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sábado, 23 de novembro de 2024

ELE NÃO SABIA DE NADA

QUANDO A GENTE IMAGINA QUE JÁ VIU O PIOR DAS PESSOAS, APARECE ALGUÉM PARA MOSTRAR QUE O MAL É INFINITO.

 

Sob Bolsonaro, o absurdo era tramado com a naturalidade de um batizado. Adorno tétrico da trama, o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes forneceria a apoteose necessária para virar a mesa da democracia em grande estilo. Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e as consequências sempre chegam depois.
 
"Quem espera sempre alcança", reza a sabedoria popular. Sempre que se via em apuros, Bolsonaro recorria ao versículo multiuso: "conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" (João, 8:32). A Operação Contragolpe proporcionou seu encontro com a verdade, mas, ao invés de libertá-lo, a verdade o empurrará à cadeia. 

Até o momento, quatro militares de alta patente e um policial federal já foram presos. Bolsonaro, Braga Netto e Mauro Cid estão entre os 37 indiciados pela "suposta" tentativa de golpe — "suposta" porque, como sabemos, sempre há a possibilidade de o que tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré e dentes de jacaré ser, na verdade, um coelhinho branco.
 
O general Mário Fernandes, número dois da Secretaria-Geral da Presidência, deixou no Planalto um rastro pegajoso. Em uma reunião de junho de 2022, na qual o ainda presidente foi filmado rosnando contra a democracia e o Augusto Heleno advertia que era preciso virar a mesa antes das eleições, o fardado engrossou o coro vadio: 

"...É muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país [...], para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior de conturbação no 'day after', né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar". Segundo a PF, o "day after" do general incluía uma carnificina que só não aconteceu por falta de adesão da tropa.
 
Bolsonaro perdeu a reeleição em 2022. Colecionou derrotas nos pleitos municipais deste ano. A inelegibilidade o excluiu da cédula de 2026; a vitória de Trump o animou a conceder entrevistas em série, pregando uma "pacificação" escorada numa anistia inusitada, mas a cada vez mais provável condenação criminal pende como uma espada de Dâmocles sobre o plano de controlar a sucessão em seu campo político.
 
Em público, Valdemar Costa Neto, ex-presidiário do Mensalão e indiciado na última terça-feira, insiste na tese fantasiosa de que Bolsonaro "não tem nada a ver com nada". Nos bastidores, contudo, a cúpula do PL já admite que a pretensão mimetizar Lula em 2018, registrando uma candidatura legalmente inviável, já subiu no telhado.
 
A esta altura, falar em solidariedade afronta o razoável, mesmo nos insanos territórios da extrema-direita, e a  construção de uma chapa conservadora sem o veneno golpista do ex-verdugo do Planalto já começa a ser articulada. Além disso, os parlamentares do Centrão são conhecidos por carregar o caixão, não por pular na cova junto com o defunto. 
 
Cabe aos representantes da direita construir uma alternativa sensata, e a Tarcísio de Freitas, o primeiro da fila, tirar a mão da alça do caixão, trocando uma reeleição praticamente certa para o governo de São Paulo pela aventura de concorrer à Presidência em 2026. Na seara da esquerda, Lula diz que concorrerá ao quarto mandato "se tiver saúde" — se tivesse juízo, ele indicaria desde já um sucessor para recompor o arco conservador que o reabilitou não por gostar dele, mas para se livrar do refugo da escória da humanidade.
 
Indiciado, Bolsonaro renovou a pose de perseguido e atacou Moraes. Mas a demonização do ministro perdeu o nexo quando aos hipotéticos perseguidores se juntaram o delator Mauro Cid, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, que não aderiram ao golpe, os investigadores da PF, as togas que avalizam os despachos de Moraes, o procurador-geral Paulo Gonet, e por aí segue a procissão.
 
Em 1986, ainda capitão da ativa, Bolsonaro amargou 15 dias de prisão disciplinar por publicar na revista Veja o artigo "O salário está baixo". No ano seguinte, a mesma revista denunciou a Operação beco sem saída (ele e outro capitão pretendiam explodir bombas nos quarteis caso o aumento do soldo ficasse abaixo de 60%). O então ministro do Exército pediu a expulsão dos insurretos, mas o Superior Tribunal Militar acatou a tese da defesa.
 
Bolsonaro trocou a caserna por um mandato de vereador e outros 7 de deputado federal. Em 1991, defendeu o retorno do regime de exceção e o fechamento temporário do Congresso. Em 1994, disse que preferia "sobreviver no regime militar a morrer nesta democracia"; 1999, que "a situação do país seria melhor se a ditadura tivesse matado mais gente" (incluindo o então presidente FHC); em 2016, homenageou o coronel-torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra ao votar favor do impeachment de Dilma

Sem outra fonte de renda além do salário de parlamentar, a "Famiglia Bolsonaro" comprou mais de 100 imóveis, 51 dos quais foram pagos total ou parcialmente em espécie. Em "O Negócio do Jair", a jornalista Juliana Dal Piva detalha o método usado pelo clã Bolsonaro para acumular milhões de reais e construir um projeto político iniciado com o emprego de parentes e coordenado pela segunda esposa, discorre sobre as relações da família com o ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega, que virou chefe da milícia de Rio das Pedras e do Escritório do Crime e acabou executado em 2020 por policiais militares baianos e fluminenses.  
 
Em meio à pandemia, Bolsonaro disse que a reação da população e da imprensa ao vírus era "histeria". Chamou a Covid de "gripezinha de nada". Demitiu Mandetta da Saúde porque o médico "estava se achando estrela", nomeou um oncologista que não durou um mês no cargo e colocou no lugar dele o general Eduardo Pazuello, que militarizou a pasta entoando o bordão "um manda e o outro obedece". 
 
