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quarta-feira, 7 de julho de 2021

COBRA COMENDO COBRA!


Sem alarde, a CPI da Pandemia avança na investigação sobre a divulgação de fake news. Até agora, oito pessoas próximas a Bolsonaro tiveram sigilos telefônico e telemático quebrados. Na sessão de ontem, a servidora Célia Silva Oliveira admitiu que o contrato para a compra da vacina indiana Covaxin ficou um mês sem fiscal, e que ela só foi encarregada do contrato em 22 de março, dois dias após os irmãos Miranda terem denunciado as irregularidades no processo ao presidente. E mais um bocado de meias-verdades e inverdades chapadas, empresas ligadas à Precisa e à Global que vendem “de parafuso a foguete para órgãos públicos” e providenciais acessos de amnésia — a depoente da vez dizia não se lembrar do próprio padrinho político! Está programada para hoje a oitiva de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do departamento de Logística em Saúde da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde; amanhã será a vez da ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, Francieli Fantinato. A Comissão solicitou também o auxílio de um delegado da PF que atuou na CPMI das Fake News e pediu à PGR que um procurador seja destacado “com urgência” para auxiliar nas investigações.

***

As maiores manifestações populares desde as Diretas Já eclodiram em 2013, tendo como estopim um aumento de R$ 0,30 no preço da passagem no transporte público. O resultado veio três anos depois, com a deposição de Dilma, a inolvidável. Promovido a titular, o vice decorativo da anta teve bons e maus momentos e vivenciou manifestações de repúdio e panelaços, mas que foram café pequeno na comparação  com os apupos dirigidos à eterna estocadora de ventos.

Não vem ao caso discutir a implicância de Rodrigo Janot com o Michel Temer ou a sujeição deste ao patético papel de pato-manco para driblar as “flechadas” daquele. Mas é oportuno relembrar que o PGR era simpatizante do petismo e o vampiro do Jaburu foi o articulador do impeachment da dita-cuja caracará. Dito de outro modo, Dilma era uma incompetente de quatro-costados, Temer, um grande oportunista e Janot, um maluco que afirmou publicamente que entrou armado no STF para “atirar na cara de Gilmar Mendes e se suicidar em seguida”, mas “uma intervenção divina” o impediu de apertar o gatilho. Cada qual dá à própria imprestabilidade o nome que bem entende, naturalmente. Mas isso não muda o fato de que essa “confissão” foi uma estratégia de marketing para promover o livro — Nada Menos que Tudo.

O alvo da ira de Janot descartou recorrer a alguma medida judicial, até porque o Código Penal e a jurisprudência dos tribunais não criminalizam a fase preparatória de um ilícito. Se o simples desejo de matar fosse passível de punição e a justiça brasileira cumprisse seu papel, nem um pool de empreiteiras trabalhando 24/7 daria conta da demanda por celas. Em última análise, a mirabolante revelação do ex-procurador não daria sequer um filme do tipo “DESEJO DE MATAR NO STF” — até porque seria preciso deixar claro quem era o mocinho e quem era o bandido no enredo.

Manifestações de rua e panelaços perderam força com a queda da nefelibata da mandioca, mas ressuscitaram para assombrar o Capitão-Grinch. Esqueça as motociatas. São manifestações engrossadas com promessas de isentar motos, scooters e congêneres do pagamento de pedágio. Digno de nota é a recorrência dos protestos contra o governo, que, inclusive, vêm se avolumando. Se esse cenário é um prenúncio de impeachment, só o tempo dirá. Mas o clamor popular foi determinante na deposição de Collor e Dilma.

Domingo passado, um dia depois das penúltimas manifestações pró-impeachment e dois após ter sido indiciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, Renan Calheiros acusou Jair Bolsonaro de ter desdenhado da pandemia, criado um governo paralelo, sabotado os imunizantes, alastrado o vírus e entregado vidas a charlatães e lobistas de cloroquina (como o próprio presidente e sua ilustre filharada).

Segundo a PF, o senador teria ocultado e dissimulado a origem de R$ 1 milhão, em 2012, pago pelo Grupo Odebrecht em troca de apoio político para a aprovação de projeto de lei em benefício da empreiteira. Em nota, o acusado afirmou que a PF não tem competência para indiciá-lo, que a investigação está aberta desde março de 2017 e que estranha o fato de o inquérito ter andado no momento em que a CPImostra todas as digitais do governo na vacina da corrupção”.

Cá entre nós e a torcida do Flamengo, esse pedido de indiciamento é um movimento de retaliação da PF (que agiu a mando do chefe do Executivo) à atuação do relator da CPI do Genocídio. Não morro de amores por Renan e tampouco tenho procuração para defende-lo, mas é impossível negar que, nesse caso específico, assiste razão ao senador. Mas isso não faz dele o obelisco da probidade. Basta lembrar que ele e o então presidente o STF (petista no úrtimo) costuraram um acordão para fatiar o processo de impeachment de Dilma, evitando que ela fosse inabilitada politicamente (em desconformidade com a Lei do Impeachment, segundo a qual o réu perde o mandato e  fica inelegível por 8 anos).

Em dezembro de 2016, o Cangaceiro das Alagoas se tornou réu por peculato e foi afastado da presidência do Senado, já que réus não podem ocupar cargos que os coloquem na linha sucessória presidencial (não me perguntem como Arthur Lira é presidente da Câmara). Por alguma razão, a decisão de afastar Renan paralisou os trabalhos na Casa. Era como se nada ali funcionasse sem a presença da quintessência da velha política de cabresto nordestina. Para piorar, apoiado pela mesa diretora, senador se recusou a acatar a decisão, como se sua deposição fosse uma opção, não uma determinação emanada da cúpula do Judiciário.

Em fevereiro de 2019, Renan disputou a presidência do Senado pela quinta vez, mas foi derrotado por Davi Alcolumbre. Teve de tudo nessa eleição. De 48 horas de chicanas legislativas ao “furto” da pasta de direção da Mesa pela senadora Kátia Abreu; de reuniões que vararam a madrugada a uma decisão questionável do STF (proferida às 03h45 em favor do voto secreto, contrariando uma decisão do plenário). Ao cabo da primeira votação, foram computados 82 votos (o que é no mínimo estranho, considerando que o plenário da Casa e composto por 81 senadores). Aos olhos dos otimistas de sempre, a derrota acachapante de Renan sepultaria a velha política clientelista, fisiologista e oportunista, mas tudo continuou como dantes no Quartel de Abrantes.

Na política não há amigos nem inimigos. O desafeto de hoje pode ser o aliado de amanhã, e vice-versa. No mundo real, o fato de você e eu termos um inimigo em comum não nos torna amigos, mas seria burrice não unirmos forças em prol da nossa causa. Pouco importa a cor do gato, desde que ele cace o rato. Na relatoria da CPI, o senador alagoano superou minhas expectativas. Mutatis mutandis, o mesmo vale para o senador Omar Aziz, presidente da Comissão, que governou o Amazonas de 2010 a 2014 e foi alvo da Operação Vértex. Segundo sua assessoria, não foi produzida prova alguma nem apresentado indício de ligação do senador com qualquer atividade delituosa”. O advogado de Aziz confirmou à CNN que seu cliente está com o passaporte retido e alguns bens bloqueados, mas afirmou que o juiz que decretou essas medidas era incompetente para julgar o caso.

Aliados do governo põem em dúvida a imparcialidade de Aziz como condutor da CPI. Faz parte do jogo, como se costuma dizer. O diabo é que brasileiros estão morrendo feito moscas enquanto maus parlamentares usam a Comissão como palanque, depoentes mentem ou recorrem a chicanas para permanecer calados, a tropa de choque do Planalto tenta relativizar a culpa do chefe pelas 520 milhões de mortes e o senador Rodrigo Pacheco, eleito presidente da Casa com o apoio do Planalto, empurra com a barriga a decisão sobre a prorrogação dos trabalhos da CPI.   

O Brasil já teve 38 presidentes em 121 anos de história republicana, mas nenhum deles — nem mesmo Dilma, a inefável — foi chamado de genocida ou “eleito” pior líder mundial no enfrentamento à Covid. Como governante, Bolsonaro não passa de um inquilino do Palácio do Planalto que jamais desceu do palanque e usa a máquina pública em prol de um projeto de poder eminentemente pessoal. Dos poucos ministros que valiam dois mirréis de mel coado, a maioria já desembarcou — uns por iniciativa própria, outros penabundados pelo chefe, por ciúme ou para acomodar apaniguados do Centrão. E dá-lhe “gabinete do ódio”.

“Envenenado” pelos filhos — seguidores atávicos do ex-astrólogo Olavo de Carvalho —, Bolsonaro demitiu (ou fez com que se demitissem) ministros do quilate de Gustavo Bebianno, Floriano Peixoto, Santos CruzHenrique Mandetta, Sergio Moro e Nelson Teich, rompeu com apoiadores de primeira hora (entre os quais Joice HasselmannAlexandre Frota e Janaína Paschoal) e, numa clara disputa por poder dinheiro do fundo partidário, desligou-se da oitava legenda que percorreu em seus 30 anos na política. 

Expelido da secretaria-geral da Presidência em fevereiro de 2019, Bebianno — o amigo de fé, irmão, camarada e articulador da campanha passou de aliado a desafeto após ter sido demitido por Zero Dois, chamou de psicopata o presidente que ajudou a eleger e disse à Jovem Pan que “a democracia estava em risco devido à postura de Bolsonaro”. Bebianno tencionava disputar a prefeitura do Rio de Janeiro em 2020, mas foi fulminado por um infarto agudo em março de 2019, quando estava escrevendo o livro “Uma Eleição Improvável”, que desnuda os bastidores da campanha do capitão. De certo modo Bebianno representava para Bolsonaro o que PC Farias representou para Collor Antonio Palocci para Lula

Ignorar as fronteiras que separa o país do governante é uma característica típica de líderes autoritários e demagogos que se escondem atrás de apelos nacionalistas em busca de proteção. Bolsonaro não só deformou o aparato estatal como vem usando a máquina pública para atingir desafetos e alimentar picuinhas. Para proteger-se e blindar sua enrolada prole, não se furta a vilipendiar instituições de Estado, afrontar os demais Poderes e vituperar impropérios contra a imprensa diuturnamente. Para ele, a Constituição é como papel higiênico: só tem utilidade nas horas de necessidade. Sua “falta de absolutamente” se evidenciou ainda mais com a pandemia. Uma gestão adequada, dizem os especialistas, poderia ter evitado centenas de milhares de óbitos. Mas “e daí?” “Não sou coveiro”, tripudia o presidente.

Nada com um dia após o outro. Bolsonaro entrará para a história como o presidente que reuniu todos os defeitos de seus antecessores sem deles tomar emprestada uma única virtude, além de ter sido o grande responsável pela maior produção de cadáveres de todos os tempos. Que o Diabo se apiede de sua alma.

segunda-feira, 17 de maio de 2021

A FARSA NACIONAL


De acordo com a epístola enviada por Pero Vaz de Caminha ao rei D. Manuel em abril de 1500, a primeira porção da Terra Brasilis avistada pela trupe de Cabral foi o Monte Pascoal: “(...) Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal (monte da Páscoa) e à terra A Terra de Vera Cruz!”, anotou o escriba ao descrever o “descobrimento do Brasil”.

O detalhe é que àquela altura o espanhol Vicente Yáñez Pinzón já havia aportado na costa de (hoje) Pernambuco (em 26 de janeiro de 1500), e sete anos antes o rei português D. João II ameaçara declarar guerra à Espanha se o papa Alexandre VI não revisasse os limites estabelecidos pela Bula Inter Coetera — o que originou o Tratado de Tordesilhas, firmado em junho de 1494.

Tanto a expedição de Pinzón quanto o insurgimento do monarca são indícios claros do que ficou comprovado documentalmente séculos depois: Portugal já sabia da existência de terras na porção sul do “novo continente” descoberto por Cristóvão Colombo. Demais disso, uma expedição secreta comandada por Duarte Pacheco Pereira aportou na costa brasileira em 1498, à altura do que hoje corresponde ao litoral do Maranhão — antes, portanto, de Pinzón. Mas o rei de Portugal determinou que a descoberta fosse mantida em segredo até que uma nova missão (a de Cabral) “tomasse posse oficialmente” daquelas terras.

O Brasil foi batizado como tal por conta da abundância da madeira Caesalpinia Echinata, conhecida popularmente como pau-brasil — da qual se extraía uma resina cor-de-brasa, que era muito usada para tingir tecidos. Antes de ganhar esse epíteto, o país foi batizado de Pindorama (pelos nativos); de Ilha de Vera Cruz (em 1500); de Terra Nova e Terra dos Papagaios (em 1501); de Terra de Vera Cruz e Terra de Santa Cruz (em 1503); de Terra Santa Cruz do Brasil e Terra do Brasil (em 1505), e de Brasil, em 1527.

Alcunhado de Gigante Adormecido e País do Futuro (que nunca chega), entre outros epítetos, o Brasil, seja como colônia, reino unido, império ou república, nunca deixou de ser uma banânia que aspirava a ingressar na seleta confraria das nações do assim chamado “primeiro mundo”. Segundo uma velha (e filosófica) anedota, o Senhor das Esferas estava criando o mundo quando um anjo apontou para a porção que mais adiante corresponderia ao Brasil e disse: “Esta terra será um verdadeiro paraíso para a humanidade; o clima é agradável, há lindas florestas e praias, grandes e belos rios, e nada de desertos, geleiras, terremotos, vulcões ou furacões. Por que tanto protecionismo, Senhor? E Deus respondeu: Ah, meu caro anjo, espera só pra ver o povinho filho da puta que eu vou colocar aí.”

Como dito linhas acima, a farsa começou com o “descobrimento” e seguiu pela denominação dos nativos. Os portugueses chamaram os silvícolas de “índios” porque, ao aportar no novo continente, o genovês Cristóvão Colombo supôs ter chegado às “Índias Orientais” — daí as Américas ficarem conhecidas na Europa como “Índias Ocidentais”.

Observação: O expressão “descobrimento da América” não é aceita universalmente pelos historiadores. Primeiro, porque a expedição espanhola capitaneada por Colombo não tinha por objetivo chegar a terras desconhecidas, mas sim ao continente asiático. Segundo, porque os primeiros europeus a chegar à América foram os Vikings, no século X (ainda que, diferentemente dos espanhóis e portugueses, eles não tiveram sucesso na tentativa de se estabelecerem no novo continente). Demais disso, a América não precisava dos europeus — ou da chegada deles — para existir. Ela já existia em si muito antes disso e era habitada por milhões de habitantes que formavam diferentes sociedades, algumas delas com alto grau de sofisticação.

Ainda sobre o descobrimento e a farsa nacional, os compêndios de História registram que a esquadra de Cabral zarpou de Lisboa com destino a Calicute, mas uma tormenta (ou uma calmaria, dependendo de quem conta o conto) a desviou da rota e voilà: foi “descoberto” o Brasil. A “Relação do Piloto Anônimo” — que, ao lado das cartas de Caminha e de Mestre João, é um dos três testemunhos diretos do descobrimento do Brasil que sobreviveram ao tempo —, relata o naufrágio da nau comandada por Vasco de Ataíde, mas a epístola do escriba oficial da esquadra registra que a viagem até a costa brasileira transcorreu na mais completa normalidade, “sem haver tempo forte ou contrário para que assim pudesse ser”.

A região do suposto naufrágio era conhecida como “calmas equatoriais” — já que os ventos deixavam de soprar por dias, ou semanas, e as embarcações ficavam ao sabor das correntes marinhas. Em seu admirável estudo sobre a viagem de Cabral, o contra-almirante Max Justo Guedes anotou que durante a tal calmaria a frota cabrália teria sido empurrada cerca de 90 milhas para oeste pela Corrente Equatorial Sul, mas esse deslocamento seria insignificante e não poderia ter causado o “descobrimento casual do Brasil”. Também como dito linhas acima, a chegada da expedição portuguesa ao litoral baiano não se deveu nem a tormentas, nem a calmarias. Portugal soube de sua existência anos antes desse suposto “descobrimento” e, tecnicamente, já tinha posse das terras quando Cabral nelas desembarcou.

A farsa segue pela independência, que os livros didáticos transformaram numa obra de ficção. O famoso “Grito do Ipiranga”, dado por D. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon, às margens do riacho do Ipiranga, só aconteceu porque o príncipe regente foi acometido de poderosa caganeira e fez alto para esvaziar os intestinos atrás de uma moita.

Enquanto o nobre executava essa gratificante tarefa, acercou-se da comitiva um mensageiro portando três cartas. A primeira, assinada por D. João VI, ordenava ao nobre rebento que regressasse imediatamente a Portugal e se submetesse ao Rei e às Cortes; a segunda, de José Bonifácio, aconselhava-o a romper com Portugal; a terceira, da Imperatriz Leopoldina, dileta consorte do príncipe (noves fora Domitila de Castro Canto e Mello, mais conhecida como Marquesa de Santos), transmitia ao marido o seguinte recado: “O pomo está maduro; colhe-o já, antes que apodreça”. Impelido pelas circunstâncias, D. Pedro, que já estava mesmo fazendo merda, aproveitou o ensejo para romper os laços de união política com Portugal e declarar a independência do Brasil.

Proclamação da República, também cantada em verso e prosa com pompa e circunstância, foi o primeiro dos muitos golpes de Estado que estavam por vir. Dito com outras palavras, a Primeira República começou com um golpe militar e seu primeiro mandatário — marechal Manuel Deodoro da Fonseca — foi eleito indiretamente e, dois anos depois, “convidado por seus irmãos de farda” a deixar o cargo. 

Ao longo de 131 anos de história republicana (completados em novembro do ano passado), 38 presidentes chegaram ao poder pela via do voto popular, eleição indireta, linha sucessória ou golpe de Estado (como até o passado é incerto neste país, esse número varia entre 35 e 44). Destes, oito foram de alguma forma apeados do cargo antes do fim do mandato.

Dos cinco presidentes eleitos pelo voto direto desde o fim da ditadura militar — Collor, Fernando Henrique, Lula, Dilma e Bolsonaro —, o primeiro e a penúltima foram expulsos de campo antes do final do jogo. O caçador de marajás de festim — que inaugurou a lista dos chefes do Executivo Federal depostos devido a crimes de responsabilidade — colecionou 29 pedidos de impeachment. Mas nunca foi chamado de genocidaItamarFHCLula e Temer foram agraciados, respectivamente, com 4, 27, 37 e 33 pedidos de impeachment, mas concluíram seus mandatos e jamais foram chamados de genocidas. A gerentona de araque foi penabundada porque estava quebrando o país. Madame foi alvo de 68 pedidos de impeachment, mas ninguém jamais a acusou de genocídio.

Por essas e outras, fosse esta banânia um país que se desse ao respeito, o mandatário de turno já teria sido despejado e internado. Antes mesmo de completar um ano no cargo, o capitão já abria larga dianteira em relação a seus antecessores. Em fevereiro passado, o réu que sucedeu a Rodrigo Maia na presidência da Câmara herdou uma pilha com cerca de 60 pedidos de abertura de processo de impeachment contra Bolsonaro. Hoje, são quase 120

Embora vivesse às turras com o chefe do Executivo, Maia não deu andamento a nenhum dos pedidos de impedimento do desafeto. “Houve erros, mas não crimes de responsabilidade”, disse o ex-presidente da Câmara, que agora corre o risco de ser contraditado pela CPI da Covid. E Arthur Lira segue na mesma linha: pressionado, o deputado centrista cearense disse candidamente que todos os pedidos que ele analisou são “inúteis”. Quando se põe a raposa para tomar conta do galinheiro, ela encarrega as outras raposas de investigar o sumiço das galinhas.

Em março de 2020, quando o Brasil contabilizava 6 mil mortes pela “gripezinha”, o jornal norte-americano The Washington Post concedeu a Bolsonaro o título de pior líder mundial no combate à pandemia. Hoje, são 435 mil os cadáveres produzidos pela doença — dois terços das quais se deveram a ações e omissões de um mandatário negacionista e genocida

O supremo togado Gilmar Mendes, o deputado federal Kin Kataguiri, o abutre vermelho Lula, seu bonifrate Fernando Haddad e o youtuber Felipe Neto são alguns exemplos de autoridades e influencers que já classificaram Bolsonaro de genocida. Em mensagem enviada a um grupo de ministros do STF, o então decano da Corte Celso de Mello comparou o presidente a Hitler, e uma coalizão que representa mais de um milhão de trabalhadores da saúde no Brasil, apoiada por entidades internacionais, denunciou-o ao Tribunal Penal Internacional, em Haia, por crimes contra a humanidade e genocídio. Semanas atrás, Miguel Urbán Crespo, integrante do Parlamento Europeu, disse durante um discurso em plenário que a “necropolítica” do presidente brasileiro no combate à pandemia constitui um crime de lesa-humanidade, e que Bolsonaro não é só um perigo para o Brasil, mas para o mundo inteiro.

