Mostrando postagens classificadas por data para a consulta confundir alhos com bugalhos. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta confundir alhos com bugalhos. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

DANDO NOME AOS BOIS



Patriotismo e chauvinismo parecem conceitos semelhantes à primeira vista, mas carregam diferenças profundas. Confundir um com o outro é como misturar alhos com bugalhos, capitão-de-fragata com cafetão de gravata ou a obra do mestre Picasso com a pica de aço do mestre-de-obras. Chamamos patriotismo a um sentimento baseado em valores nobres, voltado para o bem-estar do país. Já a palavra chauvinismo deriva do nome de um soldado francês, Nicolas Chauvin, famoso pela lealdade cega a Napoleão Bonaparte, donde o termo ser usado com o sentido de nativismo irracional, fanático, com pitadas de psicopatia. 


Como exemplo de patriotismo, cito as manifestações pelas Diretas-Já nos anos 1980; como exemplo de chauvinismo, a depredação das sedes dos Três Poderes protagonizada em 8 de janeiro de 2023 por uma récua de bolsonaristas lunáticos (com o perdão da redundância), que cantam o hino nacional para pneus, pedem ajuda a ETs e trotam para a Avenida Paulista sempre que seu "mito" sopra o berrante.

 

Em tempos de polarização, o que os peseudopatriotas chamam de patriotismo é na verdade um chauvinismo viceral, guiado pelo ódio a quem pensa diferente (veja-se o Brexit no Reino Unido e à invasão do Capitólio no EUA). No Brasil, esse fenômeno ganhou força durante a disputa presidencial de 2018 (não que campanhas eleitorais movidas pelo ódio sejam novidade nesta banânia), mas sua origem remonta ao final dos anos, quando Lula plantou a semente da cizânia com seu discurso de "noff contra eleff" (lembrando que os embates entre PT e PSDB eram mais ou menos civilizados). 


O detalhe — e o diabo mora nos detalhes — é que a raiva, quando industrializada, costuma ter um desfecho ruim. Jânio renunciou. Collor foi impichado. Bolsonaro perdeu a reeleição, ficou inelegível e vive sob a ameaça de uma sentença criminal (que, lamentavelmente, demora a acontecer). E a última pesquisa Quaest trouxe dados preocupantes para o Planalto e para o comitê eleitoral do PSOL em São Paulo: às vésperas do primeiro turno, a aliança de Boulos com Lula ainda não decolou — o apadrinhado atraiu apenas 43% dos eleitores paulistanos que votaram em seu padrinho na sucessão presidencial de 2022. 


Observação: Devido a essa "lulodependência", o vexame será compartilhado pelo padrinho se o afilhado não passar para segundo turno. Nessa hipótese, Lula perderia tanto para a direita representada por Tarcísio de Freitas, padrinho de Nunes, quanto para a ultradireita personificada em Marçal, que cresceu à revelia de Bolsonaro.

 

O cenário segue de empate triplo, mas Nunes e Marçal cresceram além da margem de erro, e Boulos ficou abaixo do patamar tradicional da esquerda (em Sampa), que gira em torno de 30%. Para agravar a situação, o ex-chefe do MTST vem perdendo terreno em áreas onde esperava crescer.


Em última análise, o mago memes e dos recortes foi enfeitiçado pelo próprio feitiço no debate da TV Cultura. Privado pelas artimanhas do sorteio de trocar farpas com os dois candidatos mais bem-postos nas pesquisas, Marçal esmerou-se nas provocações ao quinto colocado, levou uma cadeirada, tentou a administrar a agressão com método. Percebendo que seu plano de migrar da posição de encrenqueiro profissional para a de vítima havia micado, recalibrou rapidamente o discurso, queixou-se da falta de solidariedade dos adversários e declarou-se pronto para a guerra. Aprendeu da pior maneira um velho ensinamento de Tancredo Neves: a esperteza, quando é muita, engole o dono.

 

Costuma-se dizer que macaco esconde o rabo para falar mal do rabo alheio. Ao cobrar serenidade de Datena depois de fustigá-lo na noite de domingo, Marçal sentou-se no próprio cinismo. Vivo, Charles Darwin diria que a campanha municipal de São Paulo é a prova de que o ser humano não só parou de evoluir como fez o caminho inverso, rumo às cavernas.


Desde que Marçal revelou que se faz de idiota nos debates porque "o público gosta disso" aguardava-se um fato que justificasse o uso do ponto de exclamação que se escuta quando as pessoas dizem "não é possível!" Pois bem, o sinal foi dado: no debate Rede TV-UOL, constatada a impossibilidade de controlar quem age ou reage como se tivesse parafusos a menos, optou-se por banir o risco de que a patifaria resultasse num replay parafusando-se as cadeiras no chão. 


Se no último domingo a cadeira foi a grande vencedora, no debate de ontem quem se destacou foi a mediadora, que conduziu com firmeza as duas horas do programa. Nunes passou o debate inteiro — fora os instantes em que ele esteve se digladiando com Marçal — tentando grudar em Boulos a pecha de defensor da legalização das drogas; este, por sua vez, disse que Nunes a Marçal são faces da mesma moeda (porque buscam o vínculo com o bolsonarismo), mas que o primeiro é ruína e o outro, o abismo.

Nos embates anteriores adotou-se de tudo em matéria de endurecimento das regras — do puxão de orelhas à proibição do celular, passando pela expulsão da sala. Especula-se agora sobre o que virá depois da cadeira parafusada. Coleira? Focinheira? Jaula?
 
A conferir.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

MAIS SOBRE BURACOS NEGROS, BRANCOS E DE MINHOCA...

NÃO CONFUNDA A OBRA DO MESTRE PICASSO COM A PICA DE AÇO DO MESTRE DE OBRAS

O primeiro aniversário do atentado terrorista de 8 de janeiro transcorreu sem incidentes, noves fora a ausência (esperada) de governadores e parlamentares alinhados ao bolsonarismo, que, de olho nas eleições de outubro, preferiram não ser vistos num ato político-eleitoreiro articulado pelo ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-etc., que, com voz roufenha, cenho carregado e dedo em riste, trovejou: "todos aqueles que financiaram, planejaram e executaram a tentativa de golpe devem ser exemplarmente punidos". Mas um ano se passou e, a exemplo do mentor intelectual e de quem financiou os atos golpistas, nenhum general ou integrante da alta cúpula das FFAA foi investigado ou responsabilizado.
O ministro da Defesa (que por alguma razão o morubixaba de turno ainda não penabundou) ponderou que os chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica “não queriam o golpe, em nenhum momento se falou nisso”, além de chamar os golpistas de "inocentes úteis" e afirmar que o clima no dia do golpe era de "um grande piquenique". Bolsonaro, por sua vez, disse que a depredação das sedes dos Poderes não foi uma tentativa de golpe, que para haver golpe "tinha que ter uma pessoa à frente", que tudo foi apurado e não se levantou nome algum, que as decisões do STF contra os acusados de envolvimento são "absurdas" e que Lula defende a Venezuela e a Nicarágua e não reconhece o Hamas como terrorista. 
É cobra comendo cobra e galera batendo palmas para seu ofídio preferido dançar. Triste Brasil.

Em 1784, o pastor britânico John Michell suscitou pela primeira vez a existência de regiões do espaço com força gravitacional suficiente para "engolir" a própria luz. Em 1904, a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein forneceu a base para o entendimento atual dos buracos negros — que só foram batizados como tal em 1967 — mas foi somente em 2019 que o Event Horizon Telescope capturou a imagem de um exemplar localizado no centro da galáxia M87, a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra, tornando real o que até então era uma possibilidade teórica. 
 
Os buracos de minhoca, por sua vez, ainda não foram vistos ao vivo e em cores 
 até porque ficam no interior dos buracos negros —, mas acredita-se que eles funcionem como uma espécie de "túnel" entre dois pontos do espaço-tempo. Assim, uma espaçonave que demoraria milhões anos para ir de um ponto ao outro, mesmo na velocidade de luz (1,08 bilhão km/h) atravessaria esse "túnel" em minutos, mesmo que local de destino fique em outro universo e/ou outro ponto da linha do tempo. 
 
Embora não seja uma unanimidade entre os astrofísicos, a teoria segundo a qual o Universo está dentro de um buraco de minhoca que faz parte de um buraco negro existente num universo muito maior explicaria questões polêmicas envolvendo a gravidade, as forças nucleares fraca e forte, o eletromagnetismo e a expansão acelerada do Universo
Como as equações de Einstein não dão uma direção para a seta do tempo, a possibilidade de um buraco negro surgir de um colapso gravitacional de matéria através de um horizonte de eventos no futuro não só admite o processo inverso como também descreve a matéria emergindo de um horizonte de eventos no passado — como se acredita que ocorreu no Big Bang. Caso essa teoria seja comprovada, todos os buracos negros astrofísicos podem ter buracos de minhoca com um novo universo formado simultaneamente em seu interior. 
 
Observação: A despeito das semelhanças entre buracos negros e buracos de minhoca, é importante não confundir alhos com bugalhos — bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marinheiros lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: "Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos".
 
O termo "singularidade gravitacional" designa pontos onde as leis da física tradicional não se aplicam. Uma das singularidades mais conhecidas é a que ocorre no centro de um buraco negro, onde a densidade infinitamente alta distorce o espaço-tempo e atrai os objetos que se aproximam de seu horizonte de eventos. Para escapar, seria preciso superar a velocidade da luz, que, de acordo com Einstein, é a maior velocidade possível no Universo. E não haveria saída do outro lado, já que a singularidade estaria sempre no futuro. 
 
A possibilidade de ultrapassar a velocidade da luz sem violar as leis da física contraria o postulado de Einstein, mas foi apresentada por Gerald Feinberg em 1967. Segundo ele, as partículas taquiônicas surgiriam de um campo quântico com "antimassa" — lembrando que massa e energia são conceitos intrínsecos, e que, para superar a velocidade da luz, seria preciso funcionar "ao contrário". 

Observação: Em termos mais simples, a velocidade da luz é o limite inferior de um táquion, que jamais poderia viajar a menos de 299.792,458 km/s. Assim, um táquion com energia zero teria velocidade infinita e poderia cruzar o universo instantaneamente.
 
Os táquions ainda não foram detectados — até porque é impossível detectar algo tão rápido com os sensores atuais, que operam dentro dos limites da velocidade da luz. Caso sua existência seja comprovada, o Universo pode se deparar com paradoxos tão complexos quanto o do Avô, pois as partículas se moveriam para trás na linha do tempo. 

Explicando melhor: um hipotético táquion emitido por um hipotético piloto de espaçonave para um hipotético receptor na Terra se moveria mais rápido que a luz no referencial deste, mas retrocederia no tempo no referencial daquele. Isso significa que a resposta chegaria antes da pergunta, e se ela fosse "não envie o sinal", o piloto não enviaria a pergunta e o receptor não teria nada para responder, daí a semelhança com o paradoxo retrocitado.
 
Há diversas teorias sobre como esse paradoxo poderia ser evitado 
 como a que nega a existência dos táquion, a que sustenta que os observadores nos diferentes referenciais simplesmente não conseguem dizer a diferença entre a emissão e a absorção dos táquions, e a de que os táquions não são como as demais partículas que conhecemos e tampouco interagem com seja lá o que for, daí eles não poderem ser detectados ou observados. Mas isso é conversa para uma outra vez.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

QUEM NÃO APRENDE COM OS ERROS DO PASSADO...


Rejeitado nas urnas e inelegível, Bolsonaro continua vazando inverdades como um cano furando esbanja água em esguichos perdulários. Seu penúltimo jorro despejou a versão segundo a qual foi graças à sua interferência que Israel finalmente autorizou os brasileiros a deixarem a Faixa de Gaza. Nem bem a notícia foi divulgada, a milícia digital bolsonarista inundou as redes com mensagens parabenizando o "mito" pelo feito alheio. A autorização tardia também soltou a língua de Lula, que, depois de perder o nexo e o bonde ao igualar o agressor ao agredido, procura frequentar o debate com um discurso mais calibrado e cogita injetar a guerra na agenda de sua próxima incursão internacional. Parlamentares petistas, aliados do governo, ministros e até a primeira-dama (como não poderia deixar de fazer) correram às redes para enaltecer os esforços do estadista de fancaria e do chanceler Mauro Vieira. Instado a comentar a hipotética interferência do capetão junto ao embaixador, Vieira foi seco: "Não falo com o embaixador, falo com o chefe dele, que é o ministro das Relações Exteriores de Israel". A conversão do drama humanitário em matéria-prima para a polarização é o cúmulo da indignidade. A exploração política da lista de Gaza é a falência da decência.

***

Em matéria de democracia, o Brasil ficou só na foto. As eleições são subordinadas a todo tipo de patifaria, começando pelo voto obrigatório, seguindo pelo horário eleitoral "gratuito" e por inúmeras deformações propositais que entopem a Câmara Federal com políticos das regiões com menor número de eleitores. Os resultados são um monumento à demagogia, à corrupção e à estupidez. Até o desmantelamento da Lava-Jato, quase metade dos deputados federais e um terço dos senadores respondiam a algum tipo de procedimento penal. Fora das penitenciárias, era a maior concentração de criminosos em potencial por metro quadrado.
 
Maus políticos não brotam nos gabinetes por geração expontânea, mas pelo voto de eleitores ignorantes, desinformados e desinteressados. Graças a essa récua de muares, o PT desgovernou esta banânia por 13 anos, 4 meses e 12 dias. Em 2018, visando evitar a volta do presidiário mais famoso do Brasil, então encarnado num patético bonifrate, a maioria dos eleitores apoiou um ex-capitão bronco, despreparado e de pendor golpista, que protagonizou o governo civil mais militar desde o fim da ditadura. Em 2022, era fundamental defenestrar o imbrochável incomível e insuportável, mas conceder um terceiro mandato ao ex-presidiário descondenado era opcional. E deu no que está dando.

A Justiça Eleitoral existe (e custa uma fábula) para garantir eleições exemplares, mas permite a produção dos políticos mais ladrões do mundo. Temos três dúzias de partidos políticos, alguns dos quais não têm um único deputado ou senador no Congresso — servem apenas para meter a mão nas verbas dos vergonhosos fundos partidário e eleitoral bancados pelos contribuintes e para rifar sua cota de tempo no horário político obrigatório durante as campanhas eleitorais. Os direitos dos cidadãos representam a área mais notável das semelhanças entre nossa democracia e os reis africanos que aparecem nas fotos-símbolo do colonialismo. Nunca houve tantos direitos escritos nas leis nem o poder público foi tão incompetente para mantê-los. Como se não bastasse, há uma recusa sistemática em combater o crime por parte de nove entre dez políticos com algum peso. 

Como instituições, a Presidência da República, o Congresso e o STF merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a achar que os políticos eleitos desde a redemocratização para chefiar o Executivo, os 513 deputados federais, os 81 senadores e as 11 supremas togas merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos

Para encerrar, segue um texto do jornalista Paulo Polzonoff Jr.:

Será que consigo "defender" Reinaldo Azevedo em apenas quatro parágrafos? Outra dúvida: por que me dou ao trabalho, se não o conheço? Para a primeira pergunta a resposta está na própria existência deste texto. Se você estiver lendo é porque consegui. Para a segunda, a resposta é um pouco mais complicada, e tem a ver até com o “escândalo das joias".

 

Sou melhor defendendo do que atacando. Passando pano do que acusando. Zombando do que reverenciando. Porque em tudo e todos que vejo me espantam a fragilidade e o desespero. Daí o instinto de compreender (essa é a palavra!) Reinaldo Azevedo


Reveja a entrevista dele com Lula. Não há ali admiração; o que há é a angústia de um homem que caiu na areia movediça e não tem ninguém para salvá-lo. Está sozinho, ainda que pareça cercado pelos aliados de ocasião. Dele gostaria de ouvir uma explicação clara sobre a mudança de postura. Como e por que virou discípulo do babalorixá de banânia? Que caminhos o levaram à conclusão de que estava errado em seus outrora divertidos ataques ao PT


Histórias de conversão me interessam. E a lealdade de Reinaldo a Lula equivale a uma queda do cavalo, ainda que para vislumbrar e adorar as trevas do petismo. Não? A mim me custa acreditar que a motivação tenha sido pecuniária. Vai ver é porque sou um privilegiado. Não vivo ao redor de pessoas venais. Pessoas só mudam assim porque emocionalmente lhes convém. 


De qualquer modo, e para além da decepção dos que celebrávamos o furor antipetista de Reinaldo, não vejo problema no fato de ele petistar despudoradamente. Que se embriague na admiração pouco sincera dos novos amigos. E seja "feliz".

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

A RELIGIÃO É O ÓPIO DO POVO

Talvez seja impossível dizer como seria mundo sem as religiões, mas o termo "impossível" foi cunhado por alguém que desistiu de tentar. Só o impossível acontece; o possível apenas se repete — ou, parafraseando Einstein, "só existe até que alguém duvide e prove o contrário".

Os primeiros textos védicos remontam a 1.500 a.C., mas os conceitos que eles encerram já vinham sendo transmitidos oralmente havia séculos. A frase "este é o meu corpo" — que Jesus teria dito durante a Última Ceia — é repetida até hoje durante a Eucaristia. 
 
Toda sociedade tem uma religião, toda religião tem um propósito social, e toda refeição religiosa emula um ritual. O Sêder de Pessach e a comunhão são meras adaptações litúrgicas de uma pratica observada em chimpanzés (o último ancestral que os humanos têm em comum com os macacos).
 
Observação: A seleção natural tornou os hominídeos mais sociais — a linha do hominídeo se dividiu em duas há cerca de 10 milhões de anos; uma vertente levou aos bonobos e a outra, ao homo sapiens, que compartilha 99% dos genes com os chimpanzés. 
 
Hoje, as religiões parecem distantes da empatia que surgiu nos tempos imemoriais, mas a evolução ensina que fenômenos complexos se desenvolvem a partir de começos simples. Segundo o sociólogo Robert Bellah, estamos imersos em uma profunda história biológica e cosmológica que influencia tudo o que fazemos; até a mais aparentemente autônoma decisão humana é tomada dentro de uma história. 
 
A finalidade precípua da religião é "religar" o ser humano a Deus, mas cada vertente — cristã, budista, hinduísta, xamânica, espiritualista, gnóstica, entre outras — possui sua própria definição do que ou de quem seja Deus. Conforme a ciência avançou, o divino perdeu parte de seu elã, mas, contrariando as previsões de muitos, o mundo menos religioso — para o bem e para o mal, haja vista o que alguns governos fazem em nome da fé.  
 
Rituais, liturgias, orações e atos de caridade deveriam levar as pessoas a se sentirem parte de uma realidade mais significativa — ainda que as religiões não estejam necessariamente ligadas a uma crença monoteísta, interligadas a preceitos morais e tampouco fundamentadas sobre um mito de criação do mundo. 

Ao longo da História, Cristo, Buda, Maomé, Krishna e outros ícones religiosos deixaram uma mensagem para determinado povo em determinada época. Essas mensagens deveriam levar à unidade, ao amor e ao bem de todos, mas foram distorcidas para atender a interesses egoístas daqueles que detém poder e influência, que as utilizam para manipular seus semelhantes.
 
A História ensina que não é recomendável misturar religião com política. Quando "lavou as mãos" e deixou que Jesus fosse crucificado, Pilatos deixou claro que ligação entre religião e política já existia. E o mesmo se pode dizer do episódio em que Jesus entrou no templo e pediu que dessem "a Cézar o que era de Cézar e a Deus o que era de Deus". 

Durante um longo período da história, Estado e Igreja eram a mesma coisa. Isso começou a mudar com a Revolução Francesa. Com a Proclamação da República, o Brasil se tornou oficialmente um Estado laico, onde a liberdade de crença religiosa é prevista em lei e a lei protege aqueles que não são da religião predominante. 
Mas essa laicidade está em risco devido a um movimento religioso-político mediante o qual alguns segmentos da sociedade e seus representantes no Congresso querem impor sua crença em prol de um projeto visando aumentar sua influência e seu poderio econômico. 
 
O escândalo envolvendo o ex-ministro Milton Ribeiro et caterva, repercutido por toda a imprensa em meado deste ano (mas sobre o qual ninguém fala mais) é mais uma prova provada de que misturar política com religião é uma prática que nunca dá certo. O apadrinhamento de verbas — embora seja uma prática antiga no Brasil — é um hábito que precisa ser combatido por todos, especialmente pelos religiosos, que deveriam ter um código moral... enfim, como está escrito no Salmo 118, versículo 8, “é melhor confiar no SENHOR do que confiar no homem”.
 
Essa é mais uma importante lição que o povo brasileiro tarda a aprender. Para surpresa de ninguém, pois uma gente que desconhece o próprio passado está fadada a repetir seus erros ad aeternum. Para essa brava gente, quanto mais merda houver, melhor. 
 
Li certa vez que "Deus, em sua infinita bondade, criou a fé e o amor, e o Diabo, invejoso, as religiões e o casamento". Isso mostra como é importante não confundir alhos com bugalhos: diferentemente das religiões, as igrejas são instituições que se organizam com base em estruturas de poder e têm como objetivo normatizar a sociedade.

sexta-feira, 27 de maio de 2022

AINDA SOBRE AS MEMÓRIAS DOS PCs E SMARTPHONES

O INFERNO ESTÁ VAZIO. OS DEMÔNIOS QUE NÃO ESTÃO NO CONGRESSO ESTÃO NO EXECUTIVO — EXCETO OS QUE SE ABOLETARAM NA MAIS ALTA CÚPULA DO JUDICIÁRIO.

Continuando de onde paramos no capítulo anterior, falta de memória física se resolve com um upgrade de RAM — que é considerado o upgrade setorizado mais fácil de ser implementado e que produz melhores resultados no desempenho do computador, desde que o gargalo de dados decorra realmente de insuficiência de memória (Windows 11 com 4 GB de RAM, nem pensar). Para além disso, essa evolução precisa ser tecnicamente possível (falo das limitações da placa-mãe e do próprio sistema operacional) e economicamente viável. 

 

No que tange à placa-mãe, cito o exemplo do meu desktop “Frankenstein”, que passa bem, obrigado, embora continue na UTI e sem previsão de alta. Ele dispõe de 64 GB de RAM, mas a placa-mãe limita o acesso a 32 GB — o que é uma pena, pois o Win10 Pro x64 manipula até 512 GB. Por falar nisso, a Microsoft deixou de oferecer edições de 32 bits quando lançou a versão mais recente do Windows (no Win10 Home x32, o limite era de míseros 4 GB).

 

Antes de comprar mais memória para seu PC, verifique se o sistema é 32-bit ou 64-bit. As principais diferenças são o “comprimento da palavra” (sequência de bits de tamanho fixo que o chip é capaz de processar) e o tamanho dos “registradores” (memória temporária usada no processamento das instruções), que definem quanta memória o processador é capaz de endereçar e o sistema operacional, de “enxergar”. O Win10 Home x86 endereça 4 GB e o x64128 GB; assim, instalar mais de 4 GB de RAM num PC cujo sistema seja de 32 bits é gastar boa vela com mau defunto.

 

A redução no preço do SSD (drives baseados em memória flash) deve aposentar em breve os jurássicos discos rígidos eletromecânicos. Mesmo que a RAM seja muito mais rápida, um drive de memória sólida faz toda a diferença (sobretudo com as versão mais recentes do Windows). Guardadas as devidas proporções, isso também se aplica ao armazenamento interno dos ultraportáteis (tanto eMMC quanto UFS, que é o padrão de memória flash mais utilizado em smartphones).

 

Ao escolher um computador, seja de mesa, portátil ou ultraportátil, esquadrinhe as especificações técnicas. Como dito alhures, todo computador é tão rápido quanto seu componente mais lento. Muita gente supervaloriza o HDD/SSD, que chama de "memória" — o que não é errado; errado é confundir alhos com bugalhos (ou a memória primária e a secundária, no caso em tela) e não priorizar uma configuração equilibrada.     

  

O culpado pelo desempenho sofrível do seu computador pode não ser a insuficiência de RAM, mas pouca RAM resulta invariavelmente em baixo desempenho. Para rodar as versões mais recentes do Windows é recomendável dispor de 8 GB de RAM. Os requisitos mínimos estabelecidos pela Microsoft são mais modestos, mas a questão é que a gente não usa apenas o sistema operacional, e os aplicativos — sobretudo os browsers — são vorazes consumidores de memória. 


Mutatis mutandis, o mesmo se aplica aos smartphones, já que, sem aplicativos, os telefoninhos inteligentes não passam de um caríssimos pesos de papel. Mas isso é assunto para o próximo capítulo.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

AINDA SOBRE VÍRUS, RANSOMWARE, PRIVACIDADE, COOKIES ETC. (CONCLUSÃO)

CASAR É TROCAR A ADMIRAÇÃO DE VÁRIAS PELA CRÍTICA DE UMA SÓ.

Quando os vírus "apenas" danificavam arquivos do sistema, as vítimas logo percebiam que havia algo de errado com suas máquinas. Mais adiante, porém, o objetivo mudou, e o modus operandi também foi alterado, de modo a evitar que as vítimas se dessem conta da infecção e adotassem as medidas corretivas necessárias. 

É importante não confundir alhos com bugalhos: pesquisar um produto qualquer na Web e passar a ser bombardeado com anúncios não é indício de infecção, mas sim de que os "cookies" estão fazendo seu trabalho (detalhes nesta postagem). Essas propagandas — que estão presentes até em redes sociais — são invasivas, podendo mesmo assustar internautas desinformados. 

Muita gente acha que o smartphone consegue escutar o que se fala durante o uso do aparelho. Se você pensa que isso é pura paranoia, talvez reveja seus conceitos se entender melhor como funcionam o Google Ads, os algoritmos em geral e as assistentes virtuais em particular, como a do Google, presente no Android, e a Siri, que integra o iOS. que respondem a comandos de voz.

LGPD em vigor exige que todas as empresas forneçam informações claras e acessíveis sobre o uso de dados pessoais dos usuários em seus  “termos de uso”, mas quase ninguém se preocupa com isso quando acessa um site, por exemplo, e é induzido a “aceitar” os cookies. Anúncios específicos que não param de aparecer podem ter a ver com algoritmoscookies e o próprio Google Ads. Por meio de uma técnica conhecida como “retargeting”, as empresas de propaganda conseguem identificar as preferências dos usuários e gerar anúncios personalizados, conforme o perfil de cada um. E é aí que entram os cookies — pequenas porções de código armazenados pelos sites nos navegadores dos internautas que concedem essa permissão quando visitam as webpages.

Fazer uma busca por um determinado produto fará com que o Google Ads entenda que você tem interesse em adquirir o tal produto, e passará a exibir um sem-número de “anúncios personalizados”. Para evitar essa aporrinhação, prefira fazer as pesquisas a partir de uma guia anônima do navegador ou, melhor ainda, utilizando uma VPN (o Opera, por exemplo, oferece o serviço gratuitamente e não limita o tráfego de dados).