Embora o relatório da CPI da Covid lhe imputasse um dúzia de crimes, o genocida saiu ileso graças à subserviência do antiprocurador Augusto Aras, e escapou de 140 pedidos de impeachment porque Rodrigo Maia "viu erros, mas não crimes de responsabilidade", e Arthur Lira avaliou que "todos os pedidos que analisou eram inúteis". Ao longo de toda a gestão, o pior mandatário desde Tomé de Souza não só incentivou como participou de atos antidemocráticos. Chamou Moraes de canalha e Barroso de filho da puta. Transformou o 7 de Setembro em apologia ao golpe de Estado. Mas o dito ficou pelo não dito. 
 
Derrotado nas urnas, Bolsonaro se encastelou no Alvorada até a antevéspera da posse de Lula (a emenda que só não ficou pior que o soneto porque nada seria pior que a permanência de Bolsonaro no Planalto). Mestre em tirar a castanha com a mão do gato, escafedeu-se para a Flórida (EUA) e se homiziou na cueca do Pateta por 89 dias, retornando somente depois que a poeira dos atos golpistas do 8 de janeiro baixou. 

Se Bolsonaro não conspirasse 24/7 contra a democracia, não se associasse à a Covid, não rosnasse para o Legislativo e o Judiciário, não se amancebasse com QueirozZambelli, Collor, milicianos e que tais, talvez o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário, ex-condenado etc.) ainda estivesse gozando férias compulsórias na carceragem da PF em Curitiba. Mas de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
 
Desde a última terça-feira que só se fala na Operação Contragolpe e seus impactos na situação do capetão-golpista — uma novela que começou há anos e deve entrar pelo ano que vem, já que novidades surgem dia sim, outro também, e a última peça nunca fica pronta. É fato que a Justiça tem seu próprio tempo, mas fato é que é de pequenino que se desentorta o pepino.   
 
A expectativa é de que Moraes envie ao STF o relatório de 884 páginas que recebeu da PF no início da próxima semana, e que o PGR apresente denúncia contra Bolsonaro et caterva até o final do ano. Por outro lado, o tempo necessário para alinhar todas as investigações conduzidas pela PF e pela Abin pode empurrar a denúncia para depois do recesso de fim de ano do Judiciário. Mas não é só: apresentada a denúncia, cabe ao STF recebê-la, abrindo o prazo para a instrução da ação penal. 

A sentença pode sair no segundo semestre do próximo ano ou no inicio de 2026. Com as penas impostas aos envolvidos no 8 de janeiro variando entre 16 e 18 anos, é provável que, em caso de condenação, Bolsonaro permaneça inelegível por mais de uma década. Ele disse a Veja que "jamais compactuaria com qualquer plano para dar um golpe". Lavou as mãos sobre o plano que previa o assassinato de Lula, Alckmin e Moraes. Se alguém cometeu algum crime, ele não sabia. 

Collor também não sabia do esquema PC, e Lula, do Mensalão. O "eu não sabia" é um velho conhecido dos brasileiros, que reaparece a cada novo crime do Poder, sempre que algum personagem capaz de tudo pede à nação que o veja como como um incapaz de todo.
 
O Brasil terá que aprender a conviver com um Bolsonaro inelegível, indiciado e indefensável. Não será um convívio fácil, e ficará mais difícil à medida que o indiciamento evoluir para denúncia, abertura de ação penal e provável condenação. E essa convivência pode ser longa, já que a Justiça, conhecida por tardar, mas não falhar, move-se em solo brasileiros a velocidade de um cágado perneta. 

O fato de a deusa Themis ter sido retratada sentada diante do STF indica que quem recorrer àquela corte deve ter paciência de Jó: dependendo de quem julga e de quem é julgado, uma sentença pode demorar 20 horas ou 20 anos (haja vista as condenações de Maluf, de Collor e do próprio Lula).

sábado, 9 de março de 2024

NÃO HÁ NADA COMO O TEMPO PARA PASSAR E O VENTO... CONTINUAÇÃO



Muita coisa precisa mudar para o Brasil deixar de ser um país com muitas leis e pouca vergonha na cara e se tornar uma democracia como manda o figurino (detalhes nesta postagem). A Constituição Cidadã foi uma conquista, mas não a panaceia esperada após 21 anos de ditadura. Ao discursar na cerimônia de promulgação, o deputado Ulysses Guimarães frisou: "A Constituição certamente não é perfeita; ela própria o confessa ao admitir a reforma." E haja reforma! em 35 anos de vigência, nossa Carta Magna foi emendada 128 vezes. 

Infelizmente, podem-se contar nos dedos as PECs que visaram aos interesses da população. Um exemplo de emenda que ficou pior que o soneto foi a da reeleição — um casamento que parecia ser o passaporte para o paraíso, mas se transformou na antessala do inferno. Ela foi promulgada na primeira gestão de Fernando Henrique, ao som do tilintar de verbas e das vozes de deputados pilhados falando sobre uma "cota federal" destinada à compra dos votos (detalhes nesta postagem). 

Como "quem parte e reparte e não fica com a melhor parte é burro ou não tem arte", o tucano de plumas vistosas impulsionou sua recandidatura com um ruinoso populismo cambial. Reeleito, desvalorizou o real no primeiro mês de seu segundo mandato. Mas o problema das consequências é que elas sempre vêm depois

Observação: Em 2020, com 23 anos de atraso, o eterno presidente do honra do PSDB reconheceu o desastre político que produziu, e que foi uma ingenuidade "imaginar que os presidentes não farão o impossível para ganhar a eleição". Mas o problema das autocríticas, que elas sempre chegam tarde.

A maioria dos presidenciáveis prometeu propor o fim da reeleição, mas nenhum manteve a promessa depois de se aboletar no trono do Planalto. E Bolsonaro levou a perversão às fronteiras do paroxismo: a despeito de todo o populismo eleitoral, tornou-se o primeiro presidente da história a pleitear um segundo mandato e ser barrado nas urnas. Ao tentar um golpe de Estado, imaginou que o impossível é apenas um vocábulo que traz o possível injetado dentro de si. 
 
