade jurídica. A sociedade não pode ser surpreendida a todo instante. Serenidade e responsabilidade institucional é o que se espera de todos os julgadores. Política e Justiça não podem se misturar em hipótese alguma. Não há Justiça de direita ou de esquerda. O justo só tem um lado: o do Direito”.

Visite minhas comunidades na Rede .Link:

terça-feira, 10 de julho de 2018

AINDA SOBRE O (QUASE) DOMINGO NEGRO



Quando se acreditava que o recesso do Judiciário daria uma trégua ao coração sobressaltado dos cidadãos de bem desta Banânia, eis que, menos de dois dias após a seleção de Tite ter sido eliminada pelo escrete belga, a notícia de que o desembargador Rogério Favreto concedeu habeas corpus a Lula e determinou sua imediata soltura caiu feito uma bomba no colo dos brasileiros — e é motivo de comemoração para Gleisi HoffmannJosé Dirceu e milhares de abantesmas que apoiam, admiram e defendem essa seleta confraria de canalhas.

Tudo começou na noite de sexta-feira, quando os deputados petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira se arvoraram em advogados do deus pai da Petelândia e ingressaram com um pedido habeas corpus no TRF-4, exatos 28 minutos após o início do plantão do desembargador Rogério Favreto no tribunal. O timing foi cuidadosamente estudado para que a maracutaia caísse nas mãos (e nas graças) do desembargador “cumpanhêro”.

Rogério Favreto filiou-se ao PT em 1991. Ainda na década de 90, quando Tarso Genro se elegeu prefeito de Porto Alegre, ele foi premiado com o emprego de procurador-geral da prefeitura da capital gaúcha. Em 2005, ganhou um gabinete na Casa Civil do governo Lula. Em 2007, de novo convocado por Tarso Genro, assumiu o comando da Secretaria da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça. E ali ficou até 2010, quando deixou o cargo e o PT para continuar a serviço do partido no Judiciário. Em 2011, beneficiado por uma dessas espertezas brasileiríssimas, Favreto foi promovido a magistrado pela então presidanta Dilma Rousseff, que fez dele membro do TRF-4. Fantasiado de desembargador, há mais de três anos o doutor não perde nenhuma chance de mostrar que é muito grato aos padrinhos e exemplarmente leal ao partido.

Como cabe ao TRF-4 revisar as decisões da Justiça Federal em Curitiba, Favreto atira em tudo que ameace o PT e seu chefe supremo. Foi ele, por exemplo, o único a votar pela abertura de um processo disciplinar contra Sérgio Moro, acusado de agir por “índole política”. É ele o único a discordar sistematicamente de tudo o que o juiz federal faz, diz ou pensa. É ele também o único a desaprovar todos os procedimentos adotados pela força-tarefa do MPF que atua na Lava-Jato. Deu para entender ou quer que eu desenhe?

A decisão de Favreto gerou uma queda-de-braço que só terminou no início da noite, quando o presidente do TRF-4, Carlos Eduardo Thompson Flores, restabeleceu a ordem no galinheiro ao decidir que a competência era do relator do processo de Lula na 8ª Turma, desembargador João Pedro Gebran Neto — que já havia avocado o caso para si e determinando que o condenado continuasse preso, mas acabou desautorizado em seguida pelo colega, que determinou à PF a soltura no prazo de uma hora, dispensando, inclusive, o costumeiro exame de corpo de delito.

Mais absurda que a decisão do desembargador de plantão foi a justificativa que a embasou. Ele “entendeu” que a pré-candidatura de Lula representava um “fato novo” — embora sua intenção de concorrer seja pública e notória desde o ano passado — e justificava a análise em regime de urgência urgentíssima. E na esteira desse raciocínio iluminado, decidiu que o paciente deveria ser solto para garantir a isonomia das eleições, pois ele não poderia ser impedido de fazer campanha, já que seus direitos políticos ainda não estão suspensos.

A despeito do recesso do Judiciário, Moro se manifestou. Disse ele que Favreto carecia de competência para revogar monocraticamente uma decisão colegiada e pediu que o alvará de soltura não fosse cumprido até que o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do processo, se manifestasse sobre a concessão da liminar. Sua intervenção provocou críticas dos apoiadores de Lula, que o acusaram de desobedecer a uma determinação de instância superior e de tomar decisões quando deveria estar em férias. Fato é que a PF não soltou o petista, e o relator suspendeu a liminar do plantonista. Quando a celeuma parecia ter terminado, Favreto voltou à carga e, desconsiderando o despacho de Gebran, determinou novamente a soltura do paciente. A palavra final foi dada no comecinho da noite do domingo pelo desembargador Thompson Flores, presidente do TRF-4, e assim Lula segue preso na Superintendência da PF em Curitiba.

Houve quem especulasse se essa artimanha teve por objetivo libertar o petralha pelo tempo suficiente para ele deixar o país ou se asilar em alguma embaixada “cumpanhêra”. Confesso que isso também me ocorreu, mas a hipótese não ganhou corpo na mídia ou nas redes sociais. Houve ainda quem visse semelhança entre a palhaçada de domingo e a anulação da votação do impeachment de Dilma, em maio de 2016, pelo então presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão, à época filiado ao PP (detalhes nesta postagem), mas isso é conversa para outra hora.

Na visão do ex-presidente do STF Carlos Velloso, a decisão que mandou soltar Lula foi teratológica — ou seja, juridicamente absurda — e Moro agiu acertadamente ao se insurgir contra o habeas corpus concedido por Favreto, até porque “não é possível que a cada momento se tomem decisões que contrariem e afrontem a lei”. 

Velloso destacou que foi o próprio TRF-4 quem autorizou Moro a decretar a prisão de Lula, em abril, e que os pedidos de habeas corpus impetrados no STJ e no STF foram negados. “Escolheram um plantonista de domingo para isso, e um plantonista de domingo atendeu. O juiz tem de compreender que juiz pode muito, mas não pode tudo. Isso é o que precisa ser compreendido pelos juízes brasileiros”, concluiu o ministro aposentado. 

Já o movimento Nas Ruas informou que vai apresentar reclamação no Conselho Nacional de Justiça para abertura de processo disciplinar contra Favreto, mas, a julgar pelo resultado dos mais de 10 pedidos de impeachment contra Gilmar Mendes, o inimigo do Brasil, não dá para alimentar grandes esperanças de punição exemplar ao desembargador que “agiu com índole política” ao determinar a soltura de Lula.

Observação: Na visão da maioria dos desembargadores do TRF-4, as decisões de Favreto são flagrantemente ilegais. Eles ainda estão decidindo como enquadrar o plantonista — por que não o encarcerar junto com Lula ou internar em alguma instituição psiquiátrica? O sujeito certamente sofre de sérios problema mentais. Para a professora da USP Maristela Basso, o dito-cujo pode ser acusado de crime de usurpação de função pública. Joaquim Falcão, professor da FGV, acrescenta que “a questão não é o ativismo do Judiciário, mas a militância do magistrado; a militância é um subproduto da fragmentação e da individualização da Justiça, cujo exemplo básico vem de cima, do STF”. Faz sentido.

E viva o povo brasileiro, sem caneco, sem emprego, sem candidato decente à presidência, sem representantes probos no Congresso, sem segurança jurídica, e por aí segue a desditosa procissão.

Visite minhas comunidades na Rede .Link: