LULA NÃO É
VÍTIMA DE SÉRGIO MORO. O BRASIL É QUE É VÍTIMA DE LULA.
Na postagem do último sábado eu comentei que o pedido de “vista obstrutiva” chegou ao STF de carona com o deputado Nelson Jobim, que foi nomeado pelo ex-presidente FHC.
O propósito original, todavia, que era dar mais tempo ao magistrado para formar
seu juízo sobre o processo, acabou desvirtuado e o pedido de vista, usado para obstruir as votações.
Na quinta-feira 29, durante o julgamento do “insulto
natalino” de 2017, tanto o ministro Luiz
Fux quanto o presidente da Corte, Dias
Toffoli, lançaram mão desse estratagema; o primeiro para evitar que o
indulto representasse um presente de Papai Noel para políticos e empresários
condenados por crimes de corrupção, e o segundo para interromper a votação da
liminar que impediu Temer de
indultar os acusados de crimes do colarinho branco. E a cena se repetiu anteontem,
por ocasião do julgamento do enésimo habeas corpus de Lula no processo do tríplex no Guarujá.
Observação: Vale ressaltar que o pedido da defesa no caso em tela vai
além da liberdade do ex-presidente corrupto. O que se pretende é anular o
processo com base na suposta parcialidade do ex-juiz Sérgio Moro, a despeito de a condenação ter sido confirmada em
segunda instância (e a pena, aumentada de 9 anos e meio para 12 anos e um mês
de reclusão) e de mais de 70 recursos da defesa terem sido
rejeitados. Mexer com o
futuro ministro da Justiça — tido e
havido pela opinião pública como a esperança da nação contra os crimes de
colarinho e a melhoria da segurança pública — em apoio a uma defesa mais política
do que técnica do ex-presidente petralha seria seguir o caminho oposto àquele sugerido pelo próprio Dias Toffoli ao assumir a
presidência do STF. A pressão
popular, combinada com o risco de inviabilizar as
medidas adotadas por um governo legitimado pelas urnas, sugerem uma Corte de
maior autocontenção em matérias que não digam respeito a direitos fundamentais.
Mas não é assim que pensam Mendes
e Lewandowski, sem falar em Marco Aurélio, que torrou a paciência
de Cármen Lúcia com seus insistentes pedidos para pautar o julgamento das ADCs
sobre a prisão em segunda instância, que estão sob sua relatoria. A então presidente não cedeu, mas Toffoli já disse que levará o assunto a julgamento no início do
próximo ano. A ver.
Iniciada a sessão, Ricardo Lewandowski, presidente da segunda turma, comunicou a seus pares que tinha uma “notícia
de pedido de adiamento”. O ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato, disse não
ter conhecimento desse pedido. Ato contínuo, o advogado Cristiano Zanin ocupou a tribuna para esclarecer que havia entrado
com um novo habeas corpus na
véspera, e que gostaria que ambos os processos fossem julgados conjuntamente. Fachin argumentou que o novo HC sequer chegou ao seu gabinete, e que o julgamento deveria prosseguir. Lewandowski observou que “é de praxe atender pedidos de adiamento”, mas o relator respondeu que está no STF há algum tempo e sabe disso, e insistiu em seguir com o julgamento.
Gilmar Mendes saiu
em defesa de Lewandowski: “Foram tantos casos trazidos a propósito do
paciente Lula que, salvo engano,
nenhum habeas corpus foi julgado pela turma”. Fachin reiterou que o poder de levar uma processo a plenário é do
relator. Lewandowski, pegando a
deixa de Gilmar, insistiu que as turmas
têm competência de enviar processos ao plenário, e que no caso de Lula era isso que deveria ser feito, pois a suposta suspeição de Moro será
julgada em breve pelo Conselho Nacional
de Justiça, e a análise do habeas
corpus pela turma poderia “influenciar ou desautorizar” esse julgamento.
As tentativas de Gilmar
e Lewandowski não prosperaram, já que Cármen Lúcia e Celso de Mello acompanharam o voto do relator e o julgamento do
mérito foi iniciado após um breve intervalo. Fachin votou pela rejeição do habeas
corpus — instrumento jurídico que, no seu entender, seria inadequado adequado para discutir
a suposta parcialidade de Moro
—, e Cármen Lúcia seguiu seu voto,
acrescentando que a nomeação do ex-juiz da Lava-Jato para o ministério da Justiça e Segurança Pública não pode ser considerado como indicativo de parcialidade.