A despeito de tudo isso, as pesquisas de intenção de voto indicam que o circo da sucessão terá como protagonistas (de novo) os dois extremos do espectro político-ideológico. A diferença é que desta vez o extremista de esquerda poderá dispensar o “poste” e disputar o pleito pessoalmente, uma vez que o STF lavou sua ficha imunda — criando a bizarra figura do “ex-corrupto”.

Falando em “postes”, elegê-los tornou-se uma especialidade de Lula. Certa vez, depois de um jantar regado a “Romanée-Conti” — um dos vinhos da Borgonha mais caros do mundo, que chega a custar US$ 25 mil a garrafa —, o então presidente, entre baforadas da cigarrilha cubana acesa pelo diligente Delúbio Soares, assim se dirigiu a seus asseclas:  Sabem, ‘cumpanhêros’, hoje, sem falsa modéstia, eu elejo até um poste para governar o Brasil.”

E elegeu mesmo. Só que antes de empalar a nação com Dilma Rousseff, a gerentona de araque, Lula havia designado José Dirceu — egresso da DGI (órgão cubano de espionagem financiado pela KGB) —, que lhe fazia as vezes de ministro-chefe da Casa Civil. Mas a canoa virou quando o ex-guerrilheiro de festim foi denunciado pelo deputado Roberto Jefferson como operador-mor do Mensalão.  

Outro “poste” que o Parteiro do Brasil Maravilha tentou conduzir à Presidência foi o “cumpanhêro” médico ribeirão-pretano Antonio Palocci — coordenador de sua equipe de transição e ministro da Fazenda em seu ímprobo governo. Mas o barco afundou quando veio a lume o imbróglio envolvendo o caseiro Francenildo Costa, testemunha de acusação contra Palocci no “Escândalo da República de Ribeirão Preto” (cujo cenário era uma mansão de Brasília onde rolavam negociatas do governo e encontros com prostitutas, agendados pela cafetina Jeany Mary Corner).

Assim, o único poste que deu certo afora Fernando Haddad — este somente na disputa pela prefeitura de São Paulo e apenas em 2012, já que foi derrotado por João Doria quando tentou se reeleger em 2016, e por Jair Bolsonaro na disputa pela Presidência em 2018 — foi a prosaica figura que, antes de se aventurar na política, faliu duas lojinhas de R$ 1,99 em Porto Alegre (RS); que sem saber atirar virou modelo de guerrilheira; que sem ter sido vereadora virou secretária municipal; que sem passar pela Assembleia Legislativa virou secretária de Estado; que sem estagiar no Congresso virou ministra; que sem ter inaugurado nada de relevante fez pose de gerente de país; que sem saber juntar sujeito e predicado virou estrela de palanque; que sem ter tido um único voto na vida até 2010 foi eleita presidente desta banânia e levou o país à insolvência, a inflação à casa dos 2 dígitos e o desemprego à das dezenas de milhão.

Depois de um dos maiores estelionatos eleitorais da nossa história (atrás apenas do que seria promovido pelo então candidato à Presidência em 2018), a presidanta arroganta e pedanta foi reeleita, mas acabou afastada do cargo 1 ano e 5 meses depois e devidamente penabundada dali a pouco mais de 3 meses. No parecer do então PGR Rodrigo Janot, o impeachment desse “poste” também encampava, no “conjunto da obra”, os crimes de corrupção ativa e passiva, obstrução da justiça e organização criminosa.

Concluída esta (não tão) breve introdução, passo a tratar do cenário (lamentável) que se descortina à luz das recentes (e prematuras) pesquisas de intenção de voto, que, sem exceção, apontam para o embate (de novo) entre o nhô ruim e o nhô pior — ou por outra, entre o antilulopetismo e o antibolsonarismo. A se confirmar essa perspectiva desalentadora, o eleitor consciente (e isso exclui as torcidas organizadas de ambos os contendores) será novamente forçado a optar pelo “menos pior”. Mas é preciso ter em mente que, quando se escolhe o menor de dois males, ainda assim o que se escolhe é um mal.

Quem vaticina que o embate entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável. Se aqueles que não querem que essa polarização se repita virem-na como inevitável, assim será. Portanto, não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, mas sim de criar alternativas.

Para concluir (por hora, pois voltar a este tema será inevitável), cumpre salientar que os números do DataFolha apontam que 41% dos entrevistados responderam que votarão em Lula (uma vantagem de 18% em relação a Bolsonaro). Num eventual segundo turno, o petista atrairia os eleitores de Doria, Ciro e Huck (note que o apresentador global ainda não confirmou a candidatura) e o capitão sem partido ficaria com a maior fatia dos eleitores de Moro (o ex-juiz já afirmou que não participará da disputa). Nesse cenário, Lula venceria Bolsonaro por 55% a 32%.