O Senado deve votar em breve o fim da recondução ao cargo de presidente, governador e prefeito, o aumento dos mandatos de quatro para cinco anos e a unificação de eleições municipais e gerais. Apôs expor as alternativas a Rodrigo Pacheco e líderes partidários, o relator Marcelo Castro, virtual coveiro da reeleição, exaltou o óbvio: "Não está funcionando.

Observação: Lula é contra a mudança, mas a opinião de um admirador confesso de Maduro, Castro et caterva, que culpa a Ucrânia pelo conflito no Leste Europeu e diz que democracia é "um conceito relativo", não pode ser levada a sério. 
 
Outra mudança que se impõe tem a ver com o STF, mais exatamente como a forma como são indicados os substitutos dos ministros que trocam a suprema toga pelo supremo pijama — ou pelo pijama de madeira, como aconteceu com Menezes Direito em 2009 e Teori Zavascki em 2016 
—, lembrando que a aposentadoria é compulsória quando o togado completa 75 anos, mas nada impede suas excelências de antecipá-la, como fez Joaquim Barbosa em 2012, aos 59 anos. 
 
De acordo com o artigo art. 104 da CF, os candidatos devem ser brasileiros natos, ter entre 35 e 65 anos e gozar de reputação ilibada e notável saber jurídico. Não é preciso ser juiz de carreira, advogado ou mesmo bacharel em Direito. Na prática, basta cair nas boas graças do PR de turno (que é o responsável pela indicação), de pelo menos 14 dos 28 integrantes da CCJ do Senado e 41 dos 81 senadores na sessão plenária. 

Observação: A sabatina é eminentemente protocolar: em 134 anos de república, os senadores rejeitaram apenas 5 indicações, todas durante o governo de Floriano Peixoto (confira essa e outras curiosidades no estudo publicado pelo decano Celso de Mello em 2014).
 
A posse acontece numa cerimônia realizada no próprio STF, quando então o novo minitro veste a toga e se acomoda na poltrona de onde passará a julgar e condenar os pobres, absolver os ricos, soltar traficantes e chefes de organizações criminosas e amoldar a Constituição para favorecer políticos corruptos e outros criminosos de estimação. 

Entre juízes auxiliares, estagiários, capinhas e terceirizados, o Supremo emprega 2.500 funcionários (média de 222 por ministro) e custa mais de R$ 1 bilhão por ano aos contribuintes. E enquanto os "padrinhos" ficam no Planalto por 4 ou 8 anos (Lula é um ponto fora da curva, mas isso é outra convexa), seus apadrinhados permanecem inamovíveis até sabe Deus quando. O impeachment é previsto na Constituição, e nunca faltaram pedidos, mas nenhum ministro jamais foi penabundado.
 
Continua...

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

THE END

 

A percepção do mundo entrega a alguns indivíduos uma leitura equivocada das consequências de seus atos. Até não muito tempo atrás, criminosos tentavam encobrir os rastros; hoje, a maioria não se dá mais a esse trabalho. 

Bolsonaro convenceu a si e a seus apoiadores da imprestabilidade das urnas eletrônicas, e de que o STF e o TSE conspiravam contra sua reeleição. Daí milhares de sectários bolsonaristas terem tocado o terror no DF no último dia 8 e filmado a si e seus comparsas praticando os atos criminosos. 
 
Antes da Lava-Jato, culpávamos a morosidade da Justiça e as falhas do sistema pela impunidade de criminosos de alto coturno. Aí a força-tarefa colocou atrás das grades cinco ex-governadores fluminenses e fez ver um ex-presidente da República ver o sol nascer quadrado, ainda que por míseros 580 dias. 
 
O impeachment de Dilma interrompeu a corrupção desbragada dos governos lulopetistas. Temer, denunciado por Joesley Batista, foi abatido em seu voo de galinha, o que contribuiu para transformar um reles dublê de mau militar e parlamentar medíocre na solução que pedimos a Deus e o Diabo forneceu.  
 
Em um mundo ideal, não haveria Lula nem Bolsonaro. Em uma democracia ideal, os cidadão não votariam em políticos populistas, demagogos e ímprobos. Em um cenário ideal, um ex-presidente condenado por corrupção não seria reconduzido ao cargo décadas depois 
— e muito menos teria a cara de pau de dizer que o impeachment de sua imprestável sucessora foi um golpe de Estado. A questão é o que o país em que vivemos nada tem de ideal. 
 
Neste arremedo de republiqueta de bananas, muares apedeutas travestidos de eleitores repetem os mesmos erros, eleição após eleição, na esperança de obter um resultado diferente. Nesta banânia, um criminoso condenado deixa a cadeia pela porta da frente, tem a ficha imunda lavada a toque de caixa, é reabilitado politicamente e reconduzido ao Planalto pela terceira vez simplesmente porque a resultado do último pleito foi a emenda que ficou pior que o soneto.
 
É compreensível que facções petistas radicais (tão boçais quanto os bolsonaristas de raiz) alardeiem que o impeachment de Dilma foi um golpe de Estado, mas é inadmissível que Lula defenda essa tese absurda diante dos presidentes da Argentina e da Bolívia

O que houve de ilegal na deposição da gerentona de araque foi a vergonhosa maracutaia urdida pelos então presidentes do Congresso e do STF. Mas a questão que se coloca é: como um governo que pretende acabar com as fake news e combater a desinformação tenta transformar mentira em verdade? 
 
O impeachment é um processo político. Dilma foi apeada do cargo porque não tinha jogo de cintura no trato com o Parlamento. As folclóricas "pedaladas fiscais" foram a justificativa mais à mão para o pé na bunda. No caso do próprio Lula
não há falar em inocência, embora ele o faça despudoradamente (e impunemente, o que é ainda pior). Suas condenações foram anuladas — com base em uma tecnicidade — porque, naquela conjuntura, a anulação era conveniente para os donos do poder.
 
Para de tentar emplacar uma versão fake do impeachment, Lula articula a implementação de medidas que visam à prevalência da "verdade oficial", como a remoção de conteúdos publicados nas redes sociais que desmintam sua versão fantasiosa com base no "Pacote da Democracia" de Flávio Dino.  E, a exemplo do Ministério da Justiça, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República devem fiscalizar "peças de desinformação" e promover "políticas de igualdade social". 
Vejam a que ponto chegamos — ou estamos em via de chegar. 

Se as ações do ministro Alexandre de Moraes, respaldadas pelo plenário do STF, são criticadas por parte da sociedade, uma censura governamental implementada à revelia do Judiciário...

Enfim, nada resta a dizer senão "THE END".

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

PROCURAM-SE OS CULPADOS


Golpes de Estado pressupõem lideranças, mas ninguém se responsabilizou pela versão tabajara da invasão do Capitólio, mediocremente executada por um bando de fanáticos estimulados por Jair Messias Bolsonaro, e que só malogrou porque não teve o apoio incondicional dos militares, das PMs e da PF.
 
Bloqueios em rodovias e acampamentos montados defronte a quarteis do Exército eram sinais evidentes de que a merda estava prestes a bater no ventilador, mas foram ignorados ou relativizados. Lula disse que houve uma tentativa de golpe de Estado", que os invasores foram orientados por Bolsonaro (que sabia de tudo e, por isso, continua escondido na cueca do Pateta), que "alguém de dentro do palácio" abriu as portas para os vândalos, que o serviço de inteligência do governo "não existiu"... e que é contra a instalação de CPI para apurar o episódio.
 
A presidência caiu no colo de Bolsonaro porque vivemos num arremedo de projeto de banânia, onde o "nós contra eles", semeado pelo lulopetismo corrupto há quase meio século, produziu o bolsonarismo boçal. No entanto, a emenda feita para evitar a volta do ladrão à cena do crime (palavras do vice Geraldo Alckmin, a quem falta vergonha na cara, mas sobra conhecimento de causa) saiu pior que o soneto. E quem entrega a chave do galinheiro às raposa abdica do direito de reclamar do sumiço das galinhas.
 
Isso explica por que um ex-presidente corrupto foi descondenado, teve a ficha imunda lavada e foi reinserido no tabuleiro da sucessão presidencial, mas o fato de um sacripanta desprezível ser venerado por milhões de fanáticos — não que os sectários do demiurgo de Garanhuns sejam gente melhor, mas isso é outra conversa — continua sendo um mistério. 
 
Milhões de pessoas supostamente esclarecidas parecem não entender que um ataque ao Estado de Direito foi desfechado no último dia 8, a despeito de a barbárie ter sido transmitia ao vivo e em cores pela televisão. No entanto, boa parte do povinho de merda que o Criador colocou neste país de merda se declara negro para roubar o lugar de alguém num concurso; que, ao votar, faz invariavelmente as piores escolhas; que dá ouvidos a imbecis que desacreditam as vacinas; que cobre o focinho com a bandeira nacional e depreda o patrimônio público a golpes de picareta, e por aí segue a procissão. Para essa gentalha, até a realidade é relativa.
 
Devido a suas declarações golpistas (que Arthur Lira e Augusto Aras ignoraram solenemente), Bolsonaro encabeça a lista dos responsáveis pelos ataques do dia 8. Lideranças do PL defendem seu retorno ao Brasil, por considerarem que a demonstração de apoio popular — 58 milhões de votos — seria sua melhor defesa, mas o sociopata genocida deve continuar escondido na cueca do Pateta. 
 
Pensando bem, dizer que vivemos em um país de merda é elogio.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

FRITO NA PRÓPRIA GORDURA (PARTE II)

 

Bolsonaro só foi eleito presidente porque era preciso evitar a volta da quadrilha petista ao poder, mas a emenda ficou pior do que o soneto. Durante seu mandato, não se passou um dia sequer sem que a democracia fosse alvo de suas intenções golpistas. 

No palanque de 7 de Setembro de 2021, em meio a ofensas ao STF e seus ministros, Bolsonaro bravateou: "Só saio preso, morto ou com a vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso." O eleitor sonegou-lhe a vitória e Deus prolongou-lhe e a vida, mas faltou presentear a pátria e a família brasileira com uma boa investigação. 
 
Com quatro anos de atraso, a PGR acordou para o truque de Bolsonaro, que sempre difundiu mentiras nas redes sociais para municiar a milícia digital que propaga sua realidade paralela como se rabiscasse desenhos rupestres nas paredes das cavernas eletrônicas do bolsonarismo. Com a água na altura do beiço, Augusto Aras se viu forçado a criar um Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos. Sonegando uma boia a sua parceira bolsonarista Lindôra Araújo, o eminente jurista soteropolitano entregou o comando do tal grupo subprocurador-geral Carlos Frederico Santos.
 
Passadas 48 horas da encenação tabajara do ataque ao Capitólio, um vídeo em que o procurador bolsonarista Felipe Gimenez afirma que Lula foi "escolhido pelo serviço eleitoral e pelos ministros do STF e do TSE" foi compartilhado nas redes sociais do ex-presidente. O post foi apagado na madrugada do último dia 11, mas já havia viralizado nas redes sociais. 

Respaldada numa representação assinada por 79 membros do MPF, a PGR peticionou ao STF para que Bolsonaro seja investigado, e o ministro Alexandre de Moraes não se fez de rogado.  No despacho em que determinou a inclusão do capitão no inquérito 4.921, o magistrado mencionou outros inquéritos que tramitam no Supremo, entre os quais os que investigam a atuação de milícias digitais, a disseminação de notícias falsas sobre vacinas contra a Covid e o vazamento de investigação de ataque aos computadores do TSE. 
 
A PGR incluiu em sua ação um pedido para que Bolsonaro seja intimado a prestar depoimento, mas o togado preferiu adiar a oitiva, já que o ex-presidente continua escondido na cueca do Pateta: "Diante das notícias de que o ex-presidente não se encontra no território brasileiro, o pedido de realização do interrogatório do representado Jair Messias Bolsonaro será apreciado posteriormente, no momento oportuno."
 
Bolsonaristas reputaram injusta a determinação de Moraes, já que Carlos Bolsonaro dispõe das senhas de todos os perfis mantidos pelo pai nas redes sociais e provavelmente foi o responsável pelo compartilhamento da postagem tóxica. Ouvido sobre a nova versão, um ministro do STF enxergou nas alegações uma "tentativa vã de construir um álibi" para Bolsonaro — nessa hipótese, Zero Dois seria "coautor do crime de incitação pública à prática de crime, previsto no artigo 286 do Código Penal".
 
Na prática, Bolsonaro já está preso. Alvo de cinco investigações no STF e incluído no inquérito 4.921, o ex-presidente virou uma baleia dentro de um micro-ondas. Com tanta gordura ao redor, os investigadores não precisam de pressa para deixar o investigado bem passado.
 
Com Josias de Souza

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

EM BRASÍLIA DAS MARAVILHAS...

 

ATUALIZAÇÃO: Bolsonaristas radicais invadiram o Congresso, o STF e Palácio do Planalto neste domingo. PMs tentaram contê-los com spray de pimenta e bombas de efeito moral (só faltou levar flores). O ministro da Justiça exaltou o óbvio ao chamar os atos antidemocráticos de "absurdos" e afirmar que a "tentativa de impor a vontade pela força não vai prevalecer". Após a invasão, a sumidade que preside o Congresso postou que o governo do DF "envidou esforços para controlar a situação", e que "os atos antidemocráticos devem ser punidos com o rigor da lei (e com urgência)". Rápido no gatilho, o ministro Alexandre de Moraes determinou o afastamento de Ibaneis Rocha do cargo. A cada dia que passa, este que vos escreve fica mais orgulhoso de ser brasileiro e militante do partido PQP/VTnoC. 

O Ibovespa caiu 3% no dia seguinte à posse de Lula e recuou mais 2,08% no segundo pregão do ano, quando foi divulgado que privatizações de estatais como a Petrobras e os Correios seriam revogadas. O bonifrate do ex-presidiário mais famoso do Brasil, ora promovido a Ministério da Fazenda com a missão de obedecer seu mestre como o general pançudo obedecia o dele, tentou botar água na fervura, mas não sensibilizou o mercado, que, curiosamente, se comporta em relação a Lula e Haddad de forma inversa à adotada por ocasião da posse de Bolsonaro e Paulo Guedes.  
 
Em seu primeiro discurso como ministro da Fazenda, Haddad — seguramente um dos piores prefeitos que Sampa já amargou — fez promessas redundantes, e Lula agravou o quadro dizendo que "o teto de gastos é uma estupidez". Para o economista e ex-ministro Maílson da Nóbrega, "estupidez é dizer que o teto de gastos é estupidez". 
 
Na primeira semana do governo Lula, três temas negativos geraram 690,7 mil interações em redes sociais em três dias. A repercussão foi em torno de três ministros: Daniela Carneiro (Turismo), que fez campanha eleitoral com um miliciano condenado por homicídio; José Múcio (Defesa), que considerou democráticas as manifestações de bolsonaristas em frente aos quartéis; e Carlos Lupi (Previdência), que causou instabilidade no mercado ao defender uma antirreforma da Previdência.
 
Lula foi citado em 2,5 mil postagens sobre a polêmica envolvendo a ministra do Turismo. Dessas, 75,2% foram negativas; 18,1% foram neutras e 6,7%, positivas. Sobre o tema, foram registradas 238,9 mil interações nas três redes sociais analisadas. Sobre a declaração de José Múcio, foram cerca de 1,7 mil postagens citando o presidente nas redes. Do total, 41,2% tinham conteúdo negativo; 10,8% foram positivas e 48%, neutras. A soma das interações chegou a 230,8 mil nas três redes. Já a "antirreforma" proposta por Lupi totalizou 221 mil interações em postagens que mencionaram Lula. Ao todo, foram 1,2 mil postagens, das quais 34,1% foram negativas para Lula; 8% foram positivas e 57,9%, neutras.
 
O "superministro" Paulo Guedes passou os últimos anos tentando não borrar a maquiagem da personagem que lhe foi atribuída por Bolsonaro, mas a emenda ficou pior que o soneto. Apresentado como o "esteio liberal do governo e principal indutor das reformas estruturais do Estado", Guedes se revelou um mentiroso contumaz sobre supostos feitos do governo, um esbirro desconectado da realidade que assistiu impassível ao desmonte do teto dos gastos públicos, à ampliação dos recursos destinados a abastecer o “orçamento secreto” e ao uso do dinheiro do contribuinte para bancar benesses eleitoreiras concedidas a grupos que diziam apoiar a reeleição do capetão. A exemplo do mandatário de fancaria, o Posto Ipiranga tabajara viajou para os EUA dias antes da troca de comando (se ele pretende voltar ou não, só o vento sabe a resposta). 
 
Na terça-feira 3, o ex-presidente fujão anunciou pelo Twitter uma redução no preço médio da energia elétrica no Brasil. Como se ainda presidisse alguma coisa. Em contra partida, a versão 3.0 do Parteiro do Brasil Maravilha determinou a CGU que reavalie os casos postos sob sigilo de 100 anos por seu antecessor. O artigo 31 da Lei de Acesso à Informação permite o sigilo de “até 100 anos" para informações de caráter pessoal, referentes à "intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas", e que um levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o ex-presidente se valeu dessa prerrogativa em pelo menos 65 casos cujas informações deveriam ser públicas.
 