Vale também configurar seu browser para excluir os cookies e o histórico de navegação ao final de cada sessão ou fazê-lo manualmente de tempos em tempos. No Chrome, clique em Configurações (os três pontinhos no final na barra de endereços) > Mais Ferramentas > Limpar dados de navegação > Eliminar os seguintes itens desde, escolha uma das opções disponíveis (sugiro desde o começo) e marque as caixas de verificação ao lado dos itens que você deseja eliminar (sugiro limitar-se às primeiras quatro opções). Ao final, clique em Limpar dados de navegação, reinicie o navegador e confira o resultado (para não meter os pés pelas mãos, siga este link e leia atentamente as informações da ajuda do Google antes de dar início à faxina).

No Mozilla Firefox, clique no botão Abrir menu (também localizado no canto direito da barra de endereços, mas identificado por três traços horizontais), clique em Opções > Privacidade e Segurança > Cookies e dados de sites, clique no botão Limpar dados e reinicie o navegador. 

No Edge Chromium, clique no ícone das reticências (no canto superior direito da janela), depois em Configurações > Privacidade, pesquisa e serviços e, em Limpar dados de navegação, selecione Escolher o que limpar, defina um intervalo de tempo no menu suspenso e os tipos de dados que você quer limpar, clique em Limpar e reinicie o navegador.

No Opera, clique no botão Menu (no canto superior esquerdo da janela), em Configurações > Privacidade e segurança > Limpar dados de navegação; feitos os ajustes desejados, pressione o botão Limpar dados de navegação e reinicie o navegador.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

RETROSPECTIVA — TERCEIRA PARTE

Conhecimentos não-empíricos, como os obtidos através de inexatos livros de História, não autorizam ninguém a pleitear volta dos fardados ao poder. 

A ditadura instituída pela assim chamada Revolução de 1964 foi um golpe militar desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores depuseram o então presidente João Goulart e empossaram o marechal Humberto de Alencar Castello Branco, a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias que prevaleceram durante o período mais repressivo do regime. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, dali a 11 longos anos, à malfadada ditadura — que se estendeu por intermináveis 21 anos, durante os quais, além de Castello, outros quatro generais presidiram o país, a saber: Costa e SilvaMédiciGeisel Figueiredo

O desgaste do governo militar propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que derrotou Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), em 15 de janeiro de 1985. graças à união do PMDB à chamada Frente Liberal (formada por dissidentes do partido que dava sustentação ao militares). 

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. O processo só foi concluído graças a manifestações populares pró-diretas que reuniram cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária e 1 milhão no Vale do Anhangabaú. A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé, em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

ObservaçãoOs movimentos pró “Diretas Já” pugnavam pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas. Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes políticos do quilate de Ulysses GuimarãesTancredo NevesLeonel BrizolaFernando Henrique Cardoso e Lula, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida, e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

O deputado Ulysses Guimarães, então presidente da Câmara, entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março — data prevista para a posse do primeiro civil na Presidência em 21 anos. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois, levando para o túmulo a esperança de milhões de brasileiros.

O sepultamento do político em São João Del Rey (MG) produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa vencedora, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

É no mínimo curioso o fato de que muita gente que nem era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura se diz saudosa dos "anos de chumbo". Essa caterva compareceu em peso nas manifestações de 7 de Setembro último, para beber as palavras golpistas de seu despirocado “mito”.

Enquanto os brasileiros não se conscientizarem de que voto é coisa séria — e não perceberam a força que têm —, continuaremos amargando agentes públicos fisiologistas, vendilhões e ladrões. E, guardadas as devidas proporções, o mesmo raciocínio vale para o Poder Judiciário.

Como instituição, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (bem como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 11 togados supremos merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

ObservaçãoConfundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Continua...

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

COISAS QUE SÓ ACONTECEM NO BRASIL


Dizem que a jabuticaba (fruta) e a saudade (palavra) são exclusividades tupiniquins, mas não é verdade. Apesar de ser nativa da Mata Atlântica, a jabuticabeira está presente em outros países da américa latina, como México e Argentina. E o vocábulo "saudade" tem similares em espanhol (soledad), no catalão (soledat) e em várias outras línguas neolatinas.

A originalidade portuguesa foi a extensão do termo a situações que não a "solidão devida à falta do lar". Para nós, "saudade" é algo como "a dor de uma ausência que temos prazer em sentir" — ou, na definição dos dicionaristas, um "sentimento melancólico devido ao afastamento de uma pessoa, uma coisa ou um lugar, ou à ausência de experiências prazerosas já vividas". Aliás, quem tem prazer em sentir dor é masoquista.

Não restam dúvidas de que o Brasil está longe de ser um país sério. A propósito, quem proferiu a célebre frase "le Brésil n’est pas un pays serieux", frequentemente atribuída ao general francês Charles de Gaulle, foi na verdade o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, genro do presidente Artur Bernardes. E quem disse que "O Brasil não é para principiantes" (ou para "amadores", conforme a versão dessa história) foi mesmo o saudoso maestro Tom Jobim (brasileiro até no nome).

Saudosistas não raro idolatram um passado que nunca existiu. No Brasil, alguns vão mais além: gente que nem sequer era nascida quando a eleição de Tancredo Neves pôs termo à ditadura militar diz "sentir saudades dos anos de chumbo" e (pasmem!) apoia o desgoverno do inquilino de turno do Planalto — uma aberração que apoiamos para evitar a volta do lulopetismo corrupto, sem imaginar, àquela altura, que estávamos removendo o pino de uma granada de efeito retardado, desarrolhando a garrafa que prendia um efrite (ou ifrit) megalômano, abrindo a caixa de Pandora, enfim, deixo por conta do freguês a escolha da melhor analogia.