Farejando a derrota, Gilmar pediu vista, e com isso o julgamento foi suspenso e só será retomado depois
que os autos forem devolvidos — neste ano ou no começo do próximo, adiantou o laxante togado,
ainda que, pelo regimento da Corte, a devolução deve ocorrer, no máximo, na
segunda sessão subsequente à do pedido de vista (os ministros raramente
respeitam esse prazo e ninguém parece dar a mínima).
Resumo da ópera: quando tudo levava a crer que a defesa de Lula seria derrotada mais uma vez, o pedido de vista de Gilmar lhe lhe deu novo fôlego ao produzir, ainda que por
vias tortas, exatamente o resultado desejado por Zanin, visto que uma derrota na 2ª turma “esvaziaria” o julgamento no CNJ. A estratégia poderia ser vista como uma
chicana entre tantas outras produzidas pelos advogados de Lula, não fosse pelo fato de que desta vez a iniciativa partiu de um
ministro da Corte, regiamente pago com o dinheiro dos nossos impostos para funcionar como julgador, e não como advogado do paciente Lula.
Há tempos que o Supremo
vem se aperfeiçoando na esdrúxula arte de decidir não decidir, permitindo,
por tabela, que criminosos que têm cacife para bancar os honorários astronômicos cobrados por advogados estrelados atopetem os escaninhos do Judiciário com um sem
número de apelações — no processo do tríplex, a defesa de Lula apresentou mais
de 70 recursos.
Curiosamente, o ministro que salvou o rabo do petralha
com seu pedido de vista nesta terça-feira foi o mesmo tentou impedir que o colega Luiz Fux fizesse a mesma coisa na semana passada, durante o julgamento do “insulto natalino” de Temer. Para quem na se
lembra e não quer se dar ao trabalho de ler minha postagem a propósito, quando
o plenário da Corte havia formado maioria pró-indulto, Fux pediu vista do processo, mas Mendes sugeriu que a votação
prosseguisse. Na sequência, ignorando solenemente a prerrogativa de Luiz Fux de desfrutar de um prazo para
supostamente estudar os autos, o laxante togado propôs a suspensão imediata da
liminar que o Luís Roberto
Barroso expedira para frear os ímpetos de Temer, o clemente, mas a sessão foi adiada por um pedido
de vista do atual presidente da Corte.
Observação: Até pouco tempo atrás, quando Toffoli ainda integrava a 2ª turma, o colegiado implementava uma
política de celas vazias; com o colega na presidência e Cármen
Lúcia no “Jardim
do Éden”, Gilmar se escora no pedido
de vista para impedir que a ala da tranca prevaleça.
Para concluir: Horas antes do julgamento do HC de Lula, ao embarcar num voo comercial com destino a Brasília, Lewandowski ouviu de um advogado que também estava na aeronave: “Ministro, o Supremo é uma
vergonha, viu? Eu tenho vergonha de ser brasileiro quando vejo vocês”. Lewandowski pediu que fossem chamados agentes da PF para cuidar do “passageiro impertinente”,
a despeito da pertinência de sua observação. Ao pousar em Brasília, o rapaz foi conduzido até a
Superintendência da Polícia Federal, onde prestou depoimento em foi liberado em
seguida. Em protesto contra o autoritarismo do ministro, o MBL
projetou (literalmente) o sentimento de muitos brasileiros na fachada do prédio
do STF, conforme se vê na foto acima.
Segundo Josias de Souza, o Supremo
parece ter tomado gosto pelo comportamento de alto risco e se prepara para rediscutir a
regra que permitiu a prisão de condenados em segunda instância — uma
jurisprudência que já foi reafirmada pelo menos três vezes pela maioria da
Corte. Na semana passada formou-se no plenário uma
maioria de 6 votos a favor de um decreto presidencial que concede indulto a
condenados por corrupção, e a proclamação do resultado foi adiada por um pedido
de vista; agora, outro pedido de vista, desta vez na 2ª turma, posterga uma provável derrota de
Lula em mais um habeas corpus.
Há de
tudo no Supremo — de ministro reprovado em concurso para juiz até magistrado
que mantém negócio privado. Só não há segurança jurídica. Existem na prática
não um, mas 14 supremos: os 11 ministros, as duas turmas e o plenário da Corte.
O Supremo parece atirar contra a
própria cabeça sem se dar conta de que a roleta russa também é uma modalidade
de suicídio. Mas não se deve falar isso em voz alta. Eles podem chamar a
Polícia Federal.