Se a Justiça brasileira agisse como manda o figurino, Bolsonaro responderia pelos crimes que cometeu e se tornaria inelegível. Mas basta lembrar que Lula colecionou 26 processos e chegou a ser condenado (em três instâncias) a mais de 26 anos de reclusão, mas deixou a carceragem da PF em Curitiba após míseros 580 dias. Temer passou menos de uma semana na cadeia. Dilma e Collor nunca foram presos. 
 
Não se trata de perseguição ou revanchismo, mas de não passar a mensagem de que, para os políticos, o crime compensa.

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

LULA ESTÁ ELEITO?

 

Devemos ao Criador a súcia de apedeutas fanáticos que nos obriga escolher — mais uma vez — entre um criminoso que quer voltar à cena do crime e outro que se recusa a deixá-la, e ao advogado e procurador federal Gustavo Adolfo de Carvalho Baeta Neves o belíssimo samba-enredo O Amanhã, composto em 1978 e imortalizado na voz de Simone

Lembrei-me dessa música porque os poderes preditivos que seu compositor atribuiu a ciganas, cartomantes e seus apetrechos esotéricos são conferidos atualmente às famigeradas pesquisas de intenção de voto, que dão como certa a vitória do ex-presidiário — algumas, inclusive, apontam que essa agonia pode se encerra no dia 2 de outubro.  
 
A pré-campanha deste ano vem sendo marcada por uma escalada de violência, sendo o assassinato de Marcelo Arruda o episódio mais drástico. Segundo o Datafolha, metade do eleitorado brasileiro diz ter deixado de conversar sobre política com amigos e familiares nos últimos meses. O índice é maior entre os eleitores de Lula do que entre os apoiadores de Bolsonaro

Comportamento semelhante é percebido nas redes sociais: 53% dos eleitores mudaram a postura para evitar atritos com amigos e familiares. No WhatsApp, 43% pararam de falar sobre política e 19% saíram de algum grupo. Considerando outras redes sociais, 41% das pessoas deixaram de comentar e publicar conteúdo eleitoral.
 
Bolsonaro deveria ter sido defenestrado há muito tempo e Lula, há muito mais tempo. Isso teria evitado que o candidato que elegemos em 2018 para impedir a volta do lulopetismo se perpetuasse como uma emenda que ficou pior do que o soneto, levando "forças misteriosas" a converter o ex-presidiário em ex-corrupto e o recolocar no tabuleiro da sucessão presidencial. 
 
Dizem que a esperança é a última que morre, mas furar essa polarização é uma missão dificílima para Ciro Gomes e quase impossível para Simone Tebet. A alternativa, segundo São Diogo Mainardi, é pular do campanário de São Marcos, mas isso é fácil para ele, que mora em Veneza. Assim, caminhamos em direção à eleição mais tensa da nossa história republicana sem ter sequer um gato que faça as vezes do cachorro de que não dispomos.
 
A certeza de que Lula vai vencer — e vai vencer com folga — vem promovendo alterações significativas no tabuleiro da política. Partidos que até recentemente se dividiam entre bolsonaristas e lulistas agora se dividem apenas sobre qual é o melhor momento para aderir à candidatura do PT. O MDB de Simone Tebet, por exemplo, pretendia barganhar seu apoio no segundo turno, mas corre o risco de ser atropelado por um triunfo imediato do petralha. O PSDB, farejando o perigo, resolveu dar uma rasteira em Simone, sob o pretexto de que é preciso impedir a quartelada bolsonarista.
 
Em entrevista ao Valor, Ciro afirmou que "Lula não tem escrúpulo de nenhuma natureza." Disse ainda que um eventual terceiro mandato do petista será uma grande tragédia. "O cenário atual é totalmente diferente de 2003. O povão quer cerveja e picanha, mas Lula terá uma conta impagável com Renan Calheiros, Eunício Oliveira, MDB, Guilherme Boulos. Depois de nomear um banqueiro para a Economia, entregar as políticas de papo-furado (mulher, índio e negro) para o PT se divertir e dar o Orçamento para o Centrão se locupletar, Lula vai passear no estrangeiro.
 
Observação: As medidas eleitoreiras adotadas por Bolsonaro e pelo Congresso neste ano vão tirar R$ 178,2 bilhões do caixa do Planalto em 2023, informa o Estadão. O valor sobe para R$ 281,4 bilhões com a redução do caixa dos governadores e dos prefeitos. A lista inclui um custo adicional de pelo menos R$ 60 bilhões para financiar o Auxílio Brasil — medida que já foi antecipada por Lula e Bolsonaro — e um gasto de R$ 25 bilhões para custar o reajuste salarial de 10% aos servidores públicos (que não repõe nem metade da inflação acumulada de 25% prevista para o período de 2020 a 2022).
 
Ao ser perguntado pelo Valor se não poderia ter ajudado Fernando Haddad a conquistar mais votos em 2018, o candidato do PDT respondeu: Em nome de quê? Lula mentiu para o povo. Dizendo, de dentro da cadeia, que era candidato sabendo que não poderia. Ele me convidou para fazer essa farsa junto com ele. Na época, mandei um palavrão de volta. E aí ele lança quem? Alguém cujo histórico era perder a eleição para nulo e branco um ano antes.
 
O manifesto em defesa da democracia reflete esse novo clima. Depois do fiasco da Terceira Via, alguns dos maiores empresários do Brasil resolveram apoiar Lula — um dos promotores do manifesto, Josué Gomes, é cotado até para ministro da Fazenda. Os militares também entenderam que a disputa está decidida e passaram a cochichar para a imprensa que o resultado das urnas será respeitado, ao passo que os donos do Centrão já negociam com os petistas um salvo-conduto para tirá-los da cadeia.
 
Se a campanha eleitoral acabou antes mesmo de começar oficialmente, é preciso que a oposição comece a se organizar. A unanimidade lulista é fruto exclusivo da calamidade bolsonarista. Assim que chutarem o sociopata do Palácio do Planalto e o prenderem na Papuda, os brasileiros devem voltar a espernear livremente, como tem de ser.