Realizada na mesma semana, a enquete do Paraná Pesquisas aponta 32,7% das intenções de voto em Bolsonaro e 29,3% em Lula — no segundo turno, o capetão venceria o petralha por 42,5% a 39,8%. Os números do Atlas Político também favorecem Bolsonaro no primeiro turno(37% a 33,2%) mas dão a vitória a Lula no segundo (45,7% a 41%). O XP/Ipespe aponta empate no primeiro turno (ambos com 29%) e vitória de Lula no segundo (42% a 40%). O PoderData indica empate no primeiro turno (ambos com 32%) e vitória do petralha no segundo (50% a 35%).

Cenários variados de disputa, datas não coincidentes de apuração e defasagem de dados oficiais — problema realçado com o adiamento do Censo — ajudam a explicar resultados divergentes de pesquisas, diz o Valor Econômico. Mas a questão é que a amplitude dessas divergências vai bem além das margens de erro, como ficou explícito depois que o Datafolha deu conta de que Lula precisaria tirar só três pontos dos rivais para vencer já no primeiro turno, que Bolsonaro vem bem, com 23%, e outros seis concorrentes têm desempenho de um dígito.

Como se viu, o panorama é diverso segundo dados do Ipespe, contratado pela XP, e do PoderData, vinculado ao site Poder360 — ambos mostram Lula e Bolsonaro numericamente empatados. As entrevistas do Ipespe foram concluídas cinco dias antes do Datafolha. Já o período de coleta do PoderData coincide quase que inteiramente com o do Datafolha. Há ainda a pesquisa Atlas, iniciada após o Ipespe e concluída antes do Datafolha, que mostra Bolsonaro líder.

Nos quadros de segundo turno os números também são divergentes. E uma curiosidade: o PoderData, que tem resultados distantes do Datafolha no primeiro turno, mostra dados mais próximos do Datafolha no segundo. No Ipespe os resultados apontam empate técnico. O Atlas traz Lula com 45,7%, quase cinco pontos acima de Bolsonaro, e tanto o Datafolha quanto o PoderData mostram Lula com ampla vantagem.

Responsável pelo Ipespe, o cientista político Antônio Lavareda divulgou uma nota em que lista “fatores básicos que teoricamente seriam capazes de explicar as diferenças”. Entre eles, momentos distintos de apuração e diferenças nos total de entrevistados, mas Lavareda enfatiza mais o método de abordagem de entrevistados — presencial ou por telefone — e as variáveis de controle — recursos para verificar a consistência das informações coletadas.

Mauro Paulino, diretor do DataFolha, defende o método presencial em casos eleitorais. Para ele, o uso de um cartão circular com os nomes dos candidatos distribuídos em fatias idênticas é a única forma de não privilegiar um nome no instante da pergunta, o que contaminaria o estudo. “Para outras pesquisas, achamos perfeitamente possível o uso do telefone. Para eleitoral, não. Por telefone, o entrevistador necessariamente terá que citar um nome antes”, diz ele.

Lavareda destaca o que entende ser desvantagens da pesquisa presencial: “Na pandemia, em que se recomenda distanciamento social, é plausível que muito mais pessoas temam ser abordadas nas ruas”. Ele lembra ainda que não se usa mais esse método na Europa e nos EUA e que o acesso do eleitorado brasileiro ao celular é universal.

A ideia segundo a qual um certo perfil não seria alcançado na rua, pois muitos estão isolados ou em home office, é rechaçada por Paulino. “Só 6% estão totalmente confinados. Mas mesmo essa pessoa que não sai de casa acaba sendo representada quando entrevistamos outros com perfis parecidos, como quem só sai para ir à padaria.”

Outro ponto de divergência está na chamada variável de controle. Andrei Roman, diretor do Atlas, entende ser fundamental usar a declaração de voto do eleitor em 2018 como informação para “calibrar” a pesquisa. Isso é feito comparando o resultado apurado com o dado preciso da urna. Lavareda também é defensor desse recurso. Paulino discorda. “As pessoas esquecem em quem votou ou, conforme a conjuntura, preferem esconder qual foi o voto. Quem usa isso como controle está fazendo coisa errada”, diz.

Durma-se com um barulho desses.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

LAVA-JATO — O FURDUNÇO



No último domingo, o site The Intercept Brasil divulgou o conteúdo de mensagens supostamente trocadas entre o ex-juiz federal Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol. O site afirmou que o material lhe foi enviado por uma fonte anônima e que contém conversas escritas e gravadas nas quais o então juiz da Lava-Jato em Curitiba teria sugerido mudanças na ordem de fases da operação, além de dar conselhos, fornecer pistas e antecipar uma decisão a Dallagnol. Um investigador que conversou reservadamente com o Estado disse que somente as vítimas do ataque hacker poderão confirmar se o conteúdo é verdadeiro, já que é comum a inclusão de passagens falsas no meio de conversas “roubadas” das vítimas.