Desde a posse, esse mau militar e parlamentar medíocre nada fez senão articular sua reeleição. Quanto aos inúmeros problemas que o país enfrenta (em parte pela incompetência chapada de seu mandatário de fancaria), sua excelência vem fazendo o que continuará a fazer se não for impedido — ou seja, o que ele disse ter feito para a CPI do Genocídio. E assim, de cagada em cagada, o cagão vai esmerdeando o lema chauvinista e enjoadinho que associou à sua campanha: "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos".

Conhecimentos não-empíricos, de segunda-mão, obtidos através de inexatos livros de História não autorizam quem quer que seja a pleitear volta dos fardados ao poder. A ditadura militar, instituída em março de 1964 com a deposição do então presidente João Goulart e a posse do marechal Humberto de Alencar Castello Branco se estendeu por intermináveis 21 anos, ao longo dos quais ocuparam o Palácio do Planalto os generais Costa e SilvaMédici, Geisel e Figueiredo, nessa ordem. 

Em 1968, o “linha-dura” Costa e Silva decretou o AI-5, produzindo um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros que prevaleceram durante o período mais repressivo do governo militar. Em 1974, Geisel deu início ao lento processo de abertura que poria fim, 11 anos depois, ao regime de exceção com a eleição (indireta) de Tancredo Neves — o primeiro presidente civil em mais de duas décadas (que baixou ao hospital 12 horas antes da cerimônia de posse e morreu 38 dias e 7 cirurgias depois).

O fim da ditadura não foi uma “consequência natural do espírito democrático” de Geisel e Figueiredo nem tampouco transcorreu sem turbulências e acidentes de percurso. Aliás, o processo de abertura só foi concluído devido a manifestações populares pró-diretas que reuniram, em 1983, cerca de 1,5 milhão de pessoas na Candelária (na Cidade Maravilhosa) e 1 milhão no vale do Anhangabaú (em Sampa). A mais emblemática delas lotou a Praça da Sé (também na capital paulista), em janeiro de 1984, com 300 mil pessoas carregando faixas e vestindo camisetas onde se lia a inscrição “EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE”.

Observação: Os manifestantes apareceram espontaneamente para ouvir e aplaudir líderes como Ulysses Guimarães, Tancredo NevesLeonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso, Lula e outros políticos, além de artistas e intelectuais que se revezavam ao microfone. Em meados dos anos 1980, a Internet ainda era uma ilustre desconhecida e as redes sociais só surgiriam e se popularizariam quase duas décadas depois.

A “Revolução de 1964” — cuja data comemorativa é 31 de março — foi um golpe de Estado desfechado na madrugada de 1º de abril, quando líderes civis e militares conservadores derrubaram Jango — a pretexto de afastar do poder um grupo político que supostamente flertava com o comunismo. Nos movimentos pró “Diretas Já”, pugnava-se pela aprovação da emenda constitucional Dante de Oliveira, que visava restaurar o direito às eleições diretas, que havia sido suspenso pelos militares. No dia da votação, exatos 20 anos depois do golpe, uma manobra de bastidores tirou da Câmara 112 deputados. A despeito do clamor das ruas, a emenda foi rejeitada — em outras palavras, o povo foi traído (mais uma vez) pela classe política, o câncer social que, infelizmente, é um mal necessário.

O desgaste do governo propiciou a eleição (indireta) de Tancredo Neves, que venceu Paulo Maluf no Colégio Eleitoral (por 480 votos a 180), depois de unir o PMDB à chamada Frente Liberal, formada por dissidentes do PDS, que dava sustentação ao governo militar. Em janeiro de 1985, o então deputado federal Ulysses Guimarães — que chegou a ser cogitado para disputar a presidência da República pelo PMDB contra o pedessista Maluf, mas acabou sendo preterido pela chapa “mista” formada com o PFL de Sarney — entregou a Tancredo o programa denominado Nova República, que previa eleições diretas em todos os níveis, educação gratuita, congelamento de preços da cesta básica e dos transportes, entre outras benesses.

Com esperança e ânimos redobrados, os brasileiros ansiavam pela chegada do dia 15 de março, data prevista para a posse do primeiro presidente civil depois de 21 anos e, consequentemente, a volta dos militares às casernas. Mas o que deveria ser a festa da democracia se transformou em luto nacional: Tancredo foi internado 12 horas antes da cerimônia de posse morreu 38 dias e 7 cirurgias depois. O sepultamento do político — em São João Del Rey (MG) — produziu um dos maiores cortejos fúnebres já vistos no país: o féretro foi seguido por mais de 2 milhões de pessoas por São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, a caminho da cidade natal daquele que foi, sem jamais ter sido, o maior presidente do Brasil.

Após algumas discussões jurídicas sobre a possibilidade de o então presidente da Câmara dos Deputados (Ulysses Guimarães) ser guindado ao Palácio do Planalto, prevaleceu o entendimento de que o rebotalho do coronelismo nordestino José Sarney, vice na chapa de Tancredo, deveria assumir a Presidência. E foi o que aconteceu, para o bem e para o mal.

Sem embargo, há por estas bandas gente que — repito — sequer era nascida quando a eleição de Tancredo marcou o fim da ditadura, mas se diz saudosa dos "anos de chumbo". E tudo indica que essa escumalha comparecerá em peso às manifestações pró-governo marcadas para o próximo dia 7. Quem viver verá que haverá, então, mais jovens rinchando bestagens do que sessentões — que cresceram e adolesceram em meio à ditadura — defendendo o fechamento do Congresso e a prisão dos ministros do STF, entre outras sandices.