Com Diogo Mainardi

domingo, 13 de março de 2022

NÃO CONFUNDA PALHAÇO PRESIDENTE COM PRESIDENTE PALHAÇO (CONTINUAÇÃO)

 

Dizem que o diabo sabe das coisas não por ser o diabo, mas por ser velho. Dizem também que o vinho melhora com o tempo, mas, nas pessoas, a experiência que resulta do passar do tempo pode vir ou não acompanhada da boa e velha sabedoria. 

No que concerne ao eleitorado tupiniquim, a falta de bom senso (decorrente, em grande medida, de falta de instrução) implica a possibilidade (nada remota) de a próxima eleição presidencial ser uma edição reeditada e piorada do pleito plebiscitário de 2018. A diferença é que, em 2018, não faltaram ao então candidato pelo PSL "cabos eleitorais" de peso, como Lula na cadeia, a sensaboria do bonifrate Haddad, a facada de Adélio Bispo (que livrou o ex-capitão de participar dos debates), o impulsionamento espúrio da campanha nas redes sociais, a confiança conquistada com Paulo Guedes na Economia e Sergio Moro na Justiça, e assim por aí vai.

Sabíamos (ou deveríamos saber) que faltavam ao dublê de mau militar e parlamentar medíocre competência, preparo e envergadura para presidir um mísero carrinho de pipoca, mas a perspectiva de ver o país comandado (novamente) por um criminoso, então condenado e preso... Enfim, apostamos nossas fichas em Bolsonaro e torcemos para a emenda não sair pior que o soneto. Mas diz outro velho ditado que basta fazer planos para ouvir a gargalhada do diabo. 

Passando ao que interessa, Volodymyr Zelensky, que até poucas semanas atrás era para nós um ilustre desconhecido, nasceu no sul da Ucrânia e passou quatro anos na Mongólia até retornar à cidade natal. Já na faculdade, percebeu que tinha talento como humorista e apareceu com frequência em programas televisivos. Mesmo tendo concluído o curso de Direito, decidiu seguir carreira como comediante e produtor de TV. Em 2006, venceu a primeira temporada da versão ucraniana do programa “Dança dos Famosos”. Seis anos depois, sua produtora fechou contrato com a rede de TV ucraniana 1+1, de Igor Kolomoysky — dos homens mais ricos do país — e a parceria fez com que Zelensky chegasse ao cinema atuando em comédias românticas como “8 First Dates”

Nesse entretempo, o então presidente ucraniano Viktor Yanukoyvich — um lambe-botas de Putin e corrupto de marca maior — se recusou a assinar um termo de aproximação com a União Europeia. Os ucranianos protestaram, derrubaram dito-cuja e elegeram o bilionário Petro Poroshenko, na tentativa de acabar com a corrupção. Uma insurgência apoiada por Putin resultou na anexação da península da Crimeia e deu azo a movimentos separatistas pró-russos. Em meio a tudo isso, Zelensky filmava a série de TV Servant of the People, que estreou em 2015. Tratava-se da história de um professor (interpretado pelo próprio Zelensky) cujo discurso contra a corrupção feito em sala de aula foi gravado por um de seus alunos, viralizou na Web e culminou com a eleição do mestre-escola presidente da Ucrânia com 60% dos votos. 

Enquanto os ucranianos assistiam aos episódios, Putin se reunia com líderes mundiais em Minsk para assinar um acordo de paz que poria fim aos combates, mas os conflitos na Ucrânia foram retomados. Em dezembro de 2018, a vida imitou a arte: Zelensky criou o partido “Servo do Povo”, anunciou sua candidatura à presidência e, mesmo enfrentando quase três dúzias de concorrentes, obteve 30% dos votos no primeiro turno (contra 16% de seu principal oponente) e venceu o favorito de Putin com 73% dos votos

Observação: Durante seu primeiro ano do mandato, Zelensky recebeu de Donald Trump, então presidente dos EUA, um pedido para investigar o filho de Joe Biden em troca de apoio econômico. O telefonema rendeu a Trump um pedido de impeachment (que não foi aprovado no senado).

Ao apresentar um plano de governo considerado vago, o mandatário ucraniano levou para a vida real as críticas feitas na TV aos "oligarcas" da política e defendeu a entrada de seu país na União Europeia e na Otan — questão central do atual conflito com a Rússia. Diante da pandemia de Covid, ele articulou uma estratégia nacional para limitar a propagação do vírus, mas houve enfáticas restrições às medidas de bloqueio por parte dos que lhe faziam oposição. Paralelamente, a insurgência apoiada pela Rússia na região de Donbass se transformou na maior ameaça à estabilidade europeia desde a Segunda Guerra Mundial. E o resto é história recente: menos de um mês atrás, Putin reconheceu a independência das regiões ucranianas de Donetsk e Lugansk, anulando o acordo de paz de Minsk e despachando “mantenedores da paz” as regiões em questão.

Zelensky fez um apelo pela TV pedindo paz. Horas depois, Putin iniciou uma “operação militar especial” na Ucrânia, com direito a bombardeios em várias cidades, inclusive na capital, Kiev. O líder ucraniano se recusou a abandonar o posto, pediu ajuda para defender seu país — chegando mesmo a dizer que “precisava “de munição, não de uma carona” — e se vem valendo de sua habilidade de comunicação para liderar seu povo.  Putin achou que dominaria o país numa questão de dias, mas os ucranianos resistiram e os líderes ocidentais vem impondo um sem-número de sanções econômicas contra a Rússia. Desde então, Zelensky sobreviveu a três tentativas de assassinato, passou a ser admirado por sua coragem, inclusive por membros da oposição e segue pedindo à União Europeia que considere urgentemente admitir a Ucrânia como membro do bloco.