Em nota divulgada na noite do último domingo, a força-tarefa afirmou desconhecer a extensão da invasão, que possivelmente foram copiados documentos e dados sobre estratégias e investigações em andamento e sobre rotinas pessoais e de segurança dos integrantes do grupo e de suas famílias, mas reafirma que suas atividades foram desenvolvidas com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, e que não irão “se dobrar à invasão imoral e ilegal, à extorsão ou à tentativa de expor e deturpar suas vidas pessoais e profissionais”. Também por meio de nota, o hoje ministro Sérgio Moro disse que é normal juízes conversarem com procuradores e lamentou a falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores e o sensacionalismo das matérias, além de reiterar que, nas mensagens em que é citado, “não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado” (sugiro assistir a este vídeo).

Os ataques de hackers vêm sendo recorrentes e já eram motivo de preocupação dentro do MPF. Em maio, Raquel Dodge, determinou instauração de procedimento administrativo para acompanhar a apuração de tentativas de ataques cibernéticos a membros do órgão e determinou ainda à Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicação da PGR a adoção de providências para diagnosticar eventuais ataques e resolver o problema. No final de abril, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot também informou que seu celular havia sido “clonado ou hackeado”, a exemplo do relator do processo da Lava-Jato no TRF-2, Abel Gomes.

É evidente que o PT, os defensores do Lula-Livre e os advogados do petralha irão explorar ad nauseam esse vazamento. Na sua avaliação deturpada e tendenciosa, as conversas revelavam tramas nada republicanas contra o partido. A patuleia vai fazer muito barulho, mas ninguém ficará surpreso em saber que essa caterva mente, ou ao menos distorce os fatos de maneira a amoldá-los a seus propósitos — esses, sim, nada republicanos. Sobre a prerrogativa da imprensa de preservar suas fontes, não se trata o caso em tela de jornalismo, mas de ativismo ideológico — o próprio fundador do Intercept Brasil já deixou claro que sua missão é destruir Bolsonaro, o que faz dele um aliado de Lula e, consequentemente, uma fonte nada imparcial (vale a pena ler esta matéria).

Como bem frisou Rodrigo Constantino, de nada adianta atirar no mensageiro e ignorar a mensagem, mas antes de chegar a ela é preciso criticar o clima persecutório instalado no país. Há quem aprove ou condene coisas como Wikileaks e vazamentos seletivos dependendo de quem é o alvo — se expõe um adversário, é maravilhoso, mas torna-se terrível e criminoso quando expõe um aliado. Isso é tribalismo amoral, e é por isso que alguns, chamados de “isentões”, condenam ou aprovam com base no método. Os meios importam, e ao passarmos pano em meios obscuros quando os alvos são nossos inimigos estamos alimentando o monstro que amanhã poderá se voltar contra nós.

Voltando às mensagens, não nada de mais até agora. Moro pode não ser perfeito — e ninguém o é —, mas foi um juiz que procurou se manter bastante dentro dos limites éticos e legais de sua função. E as mensagens vazadas não derrubam esta imagem, além de serem imprestáveis como prova à luz do melhor Direito, uma vez que foram obtidas de forma totalmente ilegal. Do ponto de vista político, porém, elas deram munição para a defesa reforçar a ideia de que a condenação de Lula (que responde a 10 processos e já foi sentenciado em dois, num dos quais nada menos que 19 juízes em três instâncias da Justiça reconheceram sua culpa) foi injusta, que houve trama, conluio e o diabo a quatro, e que, portanto, os processos devem ser anulados. Note o leitor que nada há nas gravações que indique a inocência de Lula — ou que, parafraseando Josias de Souza, “sirva de borracha para apagar a corrupção que devastou o Brasil”.

A roubalheira que a Lava-Jato retirou debaixo do tapete da República é colossal. Nunca antes na história deste país se investigou, puniu e enjaulou tantos personagens da elite política e empresarial. Foram em cana, entre outros: o mito Lula, o príncipe dos empreiteiros Marcelo Odebrecht, o ex-governador Sergio Cabral, dois ex-ministros do porte de José Dirceu e Antonio Palocci, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, os ex-gestores de arcas partidárias João Vaccari e Delúbio Soares. Noves fora José Sarney, cuja idade avançada levou à prescrição dos crimes que lhe foram imputados, há três ex-presidentes encrencados. Michel Temer já passou pela cadeia. Aguarda julgamento. Fernando Collor é réu. Dilma Rousseff sofreu o impeachment e virou alvo do inquérito sobre o "quadrilhão do PT".

Mesmo fora de contexto e sem valor como prova perante a Justiça, as conversas entre Moro, Dallagnol, por mais bombásticas que pareçam à primeira vista (ou primeira oitiva), não apontam, repito, qualquer ilegalidade. O próprio Intercept Brasil reconhece isso, conquanto tache de “imoral” o comportamento dos envolvidos, mesmo sendo público e notório que, no Brasil, conversas entre juízes, procuradores e advogados são consideradas normais, e que a Lava-Jato é uma força-tarefa tocada a muitas mãos. Mas não há como negar que o vazamento foi um presente para a oligarquia corrupta, que ganhou o tecido, a linha e a agulha para a confecção do figurino de vítima. Daí a evidência do dano político. E mais está por vir, pois o que se divulgou até agora corresponde a uma pequena parcela do material, que conta com centenas ou milhares de horas de gravações ilegais.