Longe de mim passar a impressão de que, em minha desvaliosa opinião, nossos parlamentares façam jus a rasgados elogios. E o mesmo se aplica a atual composição da mais alta corte de Justiça tupiniquim. Como instituições, tanto a Presidência da República quanto o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal merecem nosso mais profundo respeito. Mas daí a dizer que o atual chefe do Executivo (assim como os que o precederam desde a "redemocratização"), os 513 deputados federais, os 81 senadores e os 10 togados supremos (seriam 11 se alguém já tivesse ocupado a vaga aberta com a aposentadoria do primo de Collor) merecem o mesmo tratamento é confundir alhos com bugalhos.

Observação: Confundir alhos com bugalhos é o mesmo que trocar as bolas, ou, por extensão, meter os pés pelas mãos. O que muita gente não sabe é que bugalhos são bulbos comestíveis de textura semelhante à do alho, cujo formato de pênis inspirou um fado que os marujos lusitanos cantavam nos tempos de Cabral: “Não confundas alhos com bugalhos / Nem tampouco bugalhos com caralhos”.

Retomando o fio da meada, ou melhor, remetendo ao título desta postagem — que tomei emprestado do artigo publicado por Ricardo Rangel em Veja — e que transcrevo mais adiante —, há coisa que parecem acontecer somente no Brasil (e ainda dizem que Deus é brasileiro!).

Ao contrário do que escreveu Karl Marx, a história nem sempre se repete como tragédia ou farsa. Às vezes — para o bem ou para o mal — ela reproduz fielmente o passado.

A julgar pelo exercício de futurologia que institutos como Datafolha, Ibope, Vox Populi, Paraná Pesquisas e assemelhados chamam de pesquisas de intenções de voto, o ex-presidiário travestido de "ex-corrupto" e o maníaco que (ainda) ocupa o Palácio do Planalto abrilhantarão o segundo turno do pleito presidencial de 2022. E a menos que o imprevisto tenha voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, o picareta dos picaretas fará picadinho do capitão despirocado. Ao que parece, tudo depende do que acontecer no próximo dia 7 (vide postagem anterior). Enfim, quem viver verá. Enquanto isso, passo a palavra a Rangel.  

O presidente da República declarou que o Supremo não tem direito de abrir inquérito de ofício. O governo federal entrou com ação no Supremo pedindo ao Supremo que revogue o artigo do regimento interno do Supremo que permite ao Supremo que abra inquérito de ofício.

O advogado do presidente da República cantou uma mulher casada e fugiu correndo quando o marido da mulher o perseguiu com uma faca.

O presidente da República convocou para o golpe (que ele chama de “contragolpe”). Quando a convocação vazou, irritou-se.

Um cantor convocou para o golpe. Quando a convocação vazou, declarou-se magoado, triste, depressivo e chorou em entrevista. Ao sofrer busca e apreensão, declarou que não tem medo de ir para a cadeia, que não é frouxo, não é mulher. E novamente pediu desculpas em nova entrevista, desta vez na cama.

Um deputado aventou a hipótese de que o cantor tenha usado dinheiro público para comprar uma prótese peniana. O líder da associação dos produtores de soja desmentiu o cantor, que havia citado seu nome como participante do golpe, e deu como explicação a hipótese de ele ter “tomado umas pingas”. Após sofrer busca e apreensão, o líder desfilou com tratores na porta da Polícia Federal.

O presidente da República entrou com ação de impeachment contra ministro do Supremo.

Um comediante fez ameaças aos ministros do Supremo e pediu o fechamento do tribunal e do Congresso.

Vários coronéis da PM, inclusive um da ativa, comandante de cinco mil homens, convocaram para o golpe — que tem data, hora e local marcados com um mês de antecedência e conhecidas pelo público.

Os militares avisaram que não vão poder comparecer.

EM TEMPO: Na manhã do último sábado, durante o 1° Encontro Fraternal de Líderes Evangélicos de Goiás, nosso indômito capitão compartilhou com a récua de muares que vão ao Nirvana com suas bolsonarices a seguinte profecia: "Eu tenho três alternativas para o meu futuro: estar preso, estar morto ou a vitória. Pode ter certeza de que a primeira alternativa não existe. Estou fazendo a coisa certa e não devo nada a ninguém. Sempre onde o povo esteve, eu estive". Esqueceu-se sua excelência de uma quarta possibilidade, que, pelo andar da carruagem, tende a ser a mais provável: a derrota.

No âmbito judicial, Bolsonaro é investigado em cinco inquéritos. O assim chamado inquérito das fake news, que tramita no STF, investiga um esquema de disseminação sistemática e organizada de informações falsas com o objetivo de fragilizar as instituições e a democracia. Outro inquérito, no TSE, investiga o mandatário por ataques sem provas às urnas eletrônicas e tentativa de deslegitimar o sistema eleitoral brasileiro. Além disso, nos últimos dias, aliados do presidente foram alvo de operações contra atos ofensivos à democracia e às instituições do Estado.

Bolsonaro também enfrenta desgaste nos campos político e econômico, com inflação, desemprego e pobreza em alta, e o risco de apagão no fornecimento de energia elétrica, diante do baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. Em Goiânia, ao lado de líderes evangélicos, o presidente discursou por cerca de 20 minutos. No fim, disse: "Deus me colocou aqui, e somente Deus me tira daqui", repetindo uma frase já comum em declarações do presidente. Já do lado de fora da igreja, tirou fotos com apoiadores e tomou caldo de cana. Depois de falar com o público, ele se encontrou com políticos e empresários de Goiás em um local onde foram colocadas tendas e montado um palco. 

Alea jacta est.