Como se vê, num intervalo de poucos anos Zelensky foi de humorista de TV e novato político a presidente de um país em guerra contra uma das maiores potências militares do planeta, e agora vem unindo a nação com seus discursos e selfies em vídeo, dando voz à raiva ucraniana na resistência à agressão russa. Enquanto Putin parece cada vez mais errático — acusando a Ucrânia de "genocídio" nas repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk e falando da necessidade de "desnazificar" o país, o ex-comediante, cujos pronunciamentos revelaram um lado que muitos críticos seus não esperavam, se destaca pela postura digna.

Estrategicamente posicionado em frente a um mapa da Ucrânia, Zelensky falou (na maior parte do tempo em russo) que tentou ligar para Putin, mas foi recebido com silêncio. Disse que os dois países não precisam de uma guerra, "nem uma Guerra Fria, nem uma guerra quente, nem uma guerra híbrida". Mas acrescentou que, se fossem atacados, os ucranianos se defenderiam. Na transmissão seguinte, já após a invasão russa, ele usava uniforme militar, refletindo o clima de "Davi contra Golias" do conflito. Naquela noite, em outro discurso, alertou os líderes de países como EUA e Reino Unido de que, se eles não ajudassem no esforço contra os russos, "amanhã a guerra baterá em suas portas". E concluiu: “Este é o som de uma nova cortina de ferro, que desceu e está separando a Rússia do mundo civilizado."

Nas últimas semanas, clipes antigos da série protagonizada por Zelensky exibem cenas incrivelmente semelhantes às que o agora mandatário ucraniano enfrenta na vida real. Numa delas, o fictício presidente Holoborodko caminha por uma praça quando um telefonema da então chanceler alemã Angela Merkel lhe dá conta de que o país fora aceito como membro da União Europeia (justamente um dos pedidos feitos por Zelensky na vida real, e que tem servido de pano de fundo nas tensões com Putin). "Eu estou tão feliz! Obrigado! Todos os ucranianos... nosso país... estamos esperando isso há tanto tempo", diz Holoborodko, mas então a Merkel fictícia responde: "Ah, me desculpe, foi engano meu. Eu estava telefonando para Montenegro".

Outra cena que viralizou na Web mostra Holoborodko tentando apartar uma briga entre os congressistas. Como não consegue, ele grita: "Putin foi deposto". O furdunço cessa imediatamente e todos olham para o presidente, que confessa que era mentira. Em mais um episódio, o personagem de Zelensky fantasia metralhar políticos do Parlamento ucraniano — imagem que reflete, na opinião de alguns analistas, a plataforma antissistema político que o próprio Zelensky usou para impulsionar sua campanha na vida real.

Em entrevista ao UOL, o presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira, Vitorio Sorotiuk, disse que Zelensky convidou Bolsonaro para visitar a Ucrânia quando de sua viagem à Rússia, mas o mandatário brasileiro não respondeu ao convite — o que, segundo Sorotiuk, foi um insulto ao presidente e ao povo ucraniano. No último dia 7, Roberto Livianu publicou em O Globo uma carta enviada por Zelensky a Bolsonaro. Segue a transcrição:

“Presidente Jair Bolsonaro;

As coisas estão difíceis por aqui, mas fui eleito pelo povo para governar para todos os ucranianos por quatro anos e cumprirei meu compromisso na íntegra. Aprendi desde cedo que, nas democracias, os governantes são escolhidos pela maioria, mas, passada a eleição, devem olhar realmente por todos — os “do cercadinho” e aqueles que “atiram tomates no cercadinho”. O senhor me entende, certo? Acredito nisso e pratico isso. É o que tem me fortalecido como líder.

Soube que o senhor tem desaconselhado a população a se vacinar contra a Covid-19 e que o Brasil é o segundo país do mundo com mais mortes pelo vírus — mais de 650 mil. Aqui na Ucrânia, aconselhei pessoalmente a vacinação de todos e todas, pois penso que o exemplo vem do topo. Mas respeito seu ponto de vista. Peço que transmita meus sentimentos às famílias brasileiras enlutadas — nós, ucranianos, sentimos muito as perdas humanas e nos solidarizamos. É o mínimo que se pode fazer diante da tragédia.

Por mais duro que seja, meu lema tem sido a transparência. Límpida, translúcida como uma boa vodca. Cometo erros, como todo ser humano, mas presto contas permanentemente a meu povo do que se passa nas entranhas do poder, assegurando sempre pleno acesso à informação para a sociedade e absoluta liberdade de imprensa.

Nunca havia exercido cargo político. Estou presidente da República, e é minha primeira experiência na vida pública. Assumi compromisso inarredável de lutar contra a corrupção e seu enraizamento no poder. Sou contra a reeleição — tanto no Executivo quanto no Legislativo, pois acho importante o arejamento permanente. Até porque eu jamais aguentaria cinco, seis ou sete mandatos consecutivos no mesmo nível parlamentar. Perdão, o senhor foi deputado sete vezes seguidas: nada contra sua trajetória pessoal, sou apenas contra situações assim.

Soube pela imprensa que o senhor esteve visitando o presidente da Rússia na antevéspera do ataque à Ucrânia. Fiquei sinceramente curioso, imaginando o motivo que poderia tê-lo levado àquele país em momento tão agudo. Fui comediante sim, mas não é piada. Pergunto como estadista. O mundo quer saber.

Soube que apoiadores seus publicaram postagens em redes sociais afirmando que o senhor convenceu o presidente russo a não atacar nosso país e que seria até indicado a receber o Nobel da Paz por isso. Pensei seriamente em pedir os contatos dessas pessoas para recomendá-las ao showbiz da comédia ucraniana.

A Assembleia Geral da ONU aprovou resolução condenando a guerra russa por votação avassaladora. Notei que, apesar de a diplomacia brasileira ter votado contra a agressão, pessoalmente sua posição não tem sido categórica. Continuo em meu país, contrariando o prognóstico de muitos. Sempre na luta. Fica aqui meu convite cordial para uma visita regada a vodca ou tubaína (soube que aprecia). Se quiser vir nesta semana, ficarei feliz. O que Putin e o mundo pensarão a respeito? E daí?”

Volodymyr Zelensky”