Como o prego que mais se destaca é o que leva a martelada, Moro deve ser o mais afetado pelo caso, que não teria grandes consequências para o governo Bolsonaro, embora perdesse sua principal âncora de prestígio moral com uma eventual saída do ministro de Justiça — o que não se espera, mas se admite por amor à argumentação. Isso sem mencionar que uma eventual renúncia do ministro poderia aumentar os danos políticos vindos de novas denúncias de corrução envolvendo outros ministros, assessores e até mesmo familiares do presidente. Economistas não esperam grandes prejuízos no andamento da reforma da Previdência, cujo relatório deve ser entregue na próxima quinta-feira (13), nem na aprovação de créditos suplementares para contornar a regra de ouro e garantir o pagamento de benefícios assistenciais.

Todos os filhos do presidente que atuam na política vieram a público defender Moro, assim como o vice-presidente, General Hamilton Mourão. Por outro lado, membros da oposição anteciparam seu retorno à Brasília para coordenar a melhor forma de convocar Moro a prestar esclarecimentos ao Congresso (parece que agora isso está na moda). A greve geral marcada para o próximo dia 14 contra a reforma da Previdência deve ter o mote do Lula-Livre fortalecido, e já se fala na possibilidade de a tramitação do projeto anticrime e anticorrupção do ministro da Justiça ser prejudicada.

Como as revelações não implicam (pelo menos até agora) os atuais responsáveis pela Lava-Jato em Curitiba, as investigações devem seguir normalmente, mas oponentes da operação e até mesmo membros do Judiciário que já se mostravam desconfortáveis com os métodos da força-tarefa, inclusive dentro do STF, terão mais munição para seus questionamentos. Mas nunca é demais relembrar que o conteúdo revelado pelo The Intercept Brasil foi obtido de forma ilegal, o que inviabiliza seu uso pela Justiça.

Para concluir, segue trecho do texto publicado por Alon Feuerwerker no site Poder360:

Política é guerra, inclusive de narrativas. E a do PT faz um gol importante com a revelação (que surpresa!) das relações íntimas, e talvez promíscuas, entre a Lava-Jato e o então juiz Sérgio Moro
Deve se dar um desconto no “uh! oh!”, pois não apenas Moro e a Lava-Jato sempre foram tratados pela opinião pública como uma coisa só: Moro sempre recebeu da mesma opinião pública o tratamento de chefe da força-tarefa. Mas o cinismo e a hipocrisia também fazem parte.

A dúvida agora é outra. Quando exatamente Moro ministro deixará de ser um ativo para o presidente Jair Bolsonaro e se transformará em passivo? E livrar-se de Moro, numa eventualidade, será um problema ou uma solução para o presidente? O ministro da Justiça até agora injetava prestígio nos cofres políticos do governo. Mas, como Elio Gaspari comentou neste domingo, talvez o chefe esteja desconfiado de que o chefiado quer seu lugar.

É baixa por enquanto a probabilidade de as revelações do Intercept sobre os detalhes das relações Moro/Lava-Jato baterem na porta do gabinete presidencial. Mas o site diz ter muito material, e uma tática jornalística legítima é deixar o alvo de acusações afundar-se nos próprios desmentidos, enrolar-se na própria língua. O fato: Moro e a Lava-Jato estão sendo empurrados para o modo de defensiva. Sabe-se que jogam bem no ataque. Agora veremos se sabem também jogar na defesa.

É um chavão, mas será mesmo o caso de aguardar os próximos capítulos. O mais relevante para a política real: ver se a dinâmica agora favorável no Congresso será afetada. Na teoria, o Legislativo ganha se mostrar disposição de tocar a pauta do mercado enquanto Moro e a Lava-Jato tentam não afundar. Mas nem sempre a política se move por decisões racionais. E Moro e a Lava-Jato fizeram um número não prudente de inimigos nos últimos anos.

ATUALIZAÇÃOUm recurso de Lula, negado monocraticamente por Fachin e encaminhado ao plenário virtual da 2ª Turma do STF em abril, teve o julgamento interrompido por um pedido de vista do supremo-laxante Gilmar Mendes, mas voltou à pauta a toque-de-caixa e deve ser julgado nesta terça, 11, na última sessão da Turma sob a presidência de Ricardo Lewandowski (que será sucedido por Cármen Lúcia a partir da semana posterior à do feriado de Corpus Christi). Como o pedido de vista se deu antes de o STJ confirmar a condenação de Lula, existe a possibilidade de o recurso ter “perdido o objeto” — tecnicamente, a decisão monocrática do ministro Felix Fischer, contestada pela defesa do petralha no Supremo, não existe mais. Integrantes do Supremo ouvidos reservadamente pelo ESTADÃO disseram a sessão pode servir para ministros “darem recados” a Moro, a Dallagnol e à Lava-Jato, à luz conteúdo vazado de supostas mensagens trocadas entre o ex-juiz e e o coordenador da força-tarefa — conteúdo esse, nunca é demais ressaltar, obtido e divulgado ilicitamente. 

Pelo visto, as vítimas já foram julgadas e condenadas pela banda podre na nossa mais alta corte. Depois, falam do “tribunal da Internet”.